Comboni, neste dia

In lettera a Elisabetta Girelli (1870) da Verona si legge:
Noi siamo uniti nel Sacratissimo Cuore di Gesù sulla terra per poi unirci in Paradiso per sempre. È necessario correre a gran passi nelle vie di Dio e nella santità, per non arrestarci che in Paradiso.

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N° Escrito
Destinatário
Sinal (*)
Remetente
Data
791
Mgr. Joseph De Girardin
0
Cartum
2. 9.1878
N.o 791 (752) - A MGR. JOSEPH DE GERARDIN

AOSIP, Afrique Centrale



Cartum (Sudão egípcio), 2 de Setembro de 1878



Ilustríssimo senhor,



[5382]
Acabo de receber a sua venerada carta fechada em Paris a 29 de Julho, a qual me comunica que o conselho central da Obra da Santa Infância, na sua reunião de 21 de Maio passado, atribuiu à África Central a soma de 5000 francos. Não tenho palavras para exprimir o meu agradecimento a essa obra admirável e ao seu conselho central. Responderei a todas as perguntas, verdadeiramente úteis, contidas nas suas cartas, com a informação devida.


[5383]
Primeiro, quanto à pergunta sobre como fazer-me chegar as ajudas da Santa Infância, o meio melhor e mais económico é uma letra cambial sobre Rothschild, em Paris, e mandar-me esta letra cambial para Cartum, porque aqui há um negociante francês, o sr. Marquet, que aceita todas as cambiais sobre Rotshsild em Paris e que me paga no momento. A cambial endossada a meu favor poderá sê-lo a dois meses.


[5384]
Outra maneira segura é enviar o dinheiro por meio do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do cônsul-geral da França ou mandar uma letra sobre Rothschild de Paris a P.e Bartolomeu Rolleri, superior dos institutos para negros do Cairo, no Egipto, e procurador-geral da África Central. Deste meio se serve há dez anos a Propagação da Fé e é o mais seguro.


[5385]
Mas neste momento, se ainda não enviou esta soma utilizando os meios que lhe indiquei na minha carta do passado dia 16 de Agosto, pedir-lhe-ia que fizesse entregar 3000 francos ouro ao meu banqueiro em Roma, o sr. Brown e Filho, da Via Condotti, através do superior geral dos trinitários e director da Santa Infância em Roma, que é o confessor da devota família Brown, porque precisaria deles para a viagem de seis missionários para o Egipto, via Nápoles. Quanto ao resto, pedir-lhe-ia que mo enviasse quanto antes mediante uma letra cambial sobre Rothschild dirigida a P.e Rolleri, aluno do meu instituto de Verona e superior dos meus institutos do Cairo (Egipto) ou até directamente para mim, para Cartum, como lhe indiquei mais acima.


[5386]
Disse-me o cônsul austríaco e agente consular da França em Cartum que o trigo, que outras vezes nós pagávamos de 20 a 25 francos o ardeb (88 quilos), pagou-se aqui a 360 francos o ardeb. Mas desde há quatro meses quase todos os meus institutos do Vicariato deixaram de comer pão, porque me falta o dinheiro para o comprar e vive-se de durra, que é um alimento demasiado fraco para os europeus. Falo dos missionários europeus, das Irmãs de S. José de Marselha e das Pias Madres da Nigrícia de Verona e não dos alunos, dos órfãos e dos outros indígenas, que nunca provaram o pão de trigo, mas sempre de durra, o dkhon e o grão do país. Junte a tudo isto a grande falta de água potável que sofremos e verá quão penosa é a nossa situação. Porém, o Sagrado Coração de Jesus, através da Propagação da Fé e da Santa Infância, porá remédio a tudo.

Sou nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria



Seu devotíssimo

† Daniel Comboni

Bispo e vig. ap. da África Central






792
Card. J.B.R. Kutschker
1
Cartum
3. 9.1878
N.o 792 (753) - AO CARD. JOÃO B. R. KUTSCKER

AVW

3 de Setembro de 1878



Carta em latim sobre a carestia.





793
Quatro padres
1
Cartum
8. 9.1878
N.o 793 (754) - AOS PADRES ANACLETO DALLA CHIARA,

FRANCISCO FALEZZA, JOÃO B. PERUZZI E MIGUEL FALEZZA

ACR, A, c. 14/134



Cartum, 8 de Setembro de 1878



Carta em latim sobre a carestia.





794
Mons. Jerónimo Verzeri
1
Cartum
15. 9.1878
N.o 794 (755) - A MONS. JERÓNIMO VERZERI

ACR, A, c. 15/44



Cartum, 15 de Setembro de 1878



Carta em latim sobre a carestia.





795
Cón. J. C. Mitterrutzner
0
Cartum
26.9.1878
N.o 795 (756) - AO CÓN. JOÃO C. MITTERRUTZNER

ACR, A, c. 15/79



Cartum, 26 de Setembro de 1878



Dulcissime rerum,



[5387]
Como da última informação económica trimestral de P.e Paulo Rossi resulta que as casas de Verona vão perfeitamente e não têm nem um kreutzer de dívidas e dado que hoje as mais urgentes necessidades se encontram no Vicariato (também estão livres de qualquer dívida os Institutos do Cairo), por isso, para evitar a alfândega de Verona, se o senhor recolhesse esmolas, peço-lhe que as envie directamente ao sr. P.e Bartolomeu Rolleri, Superior dos Institutos de negros do Cairo (Egipto), porque ele as fará chegar a seguir às minhas mãos. Peço-lhe que siga este processo até novo aviso. Este mês escrevi a mais de quarenta deões e párocos austríacos, especialmente da diocese de Salzburgo; também me dirigi por carta a mons. Gassner, rogando-lhe que lhe envie sempre a si tudo o que recolher para a África.


[5388]
Quando o senhor mandou também para mim, para Verona, ficou na sua totalidade lá retido por P.e Paulo, a quem autorizei a fazer retenções para as necessidades daqueles estabelecimentos. Agora o senhor, sem dizer nada a P.e Paulo, faça os envios para o Cairo. E se se trata de uma letra cambial sobre Viena, Francoforte ou Paris, pode remeter-ma para Cartum directamente, porque aqui há comerciantes que ma pagam à vista.


[5389]
Gordon Paxá mostra-se implacável com a escravidão. No tempo em que está aqui (desde Junho) mandou sequestrar trinta e seis caravanas de escravos. Para comigo ele mostra-se muito favorável e vem sempre visitar-me. Decidiu confiar às nossas irmãs de Verona, actualmente em Berber, o hospital governamental de Fashoda (capital dos Schelluk) e depois, quando vierem mais irmãs, encarregá-las-á do hospital de Ladó (perto de Gondokoro) e, mais tarde, o do Nyanza Alberto, no equador. Por outro lado, às Irmãs de S. José, que se encontram aqui, confiou o hospital de Cartum, que possui quarenta camas. Compreendeu que, encarregando as Irmãs dos hospitais, viverão três quartas partes dos militares que doutro modo morreriam. E tudo, diz o escrito, sous le contrôle de D. Comboni. Com a graça de Deus e de S. José (em cujas barbas há guinéus e florins a rodos), a missão adquirirá magníficas proporções. Interessa, pois, que prospere a Sociedade de Maria de Viena, porque é símbolo de protecção austríaca do Vicariato; eu já escrevi ao cardeal-arcebispo de Viena.


[5390]
As Irmãs de Verona irão de Berber a Fashoda no próximo Outubro e um vapor do Governo irá expressamente buscá-las para as mudar para lá. A semana que vem, para preparar os locais já deixados pelo Governo, enviarei P.e Squaranti a Fashoda. Esta encontra-se precisamente em frente daquele ponto da tribo dos Denka que P.e Beltrame tinha escolhido para o Insto. Mazza, de modo que para aí e para Ladó precisam-se os dicionários e gramáticas dinca e bari que com tanto mérito o senhor compôs. Já vê o enorme serviço que com esse trabalho prestou à África e à Igreja. Não passará 1879 sem nos estabelecermos nos Nyanza, no equador. Eu já tinha tudo acordado com Gordon Paxá para o actual mês de Setembro, mas a defecção de um ou outro (porque é preciso grande abnegação, virtude e perseverança para resistir na África Central), mais as dívidas e a terrível carestia aconselharam-me a esperar.

Mil respeitosas saudações a Sua Alteza Rev.ma, ao sr. deão e a todos os seus companheiros e professores subordinados; e saiba que as suas cartas nos servem de grande conforto. O dicionário e a gramática dos Nuba seguem em frente. Rogue ao Coração de Jesus por



Seu af.mo e fidel.mo

† Daniel, bispo e vig. ap.




[5391]
Como não tinha ainda mandado a carta junta para Salzburgo, mando-a a si, pedindo-lhe que a envie. Vale.

Leia também a carta escrita em latim a mons. Gassner, de Salzburgo, e também, se for do seu agrado, leia-a também aos seus companheiros professores, ut orent, e, depois, envie-a. Mil desculpas.






796
Card. João Simeoni
0
Cartum
30. 9.1878
N.o 796 (757) - AO CARDEAL JOÃO SIMEONI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 695-699



N.o 7

Cartum, 30 de Setembro de 1878



Eminentíssimo e Rev.mo Príncipe,



[5392]
Com o último correio recebi o seu venerado escrito do passado 14 de Agosto, em que me ordena que suspenda de momento a expedição aos lagos Nyanza, pelos justos e prudentes motivos que se digna assinalar-me. E eu, sem mais, cumprindo a vontade de Deus tão claramente manifestada por meio do meu superior, suspendo de raiz a expedição, na certeza de que Deus fará o melhor por aquelas pobres almas.


[5393]
Em 1873, quando estendi as actividades do Vicariato até Gebel Nuba, a ocidente, o sr. P.e António Squaranti, reitor do meu Instituto de Verona e agora administrador-geral dos bens temporais do Vicariato e residente em Cartum, escrevia-me de Verona nestes termos: «Alegro-me de que se estenda até Gebel Nuba e ainda mais para lá, inclusive por toda a África Central; mas, por caridade, não vá ao equador, aos Nyanza, porque o equador é para mim.» E, desde então, pensei e preparei estudos e segui todas as fases das diversas viagens realizadas, seguindo as pegadas de Speke, Grant e Baker e também acerca das diferentes línguas e dos vários povos espalhados pelo equador. Mas P.e Squaranti e eu estamos contentes por obedecer à vontade de Deus, que é tão manifesta, e a ela nos ateremos.


[5394]
De resto, considero muito prudente e oportuna a decisão de Vossa Eminência Rev.ma, porque, além de estar eu ainda em apuros por causa da terrível carestia (situação a que o meu administrador e ecónomo S. José porá com certeza cobro, dentro do prazo estabelecido, que comuniquei ao Em.o card. Bartolini) e, o que é mais, além de ter de dispor ou tratar os assuntos previstos com a nova madre geral das Irmãs de S. José da Aparição, as quais são muito poucas no meu Vicariato (o que exige que eu não me mova de Cartum), dá-se, ainda, a oportunidade de constatar e sopesar o resultado das primeiras expedições dos missionários de Argel – como chegam ao seu destino, como se estabelecem lá, como conseguem suportar as duras provas inevitáveis nestas circunstâncias –, e de ver que esperanças se podem conceber tanto sobre os missionários de Argel como a respeito dos meus.


[5395]
Para isso precisam-se ao menos dois anos; e toda a decisão que se tomasse antes seria prematura e intempestiva. Porque um novo visitante chegado à África Central numa estação do ano, receberá uma impressão e encontrará facilidades ou dificuldades que não serão as mesmas caso chegue noutra estação. Por exemplo, um visitador apostólico enviado pela Santa Sé a visitar a África Central que chegasse a Cartum, ao Cordofão ou aos Nyanza entre Novembro e Abril, encontraria uma ordem perfeita, exacta observação da regra e exercício de ministério regular; encontraria a Primavera e todos dispostos a servi-lo. Mas se chegasse no tempo das febres, supondo que ele mesmo não sucumbisse ou adoecesse por longo tempo, veria cada um a resistir com a força da virtude, mas não encontraria aquela regularidade e boa ordem da estação propícia.


[5396]
Deste modo, se alguns dos missionários de Argel chegarem ao Tanganica e outros a Vitória Nyanza na boa estação, encontrarão um bom país, um bom acolhimento, bom serviço, boa assistência e estarão em condições de desenvolver rápido as primeiras actividades da implantação. Que esplêndidos relatórios à Santa Sé, à Propagação da Fé, à França, ao Univers e aos outros periódicos católicos!


[5397]
Porém, isto não permite ainda dizer que realmente os missionários estão bem estabelecidos. É preciso esperar que passem ao menos duas estações más e ver as possibilidades de solidez que tem a sua implantação, depois de todos terem caído doentes e alguns morrido e de que, para além das doenças, tenham tido que fazer frente a dificuldades e obstáculos provenientes dos nativos e das diversas sociedades de protestantes ou a problemas de outro género, como o daqueles que desanimam e voltam para trás. Só depois destas provas, ou seja, decorridos ao menos dois anos, é possível fazer-se uma ideia certa de como decorreu a implantação. Não aspirando eu senão ao verdadeiro bem da África e à sua redenção, seria feliz de que os missionários de Argel tivessem um esplêndido sucesso na sua árdua missão. E digo francamente a V. Em.a que no fundo do meu coração espero que triunfem, porque me parece impossível que entre os mais de 160 missionários de que pode dispor mons. Lavigerie (tenho os nomes de todos aqui sobre a mesa) não haja ao menos duas ou três dezenas que não resistam a todas as dificuldades e que, por amor de Deus e das almas, não se sintam dispostos a encontrar no campo de batalha (não a partir da segurança na Europa, porque aí todos estão preparados para o martírio) uma morte prematura pela Nigrícia.


[5398]
Tenho a certeza de que a Igreja e a África beneficiarão muito com tão santa e generosa instituição. Mas para julgar e tomar uma decisão sobre o estabelecimento dos limites das novas futuras missões e do limite meridional do meu Vicariato, é prudente e oportuno que passem ao menos dois anos ou duas más estações, que, na África Central, variam conforme os diferentes graus de latitude. Seria, além disso, muito conveniente e útil para a Igreja que os missionários de Argel tivessem êxito na sua santa empresa, pela influência que a África Central ganharia em França, a única que pode contrabalançar (se não cair nas mãos de Gambetta) a influência inglesa, que não está longe de certas miras, as quais, contudo, se tornarão cada vez mais moderadas, à medida que a Inglaterra se aproximar, como faz, do Catolicismo.


[5399]
Quanto à ideia de diferir a tomada de decisões definitivas, não julgo inoportuno recordar-lhe humildemente outro facto, conhecido da Propaganda e de todo o mundo.

Em 1874 mons. Lavigerie publicou uma esplêndida circular, na qual anunciava uma próxima expedição dos seus missionários a Tombuctu. A imprensa católica respondeu com entusiasmo à santa iniciativa: esmolas de todo o lado e descrição minuciosa do itinerário pela rota dos Tuaregues, das tribos por cujos territórios deveriam passar e da época em que chegariam àquele reino misterioso. A ciência e as sociedades geográficas partilhavam a alegria e entusiasmo comuns.


[5400]
Eu encontrava-me no Cordofão quando li a circular e os jornais alemães, franceses e ingleses que falavam dela e até o New York Herald, que me passou o seu correspondente. A princípio fiquei muito contente. Por quanto li, o caminho que se tomava, o processo de viajar e, sobretudo, a época em que se pensava chegar a Tombuctu, disse aos meus missionários que nenhum dos membros da expedição alcançaria o seu destino, porque, ou morreriam pelo caminho, ou seriam assassinados, ou voltariam para trás. É que compreendi bem que, se realmente os missionários seguissem aquela rota, ou se viajassem daquela maneira através da África, careceriam de experiência, a qual não se deve adquirir fazendo de uma tirada uma longa viagem, mas que se deve consegui-la, fazendo a mesma viagem, trecho a trecho, não já em cinco ou seis meses, como imaginava a imprensa, mas em cinco ou seis anos.


[5401]
E quando cheguei a Cartum, como tinha tido no passado excelentes relações com mons. Lavigerie e com mons. Soubiranne, então vigário-geral, escrevi ao primeiro uma longa carta, assinalando-lhe o fruto da minha longa experiência sobre o modo de viajar pelos desertos e pelos territórios das tribos africanas e expondo-lhe humildemente a minha opinião sobre como poderia alcançar com enorme probabilidade de êxito o seu santo objectivo, ainda que num tempo distante. Nunca recebi resposta a esta carta, que talvez nem tenha chegado às mãos do senhor arcebispo. O facto é que, encontrando-me eu no Cairo em Fevereiro de 1876, soube pela Les Missions Catholiques que os missionários que se dirigiam para Tombuctu tinham sido assassinados e li a esplêndida circular de mons. Lavigerie em que comunicava aos seus diocesanos o martírio sofrido pelos seus excelentes filhos, etc., etc., e apresentava mil justificações. Mas hoje, quem fala já de Tombuctu?... A empresa era realmente difícil. E Deus, em sua misericórdia, reservava a este magnífico corpo de missionários, que são de muito boa vontade, uma empresa maior e mais carregada de frutos para a Igreja e muito mais importante, a das missões equatoriais, não dominadas pelo Islamismo, como acontecia com a de Tombuctu.


[5402]
Em todo o caso, manifesto à sabedoria da S. C., de V. Em.a e do Santo Padre que, quaisquer que sejam as indubitavelmente sábias determinações que a S. C. considerar oportuno tomar, pelos resultados das santas expedições já empreendidas, pelos relatórios o mais exactos possível que o arcebispo de Argel e eu lhe mandaremos a seu devido tempo e sobretudo pela luz do Espírito Santo que a guia, eu as aceitarei com júbilo e prontidão, como expressão da vontade de Deus.


[5403]
Ao tomar conhecimento da morte do Em.o card. Franchi, o meu coração doeu-se profundamente, sofre ainda e sofrerá durante muito tempo. Por ele ordenei fossem feitos – e nós fizemo-los em Cartum, com a assistência do I. R. cônsul austro-húngaro e dos católicos – solenes exéquias em sufrágio da sua alma bendita. Suplico da bondade de V. Em.a que, se o julgar bom, apresente ao Santo Padre as minhas mais sentidas condolências por essa grande perda que a Igreja teve. Quanto ao card. Nina, rogo a V. Em.a se digne comunicar-lhe a minha humilde felicitação por ter sido eleito sucessor do saudoso card. Franchi, e de quem foi coroa do esplêndido e borrascoso pontificado do santo Pio IX , ou seja, V. Em.a Rev.ma, cujas duas sublimes, célebres e inolvidáveis notas aos núncios apostólicos sobre a circular Mancini e sobre a morte de Vítor Emanuel ferem ainda ao vivo o espírito da revolução e permanecerão sempre como um monumento eloquente da sabedoria do Romano Pontificado e da verdade que o rodeia.


[5404]
Na minha última carta de Junho passado, incluí a que dirigi a Sua Santidade Leão XIII, como felicitação e em acto de acatamento. Espero que lhe tenha chegado e que a tenha apresentado ao Santo Padre.

Prostrado ao beijar a sagrada púrpura, subscrevo-me com respeito profundo



De V. Em.a Rev.ma hum.mo, dev.mo e obed.mo filho

† Daniel, bispo de Claudiópolis

vig. ap. da A. Central






797
Card. João Simeoni
0
Cartum
24.10.1878
N.o 797 (758) - AO CARD. JOÃO SIMEONI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 700-710



N.o 8

Cartum, 24 de Outubro de 1878



Em.º e Rev.mo Príncipe,



[5405]
Escrevo-lhe da missão principal de Cartum, onde me encontro sozinho no que se refere a sacerdotes, e faço de bispo, de pároco, de superior, de simples cura, de médico, de enfermeiro e coveiro. Só tenho comigo os irmãos leigos do meu insto. de Verona: o encarregado do jardim e o que trata do armazém, os quais tiveram as suas febres mas estão bem. Das irmãs, só uma permanece de pé; as demais e quase todas as raparigas estão de cama com uma febre, que há um mês vem fazendo estragos. Os sacerdotes e a quase totalidade dos leigos e dos rapazes, após as tremendas febres, enviei-os numa grande embarcação pelo Nilo Azul para mudarem de ares. Mais de metade dos habitantes de Cartum estão doentes e caem como moscas.


[5406]
A fome sofrida trouxe como consequência esta espantosa mortandade. Resulta que nos lugares situados a 200 milhas (de onde me chegaram notícias certas), a fome, a sede e a doença deixaram mais que dizimada a população; digamos, por exemplo, que de 50 000 habitantes morreram mais de 25 000. Os meus sacerdotes, que mudaram de ares, a quem eu tinha sugerido parassem em tais e tais povoados, informam-me que eles estão meio desertos, cheios de doentes e que o resto da população, os que faltam, morreram nos últimos meses. Ao meu administrador, P.e António Squaranti, que me seguiu sem ter podido aclimatar-se no Cairo, por precaução, para lhe salvar a vida, mandei-o para Berber em meados do mês passado e os cuidados daquelas excelentes religiosas pertencentes às Pias Madres da Nigrícia, que eu fundei em Verona, e às quais o mesmo

P.e Squaranti orientou no noviciado para a vida apostólica da África, fortaleceram-no e restabeleceram-no perfeitamente.


[5407]
Quanto a mim, embora em Cartum o peso da administração e direcção recaia apenas sobre os meus ombros e me encontre em movimento dia e noite pelas casas, ou melhor, os hospitais, onde se vêem tantas misérias, estou de perfeita saúde. Como levo uma vida muito ordenada, comendo duas vezes ao dia uma só coisa, não bebendo nunca vinho, que mata com estes calores, mas só água (nunca nem sequer limonadas), não consumindo carne ou frango ou outras coisas que aumentam a bílis, nem sopa, etc., que fazem vir a febre, mas comendo apenas bife cozido num só minuto e bebendo água do Nilo, encontro-me saudável: nunca uma dor de cabeça, mais de vinte cartas em cada correio que parte, trabalho contínuo... Tenho a consolação de ter curado muitos do tifo e de ninguém ter morrido sem os sacramentos, incluindo a confirmação se a não tinham recebido.


[5408]
A sede terminou no Cordofão, porque as chuvas foram muito abundantes e, em parte, depois da fome, foram a causa da presente mortandade. O Governo egípcio, para que do Sudão a doença não se transmita ao Egipto, estabeleceu o cordão sanitário e a quarentena em Berber e Suakin, de modo que nós ficámos fechados.


[5409]
Estou convencido de que a fome e a carestia da África Central foram e são ainda muito mais terríveis e espantosas que a carestia e fome da Índia e da China...

O facto de ter sido eu, entre os vigários apostólicos, o único que levantei a voz na Europa, e a natural apatia destes indígenas, filha do fatalismo do Islão, que os leva a sofrer e a morrer calando, fizeram com que a Europa, que tanto socorreu os famintos da Índia e da China, não se comovesse pela fome e carestia, nem pela sede (pior que a fome) da África Central; e não poucos jornais, entre eles o La Voce della Verità, aos quais escrevi repetidas vezes sobre a tremenda desgraça, nem sequer se dignaram mencionar a carestia da África Central. Bendito seja sempre o Senhor.


[5410]
Afirmo que a carestia da África Central é mais terrível que a carestia da Índia e da China pelos seguintes motivos:

1.o Aqui (e o mesmo digo do grande império de Darfur, recentemente conquistado, com o qual estou em contínua relação e de outras partes do Vicariato) morreu mais de metade da população; mas ainda não li que em nenhuma província da Ásia as vítimas da fome tenham chegado a constituir a metade de todos os habitantes.


[5411]
2.o Na Ásia, junto com a fome, há o aspecto positivo de um bom clima, ar fresco e casas que resguardam. Aqui, junto com a fome, há o peso e pressão de um calor sufocante que tira as forças e aumenta os horrores da fome (não falamos da sede em todos os lugares afastados do Nilo e do Nilo Branco, a qual é um flagelo pior), calor que desde as nove da manhã até às quatro da tarde ultrapassa os 50 graus; e tenha-se, além disso, em conta que um terço da população carece de casa para se resguardar.


[5412]
3.o A situação dos missionários da África Central, no meio da fome africana, é mais atroz e espantosa que a dos obreiros evangélicos da Índia e da China, porque penso (embora sem o poder provar, mas baseando-me só do que vi na Índia há muitos anos) que os missionários, bispos e Irmãs europeus na Ásia não terão nunca tido carência do necessário e mesmo duma mesa suficientemente abastecida (do que se deve louvar e agradecer a amorosa Providência de Deus); os missionários lá terão encontrado ar fresco, bom clima, descanso na noite e muitas outras coisas necessárias, que nós não temos na África Central. Disso congratulo-me eu muito com os meus irmãos missionários da Ásia. Mas os missionários do Cordofão e de Gebel Nuba, exceptuando os incómodos do calor, da água salubre e racionada, etc., desde há seis meses que não provam pão de trigo, e missionários e Irmãs tiveram que se sustentar à base de dockon (espécie de milho bravo que, na Europa até as galinhas rejeitariam); e só por graça de Deus e pela abnegação daqueles meus missionários e Irmãs de S. José se conservou trigo para fazer hóstias para, assim, podermos celebrar e comungar.


[5413]
Porém, esse dockon, ou milho, houve que pagá-lo muito mais caro que o trigo em tempos ordinários. E quanto ao pão que comemos em Cartum, faz-se passar como de trigo e paga-se dez vezes mais caro que em épocas normais. Mas eu não celebraria missa com uma hóstia feita de farinha do pão de Cartum.


[5414]
Apesar de tudo isto, adoramos as divinas disposições e sofremos de boa vontade por amor de Deus, na certeza de que Deus tirará disso o melhor para o apostolado da África Central; como também penso que o fará o Coração de Jesus, a quem, com a aprovação do nunca suficientemente chorado Pio IX, consagrei o Vicariato em 1873.


[5415]
Disse que levantei a voz e que a Europa, impressionada pelas verdadeiramente lamentáveis condições da carestia na Índia e na China, não se comoveu com a África Central. Certo é que a Propagação da Fé me deu 12 000 francos de donativos extraordinários; mas são esmolas recolhidas devido às minhas cartas para Inglaterra e para outros sítios. A que mais se comoveu foi a minha pequena mas benemérita Sociedade de Colónia para o Resgate dos Negros, que, com os jornais católicos que pus em acção e com colectas especiais me mandou até agora 20 000 francos. Mas que são estas ajudas perante as necessidades do Vicariato? Aqui, o preço dos produtos de primeira necessidade é dez, doze vezes mais caro que o normal. Manteiga não há, e fazemos como dizem em Verona que fazem os de Vicenza: daquilo que não têm, prescindem! No Cordofão não há pão. Um pequeno ovo (a terça parte de um de Roma) custa meia lira. E assim sucessivamente... sem calcular os mortos.


[5416]
Tive a ideia de suplicar ao S. C. que me mandasse ajuda, como fez com algumas missões da Índia e da China, mas julguei e julgo ainda que faria uma ofensa ao meu querido ecónomo S. José, molestando a Santa Sé e a Propaganda, que tem de ocupar-se de todo o mundo. Portanto, da S. Congregação não quero nada, salvo a sua sábia direcção, as suas ordens sobre a minha conduta, os seus conselhos, as suas instruções e os seus raspanetes quando ela os considerar úteis e oportunos. Mas dinheiro, não: rejeitá-lo-ia com humilde submissão. Basta-me uma bênção especial, amplíssima, do Vigário de Cristo Leão XIII e de V. Em.a rev.ma.


[5417]
Teria querido rogar a V. Em.a que me recomendasse à Propagação da Fé. Mas, a dizer a verdade, considero que não devo fazê-lo, porque essa santa obra me dá já uma contribuição anual muito importante, e tenho medo de puxar demasiado a corda: contento-me com que continue a dar o seu contributo anual, que me assegura a existência e conservação da missão. Ora bem, se V. Em.a lhe escrevesse, recomendando cada vez mais o Vicariato de D. Comboni, em geral – sobretudo em vista da tremenda fome, sede e mortandade e das consequências destes tremendos flagelos, os quais durarão muito –, isso não estaria mal. Porém, o que fizer V. Em.a será o que eu venerarei como a vontade de Deus.


[5418]
Teria querido suplicar-lhe também que me escrevesse uma carta de recomendação à Sociedade de Colónia, que é integrada por membros eminentemente católicos como Lowenstein e o barão Löe, a quem V. Em.a conhece pessoalmente. Filhos e soldados destes dois heróis são os membros do comité de Colónia, presidido pelo rev.mo G. U. Nöcker, pároco de S. Jacob, de Colónia, o qual é um verdadeiro santo. Mas, para além de essas grandes almas trabalharem só pela glória de Deus, suspendi o meu pedido pelos seguintes motivos:


[5419]
1.o Aquela benemérita e pia sociedade, que desde há mais de vinte e cinco anos trabalha com verdadeiro zelo e perseverante abnegação para ajudar a Nigrícia e a mim, escreveu em 1876 ao Santo Padre Pio IX (d.s.m.) e ao em.o cardeal-prefeito da Propaganda a fim de oferecer para o vigário apostólico da África Central, Daniel Comboni, durante toda a vida deste, 10 000 francos anuais, mais todas as receitas que ela tivesse. Foi um acto generoso e útil para a missão da África, que eu só aceitei sob a condição por mim imposta à dita sociedade e por ela aprovada, de que a atribuição de 10 000 francos não se limitaria à minha pessoa, mas que, depois da minha morte, se estendesse a todos os meus sucessores: assim ficou. Pois bem, apesar de uma oferta tão generosa, aquela pia sociedade não recebeu nem do Santo Padre nem da Propaganda nenhuma resposta, até ao ponto de chegar a duvidar de que as cartas dirigidas a S. S. e à S. C. tivessem chegado ao seu destino.


[5420]
É certo que o Em.o card. Franchi (d.s.m.) e parece-me que também mons. o secretário me disseram que dariam resposta e acusaram recepção da carta. Mas à sociedade não chegou nada, quando duas palavras de agradecimento da S. C. teriam sido muito gratas àqueles católicos generosos, que deram centenas de milhares à Nigrícia e constituíram uma boa renda para o Vicariato Apostólico da África Central. Agora não me parece muito oportuno que a Propaganda me recomende a essa sociedade, por causa do que acima expus e, por isso, não pedi nesse sentido.


[5421]
2.o Quando em 1872 fui nomeado pró-vigário, expus a V. Em.a, então secretário, a ideia de suplicar ao Cardeal Barnabó (d.s.m.) que concedesse graus de cavaleiros aos dois membros mais activos e constantes, que ao longo de 22 anos trabalharam para a obra. E como V. Em.a me disse que era melhor esperar um pouco para ver a sua perseverança, eu esperei até Dezembro do ano passado, em que aumentados os motivos de mérito dos dois senhores (Herr Schnitzler e dr. Sticker II), pela grande perseverança e pela generosa subvenção in perpetuo de 10 000 francos ao Vicariato Apostólico da África Central, ad fulciendam dignitatem episcopalem, como se lia, creio, na posição de Nov. de 1876, o Em.o card. de Canossa dirigiu uma petição à Propaganda sobre a concessão dos dois mencionados graus de cavaleiros de Colónia, mais outra para o benemérito vice-presidente da Sociedade Mariana de Viena, e o título consultor da Propaganda para o ilustríssimo Mitterrutzner, de Bressanone, cónego regular lateranense da Ordem de Santo Agostinho (S. Pedro in Vinculis), doutíssimo e grande benemérito da África, etc., etc., que compôs e editou dois dicionários e dois catecismos de duas línguas muito difundidas na África central; e, não dispondo eu então de tempo para especificar os pormenores da petição do Em.o de Canossa, fi-lo posteriormente do Cairo, com a minha carta n.o 1, ao em.o card.-prefeito, com data de 14 de Janeiro do corrente ano.


[5422]
Porém, as desgraças sobrevindas da morte do Sumo Pontífice Pio IX e as suas consequências, etc., creio que deram lugar a que este assunto (útil para a África e em si razoável e justíssimo) ficasse parado e eu não tive resposta, nem o menor indício de como ia.


[5423]
Por isso, no caso de V. Em.a julgar oportuno ajudar-me (e far-me-ia uma grande caridade), antes de me recomendar à ínclita Sociedade de Colónia, fundada pelo Em.o card. Geissl (de saudosa memória) e muito protegida pelo mui piedoso e glorioso desterrado mons. Melchers, arcebispo de Colónia, meu especial benfeitor, que manda sempre o seu generoso óbolo àquela sociedade, seria grande generosidade, magnanimidade e condescendência que:


[5424]
1.o Escrevesse duas linhas àquele presidente, agradecendo a concessão dos 10 000 francos de renda ao vigário apostólico da África Central e manifestando que a S. C. ou Sua Santidade a aceitam de boa vontade.

2.o Mandasse as duas condecorações de Cav. da Ordem Piano ou de S. Gregório aos dois mencionados senhores de Colónia, o dr. Sticker II, de 55 anos, e o sr. Schnitzler, de 65, ambos activíssimos membros não só da Sociedade para o Resgate dos Negros, mas também de muitas outras. Além disso, o dr. Sticker é um distinto e eloquentíssimo orador católico e ambos incansáveis colectores de fundos para muitas outras obras católicas, assim como genuínos católicos, apostólicos e romanos, adeptos do Papa em todo o rigor do termo.


[5425]
Se V. Em.a se dignasse fazer isso, sem dúvida meu ecónomo S. José ficaria como um senhor e mandar-me-ia no prazo devido – como é certo, certíssimo que fará – o que na festa do seu Patrocínio lhe pedi ameaçadoramente e que expliquei claramente a essa coluna da Igreja que é o Em.o card. Bartolini, a saber:


[5426]
1.o Cem mil francos ouro antes de 31 de Dezembro deste ano, para ir ao encontro das mais urgentes necessidades do Vicariato e de toda a obra por mim fundada.

2.o No prazo de um ano, a contar da festa do Patrocínio de S. José, isto é, antes do dia 12 de Maio de 1879, perfeito equilíbrio da economia do Vicariato e de toda a obra, desde Verona até Gebel Nuba (pouco a pouco apercebemo-nos de que entre um sítio e outro havia quase 70 000 francos de dívidas, dos quais já paguei quase a metade). Ou o que é o mesmo: antes do próximo 12 de Maio, S. José tem que se arranjar para que não devamos nem um cêntimo e proporcionar-nos o necessário para a conservação, a estabilidade, o desenvolvimento e o progresso da obra e do apostolado da África Central.


[5427]
Tenho a certeza de que a seu devido tempo poderei honrar-me em informar V. Em.a de que S. José cumpriu o seu dever, realizando tudo aquilo com que submissamente o ameacei. S. José é um dos mais preciosos tesouros da Igreja e da África, e meu administrador e ecónomo. Na presente mortandade declarei-lhe que não só não quero morrer, mas que, além disso, não quero nem uma só febre (e aqui tiveram-na todos, até Gordon Paxá), porque não me dá vontade tê-la; e, enquanto os outros caíram doentes, eu não só não tive febre, mas nem uma dor de cabeça. Em suma, S. José proverá a tudo. E, apesar do preço dos víveres e da frieza da Europa, a preocupação económica, ou melhor, o receio de ter falta do necessário, é a última coisa que me passa pela cabeça, embora cada dia, como é meu dever e vontade de Deus, trabalhe muito por isso, porque afecta a conservação e o desenvolvimento da obra de Deus.


[5428]
Desculpe, em.o príncipe, por me ter alargado demasiado. Mas pense que o dirigir-me longamente ao meu superior e abrir-lhe o meu coração também é um grande alívio para o meu isolamento, e para o meu espírito, que não tem nenhum apoio material.

Beijo-lhe a sagrada púrpura, declarando-me



Seu obed.mo, devot.mo e hum.mo filho

† Daniel bispo e vigário apostólico






798
Cón. Cristóvão Milone
0
Cartum
24.10.1878
N.o 798 (798) - AO CÓN. CRISTÓVÃO MILONE

«La Libertà Cattolica» XII (1878), pp. 1114 e 1118



Cartum, 24 de Outubro de 1878



Estimadíssimo sr. director de La Libertà Cattolica,



[5429]
Recebi as suas cartas e, ainda que muito ocupado, sempre respondi às mesmas. Estou só para a assistência espiritual em Cartum e cabe-me fazer de bispo, de pároco, de coadjutor, de superior, de administrador, de médico, de enfermeiro... Estou aqui com dois leigos: um veronês, o outro de Lodi. Das quatro Irmãs, só uma está com saúde e em pé: todas as outras, com as mestras negras e todas as raparigas que trabalham, se encontram de cama com febre, onde ainda vão ficar algum tempo. A P.e Carmelo Loreto, de Nápoles, e a P.e Salvador Piazza, siciliano, juntamente com todos os que apanharam febre, treze ao todo, entre os quais o excelente ebanista Francisco Pagagni, de Bisceglie, o maquinista António Iseppi, de Verona, e Francisco Serrarcangeli, serralheiro, de Roma, mandei-os pelo Nilo numa grande embarcação para mudarem de ares. E ao meu administrador-geral, P.e António Squaranti, meu braço direito em toda a grande obra para a redenção da África, prevenindo a grande epidemia e as extraordinárias febres que se iam produzir no Sudão como consequência das anormais chuvas sobrevindas, mandei-o procurar refúgio em Berber, onde ele tinha assuntos a tratar.


[5430]
Portanto, encontrando-me como único ministro de Deus para administrar sacramentos em Cartum, não paro dia e noite. Cartum é o que se chama um hospital e os núcleos de população situados até mais de cem milhas à volta são um hospital e um cemitério. Desde que há 21 anos vim para a África Central, nunca vi tanta miséria, tantas doenças, nem tantas mortes. Em quinze minutos, homens robustíssimos vão para o outro mundo, vítimas de uma certa epidemia maligna que afecta o sistema nervoso: apenas se chega a tempo de dar os santos óleos e a absolvição aos católicos. Asseguraram-me e comunico-o em consciência aos seus leitores que em muitas localidades situadas a cem e mais milhas de Cartum, e no Nilo Azul, etc., a fome, a sede e a resultante epidemia maligna reduziram a metade a população; ou seja, morreram metade, ou quase, dos habitantes.


[5431]
A escassez de água, que foi causa de uma sede atroz e de tantas vítimas no reino do Cordofão e que produziu tanto sofrimento na nossa missão, cessou já, pela extraordinária quantidade de chuvas, caídas nesta última estação; mas a fome continua aí tremenda e mais grave que antes. Por muito tempo terei de sentir as consequências da carestia passada e presente, porque os produtos de primeira necessidade custaram e custam ainda de oito a dez vezes mais que o normal. Além disso, ao dispor apenas dos recursos habituais para o sustento e para ajudar também aos necessitados, a missão viu-se obrigada a contrair fortes dívidas, que tem ainda, porque as receitas aumentaram muito pouco.


[5432]
A Europa, que providencialmente se comoveu tanto pela fome e pela carestia da Índia e da China, mostrou-se escassamente comovida – embora me tenham chegado boas ajudas, especialmente da França, Alemanha e Inglaterra – pela tremenda e espantosa carestia da África Central. Talvez a culpa seja minha, pois não o informei a tempo da terrível penúria. Porém, eu quis primeiro examinar, ver, saber de fonte segura, antes de afirmar algo em consciência, até pela delicadeza de não retirar aos meus irmãos vigários apostólicos da Índia e da China subsídios tão necessários para as suas importantes e queridas missões.


[5433]
Agora, ao invés, formulo com toda a consciência e com pleno conhecimento de causa esta afirmação, da qual assumo conscientemente toda a responsabilidade: sou de opinião que a carestia e mortandade da África Central é mais espantosa e tremenda que a carestia e mortandade que se deram na Índia e na China e isto pelas razões seguintes:


[5434]
1.o Na Índia e na China, ao lado da carestia e da fome, há um clima suportável – e em muitas províncias mais saudável que na Europa –, um ar fresco, uma água fresca para beber; e, para o faminto, a água fresca e um bom ar são um grande alívio. Na África Central há um clima muito pesado para o europeu, com excessivo calor, até 36 a 40 graus em casa, e de 55 a 58 graus ao sol; além disso, nos reinos e tribos mais distantes do Nilo, único fornecedor de água nestas regiões, há sede, pior flagelo que a fome, e só se dispõe e não em quantidade suficiente, de água quente, salobra e suja, que, por meio de poços de 30 a 40 metros, se tira das entranhas da Terra. Considerem-se estas coisas e para quem tem sensibilidade serão gravíssimas.


[5435]
2.o Pelos relatos dos jornais e dos missionários da Ásia, não me consta que em nenhuma província da Índia e da China tenha morrido, por causa da carestia e das consequentes doenças, metade da população. Em contrapartida, depois de um estudo sério e de repetidas informações, afirmo que na África Central, em muitas localidades, tanto próximas de Cartum como distantes, morreram metade dos habitantes. Acrescente-se que, na África, grande parte da população não tem casa e alguns nem uma cabana têm; e, quando chove copiosamente, grande número de construções caem, porque, à excepção da missão e de umas cem casas de Cartum, todas as outras são de barro, o que sucede por toda a parte no Nilo Branco e noutros lugares. Pelo que estas gentes famintas, privadas também da protecção das casas e expostas às intempéries, são vítimas de uma extrema indigência e morrem; e todos os dias se esvaziam as aldeias.


[5436]
3.o O fatalismo muçulmano e a terrivelmente desditosa situação habitual dos negros e dos escravos, nascidos para sofrer, levam a que não se faça nenhum barulho por uma grande desgraça, nem pela fome. O muçulmano que tem fome, mas não com que saciá-la (e igualmente o escravo negro, que aprendeu do seu amo), crê que Deus dispôs que deva morrer. Por isso, põe-se fora da sua casa ou cabana, debaixo de uma árvore, e diz: Allah Kerim! Deus é digno de louvor e grande! É impassível e, a sangue- -frio, espera a morte, sem se queixar e sem fazer absolutamente nada para afastar o flagelo ou a desgraça. Mas na Índia e na China onde a gente é mais civilizada, esta esforça-se por remediar a situação; e os governos, que não são como os da África, preocupam-se. E sobretudo as missões católicas, os missionários, os bispos, etc., levantam a voz, invocam a caridade cristã e fazem conhecer a realidade do infortúnio às almas generosas.


[5437]
Aqui, na África Central, eu sou o único bispo e vigário apostólico e só depois de ter feito os oportunos exames e verificações pude levantar a minha voz; mas a minha voz é uma e perde-se entre as cem veneráveis que saem. Contudo eu tenho firme esperança no Divino Coração de Jesus – que também palpitou pela Nigrícia –, em Nossa Senhora do Sagrado Coração e no meu querido ecónomo e administrador-geral da África Central, S. José, protector da Igreja Católica, em cujas barbas há milhões e pode socorrer esta árdua, laboriosa e importante missão, porque o seu Jesus morreu também pela Nigrícia.


[5438]
Por isso, longe de desanimar, estou, mais que nunca, cheio de força e ânimo e mais que nunca confio na extraordinária caridade cristã, sobretudo na dos fervorosos católicos da Europa, amigos e amantes do Sagrado Coração e do meu querido S. José. Jesus, Maria e José apelarão ao coração dos católicos.

Porém, o senhor não desista. Faça outro tanto com a excelente Libertà Cattolica e comprovará palpavelmente que, se grande é a miséria na Itália e nas províncias napolitanas por vontade de Deus, e se disponit omnia suaviter e em penitência pelos nossos pecados – propter peccata veniunt adversa, tanto pela maldade dos tempos como sobretudo pelo triste Governo da infeliz Itália, o que deveriam conhecer bem os ministros que desgovernaram a Itália, porque são todos filhos da revolução e põem de lado e até perseguem a Igreja, única arca de salvação, mestra da civilização e fonte única de onde o mundo pode obter a paz, salvação e prosperidade.


[5439]
Enquanto isto se não reconhecer e os monarcas e governos se não inclinarem perante o Papado e a Igreja Católica e enquanto não puserem em prática os seus ensinamentos, todos os reinos e todas as populações serão vítimas da desgraça e da pobreza e estarão em decadência. Entre parênteses: se algum soberano em vez de tantos ministros imbuídos do moderno liberalismo, escolhessem seis padres jesuítas redactores da Civiltà Cattolica e um assumisse os Negócios Estrangeiros, outro o Ministério do Interior, outro o da Educação, outro o da Economia, outro o da Agricultura e do Comércio e o sexto o da Presidência de Conselho de Ministros, asseguro-lhe, senhor director, que esse reino ou império em dez anos não teria nenhuma dívida, gozaria de perfeita paz e avançaria com a maior prosperidade, porque teria como base a fé e a religião. Porém, não vou pretender que se escolham religiosos como ministros: esses cargos devem ser ocupados só por distintos seculares, que os há, e homens de fé.


[5440]
Voltemos às nossas coisas. Dizia que confio em Deus, em Maria, em S. José e nos bons católicos e na caridade cristã; porque ainda que sejam grandes as misérias da Europa, da Itália e dos bons napolitanos, maior é ainda a caridade cristã e católica. Portanto, dê um toque após outro com a Libertà Cattolica, porque, como se diz em Verona: Cristo é um cavalheiro e mantém a sua palavra; e ao petite, quaerite, pulsate, pronunciados nas devidas condições, responde imediatamente, como o piano ao serem pulsadas as sua teclas, com o gratíssimo accipietis, invenietis et aperietur.


[5441]
Eu estou muitíssimo ocupado, por isso, encarreguei o meu bom administrador que redija um relatório sobre o nosso apostolado. Quando o tiver feito e mo enviar de Berber, mandá-lo-ei imediatamente a si.

Entretanto, não só aprovo uma colecta permanente em favor da missão da África Central, mas ficaria também contente de que o senhor a estabelecesse quanto antes, o que poderá proporcionar a este colossal Vicariato, além dos meios materiais, alguma boa vocação tanto sacerdotal como de irmão coadjutor ou de alguma religiosa, para ajuda dos negros. Em Berber tenho uma excelente religiosa, que em breve mudarei para uma missão do centro, pertencente ao instituto Pias Madres da Nigrícia, que eu fundei em Verona. Trata-se de Conchita Corsi, de Barletta, a qual fará muito bem nestas missões, onde a mulher não é pessoa, mas um objecto de comércio e de capricho, não muito diferente de uma ovelha ou de uma cabra, que o dono aprecia só se trouxer utilidade e deleite e que, quando murcha e já não serve, é rejeitada e como mercadoria lançada fora.


[5442]
A Irmã da caridade na África Central é da mesma utilidade que um missionário; antes, o missionário pouco faria sem a Irmã. Nos países muçulmanos, só a Irmã é capaz de penetrar no segredo do harém e de falar com as mulheres, que tanta influência têm na vida e no rumo do homem. Nos lugares onde homens e mulheres andam vestidos como os nossos primeiros pais Adão e Eva, quando se encontravam em estado de inocência, a Irmã é mais necessária e constitui uma garantia para este: como na missão que abri em Gebel Nuba. Para aqueles sítios mando as Irmãs mais provadas e experimentadas; e só elas se aproximam das mulheres para as catequizar, moralizar e conseguir que se cubram em parte, a fim de as tornar aptas a ser admitidas na religião católica. Só a Irmã tem a responsabilidade e direcção da classe feminina; e, enquanto ela encaminha esta classe de pessoas para a civilização, o missionário ocupa-se da parte masculina do grupo humano mais digno de lástima.


[5443]
Jesus Cristo morreu também pelos mais de sessenta milhões de almas do meu Vicariato que, no tocante à roupa, têm um atraso maior que o dos tempos de Adão e Eva; e eu, que fui designado pelo Vigário de Cristo para salvar estas almas, devo valer-me dos meios mais seguros e oportunos. Quando, com muitos bons missionários alemães e italianos, mas sem Irmãs, estive entre aquelas gentes, não fizemos nada, e foi graças a Deus não perigarmos nós mesmos, embora o Senhor tenha sido sempre generoso nas suas ajudas extraordinárias àqueles a quem chamou para esta vinha abandonada e dificílima. Portanto, a Santa Sé, ao confiar-me esta grande missão, o meu primeiro cuidado foi estabelecer nela as excelentes Irmãs de S. José da Aparição, de Marselha, e fundar uma nova congregação feminina com regras específicas para o apostolado da África Central.



Seu af.mo amigo

† D. Daniel Comboni

Bispo e vig. ap. da África Central






799
Mgr. Joseph De Girardin
1
Cartum
4.11.1878
N.o 799 (760) - A MGR. JOSEPH GIRARDIN

AOSIP, Afrique Centrale



Cartum, 4 de Novembro de 1878



Breve bilhete.





800
Cônsul Martin Hansal
1
Cartum
23.11.1878
N.o 800 (761) - AO CÔNSUL MARTINHO HANSAL

ASW, F 27,c. 28



Cartum, 23 de Novembro de 1878



Informações sobre o P.e A. Horner.