N.o 821; (782) - A MGR. JOSEPH GERARDIN
AOSIP, Afrique Centrale
1 de Fevereiro de 1879
Estatísticas e notas administrativas
N.o 822; (783) - REGULAMENTO PARA OS MISSIONÁRIOS DE CARTUM
ACR, A, c. 25/6
Cartum, 2 de Fevereiro de 1879
Dado que o missionário deve ensinar não só com a palavra mas ainda mais e melhor com o exemplo, no que lhe diz respeito, cada um deverá procurar observar exactamente o horário comum da casa, participando solícito e com atitude correcta em todos os exercícios de piedade ou procurando realizá-los no momento mais oportuno sempre que não tenha podido fazê-los em comum. Mostrar-se-á sempre obediente e respeitoso para com os superiores, tratará com caridade os seus companheiros e quando se vir na necessidade ter que castigar ou corrigir os que tiver a seu cargo, fá-lo-á com zelo caritativo e nunca como desafogo de rancor ou arrebatamento de ira.
Manterá sempre um comportamento modesto e grave, e não se permitirá fazer barulheira ou qualquer outra coisa capaz de perturbar a tranquilidade e a paz, sua e dos outros. Não julgará e muito menos criticará a conduta dos outros, nem censurará os seus superiores, mas ocupar-se-á de si mesmo e cumprirá os seus próprios deveres; e quando surgir algum motivo de discórdia ou controvérsia seja com quem for, submeterá sempre o assunto aos únicos legítimos superiores, a cujo juízo deverá ater-se.
Portanto fica absolutamente proibido de referir e propalar, tanto no interior da casa como com os externos ou com os membros de outras estações, bisbilhotices, falatórios ou outros comentários indevidos, o que sempre perturba a ordem da missão e a paz e a tranquilidade dos seus membros. Em tais circunstâncias, dever-se-ão aplicar estritamente os preceitos do Evangelho sobre a correcção fraterna e a caridade cristã.
Cada sacerdote celebrará diariamente a santa missa segundo as disposições do superior, quando não houver justo motivo que lho impeça. Aplicar-se-ão as missas segundo a intenção do superior, excepto a quarta parte do total delas, sobre cuja aplicação livremente o celebrante será livre. Todos os meses entregará cada sacerdote a nota exacta do número de missas celebradas para a missão.
Na necessidade de entrar em casa feminina, deverá ser dada notificação prévia disso ao superior, expondo-lhe a causa, e procurar-se-á realizar quanto antes o assunto de que se tratar, sem permanecer lá mais tempo do que o necessário.
Contentar-se-á cada um com a comida comum e não pretenderá receber uma especial, sem autorização do superior; e em nenhum caso irá à despensa ou à cozinha para pedir alguma coisa fora da hora estabelecida.
Não se poderá utilizar para próprio serviço particular nenhum rapaz, a não ser depois de ser pedida autorização para isso ao superior ou ao seu prefeito e, realizado o serviço, deverá ser mandado quanto antes de volta ao seu lugar.
Se alguém quiser servir-se das ferramentas e utensílios da missão, deverá pedi-los ao superior, nunca os usará sem autorização, e devolvê-los-á ao mesmo ou ao encarregado da sua guarda, quando tiver cessado a necessidade ou o trabalho para que foram concedidos estiver realizado. Das ferramentas que cada um tiver dará relação ao superior.
HORÁRIO
Horas 5 da manhã Levantar
“ 6 “ Missa, meditação e orações da comunidade
“ 7 “ Pequeno-almoço e tempo livre
“ 8 “ Trabalho, aulas para meninos, estudo, outras ocupações
“ 11.30 “ Leitura espiritual na igreja e visita ao Santíssimo
“ 12.00 Almoço. Visita ao Santíssimo. Descanso
“ 14.00 Trabalho e aulas para meninos. Tempo livre
Às ave-marias Terço na igreja e orações. Depois, jantar e tempo livre ou recreio.
“ 20.00 Exame de consciência e orações na igreja. Dormir
Nota: Este regulamento e horário são obrigatórios para todos os que residirem nessa casa estavelmente ou de passagem.
N.o 823; (784) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SV Afr. C., v. 8 ff. 901-903
N.o 4
Cartum, 6 de Fevereiro de 1879
Em.o e Rev. mo Príncipe,
Com a minha última, a n.o 3, comunicava-lhe que, tendo-se reunido os emissários do rei João da Abissínia com Gordon Paxá, governador-geral do Sudão e representante de S. A. o quedive do Egipto, ele lhes tinha prometido e assegurado que persuadiria o seu senhor para que nomeasse o abuna da Abissínia, ou bispo cismático, e que ele mesmo pagaria a sua viagem e o faria acompanhar por um destacamento de soldados até Adua.
Ontem veio-me visitar Gordon Paxá, lamentando-se muito de que S. A. o quedive não quer de nenhum modo conceder o abuna aos cristãos da Abissínia, pois, após um reiterado intercâmbio de despachos telegráficos, o quedive permaneceu inamovível no seu propósito de não conceder jamais o bispo copta a esses povos, que são seus inimigos. Também o bispo cismático de Cartum se me veio queixar deste procedimento do soberano do Egipto.
E o quedive, que durante tantos anos se negou a nomear o actual patriarca do Cairo, só porque a sua mãe lhe tinha predito que depois ele morreria, é homem capaz de fazer que continue viúva a igreja cismático-herética da Abissínia quem sabe por quantos anos. Tanto mais que a humilhação recebida pelo quedive na guerra contra a Abissínia aumentou o seu ódio e furor contra ela, que não será capaz de submeter, como tão-pouco foram capazes os grandes e múltiplos esforços que durante doze séculos se desenvolveram desde Meca contra essa valorosíssima nação.
Talvez Deus prepare o caminho e facilite os meios a mons. Touvier e aos seus missionários lazaristas para dilatar o reino de Deus a essa benemérita nação, que ao longo de doze séculos fez milagres de heroísmo para se manter cristã, ainda que, infelizmente, vítima dos nefastos erros do péssimo heresiarca Dióscoro de Alexandria, misturados com outras mil superstições adquiridas no contacto secular com povos infiéis.
Para seu governo, julguei conveniente dar-lhe a conhecer este assunto, ainda que não diga respeito ao meu Vicariato, porque talvez V. Em.a não possa receber notícias rápidas de tão importante facto para a missão da Abissínia.
A 14 de Janeiro saíram de Cartum cinco Irmãs do instituto das Pias Madres da Nigrícia por mim fundado em Verona e ainda não chegaram ao Cordofão. São viagens extremamente difíceis. Hoje soube que a 29 de Janeiro partiram de Dauen, no Nilo Branco, com dezassete camelos e que se dirigiram para Teiara. Por isso telegrafei ao paxá do Cordofão, a fim de que mande camelos a essa cidade para as transportar para El-Obeid, dado que, desde Dauen até Teiara, só conseguiram encontrar camelos consumidos pela fome e sem forças.
Das Irmãs de S. José apenas se encontram no Vicariato as quatro que estão aqui em Cartum e, destas, sempre está uma ou outra doente. Desde Agosto de 1877, o meu secretário P.e Paulo Rossi, actual director do meu instituto de Verona, permaneceu 42 dias em Roma para se pôr de acordo, em meu nome, com a falecida madre geral, o que fizeram; mas a dita rev.da madre nunca chegou a uma conclusão definitiva com o em.o cardeal-prefeito (d.s.m.). Eu escrevi repetidamente à actual madre geral, que agora está em Roma, e fiz-lhe as mais amplas propostas; mas nunca consegui conhecer as suas intenções quanto ao assunto, nem pude conseguir que me mandasse Irmãs. Entretanto, as quatro que aqui continuam ressentem-se do cansaço, porque têm trabalhado muito e realmente fizeram prodígios de caridade.
Gordon Paxá está empenhado em me confiar todos os hospitais do Sudão e queria que aceitasse imediatamente o de Cartum, de quarenta camas, para as Irmãs de S. José, e o de Fashoda, na tribo dos Schelluk, no Nilo Branco, para Irmãs veronesas. Mas com tão pouco pessoal é-me impossível comprometer-me. Agora o grande paxá começou a construir um novo hospital no Nilo Azul, perto de Cartum.
Realmente gostaria muito que as Irmãs de S. José continuassem no Vicariato, sobretudo pelas Irmãs árabes, que são tão úteis; mas na condição de que me mandassem um contingente suficiente, de que fosse designada uma superiora provincial, ou primeira superiora, com plena jurisdição sobre todas as casas da sua congregação no Vicariato e que se atribuísse a cada casa uma boa e capaz superiora. Mas agora, com quatro Irmãs, que podemos fazer? Cansam-se e assim perdem aulas e deixam de atender devidamente às muitas obras tão úteis que dirigem.
Espero que o meu temor não bata certo, e que a excelente madre geral e o seu conselho não se tenham acobardado pela perda que para elas representa a morte generosa de nove Irmãs. Não, ela não deve desalentar-se, e suplico a V. Em.a que agarre o assunto e a anime para que não faça soar o toque para a retirada da África. Este ano foi excepcional. Morreram muitas Irmãs e missionários, bem como muitos irmão coadjutores; mas foram a epidemia e as doenças contagiosas que provocaram a sua morte. E desde 1871 até hoje, não faleceu nenhum sacerdote missionário que previamente se tivesse aclimatado no Cairo. Todos os que morreram não se aclimataram nesses institutos, porque, por necessidade da missão, fi-los vir para o centro da África sem passarem ao menos a estação estival nos estabelecimentos do Cairo. Por isso, determinei que, de agora em diante, ainda que tenhamos que morrer todos nós por falta de ajuda, cada missionário e Irmã europeus se aclimatará no Cairo antes de se arriscar a enfrentar o clima da África Central.
Tenho a saúde destroçada: a febre não me quer deixar e estou acabrunhado pela fadiga e pela dor de tantas cruzes. Contudo, o espírito resiste na esperança desse Jesus que palpitou e morreu pela Nigrícia.
Espero poder baptizar dentro de pouco uma trintena de adultos que se estão a preparar, e trabalhou-se muito em Gebel Nuba, apesar da dificuldade daquelas línguas. Beijando-lhe a sagrada púrpura, sou de V. Em.a Rev. ma
Hum.mo, devot.mo, obed.mo filho
† Daniel Comboni, bispo e vig. ap. da A. C.
N.o 824; (785) - A MR. JEAN FRANÇOIS DES GARETS
APFL (1879), Afrique Centrale, 5
Cartum, 10 de Fevereiro de 1879
Breve bilhete.
N.o 825; (786) - A MANFREDO CAMPERIO
«Il Cittadino», Brescia II (20-21 Março 1879)
Cartum, 10 de Fevereiro de 1879
«Ao director do Exploratore,
Envio-lhe a carta junta, que me chegou ontem com outras de Gessi, para o Exploratore. Ontem recebi também despachos telegráficos de Gessi. E igualmente, proveniente de Shakka, chegou um telegrama segundo o qual Gessi teria vencido o rebelde Ziber, que fugiu para Dar-Fertit e para Bahar Saldana com alguns sequazes, enquanto Gessi teria ganho quatro escribas e desbaratado o inimigo, causando, entre mortos e feridos, duas mil baixas e capturando setecentos prisioneiros.
Desejo confirmação destas notícias por parte de Gordon Paxá, o que procurarei conseguir apenas a febre me tiver deixado e tiver recobrado forças. A tremenda mortandade deste ano, que fez desaparecer tanta gente – mais de três mil membros da missão entre indígenas e europeus, incluindo o braço direito da minha obra – impediu-me de responder a centenas de cartas.
Recebi importantes comunicados de Emin Efendi, de Ladó, no Darfur, etc.; mas estou doente e não me pude ocupar deles... Imagine que ainda não li tudo... Embora me encontre tão desfeito pelas fadigas, o meu espírito sente uma força de leão, e, apesar de todos os obstáculos do universo, estou mais firme e decidido que nunca a ser fiel ao meu grito de guerra de sempre: «Nigrícia ou morte».
Telegrafei ontem a Matteucci e, amanhã, mandarei telegramas a Massaua para Gessi.
† Daniel Comboni
Bispo e vig. ap. da África Central
N.o 826; (787) - A MR. JEAN FRANÇOIS DES GARETS
APFL (1879), Afrique Centrale
Cartum, 13 de Fevereiro de 1879
Breve bilhete.
N.o 827; (788) - RELAÇÃO À SOCIEDADE DE COLÓNIA
«Jahresbericht...» 27 (1879), pp. 1-28
Cartum, 15 de Fevereiro de 1879
Excelentíssimos senhores,
Já mais de uma vez expliquei nos meus relatórios para os Anais da benemérita Sociedade de Colónia que as obras de Deus nascem sempre ao pé de Calvário e que têm impressa a marca da cruz.
A Divina Providência mostra-nos nisto uma das suas sábias disposições, em geral confirmada na história da Igreja, que nos mostra à luz da luminosa verdade, que todas as obras de Deus, susceptíveis de contribuir para a sua glorificação, podem levar-se a cabo unicamente através de grandes provas e contínuos obstáculos e pelas vias da dor, pelo que requerem sacrifícios extraordinárias e o martírio. As missões apostólicas são dessas obras de Deus – e, por isso, estão marcadas pelo selo da cruz – ao terem por objectivo acabar com o poder das trevas e tentar estender, em contrapartida, o reino de Cristo.
Por isso, é natural que encontrem contínuas hostilidades e perseguições de toda a espécie: o poder das trevas não quer abandonar tão facilmente o seu domínio e o seu trono, e produzem contra nós árduos combates, no seu esforço de nos fazer sentir toda a força do seu poderio, causador de desastres.
Assim, jamais se fundou nenhuma missão apostólica que pudesse conseguir resultados sem cruzes e sofrimentos, sem sacrifício, sangue e martírio. As vicissitudes das missões católicas assemelham-se à gloriosa história da Igreja Católica e do papado: a primeira foi fundada e cresceu com o sangue dos seus mártires e continua cheia de coragem, apesar das furibundas tempestades, a sua sublime marcha através das procelosas vagas dos séculos, destinada a alcançar segura e triunfante o porto da eternidade, para o que foi estabelecida.
E se está determinado que assim seja o caminho real e glorioso de todas as missões católicas da Igreja, teria de caber outra sorte à missão que é, de longe, a mais difícil e penosa de toda a terra, cujo objectivo é a promoção do homem, e que abrange um território tão extenso e intensamente povoado, e seguir por um caminho diferente do percorrido pelas outras missões e pelas outras empresas concebidas para a honra de Deus? Não, os seus caminhos não podem senão estar semeados de espinhos e tribulações de toda a ordem; tem que passar pelo crisol das dores, dos sofrimentos e do martírio: é a cruz o que ela deve esperar.
Há que lutar, sem medo à morte, contra o demónio da impiedade e da inimizade para com Deus, que será escorraçado da África. Esperamos que, com a ajuda de Deus, seja concedido ao nosso tempo levar a cabo a conversão deste povo, o mais abandonado e infeliz da Terra. Sim, parece que foi isto o que Deus decidiu!
E agora, estimados senhores, que destes o primeiro impulso, o primeiro apoio a esta sublime obra de salvação de almas; os senhores que foram os primeiros a sustentar a obra da regeneração da África Central, com um zelo digno de admiração e uma constância sem par, a fim de que estes largos cem milhões de pobres infelizes fossem conduzidos à fé e à civilização; os senhores que, mediante a vossa Sociedade e caridade, inflamastes a Alemanha católica, considerai agora os frutos da vossa benemérita actividade. Podem ver que os olhos de todo o mundo actual estão postos na África: uns querem levar lá civilização, outros a religião, há quem tenha como meta a abolição do tráfico de escravos, interessando-se igualmente pelas possibilidades produtivas e riquezas das suas terras; outros há que tomam notas pormenorizadas sobre o aspecto geográfico, etc.
Parece assim que a ciência, a indústria e a filantropia se devem unir para fazer aí descobertas e resolver de algum modo o problema de conseguir que a África Central possa ser civilizada e convertida ao Cristianismo.
Os senhores não estarão menos maravilhados dos esforços grandiosos que a América, a Inglaterra, a Alemanha e a Itália realizam relativamente à África Central. Perante vossos olhos apresenta-se a empresa de sua majestade o actual rei dos Belgas, empresa que dá esplêndido testemunho dos conhecimentos precisos e dos nobres ideais deste monarca, graças ao qual vários Estados da Europa e da América se sentiram estimulados a ocupar-se da África e a introduzir nela os benefícios de uma civilização cristã.
Tenham os senhores a convicção de que o trabalho realizado pela vossa Sociedade, mais os esforços de toda a Alemanha católica para a libertação e educação cristã dos negros, que permitiram pôr em andamento a execução do meu Plano para a Regeneração da África, tiveram não pouco a ver com o movimento dos espíritos e as iniciativas que em todo o mundo se estão a verificar em favor da África, não só no âmbito da ciência mas sobretudo nas mui diversas associações da Igreja Católica.
Sirva-lhes isso de satisfação, ilustres senhores, porque foi Deus quem despertou no vosso coração este amor cristão, este zelo pelos povos negros. E, sem dúvida, também os vossos Anais contribuíram poderosamente; de facto, ao revelarem as grandes necessidades destes povos e a sua tremenda miséria, suscitaram na humanidade vivíssimo interesse para com eles.
Também a Santa Sé Apostólica se viu impulsionada por isso a fazer quanto está à sua disposição para espalhar o reino de Deus na África Central e fundar as missões em bases sólidas. Tenham, pois, em conta a grande verdade de que as aspirações científicas e civilizadoras das potências europeias e as suas intenções humanísticas redundarão todas, no fim, em benefício da Igreja e do apostolado católico com o exercício da vossa obra de salvação, para a qual a vossa sociedade para a África Central desenvolve a sua actividade desde há vinte e cinco anos.
Acrescente-se agora que uma sociedade de bravos missionários de Argel, fundada pelo enérgico e eminente arcebispo mons. Carlos Marcial Allemand Lavigerie para o apostolado da prefeitura apostólica do Sara, dirige presentemente a sua atenção para a África Equatorial. Essa região estende-se até à parte meridional do Vicariato apostólico da África Central e, até ao presente, constitui uma parte do mesmo, em força do breve de 3 de Abril de 1846, provindo de Gregório XVI, de santa memória, e portanto pertence à minha jurisdição.
Como o Senhor me pôs no meu cargo para a salvação das almas, considero-me feliz de ceder à nova congregação de Argel, que dispõe de muito pessoal, os territórios situados à volta do lago Tanganica e os correspondentes ao reino de Muati-Janvo, assim como toda a região que se estende desde o Vitória Nyanza ao longo da linha do equador, porque, por falta de missionários, eu não poderia evangelizar de imediato as ditas zonas.
Também devem considerar os senhores a obra que, com tanto zelo, levam a cabo os padres da excelente Congregação do Espírito Santo e do Coração de Maria, fundada pelo rev.mo P.e Libermann para o apostolado da África. E igualmente temos que referir, antes de tudo, os muito bons resultados que obteve o P.e António Horner, o qual, depois de grandes fadigas, conseguiu anunciar o Evangelho desde Bagamoyo até ao interior de Nguron e de Mihonda, e em Onsinya.
Considerem, enfim, a recente fundação missionária no Zambeze superior, confiada por Leão XIII aos rev.dos padres jesuítas da Inglaterra. Chefe dela é um excelente e valoroso veterano das missões apostólicas da Índia, o rev.do P.e Depelchin, que, do Cabo, se dirige com outros missionários para o Zambeze, para fundar a primeira estação missionária entre os Matabele e os Betchuana. Daí, têm intenção de prosseguir até às margens do lago Bangüelo, onde expirou Livingstone.
Uma vez dito isto como introdução ao meu relatório, quero pô-lo ao corrente dos acontecimentos da nossa missão no decurso dos últimos meses e do começo, cheio de espinhos, do meu apostolado como primeiro bispo e vigário apostólico da África Central. Tão breve espaço de tempo encerra uma série de terríveis e pavorosos sofrimentos, que constituem a essência da missão, já por si particularmente árdua: uma dura prova.
Mas o próprio facto de que o Senhor quis imprimir o selo da cruz no apostolado da África Central é prova segura da sua duração, santidade e bom sucesso. Todas as desgraças e acontecimentos dolorosos não foram capazes, contudo, de diminuir ou abater, nem sequer por um instante, o espírito dos operários evangélicos que receberam de Deus a vocação para este apostolado difícil e cheio de sacrifícios. Antes, isso serviu para aumentar o nosso zelo e reavivar as nossas esperanças, de modo que, sem hesitações, seguimos em frente no caminho empreendido, fiéis ao nosso grito de guerra: «Nigrícia ou morte!»
Mas encheu-me sobretudo de indizível dor e destroçou-me o coração o elevado número de mortes entre os principais membros da missão. Todos os que formavam a missão de Cartum sofreram em Setembro febres violentas e os ataques de outras doenças graves: fora eu, todos os missionários, todos os irmãos leigos provenientes da Europa, todos os alunos, à excepção dos negros; todas as Irmãs de S. José, além da Ir. Germana Assuad, de Alepo, que tanto em Cartum como em Gebel Nuba tinha adoecido frequentemente, chegando a estar às portas da morte, a quem eu mesmo administrei o santo viático; e também todas as mestras negras, as costureiras, as alunas e as escravas do instituto feminino, salvo duas.
As febres duraram-nos três meses, tal como as outras terríveis doenças de que anteriormente nunca se tinha ouvido falar. Muitos, por essa razão, chegaram a encontrar-se à beira da morte. No mês de Outubro eu era o único sacerdote que, com a ajuda da Ir. Germana, dia e noite, dentro e fora da missão, prestava ajuda aos doentes e aos moribundos. As duas imponentes casas da missão de Cartum tinham-se transformado em hospitais; e eu, não só devia atender aos deveres do meu ministério episcopal mas também, para além disso, tinha que fazer de superior, pároco, capelão, administrador, médico, cirurgião e enfermeiro, fora e dentro da missão, e até coveiro.
Encontrava-me sempre em movimento, dia e noite, sem parar e durante quatro meses não pude dormir senão uma hora em vinte e quatro. A falta de apetite e a náusea tinham atingido em mim tal nível que sofria com isso indizivelmente e, quando tinha de ir comer, era como se fosse para a morte. Havia dias em que me faltava o caldo de carne para os doentes e os moribundos que, como os missionários e as Irmãs, pertenciam à missão. Dei então a vários serventes muito dinheiro para que arranjassem uma galinha ou pombo, de modo a poder preparar uma sopa. Antes, as aves custavam pouquíssimo em Cartum, mas agora nem em Cartum nem nos povoados dos arredores era possível obter alguma coisa. Mandei ir também a localidades que ficavam a um dia de viagem, até Ondurman, Karai e Tamariet, mas foi tudo em vão. Os serventes voltavam de mãos vazias. Era um caso verdadeiramente desesperado, do qual não lhes posso dar uma pálida ideia.
O sacerdote P.e Policarpo Genoud morreu em vinte minutos, atingido de improviso pelo tifo. Perdi também o meu bom e devoto Fernando Bassanetti, do Instituto Africano de Verona; tinha na missão a função de horticultor e, com os seus notáveis conhecimentos económico-agrários e com as suas selecções conseguiu levar a grande horta da nossa missão a uma produção maravilhosa. Contudo, nos últimos anos só crescia lá erva destinada aos bois que transportavam água do rio para evitar os estragos da seca no terreno e na horta que anteriormente, mediante os assíduos cuidados do generoso missionário tirolês, o incomparável Augusto Wiesnewky, da diocese de Ermland, agora falecido, tinha sido transformada numa terreno de grande utilidade para a missão.
Igualmente morreu o hábil agricultor Lázaro, de Verona; depois, faleceram o ferreiro Augusto Serrarcangeli, de Roma, e o verdadeiramente santo, razoável perito de máquinas e estupendo mecânico António Iseppi, a quem eu trouxera comigo de Verona, com o intuito de instalar uma máquina a vapor para a irrigação da horta e assim prescindir dos animais.
Também era minha intenção mandar construir um moinho para moer o grão para as missões de Cartum, Berber e o Cordofão, dado que nestes países, onde se continua a moer com duas pedras, chamadas marjaka, obtém-se uma farinha grossa e de má qualidade e tal método requer muito pessoal feminino. Esse excelente homem terminou a máquina e instalou-a no lugar adequado. Além disso, sendo por outro lado muito instruído, era também muito útil como catequista e fazia muito com o seu exemplo. Mas depois começou a sofrer de cálculos biliares e de outras doenças durante quatro meses; depois teve o tifo e, finalmente, foi para o eterno descanso receber a palma pelas suas virtudes.
A rev.da superiora do Cordofão, depois de passar extraordinárias privações, contraiu o tifo e morreu. A Ir. Henriqueta, de vinte e seis anos de idade, até então forte e saudável, que se distinguia pelas suas excelentes qualidades e pela sua inocência e que era a directora do instituto de órfãs de Cartum, teve a febre tifóide depois de ter cuidado de muitos doentes que sofriam de doenças contagiosas. Completamente serena e contente entregou a sua alma ao Senhor. Em todos os momentos da sua penosa doença ouvia-se-lhe exclamar: «Tout pour Vous, mon Jésus» (Tudo por Vós, meu Jesus). Era francesa e estava em Cartum apenas há dezoito meses.
Não falo dos muitos e tristíssimos casos de morte entre os alunos de ambos os sexos dos nossos institutos para negros de Cartum, que os senhores, mediante a vossa Sociedade, tinham resgatado. Foram para o Céu de rosto sorridente, para impetrarem do Senhor das misericórdias graças para todos os membros da Sociedade, por cuja ajuda eles tinham sido libertados das trevas do paganismo e dos tormentos da escravidão e, como filhos de Deus, acolhidos no seio da Igreja Católica.
Quero ainda mencionar a grave e irreparável perda que sofri na pessoa que era o braço direito da minha obra e que estava a meu lado como um anjo e um sábio conselheiro; um homem de fidelidade e sinceridade sem par, o qual dirigiu durante oito anos o meu instituto veronês, que sob a sua direcção prosperou de modo extraordinário.
No ano de 1877 levei-o para o meu Vicariato como administrador-geral da parte económica da missão da África Central, com intenção de, no caso de resistir ao clima africano, o designar como meu vigário-geral e, mais tarde, fazer com que a Santa Sé o nomeasse bispo e meu auxiliar e sucessor. Refiro-me ao piedoso, erudito e capaz P.e António Squaranti. Ainda que não o tivessem afectado as febres, de quando em quando, em Julho ou Agosto, nos dias de tremendo calor tropical, apoderava-se dele uma extrema fraqueza. Mas isso não representava nada de extraordinário, dado que todos os europeus, particularmente nos primeiros tempos da sua estada em Cartum, ficam expostos a muitas indisposições físicas. Também nós as sofremos todo o ano, especialmente na época das chuvas (kharif). Vendo chover tão intensamente, pensei imediatamente que aquilo ia originar as febres e doenças. Em Cartum as febres do kharif são mais mortíferas que em qualquer outro lugar da África Central.
Como P.e Squaranti estava exposto pela primeira vez a estas perigosas febres de Cartum, pensei que lhe conviria uma troca de ares e enviei-o para Berber para visitar aquela estação, onde trabalhavam cinco Irmãs das Pias Madres da Nigrícia, que se encontravam nessa missão tão distante desde havia vários meses e que precisamente, por sua vez, precisavam de conforto e ajuda, dado que também a elas as tinham afectado as febres. Disse-lhe que ele devia lá ficar até que eu o chamasse. Ele não se apercebeu que eu tencionava então mantê-lo longe de Cartum e, como filho obediente, empreendeu a viagem numa embarcação árabe até Berber, onde chegou três dias depois.
Aí restabeleceu-se totalmente e recuperou o seu antigo vigor, até ao ponto de me escrever a dizer que se encontrava mais forte e são que quando estava na Europa. Durante a sua ausência sobrevieram as terríveis febres e as outras doenças que já descrevi. E, logo que soube que na missão de Cartum os casos de morte eram tão frequentes que a gente morria como as moscas e que eu estava completamente só, sem mais ninguém que administrasse os sacramentos, não duvidou nem um instante em acorrer em minha ajuda e em ajuda de uma missão tão duramente provada. Na companhia de um membro daquela estação, subiu para uma dahhabia repleta de homens, entre as quais havia muitos pobres muçulmanos.
Essa embarcação gastou catorze dias a chegar a Cartum. Mas já nos primeiros dias de viagem ele começou a sentir os sintomas iniciais das febres e, ainda por cima, tinha esgotado a sua provisão de quinino, por ter ido dando aos doentes. No décimo segundo dia de viagem estava já à beira da morte. Depois, a febre baixou um pouco; mas, quando chegou a Cartum, apercebi-me logo, pela larga experiência, de que a sua febre se ia converter em tifo, que aqui faz estragos. Acolhemo-lo do modo mais caritativo possível e durante doze dias atendemo-lo física e espiritualmente o melhor que pudemos. Mas tudo foi inútil! Na tarde de 16 de Novembro, às 18.30 horas, expirou feliz no Senhor, em paz e cheio de confiança na eterna recompensa, enquanto com doloroso sofrimento nós contínhamos as lágrimas. A sua grande bondade e caridade fraterna conduziram-no à morte, provocando a todos nós indizível dor e representando, especialmente para mim, um duro golpe.
A sua caridade fraterna, a sua rectidão e espírito apostólico de que estava animado eram superiores a todo o elogio. A sua perda é para mim irreparável. Mas o Sacratíssimo Coração de Jesus vai mandar-me nova ajuda: assim o espero, pela salvação da infeliz Nigrícia. A enormíssima fadiga que desde há mais de dez meses tenho de suportar, as muitas emoções, as aflições, as preocupações que o Senhor, nos seus desígnios imperscrutáveis, mas sempre cheios de bênçãos, quis mandar sobre mim, acabaram por fazer mossa na minha saúde, apesar de vigorosa. Em Boure, a duas milhas de Cartum, aonde fora visitar os nossos doentes, atacou-me uma febre fortíssima, cujas consequências ainda continuam a fazer-me sofrer; sinto-me muito fraco. Vamos ver quando conseguirei recuperar de todo a saúde.
Perante tantas aflições, entre montanhas de cruzes e de dor, que já lhes descrevi e que ainda falta descrever, o coração do missionário católico ressentiu-se por estas enormes complicações. Contudo, ele não deve perder o ânimo por isso: a força, a coragem, a esperança nunca podem abandoná-lo. Acaso o coração de um verdadeiro apóstolo é susceptível de se deixar dominar pelo abatimento e pelo temor por causa de todos estes obstáculos e dificuldades gigantescas? Não, isso não é possível nunca! Só na cruz está o triunfo!
O Sagrado Coração de Jesus palpitou também pelos povos negros da África Central e Jesus Cristo morreu igualmente pelos Africanos. Jesus Cristo, o Bom Pastor, acolherá também a África Central dentro do seu redil. E o missionário apostólico não pode percorrer senão o caminho da cruz do divino Mestre, semeada de espinhos e fadigas de todo o género: «Non pervenietur ad magna praemia nisi per magnos labores.» Portanto, o verdadeiro apóstolo não deve ter medo de nenhuma dificuldade, nem sequer da morte. A cruz e o martírio são o seu triunfo.
Também os missionários da África Central, submetidos a um lento martírio pelas privações de todo o género, pelo trabalho sobre-humano e pelo clima abrasador, seguirão o exemplo de S. Bonifácio, apóstolo da Alemanha e dos nossos caros irmãos da China e da Índia, que não temem os mais terríveis martírios. Perante o estandarte da cruz, a África deve dobrar o pescoço e ser conquistada para Cristo.
Meus senhores, após os ter informado das perdas e desgraças desta importante e difícil missão, resta-me acrescentar que os bons resultados e êxitos obtidos, dos quais no meio das nossas extraordinárias fadigas nos podemos gloriar, foram este ano muito abundantes, apesar das grandes necessidades, e até superaram os que conseguimos em anos anteriores.
N.o 828; (789) - A MR. JEAN FRANÇOIS DES GARETS
APFL (1879), Afrique Centrale, 5 ter.
Cartum, 17 de Fevereiro de 1879
Breve bilhete.
N.o 829; (790) - A BERARD DES GLAJEUX
APFL, Boîte G 84
Cartum, 20 de Fevereiro de 1879
Senhor presidente,
Permita-me, senhor presidente, que me lance aos seus pés para interceder pela santíssima causa do meu Vicariato, enquanto lhe rogo com lágrimas nos olhos que se digne satisfazer a súplica que dirigi à Propagação da Fé este ano. Os dois quadros estatísticos para Lião e Paris, com a dupla informação muito pormenorizada sobre a situação do meu Vicariato, em doze folhas, grandes como a folha desta carta, mandei-os para Lião já há uma semana, pelo que espero que, neste momento, os quadros estatísticos com o relatório tenham chegado já ao escritório de Paris.
Eis aqui ainda um pequeno assunto. A carestia, com a sede e a mortandade, foram na África Central muito mais espantosas e terríveis que a carestia e a mortandade da China, das Índias Orientais e de todas as outras missões do mundo inteiro. Aqui, muitos víveres de primeira necessidade ou faltavam por completo ou custavam oito, dez, quinze, vinte e quatro vezes mais que o normal. Pode bem compreender, senhor presidente, as minhas grandes preocupações e dificuldades.
Para além disso, a mortandade foi ainda mais terrível. Numa zona do meu Vicariato maior que duas ou três vezes a França, morreu metade da população e mais de metade do gado e dos animais em geral. Em boa parte do mesmo Vicariato morreram as três quartas partes da população com os animais e em muitas localidades situadas a pouca distância de Cartum não só morreu toda a gente mas também a totalidade dos animais e do gado, até cães, que são a única e providencial guarda da segurança pública nestes países.
A própria missão teve, por causa desta terrível epidemia, imensas perdas de missionários europeus e de Irmãs e até morreu o meu administrador e vigário-geral, P.e António Squaranti, que era o braço direito da minha obra.
Bem longe de me desanimar (embora eu tenha estado às portas da morte, sendo esta a 14a vez em 21 anos), sinto em mim uma coragem de leão e estou mais certo que nunca de triunfar na minha obra, a mais vasta, difícil e laboriosa do universo inteiro, porque as obras divinas e sobretudo as obras apostólicas que têm como fim acabar com o império de Satanás para o substituir pelo Reino de Jesus Cristo devem passar pela via dolorosa da cruz e do martírio, tal como Cristo chegou ao triunfo da sua gloriosa ressurreição através da sua paixão e morte.
Po isso, a fim de restabelecer o Vicariato e pagar as dívidas que, para não morrer, tivemos forçosamente que contrair, roguei aos conselhos centrais que, sem ter em conta os donativos de particulares recolhidos pelo boletim Missions Catholiques de Lião, aumentem este ano o subsídio que a Propagação da Fé me tem vindo a atribuir nos anos anteriores e supliquei-lhes que me concedam, para o exercício que agora o senhor prepara, a importância de 90 000 francos. Calculei que ainda que este dinheiro, junto a outras entradas que espero obter, não fosse suficiente para as grandes necessidades do Vicariato, contudo permitir-me-ia respirar um pouco e, por outro lado, a divina Obra da Propagação da Fé está para ajudar todas as missões do mundo.
Fica exposta, pois, senhor presidente, a minha humilde súplica. Rogo-lhe, por amor de Deus, que faça o possível para que o conselho a atenda. Deus derrame as suas bênçãos sobre a África Central. Jesus Cristo morreu também pelos pobres infiéis do centro da África e a Propagação da Fé é o canal das suas graças e das suas misericórdias.
Nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, tenho a honra de me declarar, senhor presidente
Seu hum.mo e dev.to servidor
† Daniel Comboni
Bispo de Claudiópolis i.p.i.
Vigário Ap. da A. Central
Original francês
Tradução do italiano
N.o 830; (791) - À OBRA DA SANTA INFÂNCIA
AOPSIP, Afrique Centrale
Cartum, 27 de Fevereiro de 1879
Il.mos senhores,
Para evitar todo o atraso no futuro, peço-lhes que, depois de terem tido a grande bondade de me concederem uma ajuda, convidem o sr. Brown e Filho, banqueiros pontifícios com estabelecimento em Roma, de quem, além do Vaticano, se serve a Propaganda, a dar à sua sucursal de Paris, a Société Générale, na Rue Provence, ordem de retirar da tesouraria da Santa Infância as importâncias que os senhores tiverem tido a bondade de me destinar. Se considerarem preferível escrever ao seu representante em Roma, o rev.do P.e Martinho e Beues, vigário-geral dos Trinitários, na Via Condotti, que é o confessor da piedosa família Brown, é o mesmo. Aqui em Cartum nunca se está certo de encontrar franceses com os quais se possa negociar as letras cambiais sobre Paris.
Demorei a escrever porque, após a minha última carta, a carestia deu lugar a uma mortandade inaudita. Até o meu grande vigário e administrador-geral, P.e António Squaranti, o braço direito da minha obra, morreu devido à epidemia juntamente com outros missionários, religiosas, irmãos coadjutores e membros da missão.
Houve um tempo em que eu me encontrava sozinho para administrar os sacramentos, porque todos os outros sacerdotes estavam muito doentes ou tinham morrido e vi-me na necessidade de exercer as funções não só de bispo, mas também de pároco, vigário, superior, administrador, médico, cirurgião, enfermeiro e assistente de doentes, dia e noite.
A certa altura, tendo como única ajuda um missionário italiano e uma Irmã francesa, com o resto do pessoal acamado nos dois grandes hospitais em que se tinham tornado as nossas duas casas de Cartum, mandei ir buscar uma galinha ou um pombo ou um pouco de carne a fim de fazer um caldinho para os doentes e não se conseguiram arranjar, nem com o ouro na mão. No Cordofão, a Ir. Arsénia Le Floch, da Bretanha, superiora das Irmãs de S. José, encontrando-se moribunda (era um anjo) pediu, por amor de Deus, um pouco de pão de trigo molhado em água e não foi possível encontrá-lo. Por fim, conseguiu-se encontrar um pouco em casa de um comerciante judeu, mas a superiora já tinha subido ao Céu.
Para atender às necessidades mais urgentes eu teria que ter pedido não 15 000 mas 100 000 francos. Portanto, com os 15 000 francos e os da Propagação da Fé, ainda teremos que passar muita fome e privações durante algum tempo ainda longo. Mas tudo seja por Jesus e pela redenção da África Central.
Enfraquecido pela tristeza, as fadigas e as angústias mortais, também eu acabei por ser afectado, apesar da minha robusta saúde, pela febre mais abrasadora. Há dois meses que me oprime e deixou-me em muito mau estado.
Neste momento há vinte e seis horas que não a tenho; mas não consigo dormir, nem comer, nem andar. Ao longo de quatro meses, não dormi nem uma hora de todas as do dia e da noite e, durante três semanas, terei dormido unicamente duas horas em cada vinte e quatro.
Mas como as obras de Deus e sobretudo as do apostolado, devem nascer e crescer ao pé do Calvário e passar pela via dolorosa da Cruz e do martírio (os senhores sabem-no bem, como juízes competentes do heroísmo dos nossos caros irmãos da China), eu sinto-me, mais que nunca, cheio de ânimo e de esperança, ainda que a minha saúde esteja arruinada, e também mais que nunca tenho a certeza de que, depois da paixão e morte, chegaremos à ressurreição da África Central, baixará a cabeça diante da cruz de Jesus Cristo e entrará em seu redil.
À espera, envio-lhe preenchido o quadro estatístico, a utilizar na secção das esmolas. Fiz também o relatório sucinto, mas sinto-me tão fraco que não sei se poderei transcrevê-lo numa semana.
Neste momento tenho preparada uma única folha. Com todo o meu agradecimento e respeito, honro-me em considerar-me seu devotíssimo servidor.
† Daniel Comboni
Bispo de Claudiópolis i.p.i.
Vigário Ap. da África Central
Original francês
Tradução do italiano