Comboni, neste dia

Durante viaggio di animazione missionario (1871), celebra nella cattedrale di Dresda
Al Mitterrutzner, 1877
La mia confidenza è nella giustizia dell’eterna Roma ed in quel Cuore divino che palpitò anche per la Nigrizia

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691
Obra da S. Infância
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Roma
3.

N.o 691 (657) - À OBRA DA SANTA INFÂNCIA

AOSIP, Afrique Centrale



N.o 1

Roma, 3 de Maio de 1877



BREVE INFORMAÇÃO

SOBRE A ACÇÃO APOSTÓLICA

DO VICARIATO DA ÁFRICA CENTRAL

1877

dirigido

À PIA OBRA DA SANTA INFÂNCIA DE PARIS



Ilustríssimo senhor,



[4512]
Em atenção à exímia bondade do seu coração e ao generoso convite que me fez na sua venerada carta de 28 de Julho de 1874 para lhe dar notícias do Vicariato da África Central com o desejo de acorrer em ajuda desta vasta e interessante Missão, apresso-me hoje a escrever-lhe algo sobre a acção apostólica do meu Vicariato, da qual tenho por certo que adquirirá uma ideia clara, exacta e veraz e que deste modo, vendo aquele campo fecundíssimo onde organizar a Obra da Santa Infância segundo o espírito e a finalidade de tão sublime instituição, tomará finalmente a determinação providencial de conceder abundantes esmolas dos fundos da sua santa obra a esta colossal Missão.


[4513]
Esta vez não entrarei a dar-lhe pormenores do nosso árduo e laborioso apostolado. Contudo, creio necessário oferecer-lhe uma ideia geral das obras do Vicariato para a conversão da Nigrícia, dar-lhe a conhecer a ligação e concatenação destas e expor-lhe sucintamente, no seu exercício, nos seus obstáculos e nas suas esperanças, a acção apostólica da África Central.


[4514]
O Vicariato Apostólico da África Central foi criado pelo Sumo Pontífice Gregório XVI, de santa memória, mediante o breve de 13 de Abril de 1846. Os seus limites são:

A norte, o Vicariato Ap. do Egipto e a Prefeitura Ap. de Trípoli.

A este, as costas nubianas do mar Vermelho e os Vicariatos Apostólicos da Abissínia e dos Gallas.


[4515]
A sul, os chamados montes da Lua, que, segundo os modernos geógrafos estão situados para lá do equador e das nascentes do Nilo, entre os 10o e os 12o lat. austral.

A oeste, o Vicariato Apostólico das Guinés e a Prefeitura Aplica. do Sara.


[4516]
O Vicariato Apostólico tem uma superfície maior que a de toda a Europa. Compreende todas as possessões do quedive do Egipto no Sudão, as quais se estendem por um espaço cinco vezes superior ao de toda a França.


[4517]
Além disso, fazem parte dele alguns reinos, impérios e tribos, cujos soberanos e chefes seguem em maior ou menor grau a lei de Maomé. Por último, também pertencem ao Vicariato (constituindo uma parte extensís-sima e povoada do mesmo) inumeráveis tribos feiticistas e bastantes Estados primitivos e independentes, inimigos e ignorantes por completo do Alcorão e absolutamente desconhecedores de toda a ideia de Cristianismo, os quais são dominados por crenças especiais e extravagantes, superstições de todo o género, que constituem a assim chamada sua religião.


[4518]
A sua população, estimada nuns noventa milhões (90 000 000) de almas pelo meu erudito e ilustre predecessor mons. Knoblecher, segundo a minha opinião, baseada em profundos estudos e sobre os cálculos resultantes da Estatística de Washington, alcança a enorme cifra de cem milhões (100 000 000) de infiéis. Do que se depreende claramente que o Vicariato Apostólico da África Central é o mais vasto e povoado de todo universo.


[4519]
Pois bem, esta grande obra da redenção da Nigrícia ou do Apostolado da África Central erigiu e fundou os seguintes estabelecimentos, uns destinados a preparar e cultivar as vocações de pessoas de ambos os sexos para o apostolado da Nigrícia, outros a aclimatá-las e a aperfeiçoá-las na sua santa e sublime vocação e os restantes a oferecer-lhes um lugar onde exercessem essa divina vocação já dentro da tão árdua e laboriosa vinha do Senhor. Portanto, a obra possui:


[4520]
1.o Dois estabelecimentos em Verona, que acolhem, instruem e formam os candidatos ao apostolado da África Central, a saber: o Instituto das Missões para a Nigrícia, que prepara sacerdotes, catequistas e irmãos artesãos para levarem a fé e a civilização à África Central e o Instituto para as Pais Madres da Nigrícia, que educam e preparam para o apostolado da mulher católica as candidatas missionárias femininas nas tórridas regiões da África interior.


[4521]
2.o Dois estabelecimentos preparatórios e de aclimatação no Cairo, cidade cuja temperatura média se encontra entre o clima europeu e os ardores da África Central. Um é masculino, destinado aos missionários provenientes do Instituto Africano de Verona, para os aclimatar, para os provar cada vez mais na sua vocação e pô-los na condição de irem para o apostolado árduo e laborioso da África Central; o outro, feminino, é comum para as irmãs provenientes das duas congregações chamadas a trabalhar no Vicariato, ou seja, as Irmãs de S. José da Aparição, de Marselha, e as Pias Madres da Nigrícia.


[4522]
3.o Um estabelecimento em Schellal, na Núbia Inferior, perto do Trópico do Câncer e em frente da ilha de Filé, fundado pelo meu ilustre predecessor mons. Kirchner.


[4523]
4.o Um estabelecimento em Berber, cidade situada nas margens do Nilo, na Núbia Superior, ao começo do grande deserto de Atmur e no ponto de concentração das caravanas procedentes do Egipto, de Cartum e de Suakin, no mar Vermelho. Fundado por mim em Novembro 1874, na actualidade ocupam-no missionários do meu instituto de Verona; mas espero que este ano, no meu regresso ao Vicariato, poderei abrir aí um estabelecimento de Irmãs para a educação e conversão do segmento feminino e para o baptismo dos meninos pequenos nos haréns dos muçulmanos.


[4524]
5.o Dois vastos estabelecimentos em Cartum, capital das possessões egípcias no Sudão, situada na Núbia Superior, nas margens do Nilo Azul, entre os 15o e 16o de lat. norte. O grandioso estabelecimento masculino, dotado de um amplo jardim, fundou-o o meu ilustre antecessor mons. Knoblecher com as generosíssimas esmolas recolhidas pelo Comité da Sociedade de Maria; e o não menos estabelecimento feminino, de 112 metros de comprimento, como o anterior e que é ocupado pelas Irmãs de S. José da Aparição, foi fundado por mim em 1874 e contém as escolas femininas, o orfanato, o asilo de escravas e o hospital.


[4525]
6.o A quinze dias de distância de Cartum fundei também dois grandes estabelecimentos no Cordofão, concretamente na sua capital, El-Obeid: o dos missionários do instituto de Verona e o das Irmãs de S. José da Aparição. Estes dois estabelecimentos produziram, e estão em grau de produzir cada vez mais, os melhores resultados em favor do apostolado da Nigrícia, ganhando muitas almas para Cristo.


[4526]
Mas aí é preciso muito dinheiro para transformar as casas actuais, feitas de barro ou lodo com areia, em construções mais sólidas de tijolos e ou de pedra. Porque as casas de barro são resistentes durante os nove meses em que nunca chove, mas quando em Julho começam as chuvas, então as casas desfazem-se como a neve ao Sol. Seria preciso que ao menos a igreja e as casas dos missionários europeus e das Irmãs europeias fossem de tijolo. O pior é que esta operação, difícil de levar a cabo naquele reino pela pouca quantidade de cal que há aí, que deve ser transportada em camelo desde um lugar situado a três dias de distância e requer, ainda, um desembolso superior duas ou três vezes ao que custa em Paris.


[4527]
7.o Duas colónias ou estabelecimentos em Malbes, a duas jornadas de distância de El-Obeid e que têm por objectivo reunir aí as famílias dos negros convertidos nos estabelecimentos de El-Obeid. A minha experiência em todos os estabelecimentos da África e do Egipto é que os negros, depois de todos os suores que a sua conversão custa aos missionários e às Irmãs, não perseveram na fé se estiverem ao serviço de famílias muçulmanas, as quais querem por força que os seus servos sejam muçulmanos e assim os neófitos correm grave perigo de perder a fé.


[4528]
Para afastar, pois, estes recém-convertidos da peste e da corrupção muçulmana, decidimos enfrentar o mui gravoso sacrifício de comprar grandes terrenos nas planícies de Malbes, suficientemente providos de água e construir aí casas e cabanas, nas quais instalamos todos os negros que foram convertidos no instituto masculino de Cordofão e que depois se unem em matrimónios cristãos com as negras educadas no instituto das Irmãs.


[4529]
A cada família atribuímos um pedaço de terra para cultivar e, depois, distribuímos entre todas elas uma boa quantidade de grão, para que o semeiem. Trata-se de poderem viver independentemente, longe da peste e corrupção muçulmana, sob a supervisão da missão católica e com o fruto dos seus suores e a ajuda das artes e ofícios que aprenderam na Missão. Essas famílias católicas formarão, pouco a pouco, uma aldeia católica, uma povoação católica e, com o passar dos anos, converter-se-á numa cidade católica, a qual servirá de exemplo às outras povoações. Também poremos em prática este prudentíssimo sistema nas proximidades das missões católicas já fundadas e por fundar nas regiões dominadas pelos seguidores do Alcorão.


[4530]
Mas, como qualquer um pode ver, são precisos importantes recursos económicos, que nós esperamos da infinita protecção dos Sagrados Corações e da especial caridade da França e dos católicos da Europa.


[4531]
Desse modo não nos será difícil organizar aí as obras da Santa Infância para salvar um grande número de crianças. Mas falta dinheiro para construir locais, manter neles as Irmãs e atender a todas as necessidades. Também estamos a iniciar uma instituição semelhante, dependente da Missão de Cartum, no povoado de Geref, junto ao Rio Azul.


[4532]
8.o Finalmente, em 1875, abrimos a importantíssima missão de Gebel Nuba, a seis jornadas a sudoeste de El-Obeid, no povoado de Delen, residência principal do grande chefe espiritual e temporal, que é, ao mesmo tempo, pontífice e rei. Estes Nuba odeiam de morte o Islamismo, que dizimou a população, levando como escravos e fazendo soldados muitos dos seus e, ao contrário, mostram a melhor das disposições para abraçarem o Cristianismo. Nesta tribo, à qual levei missionários e Irmãs de S. José, os habitantes de ambos os sexos andam vestidos como os nossos primeiros pais Adão e Eva, quando ainda se encontravam em estado de inocência. Contudo, são de excelentes costumes, vivem uma vida patriarcal e não são nómadas, mas têm residência fixa; além disso, é gente com juízo, sólida inteligência e que aprecia o bem. Porém, sobre a fundação desta importante missão e sobre a consistência das esperanças postas nela farei um relatório especial à Santa Infância, porque também esta nova missão pode interessar vivamente a caridade desta santa obra.


[4533]
Em todos estes estabelecimentos, desde Schellal até Gebel Nuba, obtivemos não poucos meninos pequenos e grandes, alguns dos quais morreram já baptizados e outros que comprámos para os instruir e educá-los na fé e na moral católicas. Necessitamos de muitos recursos para consolidar esta obra, criando os estabelecimentos justamente necessários para instalar as mães e os filhos que nos dão ou que vamos comprando; e é aqui especialmente onde espero uma importante ajuda anual da Obra da Santa Infância de Paris, que me coloque em condições de consolidar e de expandir estas obras para a salvação da infeliz Nigrícia.


[4534]
As duas missões principais, a de Cartum e a do Cordofão, são os verdadeiros centros de comunicação, os pontos de apoio e a base de operações para levar, pouco a pouco, a luz do Evangelho a todas as vastas e populosas tribos, Estados, reinos e impérios situados dentro dos limites do Vicariato. A missão de Cartum é o centro de comunicação, o ponto de apoio e a base de operações para estender paulatinamente a fé e a verdadeira civilização cristã em todos os pontos da parte oriental e austral do Vicariato, desde o Trópico da Câncer até para lá do equador e das nascentes do Nilo.


[4535]
A missão do Cordofão é o centro de comunicação, o ponto de apoio e a base de operações para estender e estabelecer gradualmente a fé e a civilização cristã na parte central e ocidental do Vicariato. Em Cartum estão o I. R. cônsul de Sua Majestade Apostólica o Imperador da Áustria e da Hungria, augusto protector do Vicariato e outros cônsules de potências europeias; no Cordofão tardar-se-á muito a ter um representante de S. M. Apostólica.


[4536]
Portanto, pode-se dizer que estas missões vivem sob um governo em certa maneira regular, graças à sabedoria do grande Mehmet Ali, vice-rei do Egipto, que proclamou a liberdade de culto, princípio seguido também pelo magnânimo quedive, seu sucessor. Além disso, agora que S. Alteza o quedive confiou o governo geral de todas as suas possessões egípcias no Sudão ao ilustre general inglês Gordon, gozaremos de uma maior liberdade, já que esta ilustre personalidade tem em alta estima a nossa obra e partilha connosco totalmente as suas ideias civilizacionais, que são contra a escravidão e o tráfico de negros. Durante o seu governo do Nilo Branco e do equador aplicou um golpe mortal a essa chaga sangrenta que dizimou as populações do Nilo Branco, de tal modo que durante o seu mandado não se voltaram a ver tantos horrores do comércio de escravos nos lugares sob a sua jurisdição.


[4537]
Mas todo o segredo para destruir gradualmente esse tremendo flagelo da humanidade possui-o a divina religião d’Aquele que proclamou no Evangelho a igualdade de todos os filhos de Deus. Portanto, só a missão, só o apostolado católico, poderá tornar pouco a pouco verdadeira a abolição do tráfego de escravos, pregando a fé e implantando a religião católica na África Central. Ora bem, para ter êxito em tão santa e trabalhosa empresa precisam-se muitos meios económicos e a eficaz cooperação da admirável Obra da Santa Infância.

Expostas estas noções, passo a assinalar brevemente, de relance, a acção apostólica do Vicariato da África Central, no seu exercício, nas suas dificuldades e nas suas esperanças.



ACÇÃO APOSTÓLICA DO VICARIATO




[4538]
O missionário, que preparado nos institutos de Verona e completamente habilitado e aclimatado nos do Cairo, se desloca para Cartum para trabalhar depois em favor da infeliz Nigrícia na estação e nas tarefas que lhe são atribuídas, encontrou sempre, encontra e encontrará obstáculos e dificuldades muito graves para o exercício do ministério apostólico.


[4539]
E se devesse mencionar as diversas religiões perante as quais se encontra o missionário da África Central, teria que descrever os horrores do cisma copta e do Islamismo, que, dominantes nas duas Núbias, nos reinos e nos impérios do Cordofão, de Darfur, de Waday, de Baguermi e de Bornu e em todas as tribos nómadas árabes que vagueiam pelo extensíssimo território, se encontra de maneira mais disseminada noutras partes do nosso Vicariato, não ficando isentas de tal peste nem sequer as regiões centrais, nas quais o paganismo e o feiticismo reinam principalmente. Mas, para não resultar excessivamente pesado, repetindo o que tantas vezes se leu em relatórios, incluindo até longos, embora sempre insuficientes, para descrever em toda a sua horrível verdade aquelas míseras condições, contentar-me-ei somente com indicá-las.


[4540]
Tão fina arte usou Maomé para subjugar as mentes e os corações dos orientais, que não há poder humano capaz de eliminar erros tão disseminados. Oriente que só se deleita com o aparato externo e que sente mais vivo o enfrentamento das paixões; em seguida foi ganho por Maomé, que, sem impor novas crenças, oferecia uma monstruosa mistura de algumas vulgares e comuns e fazia consistir toda a sua religião num culto puramente externo, estimulando e autorizando ao mesmo tempo a plena satisfação das paixões, até das mais brutais.


[4541]
Trata-se do Alcorão, que legitima a dissolução e não considera a mulher como filha da religião, mas apenas como um utensílio doméstico, como um instrumento de imoralidade. O Alcorão permite os haréns, onde o sentimento humano se animaliza e a ideia da virtude do homem enfraquece, se relaxa, se perverte; onde o intelecto se turva e torna o homem não já capaz de aprender a sentir ou apreciar a nobreza da religião católica, mas até a civilização cristã. De facto, já faz bastante tempo que o Islamismo se encontra em contacto com a civilização europeia e, contudo, que avanços, que progressos, pôde fazer esta no meio dos maometanos?


[4542]
É mais fácil que pelo contacto imediato se perverta a civilização do que o maometano abandone a sua inactividade e renuncie aos seus princípios animalescos e anti-sociais, violando assim o Alcorão, que legitima tais princípios e manda tal estado. Terá conseguido demasiado a civilização quando conseguir que o maometano derrube a sua cabana ou abandone a sebe atrás da qual dorme, para procurar uma habitação melhor. Porém, que depois não pretenda encontrar nela o homem, porque nunca o conseguirá: encontrará sempre um animal que não pensa como homem, que não raciocina como homem e que nem sente, nem vive, nem age como homem. Nele poderá despertar o espírito de interesse, mas nunca o poderá dirigir, nem poderá jamais reduzir a justiça as pretensões, nem a justiça o uso dos meios.


[4543]
O amor e o respeito para com o próximo nunca poderão articular a sociedade maometana. Numa palavra, a civilização terá alcançado demasiado quando nas regiões maometanas se chegar a despertar a vida, ainda que sem introduzir princípios novos, susceptíveis de fazer passar os maometanos a um verdadeiro progresso, verdadeira sociedade e verdadeira civilização, na rejeição do Alcorão, que proíbe toda a novidade e a própria instrução, legitima a plena satisfação de todo o vício e de toda a paixão até brutal e cruel, e concede aos seus seguidores os máximos direitos contra quem pertence a outra religião. Daí que verdadeira sociedade e Alcorão, verdadeiro progresso e Alcorão não podem coexistir: um destrói o outro.


[4544]
Contudo, nenhuma força humana seria capaz de fazer contra o Alcorão muito mais do que fez o protestantismo que, vindo a combatê-lo nas margens do Nilo, e não tendo conseguido captar mais que dois prosélitos em Esneh – e isto depois de desembolsar dinheiro –, teve que abandonar aquelas regiões. Rígidos observantes do Alcorão, adoradores fanáticos de Maomé, consideram pecado discutir sobre religião. Aquele que se deixa pisar pelo cavalo branco do grande sacerdote, quando este, na época das peregrinações a Meca, avança em direcção à mesquita; aquele que, por esforço de continuadas invocações a Maomé cair doente ou enlouquecer, converte-se num santo, num herói para cujo sustento todos contribuem, a quem todos consultam e veneram e a quem constroem um túmulo após a sua morte. Ora bem, proibida a educação e com toda esta discussão religiosa, toda a novidade, como se poderão implantar novos usos, novas crenças? Pretender que se renuncie ao Alcorão, sem prévia percepção da causa da rejeição, sem razão, é pretender o impossível e prova disso é o fanatismo com que o observam. E mesmo que fosse possível aceitarem uma nova educação sem renunciar ao Alcorão, quem ousaria dar-lha, se o próprio Governo proíbe o proselitismo? E quem a aceitaria, quando isso lhes iria trazer críticas de todos, quando não a morte às mãos dos próprios pais?


[4545]
Platão considerava necessária uma luz soberana, uma força taumatúrgica para destruir as trevas do paganismo e regenerar a humanidade decaída. Uma força taumatúrgica, uma luz soberana, o concurso da graça divina são absolutamente necessários para regenerar as mentes e os corações envilecidos pelo Islamismo. Só os meios humanos não são suficientes. Estaria unicamente reservado à Igreja Católica esse triunfo, porque o Senhor, que com a sua voz quebra os cedros do Líbano, faz tremer as colunas do firmamento, em favor da sua religião poderia eliminar as trevas daquelas mentes.


[4546]
Ele que outrora, derrubados os templos pagãos, converteu os bosques da idolatria em sedes da sua religião, sobre as ruínas das mesquitas poderia implantar agora a sua cruz. E assim como só por meio desta foram conduzidos os gentios ao caminho da salvação e floresceu a civilização nas suas nações, também por meio só desta poderiam os maometanos receber semelhantes benefícios.


[4547]
Mas eis que o Senhor, em seus imperscrutáveis desígnios, decidiu servir-se de meios humanos até para as suas obras. E quem não reconhece gravíssimos obstáculos para o eficaz uso desses meios nas prescrições do Alcorão e no fanatismo a que fizemos alusão, tanto mais que se trata de substituir a fé maometana não por uma religião desconhecida, mas por uma religião abominada como é para os muçulmanos a católica, até ao ponto de eles verem no nome cristão a maior das ofensas, o maior dos insultos? E como substituir uma religião comodíssima por uma religião que impõe a mais rígida continência, a renúncia, a mortificação, o sacrifício?


[4548]
E somente o fazer apreciar e sentir a sublimidade da religião católica e a santidade das suas práticas a essas mentes e a esses corações incapacitados para isso, pela desenfreada libertinagem e depravação que a própria lei autoriza, apresenta dificuldades, humanamente falando, inultrapassáveis. Contudo, o missionário encomenda-se à Divina Misericórdia e, esperançado, dispõe-se a correr para o campo de batalha e espera; ora sobe para o navio, soprando o vento propício, ora parte.


[4549]
Oh!, a que espectáculos continuamente novos, a que sempre renovadas maravilhas o conduz o Nilo! Avançando pela margem direita, avista os montes do Mochatan no deserto da Núbia e à esquerda, os montes Líbicos, que se encadeiam ao longo do rio, deixando atrás de si uma planície às vezes deserta e arenosa, às vezes cultivada. E ante seus olhos não deixam de se espraiar belos panoramas! Aqui, uma ilha sobre cujos verdes pastos anda errante um rebanho de cabras, guardadas por um rapaz negro, não longe da pequena choça encravada quase no meio das palmeiras que a rodeiam; ali, um bosque de acácias produz um suavíssimo perfume; além, um grupo de palmeiras faz gala das suas tâmaras. Agora, as margens aproximam-se, quase para mostrar ao viandante cada uma das suas próprias belezas; depois, afastam-se numa distância enorme, deixando o peregrino como no meio de um lago. E mais adiante fechá-lo-ão entre um horror de rochas nuas e de áridos montes, em cujos vales apertados, batido pelo vento, o rio se agita, que fechará os espectáculos sempre novos e deliciosos do dia, mostrando no seu longínquo aparente confim as águas encrespadas, flamejantes e de vivíssimas cores do Sol, que no ocaso parece mergulhar nelas para criar um mar de esplendor.


[4550]
Porém, os sentimentos despertados pelos gratos encantos que ali apresenta a natureza, bem frequentemente se turvam por causa de sinais sinistros e de amargas reflexões. Quando, ao cair da tarde, se ouve a voz rouca do muezim, que do alto do minarete convida à oração os seguidores de Maomé, então, recolhido em pensamentos de tristeza, o missionário deplora a desdita de tantas almas; e o silêncio vasto e profundo que pesa sobre aquelas margens salpicadas aqui e ali de cabanas, lembra-lhe o silêncio precursor da tormenta e pensa no luto que envolverá aqueles infelizes que dormem com um sono de ferro, para só despertarem ao troar da vingança divina. Tudo se cala em redor e, entre o sopro favorável do vento, dormem os barqueiros sob o mastro da vela.


[4551]
E, enquanto a Lua, banhando com a sua luz as planícies circundantes, de quando em quando, interrompidas por espantosas montanhas, parece chorar pelo Cristianismo que outrora ali florescia e do qual agora não pode iluminar senão uma ou outra ruína que o lembra, solitário reza o missionário. E no meio daquelas solidões, parecendo-lhe ouvir a voz do Pastor Celestial, saído à procura da ovelha negra perdida, ganha confiança em que cairão todos os obstáculos que se interpuserem na conquista dos seguidores de Maomé e em que o Demónio não saberá manter como feudo próprio a Nigrícia, onde, ainda que não sempre imunes da peste muçulmana, numerosíssimas multidões de infiéis oferecem ao missionários campos dos mais prometedores.


[4552]
Impedem-lhe também o passo as cataratas, por cujos escolhos, partido no seu curso, se engrossa o Nilo para se lançar impetuoso em correntes que, partindo-se contra outros escolhos, se subdividem precipitando-se a espumar, aumentando o ímpeto e o fragor do sinuoso curso, em contínua colisão. Desde aqueles negros penhascos, de que o Nilo aí está recheado e aquelas margens abruptas, a morte também ameaça; e, nas escuras tábuas de embarcações afundadas, que sobressaem das águas quando estas baixam, ela mostra os seus triunfos. Mas há outro caminho: o do deserto. E, embora assuste por causa dos seus incómodos e da sua imensidão, o missionário não retrocede por isso, ao recordar que doze pescadores saídos de uma região insignificante da Judeia, depois de lançar um olhar ao cimo do Gólgota, dividiram entre si o mundo e, confortados pela fé no Divino Redentor e pela certeza do triunfo, exultavam nas tribulações e nas dores.


[4553]
Dura, sim, trabalhosa e incómoda é a vida do missionário apostólico da África Central; mas, sem se mostrar demasiado delicado e pondo em prática os meios recomendados e já provados pela experiência, pode trabalhar longo tempo e não sem fruto, em favor das cem milhões de almas, às quais, arrogante, o Demónio faz há tantos séculos seguir a sua vontade caprichosa.


[4554]
Por outro lado, dadas as enormes distâncias, a pobreza dos meios de transporte que lá se podem usar, a inconstância do vento favorável para quem viaja pelo rio, a indolência dos barqueiros, etc., as viagens naquelas terras tornam-se sobremaneira longas e penosas. Abandonado o missionário pelo vento propício sobre uma praia deserta, naquela solidão, onde terá como grande sorte o poder cobiçar uma árvore espinhosa para lá debaixo passar a noite, talvez se veja forçado a passar aí longos dias e semanas; e, depois, deve estar disposto a suportar, detido durante dias e meses nos extremos dos desertos, a preguiça dos cameleiros.


[4555]
E quando montado no camelo se dispuser a atravessar as intermináveis planícies desérticas, as montanhas de granito nu e os intermináveis bosques do centro, convém que esteja preparado para suportar os tormentos que irá passar, mesmo que não seja atacado por feras – sobretudo quando o surpreende a noite na selva –, ainda que não fique doente, ainda que o camelo o não arroje ao solo, deixando-o maltratado pela queda. Se tem dores, tem que aguentar sem nenhuma espécie de lenitivos e continuar a viagem, senão morreria de sede e os cameleiros, responsáveis pela sua vida, não lho permitiriam de nenhum modo.


[4556]
Já o missionário penetrou nas imensidões do deserto, onde feroz e abrasador o queima o Sol e onde o cansa e fatiga o camelo, sobre cujo dorso vai ficando moído de manhã à noite. E quando, chegado o ocaso, coloca pé em terra, ainda não é para se entregar ao descanso, mas a um solitário vaguear por aqueles espaços, à procura de mato e arbustos, combustível necessário para preparar uma frugalíssima ceia. Isto quando não se vê obrigado, por falta de outra coisa, a matar a fome com pão e cebola, tendo ao lado um odre de água, que, embora sempre quente e suja e às vezes até podre, constitui o único alívio do viajante que cruza o deserto. Contente, descansa ele agora sobre a areia e considera-se muito feliz se conseguir resguardar-se do vento da noite atrás de algum penhasco. A gravidade de tais incómodos não o acabrunha, pois ele sabe que não serão sempre melhores as condições que encontrará nas estações, onde, mesmo quando o não atormentem as doenças, consumido pelas fadigas sofrerá, às vezes, a amargura do desengano e desgosto das dificuldades.


[4557]
Entre os obstáculos que para o exercício da acção apostólica encontra no solo africano o missionário, nomearei como principal a escravidão. Nas montanhas do interior, grupos de homens armados ainda continuam a levar a cabo sangrentas incursões; e aquele que, atacado, se levantar em defesa própria e da sua família, inevitavelmente morre vítima da ferocidade daquelas bestas humanas, juntando o seu sangue ao que, impunemente, corre ainda pelos pacíficos campos da infeliz Nigrícia. Entre os incómodos de uma viagem longa e penosa, sob um Sol abrasador e sobre aquelas areias imensas e ardentes, ainda se encontram longas filas de pobres camitas que marcham quase completamente carenciados e dobrados sob a scheva (viga dotada num dos seus extremos de um triângulo de madeira ao qual se fixa o pescoço do escravo) e vigiados por uns bárbaros jilabas que a golpes de chicote os abrigam a avançar. Quantas terras longínquas e desconhecidas atravessam esses infelizes, não raramente deixando marcados os seus passos com o sangue que sai dos seus pés desfeitos pelo longo e torturante vaguear através dos abrasados desertos! Mas nenhuma piedade sente o jilaba por aqueles infelizes! Se na catástrofe que destruiu a família só uma menina sobreviveu junto com a mãe, esta não tem direito a socorrer a sua querida criatura, única herdeira que ficou dos cuidados e afectos maternos!


[4558]
Se, para cuidar da sua cansada filhinha, abrandar o passo, a besta do jilaba arrancar-lha-á das mãos, passá-la-á à faca e com bárbara frieza atirá-la-á sobre a areia. E a pobrezinha da mãe, que sentindo dilacerar-se-lhe a alma e o coração, queria morrer com ela, certamente também acabará trespassada pela faca, se com as furiosas chicotadas e pauladas não prosseguir silenciosa a sua marcha. Ainda se vêem serem arrastados para os mercados, às centenas, aos milhares, pobres escravos, desfeitos pelas longas fadigas e pelos sofrimentos padecidos nos desertos e nas embarcações, onde, amontoados, maltratados e sem comer, viajam dias de mil horas.


[4559]
Convém que vá aos mercados quem gostar de conhecer até que ponto é uma vergonha para a humanidade a escravidão, que alguém quereria aprovar como meio de civilização. Porém, porquê tanto ultraje aos direitos mais sagrados da natureza? Porquê tanta brutalidade, tanta barbárie, capazes de comover corações de pedra? O que faz trocar por ouro o sangue humano é unicamente o puro interesse. E aquele que não consegue convencer-se disso, que veja o trato, menos duro, no paganismo, e bárbaro no Islamismo, dado aos escravos, quando do mercado passam para casa do amo que os comprou.


[4560]
Vendo-se esses desgraçados a servir o seu amo, senhor da vida e da morte para eles, sem terem direito ao suficiente sustento, tendo, ainda por cima, a obrigação de lhe entregar o pouco que podem ganhar. E alguns são forçados a roubar grão a outros amos, guardado a alguma distância da casa destes por escravos, com o risco de molhar com o próprio sangue o pau do roubado, no caso de ser descoberto, ou o do próprio amo se, à noite, não lhe levarem a quantidade do grão ordenado. Ao escravo nega-se o mínimo socorro, nem uma mão o conforta, quando agonizante; nem uma lágrima o chora, uma vez falecido. Termina a toda a sua vida de dor e miséria atirado sobre a areia e aí, no mesmo lugar onde morreu abandonado, o seu corpo ficará por enterrar para pasto dos cães e das feras.


[4561]
Deixando de lado o anterior, poderia aprovar-se a escravidão como meio de civilização para que (ao serem poucas as necessidades que ali se sentem e a que, portanto, se pode atender) permitisse que, se não todos, muitos escravos passassem os dias inteiros na ociosidade e, por outro lado, lhes proibissem aproximar-se do missionário para aprender com a religião católica as artes necessárias?


[4562]
Pois é assim. Mais ainda: se fugindo dos maus tratos do amo, algum se refugia na Missão, o que às vezes acontece, é incrível a quantidade de astúcias que ele utiliza para o surpreender só, a quantidade de meios de que se serve para o recuperar, disposto a usar até a violência, se a violência se pudesse usar nas casas da Missão. E tudo isto porque o escravo, uma vez instruído na casa da Missão, já não pode ser revendido nos mercados, dado que no termo da sua educação católica recebe da Missão a carta de alforria, assinada pelo cônsul protector. Portanto é o mesquinho interesse a única razão pela qual existe a escravidão e constitui um dos graves obstáculos que encontra o ministério apostólico na África Central.


[4563]
Mas não é só por esta razão que se torna difícil o exercício do ministério apostólico entre os maometanos. Entre eles, onde se encontram estabelecidas as estações de Berber, Cartum e El-Obeid, a acção apostólica é difícil também porque as referidas estações tiveram de ser levantadas algo longe uma da outra, distantes entre doze a quinze jornadas, já que a esta distância ficam os grandes núcleos de população, embora a apenas uns dias de distância das cidades e localidades mais habitadas haja dispersos pequenos povoados e até algumas famílias isoladas nas desarborizadas montanhas do deserto. E também dificulta a acção apostólica o facto de, fora a natural indolência, aqui a ignorância se encontrar prescrita e a corrupção fomentada pelo Islamismo, para derrubar o qual não há força que baste.


[4564]
Contudo, isto não deve desalentar em absoluto o sacerdote nem o leigo católicos que se sentem comovidos pelos gemidos de uma imensa população vítima das tropelias dos homens e do Demónio: a cruz é a marca de todas as obras redentoras de Deus, porque todas elas nascem e crescem aos pés da cruz. Portanto, quanto maior dificuldade apresentar a redenção da Nigrícia, mais gloriosa será. Sempre que não resulte impossível, e não o é, só as dificuldades, longe de produzir desânimo, devem incitar mais e mais a caridade dos que tratam de levar a cabo essa empresa.


[4565]
Não, não há tal impossibilidade: nem sequer lá, quando o missionário se ajuda pondo em prática os meios necessários para poder penetrar nas famílias e ganhar o seu respeito, é completamente estéril o exercício do ministério apostólico. E se com os muçulmanos resulta infrutuosa a acção do operário evangélico – o qual procura por isso de não os tornar inimigos –, não tão ineficaz se mostra a sua obra em relação aos europeus, que, nas cidades de Berber, Cartum e El-Obeid e nas províncias dependentes delas, se encontram reunidos em famílias e que provavelmente aumentarão, porque continuamente aumentam os trabalhos e ganha mais vida o comércio. Pelo que, no meio destes se move o missionário a fim de lhes evitar ou impedir todo o mal possível e promover todo o bem possível. Para tal fim, não poupa nada do que a caridade lhe sugere: visitas, exortações, ameaças, diligente atenção para com todos, acolhimento gratuito nas correspondentes salas da missão ao necessitado que caísse doente...


[4566]
Deste modo conseguiu acabar-se com a mancebia de alguns pares e formar com eles legítimas famílias, administrando educação católica através das irmãs às amancebadas negras ou abexins, enquanto noutras famílias se conseguiu introduzir a observância dos preceitos eclesiásticos. E que grande conforto é ver tantos infelizes atraídos pelo interesse longe dos países católicos onde nasceram, corresponder agradecidos às carinhosas advertências da religião católica, que os seguiu, alcançando-os até à remotas planuras da África Central, e vê-los igualmente irmanados pela identidade de religião com os negros convertidos, assistir em companhia destes às sagradas funções e saciar-se, junto com eles, nas fontes da salvação, que também aí lhes faz jorrar o seu Celestial Pastor!


[4567]
Mas não é só o bem da população europeia o único fim da acção apostólica exercida em terras muçulmanas, onde tão-pouco faltam gregos e coptas cismáticos. E se não se obtém fruto entre os coptas e só existe a esperança de futuras colheitas, vivendo eles em boa-fé, especialmente onde não são governados por sacerdotes e amando, por isso, e respeitando o missionário católico; algumas conquistas fez todavia a cruz entre o escasso número de cismáticos gregos.


[4568]
Contudo, o campo que o missionário encontra semeado de melhores esperanças é o dos escravos. Esses infelizes, que estão sobretudo ao serviço das famílias muçulmanas, superam em muito o número de todo o resto da população. Além disso, como provêm do paganismo das tribos centrais, com maior facilidade que os muçulmanos e os cismáticos são induzidos a abandonar o Islamismo, a abraçar o qual se vêem forçados especialmente pela sua situação. Embora seja verdade que, de adultos, são algo instáveis e, ao entrarem em contacto com os seus amos muçulmanos, poderiam abandonar facilmente o Catolicismo.


[4569]
Portanto, o missionário deve guardar-se de os admitir na religião católica, salvo o caso de eles permanecerem na Missão ou servirem numa família católica ou, melhor ainda, se unirem em matrimónio com uma das negras já convertidas e educadas, mantendo-se depois com o exercício do ofício que, durante o catecumenato, devem aprender na missão para se não exporem ao perigo de apostatar servindo a amos muçulmanos. Mas há bastantes rapazes e raparigas que crescem alojados na casas da Missão, que os mantêm como filhos adoptivos por os terem comprado ou recebido em doação ou por os terem acolhido depois de eles fugirem dos seus amos. A estes jovens, cujo número aumenta todos os dias, ensina-se-lhes, junto com a educação moral, a material, mas limitando-a ainda a que aprendam a ler, a escrever e a algum ofício adequado para o lugar; e, entretanto, evita-se multiplicar neles as necessidades, mantendo-os, pelo contrário, nos seus costumes na medida em que a virtude e a religião o permitirem.

São sobretudo estes jovens os que, com frutos e esperanças, confortam das suas fadigas e solícitos cuidados o missionário, que, gradualmente, vai educando na religião católica, na sua fé e práticas, as suas mentes virgens e os seus ternos corações, até que, baptizados e maduros para o matrimónio se unam catolicamente com alguma das negras educadas na religião católica e nos lavores femininos pelas Irmãs. São estes especialmente os que se encontram nos nossos institutos e os que, mais susceptíveis de receber uma educação sólida, multiplicarão a grei católica à volta das nossas casas e nos terrenos que, em situação adequada a alguma distância das cidades – e, portanto, longe da peste maometana –, a missão comprou.


[4570]
Pode-se deduzir claramente disto que os gastos para a manutenção da obra são sobremaneira grandes, o que constitui não pequena dificuldade para o exercício da acção apostólica naquelas terras. Os gastos são grandes: a) pelo sistema de missão adoptado, o único que se encontrou possível e proveitoso naquelas regiões. Não existindo aí edifícios, convém e convirá construir estabelecimentos e casas, onde albergar os missionários e as Irmãs, assim como os negros e as negras e onde ministrar a estes o ensino artesanal e religioso, longe do pernicioso contacto com os muçulmanos. Durante a sua educação é preciso sustentá-los inteiramente, custeando toda a sua comida e roupa, como se fez até hoje, e, depois, há que instalá-los fora da cidade, em terrenos comprados também pela Missão. Qualquer um pode ver que isto representa um considerável gasto, o qual aumentará à medida que aumentarem as conversões e as aquisições.

Grandes particularmente são os gastos também: b) pela natureza dos lugares. De facto, como estes não estão suficientemente cultivados – e até na sua maior parte são desertos incultiváveis por falta de água –, e dado o escasso volume de comércio nas poucas cidades onde existe, é preciso fornecer cada casa e cada pessoa de tudo o necessário, mediante copiosas compras feitas na Europa ou no Cairo e daí enviadas para o Sudão.


[4571]
c) Não falo dos gastos da manutenção dos institutos de Verona e do Cairo, das novas expedições, das viagens, dos transportes; nem tão-pouco das perdas ocasionadas pelos atrasos, pelas enormes distâncias, pela irregularidade do valor comercial das moedas nos diversos dias e nos diferentes países. Ponho tudo isso de lado, confortando-me na convicção de que nem sequer em terras muçulmanas do Vicariato da África Central é impossível o proveitoso exercício do ministério apostólico, como se torna evidente a quem pensa que o missionário católico, sem ser aí favorecido em tudo, tão-pouco é em tudo hostilizado e que, aos que em primeiro lugar se aclimatam e depois se habituam ao frugal estilo de vida que a experiência aí recomenda, o clima não se lhes torna tão pernicioso.

Por outro lado, quem pensa que, para além de dois grandes Institutos em Verona para o noviciado e outros dois também grandes no Cairo para a aclimatação, para além da casa de Schellal, a Missão fundou um estabelecimento suficientemente amplo em Berber, mais dois muito vastos em Cartum e dois em El-Obeid e em Malbes, junto com dois iniciados em Gebel Nuba, e todos eles com terreno próprio, rapidamente compreende que se criou uma estrutura estável, mediante a qual se proporciona o necessário alojamento aos missionários e às Irmãs e se facilita a educação religiosa e artesanal dos pobres camitas.


[4572]
E se, além de usar a sua dedicação a falar e baptizar os meninos moribundos dos muçulmanos, em promover o bem e impedir o mal entre os europeus e católicos e em obter alguma conversão entre os cismáticos, podem, ainda, os missionários e as Irmãs dirigir (como especialmente dirigem) a sua solícita caridade para com os escravos, não só para os instruir mas também para os conservar no Catolicismo, é de crer que, além de não ser infrutuosa a acção apostólica nas terras muçulmanas, no meio destas encontra campos a cruz sobre os quais, mesmo lentamente, triunfar.

Porém, é entre as tribos livres e pagãs do centro, onde mais fecunda se revela a paciência do missionário. Já em 1875 tentámos penetrar nelas; e depois de seis dias de caminho, desde os montes de Delen (primeira colina da tribo Nuba) contemplámos a ampla vinha que devíamos fazer frutificar com os nossos suores. Aí ficámos, após cortês acolhimento e os fervorosos rogos daqueles pobres nuba, que tanto festejaram a nossa chegada. Contudo, depois de termos construído as casas necessárias e até de termos iniciado a acção apostólica, circunstâncias adversas obrigaram-nos a regressar por então a El-Obeid, depois de entregarmos tudo ao cojur (chefe religioso e político da tribo Nuba), o qual partilhava com a sua gente o pesar pela nossa temporária retirada.


[4573]
As tropas do Governo de Cordofão que avançavam hostis sobre Gebel Nuba, as tribos nómadas dos Bagara, inimigos dos Nuba e fanáticos muçulmanos, que por inspiração própria ou por conselho de outros teriam podido aproveitar a guerra iminente para vingar na missão os agravos do nome “cristão” a Maomé; as doenças, que naquele clima, ainda que saudável, nos afectaram a todos ao surpreenderem-nos as chuvas necessariamente já debilitados pelas fadigas e privações; a impossibilidade de receber do Cordofão provisões para vivermos e nos curarmos, estando interceptados os passos por causa da guerra já iniciada: o conjunto destas circunstâncias oferecia à prudência de todos as razões suficientes para concluir que a nossa presença em Gebel Nuba seria para a Missão e para nós mesmos gravemente prejudicial, e para os Nuba, senão nociva, por completo inútil.

Mas só o pensamento de um próximo regresso nos mitigava a amargura do necessário afastamento daquela terra, pela qual durante tanto tempo tínhamos suspirado. E já em 1876 fazíamos os preparativos para regressar, quando uma ordem do Governo egípcio nos reteve em El-Obeid, impedindo-nos a saída até Gebel Nuba. Ah, é que aquelas terras, nas quais a religião católica poderia obter mais fáceis e amplos triunfos, são as que o interesse guarda com maior zelo contra o Catolicismo, por este tentar implantar aí as suas tendas de liberdade.


[4574]
Mas convém esperar, pois não se deixará de tentar nenhum meio para conseguir que os perversos intuitos do vil interesse, o qual tão vergonhosamente ultraja a humanidade, finalmente se malogrem e fracassem; de modo que já aberta e livre a passagem, a propagação da fé na tribo dos Nuba se torne uma feliz realidade. E a Divina Providência, dispondo que recentemente fosse nomeado governador-geral do Sudão o ilustre general Gordon, o qual partilha dos nossos mesmos sentimentos e opiniões acerca da escravidão, parece ter querido facilitar-nos o acesso àquela tribo.

Um obstáculo universal, quer dizer, um obstáculo que a religião católica em todos os lugares da África, à parte a antiga prática de certos usos imorais, é constituído, sobretudo na Nigrícia interior, pela natural mandriice e indolência, entre as quais crescem os seus filhos, devido ao clima quente e à inexperiência de comodidades e necessidades. Acostumados na sua maioria ao pouquíssimo que o pequeno terreno, semeado pouco antes das chuvas, lhes produz, quase sem ulteriores cuidados ao cabo de três meses, e que junto ao produto dos rebanhos alimentados de pastos espontâneos e verdes na estação chuvosa e depois de tufos e ervas secas do deserto, fornece-lhes tudo o que precisam durante um ano, nada mais desejam, pelo que pouco cuidam de aprender a arte da agricultura; e, habituados a viver ao ar livre, ou em cabanas de terra e palha, não sentem a necessidade de aprender alvenaria. Assim que as obras dos missionários não servem para outra coisa senão para despertar neles uma estéril admiração.


[4575]
Habituados a não ver na sua cabana, além da panela de barro onde cozem o grão inteiro e uma chapa de ferro para o cozer triturado, a não verem outros móveis ou utensílios para além de um recipiente de barro onde guardar o grão e outro para guardar a água, não sentem a necessidade das artes para obter outras comodidades. Deste modo não sentem a necessidade da arte do alfaiate, acostumados como estão em certos lugares a andarem só meio vestidos, e outros, como no Centro, completamente nus.

Estes povos, que ao não possuírem nada, nada desejam, considerados por esse lado são naturalmente os mais ricos e felizes. Mas a experiência da vantagem das artes que os faz indiferentes às mesmas, assim como a impossibilidade de as exercer ao princípio para os outros em benefício próprio, que os tem totalmente inactivos, constituem a maior das dificuldades que encontra o ministério apostólico naqueles países. Porque, verdadeiramente, para exercer com facilidade e com fruto a acção apostólica, especialmente entre povos primitivos e incultos, qualquer um compreende que é preciso em primeiro lugar atraí-los e ganhar o seu respeito e carinho.


[4576]
Mas para conseguir isto, sobretudo no meio de povos materialistas, entre os quais só a linguagem do interesse é eloquente e eficaz, não há quem não reconheça um meio validíssimo no ensino e no exercício das artes. Portanto, a natural indolência dos negros, derivada da inexperiência das necessidades, que os torna diferentes em relação às artes, deve ser considerada por todos como uma das sérias dificuldades que encontra naqueles lugares o exercício do ministério apostólico.

Contudo, não se pense que caem em terreno totalmente estéril os esforços do missionário para despertar a laboriosidade e o amor às artes, o qual se torna difícil só a princípio. Como tão-pouco se deve crer que por culpa da natural fuga daquelas gentes à aplicação e ao esforço seja completamente estéril a acção do missionário, que, sem multiplicar, especialmente ao princípio, as necessidades daqueles povos, mas deixando-os nos seus costumes na medida que a virtude o permita, se centre principalmente em moralizar as suas relações e em educá-los na religião católica.


[4577]
Para o conseguir não é inútil o exercício e o ensino gratuito das artes, porque se não ganhar o afecto da população, isso ajuda a ganhar o respeito. Enquanto para ganhar o afecto existem outros meios, como a prática gratuita e solícita da medicina, as visitas, as conversas, as prendas, as maneiras suaves e algum aspecto de ensino útil. E enquanto assim prepara o terreno, o missionário vai praticando de modo visível as normas religiosas que mais tarde, prudentemente, tratará de difundir também com a palavra; porque esta deve ser a semente evangélica, que, lançada em terreno oportunamente preparado e alimentado, pelo rocio da graça do céu, se desenvolverá viçosa e vigorosa.

À destruição do paganismo na tribo Nuba e à conversão desta ao Catolicismo ajuda particularmente a sua própria situação sobre o terreno, já que encontrando-se dividida em vários grupos suficientemente numerosos, os quais habitam vinte colinas, que rodeiam uma planície de uma jornada de longitude, oferece maior facilidade de acção, ao poderem-se fundar frequentes estaçõezitas dependentes de uma principal. Ajuda também a subordinação que todos os membros da tribo manifestam ao chefe, de modo que se submetem a ele em tudo: assim as dificuldades de todos os indivíduos ficam concentradas num, e a destruição das mesmas neste facilita-as nos demais. Por tudo isto, mais pelo bom carácter e o bom sentido de que são dotados os membros da tribo Nuba; pelas súplicas das crianças falecidas que, encontrados pelos missionários em transe de morte, foram baptizadas, e também pelas preces dirigidas a eles, que, primeiras flores do apostolado em Gebel Nuba, brilham no céu, esperamos que esse povo, a quem o Demónio e os homens maltrataram, entoe debaixo da grande árvore da religião católica o hino da redenção e da salvação.


[4578]
Deus o quer. Portanto, fiéis ao nosso programa «Nigrícia ou morte», não retrocederemos ante os enormes gastos, as dificuldades e os sacrifícios. Glória ao Senhor e prémio eterno aos generosos benfeitores que, não podendo colaborar pessoalmente com a obra para o triunfo da religião católica nas infelizes terras da África Central, cooperem com abundantes donativos e com fervorosas orações.

Aqui fica, pois, esta exposição rapidíssima que, contudo, creio suficiente para dar uma ténue ideia do Apostolado da África Central e do importante papel que representará a sublime Obra da Santa Infância. O anjo tutelar da Nigrícia acompanhe a humilde súplica que dirijo ao ínclito conselho dessa santíssima obra, que povoou o Céu de tantos adoradores do Divino Menino.



P.e Daniel Comboni

Pró-vigário da África Central






692
Mgr. Joseph De Girardin
0
Roma
3. 5.1877
N.o 692 (658) - A Mgr. JOSEPH GIRARDIN

AOSIP, Africa Centrale



J. M. J. N.o 1

Roma, 3 de Maio de 1877

Via Margana 40, A, 1.o



Ilustríssimo senhor,



[4579]
A esperança é a última coisa a morrer. Além disso, como até ao presente sempre se viram atendidas as minhas súplicas a essa admirável obra orientadas para obter ajudas, o bom Deus, o divino Coração de Jesus Cristo, o meu ecónomo S. José, os santos apóstolos Pedro e Paulo, S. Judas Tadeu, S. Francisco Xavier e a beata Margarida M.a Alacoque infundiram em mim tal confiança em que a magnanimidade do seu grande coração, monsenhor, e a bem conhecida bondade dos veneráveis membros do conselho central da Santa Infância vão escutar também desta vez os meus rogos que já me sinto seguro de que a caridade dessa santa obra se estenderá pela África Central, que é o vicariato mais colossal, mais extenso e mais povoado de todo o universo.


[4580]
A história deste Vicariato pode considerar-se dividida em três épocas ou períodos diferentes. No primeiro deles, que abrange 15 anos, a missão esteve sucessivamente sob o governo do P.e Ryllo S. J., de mons. Knoblecher e de mons. Kirchner. Neste período trabalharam no Vicariato quarenta missionários, aos quais eu mesmo pertencia. Quase todos morreram vítimas de enormes esforços, do clima mortífero e da caridade, e só eu (mesmo quando me encontrei repetidas vezes prestes a morrer) permaneci no campo de batalha.

No segundo período, de dez anos, trabalharam na África mais de cinquenta franciscanos. Vinte e dois deles morreram vítimas da caridade e do clima letal e todos os demais regressaram ao Egipto ou à Europa, perdida toda a esperança de sucesso.


[4581]
O terceiro período começou há cinco anos, quando o Vicariato foi confiado a uma congregação especial que eu mesmo fundei sob os auspícios desse grande homem que é Sua Em.a o card. de Canossa, bispo de Verona, e cunhado da irmã da senhora Teresa Durazzo, a qual, dada a sua condição de Dama do S. Coração de Jesus em Paris, que me procurou a sorte e a honra de conhecer V. Senhoria e a poesia da Obra da Santa Infância.

Desde então o Vicariato foi dirigido segundo o meu Plano para a Regeneração da África, que concebi num dia em que assistia à solene Beatificação de Margarida Maria Alacoque no Vaticano e, neste período, nenhum missionário europeu, sacerdote, morreu, mas todos têm conservado um perfeito estado de saúde, no meio de umas fadigas, umas privações e um calor de que nem se tem ideia nas outras missões do mundo.


[4582]
Por isso, e pela conservação nos missionários e nas Irmãs do espírito de sacrifício e do verdadeiro apostolado, as missões da África Central adquiriram carácter de estabilidade e perpetuidade; de modo que a S. C. da Propaganda está a dar à missão da África Central uma organização formal, que possuem as velhas missões, as mais sólidas.

Precisamos de muito dinheiro para as longuíssimas e perigosas viagens de cinco ou seis meses. Muito dinheiro também para criar tudo nestas imensas regiões. Nelas não encontramos mais que um Sol implacável, areia e muito pouca água, a qual é preciso economizar até para se lavar. Não temos quase nunca vinho e a água que bebemos é sempre negra.


[4583]
Isto, entende-se, nos lugares afastados das margens do Nilo e do Nilo Branco e do Azul. A fim de obter o vinho para celebrar missa, devemos gastar muito. Dez soldos custa no Cairo uma garrafa de vinho para a missa; mas, chegada ao Cordofão ou a Gebel Nuba, a mesma custa-nos de sete a dez francos e o vinho está quase gasto. Uma peça de pano que no Cairo compraríamos por dez francos, quando chega ao Cordofão, a Darfur ou a Gebel Nuba custa-nos de cinquenta a oitenta francos.


[4584]
Lá não há ferramentas para construir casas, para a agricultura, etc.; é preciso levar tudo da Europa e, depois, carregá-lo nos camelos. Não posso descrever todos os pormenores do nosso apostolado. A única coisa que encontramos na África Central são almas, as mais abandonadas: mulheres e homens completamente nus, a quem é preciso vestir antes de lhes administrar o baptismo, pessoas ignorantes que há que instruir e cem milhões de infiéis que é preciso ganhar para Jesus Cristo.


[4585]
Por isso, monsenhor, peço-lhe com os braços abertos e lágrimas nos olhos ajuda para o meu Vicariato, que é digno da sua caridade e da poderosa assistência da Santa Infância. Por minha parte, ainda que todos me abandonem, eu continuarei a cumprir até ao fim o mandato de Pio IX, que em 1864, no mês da beatificação de St.a Maria Alacoque, me disse no Vaticano: «Trabalha como um bom soldado de Cristo para a África.»


[4586]
Eu não temo nem o mundo inteiro e morrerei no campo de batalha seguindo o meu grito de guerra, que fizeram seu os meus fervorosos colaboradores: «Nigrícia ou morte!»

Depois de lhe ter rogado insistentemente que me conceda consideráveis ajudas, peço-lhe outra graça. Trata-se de que seja publicado nos Anais da Santa Infância, quer em latim quer em francês, a “Oração pela conversão dos camitas da África Central à Igreja Católica”, que lhe envio nesta carta. As almas que têm a sorte de formar parte da Santa Infância são almas superiores, almas selectas, almas muito poderosas diante de Deus e que, portanto, contribuirão para obter do Menino Jesus e da Sagrada Família a conversão dos meus cem milhões de infiéis e os meios necessários para conseguir este objectivo, entre eles um importante contributo anual para a África Central da Obra da Santa Infância.

Na mais viva esperança de que as minhas humildes súplicas sejam atendidas pela sua eminente caridade, expresso-lhe adiantadamente a minha gratidão mais fervorosa, enquanto me honro em chamar-me



Seu dev.mo e agrad.mo servidor

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário ap. da África Central

Original francês

Tradução do italiano






693
Cón. J. C. Mitterrutzner
0
Roma
6. 5.1877
N.o 693 (659) - AO CÓN. J. C. MITTERRUTZNER

ACR, A, c. 15/71



Roma, 6 de Maio de 1877

Dulcissime rerum,



[4587]
Amanhã é o grande dia da congregação geral dos cardeais no Vaticano, em que se decidirá se a África Central há-de sair autenticamente beneficiada com o que contribui para aumentar o seu verdadeiro bem espiritual, ou se tudo fica em nada. Na segunda-feira passada, os em.os ocuparam-se dos assuntos dos ritos orientais e no próximo tratarão sobre as normas que os bispos e vicários apostólicos devem seguir no governo das suas missões, perante a tremenda guerra russo-turca. Quando eu souber o resultado, o que não acontecerá antes de 14, já que a 13 deve decidir o Santo Padre a minha nomeação, ou por telégrafo ou por carta dar-lho-ei a conhecer. Só lhe peço que, depois de receber o meu despacho, se for afirmativo, que informe sobre isso o ex.mo comité de Viena. Eu depois, com tranquilidade, escreverei ao arcebispo de Viena e a Steiner.


[4588]
Todos os camilianos regressaram a Verona e a Roma. Também estão aqui o P.e João Baptista Carcereri, irmão do protagonista, e o P.e Afonso Chiarelli. Só o P.e Estanislau continua ainda no Cairo e parece que tinha partido para a Europa na terça-feira passada.


[4589]
Agora peço-lhe um enorme favor para glória do Papa e da África. No dia 27 deste mês o Colégio Urbano da Propaganda Fide apresenta no Vicariato um pequeno ensaio em muitas línguas. Eu fui encarecidamente solicitado por aquele digníssimo reitor e comité, entre os quais se encontra mgr. o secretário Agnozzi, para preparar pequenas composições, que durem não menos de um minuto e não mais de dois, em dinca, em bari, em abexim e em galla. Apenas poderia defender-me um pouco em dinca, mas não tenho livros, nem prática e estou, além disso, imensamente cansado, com a cabeça desfeita, etc.


[4590]
Para o galla e o abexim comprometi-me com a Propaganda a escrever ao meu amigo António d’Abaddie, membro do Instituto de França; e para o bari e o dinca obriguei-me a dirigir-me ao futuro consultor da Propaganda, ou seja, o senhor, dulcissime rerum, como único capaz de satisfazer os desejos romanos. Fac mihi gratum. Aqui lhe junto os temas que me deram: redija dois textos. Não haverá críticas filológicas, porque ninguém poderá dizer nada, se se enganar num nome, verbo ou plural. Trata-se de uns três ou quatro minutos de composição dincae bari: fac quam primum et Romam ad me mitte.


[4591]
Já mandei a P.e Squaranti 42 folhas cheias de informação geral sobre a África e a situação actual do Vicariato, ordenando-lhe que, após fazer um resumo para os Anais do Bom Pastor, lhe mande a si as 42 folhas (que correspondem a 84 destas em que lhe escrevo a presente) para o Jahresbericht de Viena, e também para a imprensa católica do Tirol e Viena. No outro dia, numa reunião em Londres, acordou-se mandar a monsenhor Comboni missionários para a civilização da África. Presidia à reunião o duque de Norfolk.

Agora estou a escrever uma pequena obra de 150 páginas, que se intitula:



Breve relação histórica e situação actual

do Vicariato da África Central e suas obras




[4592]
Mais ou menos é o que constitui o relatório de 42 folhas que receberá o senhor de Squaranti e no qual fica bem claramente traçada a figura de Mitterrutzner, que é inseparável da história da África Central pela grande amplitude e importância da sua contribuição. Pareceu-me oportuno dar a verdadeira ideia da missão e do travejamento e concatenação de toda a obra, porque o nosso apostolado é pouco conhecido em Roma, na Itália, na França, na Inglaterra e na América. Melhor na Áustria e na Alemanha. O senhor, espero, fará correcções e emendas, etc., porque, estando em Brixen, sabe mais que nós na África. Ah, se em vez de missionários e irmãos leigos e colaboradores ingleses eu pudesse ter bons tiroleses alemães e italianos, como Gostner, Lanz, Überbacher e outros, a África seria convertida!

Gordon é governador-geral do Sudão. Receberá o senhor os selos do correio. Ave, salve, Angelo Brixinenxis Ecclesiae meae.



Tuissimus

Daniel



Estupendo plebiscito nas peregrinações mundiais de Roma. Celebridades católicas alemãs, etc.






694
Propagação da Fé, Lião
1
Roma
20. 5.1877
N.o 694 (1164) - À PROPAGAÇÃO DA FÉ DE LIÃO

«Les Missions Catholiques» 417 (1877), p. 263



Roma, 20 de Maio de 1877



Breve nota.





695
Cón. J. C. Mitterrutzner
0
Roma
21. 5.1877
N.o 695 (660) - AO CÓN. JOÃO C. MITTERRUTZNER

ACR, A, c. 15/72

J. M. J.

Roma, 21 de Maio de 1877



Dulcissime rerum,



[4593]
Recebi o telegrama com imenso prazer. É uma esplêndida mostra da sua bondade e do grande interesse que toma por minha humilde pessoa. Já me chegaram as duas belas, jocosas e catolicíssimas composições em bari e em dinca e já as aprenderam de cor os meus dois alunos da Propaganda, António Dubale e João Farag. Muito obrigado. Convidei P.e Beltrame (que está aqui em Roma para assistir às sessões da Sociedade Geográfica... Italiana... m...) a que me faça a composição na língua dos dois Acca de Verona (na qual a Sociedade Geográfica publicou uma pequena gramática e um breve dicionário); mas parece que me vai dizer que não, por não ter aqui livros.


[4594]
A minha expedição constituída por Policarpo, outro missionário, três Irmãs e dois excelentes leigos, a esta horas deve estar a chegar a Berber por Suakin, no mar Vermelho.


[4595]
Neste momento recebo as composições em abexim e galla de Mr. d’Abbadie, um membro muito católico do Institut, de Paris. A Posição não se discutiu ainda, por causa dos assuntos do Oriente, já que, de mais de 200 proposições, só se examinaram 96. Não sei quando se discutirá: falta grande zelo em alguns pela salvação das almas, como disseram santas personalidades. Ontem, em S. Pedro in Vinculis, grande festa. O abade recebeu a nata da Alemanha. Apenas se discuta a Posição, mando-lhe um telegrama. Tenho aqui preparados muitos terços recebidos de um jerosolimitano e benzidos por Sua Santidade. Todos os camilianos se encontram em Verona, excepto o grande mação P.e Estanislau, que está aqui e ameaça com fumo e fogo, mas não conseguirá nada.


[4596]
A minha confiança está posta na justiça de Roma eterna e no Divino Coração que palpitou também pela Nigrícia. Espero o Anjo de Brixen, a quem entregarei tudo. Um só olhar que o senhor lance ao meu relatório bastará para que a sua agudíssima mente escolha o que pode ser útil para o Jahresbericht, de Viena.


[4597]
Tenho estado e estou ocupadíssimo. P.e Gennaro terminou a sua exploração até aos confins com a Abissínia e Gordon Paxá depôs do emprego que tinha perante ele (30 guinéus ingleses ao mês) o Bismark de Kartum, Mr. Rossel, o vice-cônsul prussiano, com quem Carcereri estava muito relacionado.

Obrigado, vale, fave,



Tuissimus Daniel, Pró-vigário apostólico






696
Mons. Luis de Canossa
0
Roma
10. 6.1877
N.o 696 (661) - AO CARD. LUÍS DE CANOSSA

ACR, A, c. 19/18



Roma, 10 de Junho de 1877



[4598]
Aquele documento que me expediu o P.e Franceschini de pleno acordo com o P.e Afonso Chiarelli – o qual pode dar testemunho disso em Verona, onde se encontra – eu aceitei-o pro bono pacis depois de ter perdoado muitos milhares de francos que injustamente lançou na minha conta. Com esse documento ficava provado que eu tinha satisfeito o contributo correspondente ao primeiro ano dos camilianos em Berber, prometendo, como está anotado, antecipar 2000 francos para o segundo ano. Porém, pagos os 2000 francos, Carcereri, com evidente injustiça, não admitiu como válido o realizado pelo procurador Franceschini e anotou os dois mil francos como entregues à conta do primeiro ano, querendo, por cima, várias centenas mais, e assim me roubou à força uns dois mil e quinhentos francos.


[4599]
Depois arrebatou-me com grande iniquidade, ou melhor, roubou-me também em cada atribuição anual de 5000 francos, a soma de 316 francos sobre o câmbio monetário; de maneira que, só em câmbio desde o primeiro de Março de 1875 até 1877 me subtraiu 616 francos, etc., como posso demonstrar pela nota do cônsul austríaco, etc. Depois gastou na Itália (embora suspeite que não tenha gasto nem a metade, porque para o Vicariato não levou nada, excepto um cronómetro e uma ou outra coisa de pouca importância) mais de 7000 (sete mil) liras, e a mim apontou-me 7000 francos ouro. Depois comprou uma pileca dum asno no Cordofão por 115 (cento e quinze) táleres, mais a albarda por 36 táleres e o cabresto por 76 piastras, que eu me vi obrigado a pagar. Aqui em Roma comprou (tenho a factura) um cronómetro por 500 liras (não custa nem a metade) e na minha conta apontou 500 francos ouro. Depois enganou-se em meu desfavor no valor de 120 francos e negou-se a pagar-mos. Mais, apontou-me 1943 francos ouro para a viagem de oito missionários de Verona para o Cairo, quando essa viagem foi paga por P.e Squaranti, etc, etc. Além disso tomou do meu depósito em casa da sr.a Lafargue, em Berber, mais de mil francos a mais (contando as mercadorias dadas anteriormente, etc.) para cobrar a atribuição, etc., etc.


[4600]
Depois de tudo isto e de outras coisas, como posso eu, em consciência, pagar o que pretende Carcereri?...Tenho razão em invocar da bondade do nosso em.o pai o juízo de uma pequena comissão formada por ele, por

P.e Peloso, Aldrighetti, Bacilieri, etc... Carcereri é um homem violento, injusto e com coisas piores. Perdoo-lhe, mas quero que conheça a verdade quem deve conhecê-la. O Coração de Jesus fará justiça e nele confiamos. P.e Paulo é testemunha de como e porque me vi obrigado a passar a Carcereri o recibo de algumas contas liquidadas. Vão saber também os outros o que é tratar com esse homem, a quem espero que Deus perdoe, como é meu pedido.



P.e Daniel Comboni

Pró-vig. apostólico






697
Cón. J. C. Mitterrutzner
0
Roma
11. 6.1877
N.o 697 (662) - AO CÓN. JOÃO MITTERRUTZNER

ACR, A, c. 15/73



J. M. J.

Roma, 11 de Junho de 1877



Dulcissime rerum,



[4601]
Mando-lhe o esboço de um fragmento de relatório geral, que é o esquema ou resumo de um opúsculo que publicarei dentro de algum tempo, para dar a conhecer sumariamente a obra. Este fragmento de seis pequenas folhas é o menos interessante. O de maior interesse é o próximo, que nunca se publicou em nenhuns Anais, nem italianos, nem alemães, nem ingleses. Se encontrar nele alguma impropriedade, defeito, exagero ou outra coisa, peço-lhe que me avise e eu, sem seguida, farei a correcção, porque o senhor sabe muito mais que eu. Amanhã, quando voltar o meu secretário, mandar-lhe-ei copiar o resto, que é longo mais ou menos como estas seis folhas. Dada a sua capacidade de síntese, não lhe será difícil fazer nuns dias um resumo para Viena.


[4602]
Eu já tinha começado o primeiro relatório para Viena. Mas como P.e Squaranti me apertava por causa de Verona, que desde há dezoito meses não publica o Bom Pastor, porque quis esperar os resultados dos assuntos de Roma, enviei-o primeiro para lá, julgando que P.e Squaranti, num abrir e fechar de olhos, aprontaria um resumo e depois mandá-lo-ia a Brixen. Mas o coitado viu-se impossibilitado, porque teve problemas e muito que fazer, como eu em Roma (onde tive a satisfação de ver duas vezes o Anjo de Brixen), e o santo andou numa roda-viva. Assim que dentro de quatro ou cinco dias receberá de mim o resto, que é a Acção Apostólica do Vicariato, ou seja, o mais importante.


[4603]
Desculpe, caríssimo amigo; tenho o coração despedaçado de cansaço e de ver em Roma tão pouco zelo pela salvação das almas em alguns eminentíssimos, como também observou o em.mo de Canossa, o qual lançou uma merecida reprimenda aos cardeais Orelia de St.o Estêvão e Sacconi, enquanto ao em.mos Franchi, Bilio, Bartolini, de Pietro e todos os outros queriam a minha rápida nomeação.


[4604]
Mas paciência. Deus quer assim. Como neste mês não se acertaram os meus assuntos, vou à Propaganda e declaro que não posso esperar mais, sendo o meu dever regressar à Missão onde me aguardam com ansiedade. Há dezassete meses que estou em Roma. É certo que se resolveu o assunto principal, e que Roma fez à África o maior bem expulsando os camilianos, com o que me livrou de Carcereri, cúmulo da velhacaria, homem sem espírito, sem consciência e de uma soberba semelhante à de Bismark, como se verificou na Propaganda; mas ainda falta algo.


[4605]
A acreditar no card. Franchi, voltará a propor a minha nomeação segunda-feira, 18 do corrente, na S. C. O card. Bartolini, ponente, mandou-me dizer claramente, por meio de mons. Caprara, assessor dos Ritos: «Diga a Comboni que conta com o meu afecto, que o defenderei sempre com a capa e espada e que ficará satisfeito.»


[4606]
Esperemos, ainda que, em todo o caso, sentir-me-ei feliz por fazer a vontade de Deus. Ave et fave. Segunda-feira próxima um memento.



Tuissimus Daniel




[4607]
Fui muitas vezes visitar o cardeal e o secretário da Propaganda, por causa dos selos estrangeiros e sempre prometeram dar-mos. Mas, quando me apresentei no dia da partida do arcebispo, disseram-me que os tinham dado a outros e que voltasse mais adiante que mos daria para o bispo de Verona e para nós.


[4608]
Já esquecia as últimas consoladores notícias do Vicariato:

1.º A cidade de Suakin, no mar Vermelho, de onde a 14 de Maio saiu P.e Policarpo com as Irmãs para Berber, dirigiu-me um convite para que estabelecesse lá a Igreja Católica e escolas.


[4609]
2.o Gordon Paxá negou-se a admitir em Cartum os protestantes ingleses, porque estamos lá nós.


[4610]
3.º Disse que a respeito da Missão se regerá sempre pelo critério do pró-vigário, e que no caso de divergência consultará o Papa e o card.-secretário de Estado.


[4611]
4.o Favorecerá sempre a Missão e dar-lhe-á os escravos libertados, etc. Fornecer-lhe-ei pormenores sobre isto tudo no Jahresbericht próximo.






698
Mgr. Joseph De Girardin
0
Roma
25. 6.1877
N.o 698 (663) - A Mgr. JOSEPH DE GIRARDIN

AOSIP, Afrique Centrale



J. M. J.

Roma, 25 de Junho de 1877



Ilustríssimo senhor,



[4612]
Escrevo-lhe estas duas linhas com a maior emoção para lhe exprimir o meu infinito reconhecimento pela graça que o senhor, monsenhor, e o venerável conselho central da admirável Obra da Santa Infância se dignaram conceder-me, enviando-me um cheque de cinco mil francos, que a bondade do rev.mo P.e geral dos trinitários, Martin e Bieues, me deu por meio do meu banqueiro Brown e Filho, em Roma.


[4613]
Agradeço-lhe, além disso, monsenhor, por me ter enviado a folha que assinala os pontos a tratar no próximo relatório, a qual me dá ideias também para organizar as obras que podem ser socorridas pela Santa Infância.

Muito obrigado, monsenhor, pela sua eminente caridade. Espero que, com a graça de Deus, farei honra ao grande fogo que arde nos corações dos membros e associados da Obra da Santa Infância.


[4614]
Digne-se, monsenhor, aceitar os sentimentos de devoção, de agradecimento e de respeito que sempre terei nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria.



De V. E. hmo. e dev.tmo servidor

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário da África Central

Original francês

Tradução do Italiano






699
Mons. João Agnozzi
0
Roma
29. 6.1877
N.o 699 (664) - A MONS. JOÃO AGNOZZI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 491-494



J. M. J.

Roma, 29 de Junho de 1877



Excelência rev.ma,



[4615]
Li com atenção o estimado escrito do em.o sr. cardeal-secretário de Estado sobre o duplo e sincero recurso à Santa Sé do ilustre general Gordon, governador-geral de todas as possessões egípcias no Sudão, que no meu Vicariato abrangem um território quatro ou cinco vezes mais extenso que a França.


[4616]
Não posso senão elogiar grandemente a prudência e a lealdade de louvável personagem, que, embora anglicano, nas suas relações com as missões católicas trata e consulta também a suprema autoridade da Igreja, do que só se podem concluir coisas verdadeiras e realmente benéficas para os interesses católicos na África Central.


[4617]
Quanto ao primeiro ponto, o terreno da Missão de Cartum não procede de uma doação do quedive, mas foi adquirido em 1849 pelo meu ilustre predecessor dr. Knoblecher com o dinheiro que lhe atribuiu a S. C. da Propaganda. A petição do Divã de Cartum de que a Missão cedesse ao Governo um pedaço do seu terreno para alargar a praia do Nilo Azul fez-ma a mim em 1874 S. E. Ismail Ayoub Paxá, na ocasião governador-geral da Núbia e do Cordofão, com quem acordei em aceder totalmente ao pedido, na condição de que se construísse a expensas do Governo o muro de tijolo que deve fechar a parte oriental do nosso jardim.


[4618]
Porém, como opPaxá teve primeiro que ir conquistar Darfur e, depois, foi chamado ao Egipto pelo quedive para ser membro do Conselho de Ministros, esse acordo não se levou a efeito. O paxá que lhe sucedeu não quis conceder a compensação acordada, pelo que o meu representante se negou a ceder o terreno e o general Gordon encerrou o assunto dando à Missão cem libras esterlinas.


[4619]
Quanto ao segundo ponto de recurso do general Gordon, que é de maior importância, impõe-se expor primeiro as seguintes noções:

Tanto no Egipto, como em Adem, e como em muitos lugares das costas orientais da África, onde existem consulados europeus e missões católicas, ao escravo que foge do seu amo muçulmano o consulado ou a missão mandam-no à zaptia (esquadra da polícia), onde, a pedido do interessado, lhe é passado um documento que o declara livre.


[4620]
Eu vi muitíssimos escravos de ambos os sexos obter desse modo a liberdade, em razão da qual os amos já não têm nenhum direito sobre o escravo.


[4621]
Porém, na Núbia, embora se tenham aplicado as mesmas leis do Egipto, a questão dos escravos passou por diversas fases e sofreu várias modificações, já que a população é composta aproximadamente por um terço de muçulmanos e dois terços de escravos, os quais são propriedade absoluta das famílias muçulmanas.


[4622]
No início, quando em 1851 se estabeleceu o consulado austríaco em Cartum para proteger a Missão Católica, tanto o consulado como a Missão gozavam de facto do direito de asilo. Mas, dadas as contínuas reclamações dos amos dos escravos refugiados, os governadores negavam-se a conceder ao consulado e à Missão esse direito (o qual supunha que se ganhassem para a fé não poucas almas) e daí surgiram litígios entre o Governo e o consulado e apelos ao vice-rei do Egipto e a Viena, até que o quedive enviou ordem aos governadores do Sudão para que os escravos refugiados no consulado e na Missão fossem devolvidos aos amos muçulmanos e que isto se levasse a cabo até à força.


[4623]
Os consulados dobraram-se à vontade do soberano; mas a Missão não cumpriu sempre tal ordem, frequentemente comovida pelo estado deplorável e até sangrento dos escravos e pelo fundamentado temor de que os amos, como por vezes aconteceu, para castigar os escravos pela sua fuga, os matassem ou os maltratassem cruelmente.


[4624]
Como consequência disso, o próprio cônsul recorreu ao ministério de Viena e este a Roma. Daí que o Em.o card. Barnabó (d. s. m.) escrevesse até 1864 ou 1865 a mons. Vuicic, vigário apostólico do Egipto e encarregado interinamente da África Central, pedindo-lhe que desse ordem ao superior de Cartum de entregar cada escravo refugiado ao cônsul austríaco, para que tratasse com o Governo acerca do seu destino. Esta ordem existe no arquivo de Cartum.


[4625]
Quando fui destinado a governar o Vicariato, como eu mantinha boas relações com o governador, e como também a superiora tinha muita influência sobre o mesmo, conseguimos salvar muitos escravos, apesar da proibição do quedive. Porém, sempre houve problemas e discórdias entre a missão, o Governo e os amos e até com o I. R. cônsul austro-húngaro, quando vi que todos os escravos que entregávamos ao cônsul ele os punha nas mãos do Governo, que, por sua parte, os devolvia aos amos, deixando a Missão sem esperança de fazer-lhes bem no futuro.


[4626]
Depois de muitíssimas dificuldades, confrontos e apelos, vendo que os governadores, o quedive e o cônsul estavam do lado dos amos, pelo bem e tranquilidade da Missão, promulguei em 1875 as seguintes disposições enviadas aos superiores das missões do Vicariato:


[4627]
1.o Quando um escravo ou escrava se apresenta na Missão de Cartum, onde existe o consulado protector, no prazo de 24 horas, o superior comunicará por escrito ao I. R. cônsul austro-húngaro a presença do escravo na missão, mencionando todos os títulos de defesa com que defendia a sua liberdade. E se após isso for convidado a ser apresentado no consulado ou no Divã, o mesmo superior, se o escravo é varão, ou a superiora, se for do sexo feminino, o acompanharão, ou, não podendo fazê-lo pessoalmente, mandarão que o acompanhe um missionário ou duas Irmãs, segundo o caso, para defender os seus direitos perante as autoridades locais; e se as razões não forem atendidas, entregar-se-lhes-á a pessoa em questão, embora não se deixe de reclamar de quando em quando, com maneiras corteses e fortes argumentos.


[4628]
2.o Nas missões do Cordofão e Berber e noutros pontos onde não há o consulado europeu, façam-se perante o governo local as mesmas diligências que prescrevi para o consulado.


[4629]
3.o Na Missão de Gebel Nuba e nos países independentes não sujeitos ao Governo egípcio, ao tratar o assunto dos escravos refugiados, ponha-se todo o cuidado em conquistar e criar, de facto, o direito de asilo, tendo sempre como máxima que a missão católica é legisladora naquelas tribos e apliquem-se na prática as regras e o espírito do Evangelho e da Igreja; isto é, defender com toda a força perante os soberanos e os chefes a liberdade e os interesses espirituais dos escravos, para os admitir depois no rebanho de Cristo.


[4630]
Ainda que normalmente os superiores tenham agido conforme estas minhas instruções, às vezes, quer por compaixão do estado deplorável dos refugiados, feridos e a sangrar, quer pela certeza que uma vez devolvidos a seus amos seriam barbaramente tratados ou até pelo temor de que a missão perdesse crédito na sua incapacidade para defender e proteger os infelizes ou por outros motivos, os superiores das missões, especialmente durante os últimos vinte meses da minha ausência do Vicariato, não observaram as minhas prescrições.


[4631]
Isso suscitou queixas do Governo, protestos dos chefes de família muçulmanos e apelos violentíssimos, os quais chegaram até aos ouvidos do quedive do Egipto e causaram uma profunda irritação neste contra a Missão, como assegurou o próprio general Gordon ao meu representante e à superiora provincial.


[4632]
Por isso, tendo tido conhecimento de tais inconvenientes, escrevi ao general Gordon para afiançar a sua protecção, e no passado Maio mandei de Roma ordens muito severas ao cón. Fiore, meu representante no Vicariato, que se observem escrupulosamente as disposições que promulguei em 1875 sobre os escravos refugiados, as quais terão pleno vigor até que tenha podido consultar a S. Congregação e receber sobre isso as suas veneradas instruções que, espero, ela se dignará comunicar-me.


[4633]
Agora que o mesmo governador-geral reclama do em.o cardeal-secretário de Estado que se dêem à Missão instruções oportunas (o que mostra a lealdade e excelente disposição da ilustre personalidade para com a Missão), espero que a S. Congregação se apressará a indicar-me normas precisas, que no futuro serão perfeitamente observadas por mim e por todos os missionários da África Central.


[4634]
Para maior esclarecimento dos diversos pontos deste importante assunto, creio meu dever submeter humildemente a V. E. as seguintes observações:

1.o Pelo que pude saber do meu representante, o cón. Fiore, e de outros, o general Gordon declarou formalmente a sua vontade de fazer todo o esforço, com a prévia autorização do quedive, para suprimir e destruir o tráfego de escravos, cujo teatro mais colossal é nosso Vicariato. E, portanto, proibiu sob penas severíssimas:


[4635]
a) Que os jilabas, ou traficantes de escravos, os quais são todos da Núbia ou do Cordofão, penetrem com armas europeias nas tribos dos negros para os caçarem aos milhares, os arrancarem violentamente dos seus lares e os levarem como escravos para o Cordofão, Núbia, o mar Vermelho e Egipto, obrigando-os a efectuar longuíssimas viagens a pé, nus, atados com cordas e vigas levadas pelos mais robustos escravos, indo misturados pessoas de ambos os sexos, etc., etc.


[4636]
b) Que, como vem acontecendo até hoje, muitas tribos e países vassalos paguem os impostos do Governo com escravos de ambos os sexos (calculando uns 14 escudos por cabeça), mas que futuramente o façam em dinheiro ou em gado, dentes de elefante e outras mercadorias.


[4637]
c) Ordenou recrutar soldados entre os escravos mais robustos.


[4638]
2.o O general Gordon estabeleceu como norma que a lei do quedive que obriga a devolver os escravos aos amos não tenha uma duração superior a 12 anos e que, passado esse tempo, todos os escravos em poder dos muçulmanos fiquem livres para irem servir a quem preferirem.


[4639]
3.o Como respeitosamente observei ao general Gordon na última carta que lhe enviei, creio que as disposições ditadas pelo Governo inglês a seus cônsules sobre os escravos refugiados em barcos de bandeira europeia ou americana e mencionados na carta ao em.o sr. cardeal-secretário de Estado e na dirigida ao meu representante, que tenho sobre a mesa, são muito oportunas sempre que se trate, com efeito, de escravos refugiados em embarcações pertencentes a nações chamadas civilizadas da Europa e da América, que aceitaram sobre o papel a lei da abolição da escravatura e do tráfico de negros, cuja dignidade respeitam e que, portanto, não reconhecem nos amos dos escravos o direito a abusar da sua honestidade e moralidade e matá-los.


[4640]
Porém, tal lei inglesa não me parece do mais adequado para a sua aplicação aos escravos muçulmanos do centro da África, onde a escravidão não somente é legal mas até quase constitui a fonte de receitas mais importantes do país, e onde o amo tem sobre os escravos direito de vida e morte e faz comércio e abusa a seu arbítrio da moralidade e honestidade das escravas, oferecendo-as ao capricho e vontade dos convidados para cumprir o dever de perfeita hospitalidade prescrito no Alcorão e observada totalmente no Sudão.


[4641]
Essa tristíssima situação dos escravos dos muçulmanos da África Central é muito diferente daquela em que se encontram os escravos da América e os que nos portos procuram refúgio a bordo de barcos europeus. Por isso, S. E. o governador Gordon, tendo em conta as condições tão deploráveis dos escravos da África Central, teria podido promulgar para estes uma lei mais benigna que a lei do Governo inglês, dado que o mesmo reconhece neles seres humanos que têm direito à vida e ao respeito da sua inocência e moralidade e que foram criados à imagem e semelhança de Deus.


[4642]
4.o Pela minha larga experiência com os escravos refugiados nas missões, posso concluir que quatro quintos deles, por causa da sua convivência e contacto com os muçulmanos, são viciosos, ladrões, depravados e corruptos, não oferecem nenhuma esperança de conversão e quase sempre, até na Missão, acabam por roubar; além disso, não querem trabalhar nada, cometem acções vergonhosas, servem de escândalo aos demais e, finalmente, ou fogem ou são expulsos da missão.


[4643]
Só um quinto deles corresponde às atenções da Missão e apresenta fundadas esperanças de conversão à verdadeira fé. Quanto aos amos, a maioria são bárbaros e cruéis; mas não poucos deles são bons e não exigem dos seus escravos mais do que um patrão europeu pede aos seus agricultores nos trabalhos do campo e dos seus criados nos trabalhos em casa e nos armazéns.


[4644]
5.o Na época actual da guerra do Oriente, em que se vai estendendo entre os muçulmanos de toda a Terra o fanatismo religioso e em que o ódio contra o homem «cristão» poderia chegar também ao Sudão, sou da humilde opinião de que, para não irritar nesse país os amos muçulmanos – dado que a lei do quedive que protege a crueldade e a injustiça destes não deve durar mais de 12 anos – tendo em conta as difíceis circunstâncias do momento, a Sagrada Congregação formulasse sobre isto uma resolução que não divergisse demasiado do juízo, não totalmente privado de razoável fundamento e motivos, do general Gordon, sempre sobre o princípio de que importa mais à Santa Sé a estabilidade e conservação da Missão que os êxitos momentâneos, ainda quando estes incluam algumas conversões.


[4645]
6.o Por último posso assegurar à S. C. que, apesar de todas as leis do quedive e de Gordon, e a despeito de todas as oposições dos muçulmanos, dos hereges e dos maus católicos, a Missão não regateará esforços e certamente com a ajuda de Deus conseguirá, como tem vindo a fazer, salvar muitas almas também entre os escravos refugiados. Isto com a mais cuidada habilidade, prudência e moderação, com o exercício da caridade e com o prestígio do apostolado católico, apreciado por todos na África Central.


[4646]
Concluo estas humildes sugestões e notícias suplicando fervorosamente a V. E. que trate com a S. C. tão importante assunto, de modo que me sejam dadas sobre isso instruções precisas e pormenorizadas, para tranquilidade da minha consciência e norma de actuação no futuro. Igualmente seria meu desejo que a S. C., se o considerasse oportuno, insinuasse o em.o sr. card.-secretário de Estado que em sua sabedoria e bom juízo se dignasse recomendar-me a mim e a toda a missão da África Central aos bons ofícios e valiosa protecção do ilustre general Gordon.


[4647]
E além disso que lhe assegurasse que a Missão fará quanto puder para favorecer eficazmente e apoiar, até onde as suas possibilidades e a lei o permitirem, a sua obra de civilização cristã das imensas populações da África Central submetidas ao quedive e ao Egipto.

Beijando-lhe reverentemente a mão, tenho a honra de me subscrever com todo o respeito



De V. E. Rev.ma hum. e obed.mo servidor

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário ap. da África Central






700
Jean François des Garets
0
Roma
5. 7.1877
N.o 700 (665) - A M. JEAN FRANÇOIS DES GARETS

APFL (1877), Afrique divers, 4



J. M. J.

Roma, 5 de Julho de 1877

Via Margana, 40, A



Senhor presidente,



[4648]
Quando se proceder à partilha das ajudas da Propagação da Fé, peço-lhe, senhor presidente, que tenha a bondade de enviar, da atribuição correspondente à África Central, a soma de 1000 francos para Marselha, Capelete, à madre Emilie Julien, superiora geral das Irmãs de S. José da Aparição, e que se sirva mandar-me o resto aqui para Roma.


[4649]
Graças a Deus, sua em.a o card.-prefeito da Propaganda determinou que a última congregação geral, para concluir os assuntos da África Central, tenha lugar no Vaticano a 9 do corrente, ou seja, segunda-feira próxima, e que a 15 as decisões dos cardeais sejam submetidas ao Papa. Tenho toda a esperança de que, depois da festa de Nossa Senhora do Carmo, me seja possível dar notícias sobre o bom resultado dos meus assuntos em Roma e que no próximo mês possa partir para a minha missão.


[4650]
Asseguro-lhe que o ter que estar dezasseis meses em Roma, longe da África Central, foi para mim mais duro de suportar que o tórrido calor, as enormes fadigas, as febres, as hienas e os leões do centro da África.


[4651]
Mas a vontade de Deus e a suprema autoridade da Igreja, assim como os maiores e mais sérios interesses da Missão obrigaram-me a permanecer aqui. Espero poder dar em pouco tempo um desenvolvimento muito considerável a esta grande Missão que Deus protegeu milagrosamente e pela qual espero morrer, depois de lhe dedicar todo o resto da minha vida.


[4652]
O general inglês Gordon, governador das possessões egípcias no Sudão, é um homem que, a cumprir os seus propósitos, dará um golpe mortal ao tráfego de escravos e aos horrores da escravidão. A Igreja, espero, trará disso muitos benefícios para a conversão dos infiéis.


[4653]
Confio em que S. Em.a o card. de Canossa publique uma carta pastoral em favor da Propagação da Fé e nós faremos o possível para que os bispos dos Véneto sigam o seu exemplo.


[4654]
Agradecendo-lhe infinitamente a maravilhosa protecção que a Propagação da Fé se digna conceder à África Central, tenho a honra de me chamar nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria



Seu devot.mo servidor

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário ap. da África Central



Original francês

Tradução do italiano