N.o 1061; (1016) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 20/25 n.o 2
Abril de 1881
Breve bilhete.
N.o 1062; (1017) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/119
N.o 18
Colónia agrícola de Malbes
1 de Maio de 1881
Meu caro padre,
Estou aqui a mudar de ares, porque o calor extremo e sufocante de El-Obeid é tão pesado para a minha constituição física, que não consigo pregar olho nem comer. Sofre-se por Jesus e basta; mas não estou em condições de atender a todas as minhas tarefas.
Antes de tudo, devo dizer-lhe que os mais de mil francos que P.e Vicente Marzano mandou para Nápoles, a seu pai, foram ganhos por ele em parte e em parte pedidos a pessoas benfeitoras, pelo que não tenho nada a reprovar-lhe; antes, encontrei-o muito melhor que pensava: trabalhou tremendamente como pároco (sabe bem a língua) e tem quase todo o mérito da igreja nova, que é magnífica. Tudo isto me leva a retirar quanto disse dele numa carta de Cartum, por imperativo de consciência e para honrar a pura verdade. Do mesmo modo tive que aprovar o envio dos cem francos ao pai de Ângelo Composta, de Negrar, porque se fez com autorização deste superior e porque Ângelo Composta, ao que parece, mereceu tal atenção pelo seu assíduo e grande trabalho na igreja como pedreiro e por se tratar, creio, de um homem excelente.
Também o superior daqui, P.e Fraccaro, trabalhou e trabalha muito, embora esteja quase sempre doente: estes dois missionários de El-Obeid esforçaram-se muito e P.e Fraccaro não meteu no bolso nem um cêntimo da missão; antes, gastou alguns milhares de francos do seu. Mas não soube dar-me contas da sua administração, nem mas pode dar, porque não escreveu. Imagine que nem sequer apontou os três mil e tal táleres que em Fevereiro e Março paguei em Cartum para El-Obeid, seguindo as suas ordens. Tão-pouco apontou os 209 guinéus ingleses (5225 francos ouro) que recebeu de Zucchinetti e que eu mandei pagar o ano passado no Cairo, etc., etc., etc. Que devo fazer? Estou quase há um mês em Cordofão e todos os dias tenho insistido com ele para que apresente contas, pelo menos aproximadamente. Ele responde que sim, mas até hoje ainda não vi nada, nem nunca as verei.
Mas as contas que paguei em relação ao Cordofão tenho-as registadas eu de forma exacta e aqui encontrei outros dados. Portanto, resulta que nos três anos a respeito dos quais esse pateta e mentiroso P.e Losi escreveu a Sua Eminência que eu não tinha mandado nem uma piastra, gastei, ao contrário, só em dinheiro contado, mais de quatro mil napoleões de ouro, sem contar as provisões de treze expedições. São tantas as injustiças e as pílulas amargas que tive de tragar dos santos loucos, que o facto de sobreviver é um milagre. Mas eu tenho um olhar diferente deles: trabalho unicamente pela glória de Deus e pelas pobres almas o melhor que posso e sigo o meu caminho sem me preocupar com mais nada, certo de que todas as cruzes que tenha que carregar são pura vontade de Deus e, portanto, sempre me serão queridas.
P.e Bartolo escreve-me a suplicar que o deixe regressar, porque se não sente com forças nem saúde suficientes para estar no Sudão e roga-me que lhe dê cartas de recomendação ou um destino no Cairo ou na Europa. Verdadeiramente isto causa-me uma viva dor, porque na minha imaginação eu tinha concebido a ideia fixa de que, tendo a meu lado como conselheiro e confessor um rígido, injusto e encarniçado censor como P.e Bartolo, a minha alma tiraria grande proveito e fortalecer-se-ia a minha paciência, que é o mais necessário para formar um missionário de África. Contudo, no que a ele se refere como conselheiro, perco pouco, porque lhe falta em absoluto critério, não vê um palmo à frente do nariz, nem compreende nada; e ainda por cima é teimoso: não representa uma grande perda para o Vicariato. Como confessor, ao invés, perco muito pessoalmente, pelas coisas miúdas e oportunas que me sugeria e também pelo exercício de paciência (seja dito entre nós), porque o que para mim é branco, para ele é negro, e o que para mim é vermelho, para ele é amarelo.
Embora agora tenha uma opinião muito diferente sobre a missão de Cartum e tenha dito que foi mal informado, todos notaram, até Francisco Pimazzoni e os dois alemães que nunca perde ocasião de falar mal de mim e estão convencidos de que me é hostil. Contudo, eu tenho-lhe afecto, porque é um pobre infeliz, que não serve para nada: nem para ser superior, nem para trabalhar como missionário, nem para representar a missão. Pelo que, tendo-me ele perguntado para onde é que deve ser destinado, consultei quase todos os missionários e, de comum acordo, chegou-se à conclusão que seria muito prejudicial destiná-lo ao Cairo, onde, sob a direcção dele (que está sempre no seu quarto ou a falar mal do Vicariato), os candidatos que de Verona vão para o Cairo correm perigo de perder a vocação, como aconteceu a alguns; e os dois alemães, P.e José Ohrwalder e P.e João Dichtl, declararam-me que estiveram várias vezes a ponto de abandonar a missão do Cairo devido às tristes notícias que P.e Bartolo lhes dera do Vicariato, dos missionários, etc.
Em contrapartida, ambos dizem que são aqui felizes, porque viram precisamente o contrário em Cartum e no Cordofão e encontraram missionários excelentes e cheios de abnegação. E sobretudo convenceram-se de que, sob a minha direcção, a missão católica é a primeira força moral da África Central (do que dou graças ao Senhor, mas não é por meu mérito, que não tenho nenhum, mas pela minha condição de bispo e de representante da Santa Sé) e de que, apesar das calúnias e das infernais arremetidas dos meus velhos inimigos, toda a África Central me estima e respeita, ainda que, como lhe disse, eu não tenha nenhum mérito, mas apenas a consciência de ter conseguido dignamente e o melhor que pude manter a minha delicada posição e representar a religião católica. Contudo o santo (??) P.e Losi, que desde há cinco anos me não tem visto, sempre falou mal de mim às nossas Irmãs (elas disseram-mo) e aos comerciantes, até aos mais velhacos e gatunos (como foi o nosso procurador, eleito por Carcereri) que, por graça de Deus, se vai agora embora do Egipto. E P.e Leão, de Nuba, que encontrei aqui, e que esteve connosco vinte dias, confessou ter-me achado a mim, o vigário apostólico, totalmente diferente de como me havia descrito P.e Losi, o qual queria que o chefe da missão fosse P.e Rolleri, como homem mais prudente e capaz. Além disso, disse-me P.e Leão que não devemos valorizar e ter por certos os juízos de P.e Losi sobre a Nuba, pois são falsos e contrários à verdade, etc., etc.
Contudo, quanto a abnegação, P.e Losi é excepcional. Não precisa de nada: nem de cama, nem de roupa, nem de comida. É um portento: por uma alma priva-se de tudo e diz que quer morrer na África. Embora realmente cometa erros enormes por falta de cabeça e de critério, como quando se empenhou em que se casassem um rapaz de fé cristã com uma jovem prostituta, os quais se deixaram dois dias depois e se fizeram muçulmanos; e isto aconteceu em 1875, depois de eu lhe ter proibido formalmente que se celebrasse aquele casamento, etc., etc., etc.
É honesto e casto; mas, assegura-me a Ir. Teresinha (ela viu), que é capaz de estar uma hora com uma jovem de 20 anos completamente nua e mais alta do que ele, para negociar a compra de quatro ovos ou de uma galinha. Mas ele diz sempre que Deus faz verdadeiros milagres na assistência ao missionário no meio destes africanos e africanas completamente nus... sem que nunca haja nem a sombra de um só mau pensamento; e isto é verdade, um artigo de fé constatado pelos missionários desde 1849 até hoje. Por outro lado, P.e Losi disse que escreverá contra mim quer à Propaganda quer ao cardeal de Verona quantas vezes considerar que em consciência o deve fazer. Pois que o faça: eu perdoo-lhe de coração. E, entretanto, aproveito as suas boas qualidades para o bem da missão.
Outra cruz sobreveio-me no outro dia. Apesar da ordem que tenho dado desde 1872 (como fizeram todos os vigários apostólicos) de não se publicar nada sem a revisão do chefe da missão, há cinco meses, P.e Leão, instigado por P.e Losi, mandou para a sua publicação um artigo sobre a escravatura e contra o Governo egípcio como cúmplice da mesma. (P.e Losi repreendeu-me duas vezes por carta por eu, antes de vir para a África, não ter percorrido as cortes da Europa, suplicando ajuda e protecção para reprimir o tráfico de escravos na Nuba... agora que a Europa é tão favorável ao Catolicismo!!!)
Esse artigo, aparecido em alemão na Gazeta de Colónia, chegou às mãos de Blum Paxá, ministro das Finanças do Cairo, e, ao mesmo tempo, o cônsul-geral britânico apresentou-se perante o quedive, dizendo-lhe: «Vê o que escrevem os missionários de D. Comboni sobre a África Central? É evidente que o Governo de V. A. não faz nada para reprimir o comércio de escravos.» O quedive e todos os ministros do Egipto ficaram desgostosos por causa disso e Blum Paxá mandou este artigo da Gazeta de Colónia para Cartum, ao governador-geral do Sudão, com ordem de que me fosse enviado a mim convidando-me a dar o meu juízo sobre a questão. (Nele se diz, entre outras coisas, que o governador do Cordofão admite negros e negras como pagamento de impostos, o que, desde há alguns anos, não é verdade. Naturalmente, receber dos contribuintes escravos roubados na Nuba, em vez de dinheiro, é manter a escravatura.)
E o grande paxá enviou-me anteontem o artigo e eu devo responder. Certamente que, se o Governo nos concede uma grande protecção, como a que nos tem concedido, é porque não espera de nós ingratidão. E ingratidão é, sem dúvida, se nós, em vez de nos dirigirmos às autoridades para lhes denunciar as desordens da Nuba, as lançamos na praça pública da imprensa europeia, acusando exageradamente o tenebroso Governo. Espero que o senhor me tenha compreendido. Entretanto, reze pelo seu af.mo
† Daniel bispo
N.o 1063; (1018) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/120
N.o 19
El-Obeid, 4 de Maio de 1881
Meu caro padre,
Tenho um grande cansaço, porque, apesar de todas as minhas doenças e cruzes, sempre tenho que pensar, estar de pé, despachar os assuntos e solucionar os problemas. P.e Giulianelli que, desde a minha saída do Cairo, para além do dinheiro que lhe deixei, recebeu cerca de vinte mil francos, crê merecer um monumento por me ter enviado três mil. Comprou 5532 okes de vinho (cerca de 6000 litros) no valor de 3371,30 francos ouro. E queria enviar-me logo para o Vicariato nada menos que 3100 litros por meio de um dos leigos, sem pensar que o que nós precisamos aqui é dinheiro. Mandei-lhe que, por santa obediência, me escrevesse a dizer-me por que razão comprou tanto vinho, suficiente para quatro anos, e quem é que o tinha mandado; e ele, santamente, não me respondeu nada. Aqui dizem que foi P.e Bartolo quem lhe deu a ordem, mas P.e Bartolo assegurou-me que ele não tinha mandado nada. Hoje vou mandar-lhe dizer que não compre mais vinho até que eu não tome disposições diferentes. E que não faça mais velas, porque gasta muito nelas: ele quer velas grossas e com pavio também grosso e, só pelo fabrico delas, aparece nas contas uma boa soma.
Em Fevereiro comprou de novo 96 rolos de cera por 172,50 francos e são apenas um sacerdote, três leigos e quatro Irmãs doentes. Além disso, ordenei-lhe que lhe escrevesse a si, dando-lhe explicações sobre essa estúpida compra de vinho, uma vez que aqui quase nunca bebemos vinho, mas merissa (espécie de cerveja), etc., e sobretudo não há dinheiro. Como não tenho tempo de escrever, mando-lhe a mesma carta de Giulianelli para outras pequenas notícias. É-me impossível mandar Irmãs para o Cairo. Aí, para superiora, basta Faustina. No meio da adversidade, Faustina é uma grande Irmã, uma verdadeira missionária, e vale por duas irmãs Campostrini: eu conheço-a a fundo. Em Verona, numa vida sossegada e diametralmente oposta à actividade que cada Irmã deve ter na missão, Faustina é uma incapaz: no campo do apostolado vale por duas Irmãs nossas.
Portanto, confiemos em Deus. Incluo-lhe, pois, a carta de Giulianelli, o qual, apesar de tudo, me é caro, porque é muito piedoso e reza muito. Estou contente de o ter no Cairo; mas, se pudesse contar com outro superior para lá, destiná-lo-ia a ele para si de boa vontade, porque não sabe tratar nem com os cônsules nem com o Governo e riem-se dele nas suas costas, o que me desagrada. Mas vamos ao nosso assunto relacionado com a nova cruz das duas cartas que me escreveram as Peccati e que também aqui lhe junto, rogando-lhe que, se o considerar oportuno, as mostre a Sua Eminência para descobrir a mulher (creio que é uma Campostrini) que escreve com tão pouca delicadeza, taxando-me de ingrato, etc. Eu responderei às Peccati quando puder e a carta mandá-la-ei a si, porque, realmente, me aborrece que estejam sempre a lançar-me à cara o bem que fizeram à missão, a minha ingratidão (sic) e dizendo que se arrependem de ter feito o que fizeram.
Este não é o sentir da senhora Luísa, mas o dessa freira má que não tem religião, caridade, nem respeito para com um bispo, uma vez que eu não mereço que me chamem ingrato e recusaria esmolas ainda que fossem de cem mil francos, se soubesse que haveriam de lançar continuamente à cara e me teriam de custar tantas amarguras, mortificações e penas. O senhor, em meu nome, convide essas senhoras a darem-lhe cópia do documento de Sembianti [É um lapsus calami por Squaranti] das 10 000 liras, que elas sustentam que lhes competem, quando na realidade as deram em troca de missas. Eu, da minha parte, escrever-lhes-ei a dizer-lhes que aprovo totalmente a conduta do senhor, em se limitar então a antecipar-lhes em quinze dias a soma trimestral, e em me escrever a mim perguntando-me se se lhes devia ou não dar dinheiro. Mas como querem essas palradoras (ou melhor a freira, a quem chamarei mestra, em vez de freira) que uma instituição que vive de esmolas, como a nossa, possa, assim, de repente, dispor de quinhentos ou até mil francos, sem dar um tempo conveniente, etc., etc?! Além disso, pode algo ser seu, uma vez que o deram? E como vai competir-lhes a elas o que deram (e que foi gasto) para missas a serem celebradas depois da sua morte? Elas dizem ter dado tudo à missão; então por que vêm agora reclamá-lo?... Eu creio que desta vez não são curas os diabinhos que baralham as mentes dessas duas boas mulheres, mas as freiras Campostrini. Haveria que esclarecer o assunto, para eliminar todas as causas de novos desgostos. E o homem mais capaz para nos ajudar nisso seria o nosso caro mons. Bacilieri.
Confesso-lhe deveras que ainda que sentindo a mais viva gratidão para com as Peccati, começo, como lhe disse não há muito, a esfriar-me muito a respeito delas, porque, depois de me terem pedido perdão por me terem intimado perante os tribunais, fazendo-me gastar muitas centenas de francos com o advogado Segala e, depois de dirigirem a este uma carta em que me arrastavam pelo lodo com calúnias e injúrias, etc., que venham agora taxar-me de ingrato e dizer que se arrependem, etc., etc., é algo que me magoa. Não é este o modo de praticar caridade. Não mostram (ou seja, a freira que escreve) nem fé em Deus, nem respeito a um bispo, nem amor ao próximo, nem virtude. A autora dessa carta é uma mulher sem religião, fé, caridade. Basta. Se puder, trate de lhes dar quinhentos francos e diga-lhes que mais tarde fará todo o possível por lhes dar outros quinhentos. Penso que com isto será suficiente.
Quanto ao resto, segundo as circunstâncias, arranje-se como melhor puder. Com o próximo correio mandar-lhe-ei aberta a carta que lhes vou escrever.
Aqui, as Irmãs, e especialmente a Ir. Teresa e a Ir. Vitória, rogam-me que faça vir Virgínia para o Vicariato. Considerado tudo, aprovo a sua petição, porque aqui sente-se muita necessidade de Virgínia e a solução mais simples, objectiva e justa, e mais cómoda para mim e para si, é mandá-la para o Vicariato. A Ir. Teresa (que é o modelo mais perfeito da Irmã da África Central) assume toda a responsabilidade no que a ela se refere. Peça, pois a Sua......
[Falta uma folha – duas páginas]
............e estas que estão no campo de trabalho e que sabem sofrer muito por Cristo, são a minha força, depois do Coração de Jesus. Todos nós temos uma ilimitada confiança em que o senhor nos preparará bons operários apostólicos; e tenha por certo, meu caro padre, que Deus o assistirá, como estou certo que Deus assiste a minha insignificante pessoa, ainda que misérrima.
A pequena colónia de Malbes é um estabelecimento de trinta e sete almas católicas que vivem como verdadeiros cristãos, que participam todas as manhãs na missa e que à noite rezam em comum o terço e as orações, sob a excelente direcção de P.e António. Converter-se-á numa aldeia e depois numa grande povoação, etc., etc., de católicos; e será um exemplo para os outros, já que, por se encontrarem no meio de um território todo muçulmano e idólatra, constituirão uma luz no meio das trevas. Eu partirei na semana que vem para Nuba, de onde raramente poderei escrever e não voltarei antes de ter decidido estabelecer e pôr em andamento a estação central de Golfan.
Há dez dias que comecei a escrever uma carta a Sua Eminência e ainda não pude continuá-la. Mas vou escrevê-la.
Estas Irmãs estão contentes, algumas por terem recebido cartas suas. Escreva-lhes com frequência. E encontre coragem no meio dos espinhos em que se encontra: Jesus foi coroado de espinhos e depois ressuscitou. Apresente os meus respeitos ao em.mo, ao P.e Vignola, a P.e Luciano, a mons. Bac. e a Casella, e reze sempre por
Seu indig.mo † Daniel bispo
N.o 1064; (1019) - A UM PAXÁ
AFM: Arch. Freschi Ing. Giovanni, Piazza Libia, 22 – Milano
El-Obeid, 5 de Maio de 1881
Meu caro paxá,
Recebi em Malbes, onde estive por motivos de saúde, a sua estimada carta com o artigo do «Kölnische Zeitung» Sklavenjadg und Sklavenhandel in ägyptischen Sudan, no qual com grande surpresa minha encontrei o nome de um missionário meu de Nuba, P.e Leão Henriot. Digo «com grande surpresa», porque desde o ano de 1873 que dei ordem aos meus missionários da África Central para não mandarem relatórios ou artigos sobre as nossas missões para a sua publicação na imprensa e que cada artigo e informação relativo às missões deve chegar somente a mim ou ao meu vigário. E as minhas ordens a este respeito tinham sido perfeitamente observadas.
Li e reli o artigo em questão e falei com o seu autor, P.e Leão, que estava aqui comigo também por razões de saúde. E tendo-me inteirado da verdade a respeito deste assunto, apresso-me a dá-la a conhecer a si confidencialmente.
P.e Leão escreveu uma carta o ano passado a P.e Luís, o superior de Cartum, sobre a escravatura na Nuba e P.e João Losi, o superior de Nuba, escreveu-me para a Europa falando do mesmo.
P.e Luís, com a carta de P.e Leão, foi visitar o hokomdar e falou com ele e com Marcopolos do problema. Depois, escreveu-me para a Europa exprimindo-me a sua satisfação e alegria porque Sua Excelência tinha prometido mandar ordens ao mudir do Cordofão para que pusesse cobro aos desmandos em Gebel Nuba.
Com isto fiquei muito satisfeito e nunca falei do assunto a P.e Losi, nem a partir do Cairo nem de Cartum, tanto mais que fiquei a saber que as ordens do hokomdar tinham sido cumpridas.
Mas P.e Leão, que, além de escrever a P.e Luís, tinha redigido o artigo em questão, escreveu outra carta, esta ao cônsul Hansal, rogando-lhe que se pusesse em contacto com o Governo, a fim de acabarem com a escravatura em Nuba. O sr. Hansal respondeu a P.e Leão que com muito gosto lhe faria esse favor e pediu-lhe que lhe escrevesse a ele para Cartum e o mantivesse informado da situação de escravatura em Gebel Nuba. Prometeu-lhe, além disso, pôr-se em contacto com o dr. Schweinfurth (o qual se encarregou da publicação do mencionado artigo no Kölnische Zeitung, etc., etc.) no Cairo, para que este falasse com o cônsul-geral de Inglaterra, que, por sua vez, falaria com o quedive.
Entretanto, muito satisfeito pela resposta do sr. Hansal, P.e Leão escreveu ainda outra carta sobre o tráfico de escravos em Nuba, com a promessa de ulteriores informações sobre tão horrível comércio. Esta carta foi remetida de Nuba em finais de Fevereiro e penso que deveria ter chegado já às mãos do dr. Schweinfurth e talvez também seja publicada no Kölnische Zeitung, com o comentário do dr. Traveler, como apareceu na mesma revista o artigo anterior.
Repreendi P.e Leão pela sua desobediência às minhas disposições de 1873. Ele não estava ao corrente das mesmas, porque veio para a missão em 1879; mas, como é obediente e bom, pediu-me perdão e prometeu comunicar-me só a mim todas as notícias sobre Gebel Nuba.
Portanto, meu caro paxá, agora estará o senhor convencido de que os membros da missão católica não conhecem o que publica o Kölnische Zeitung e de que P.e Leão não estava em contacto com o Cairo, mas com as autoridades locais, por meio do cônsul austríaco, com o fim de que ele procurasse a ajuda do Governo do Sudão para atender aos problemas de Gebel Nuba.
E estará o senhor igualmente persuadido de que o comerciante de Cartum a quem P.e Leão tinha escrito de Delen era o cônsul Hansal e que a carta procedente do coração dos montes de Nuba foi enviada pelo dito cônsul austríaco ao dr. Schweinfurth, para o Cairo, o qual escreveu ao cônsul-geral inglês no Egipto e publicou o artigo no Kölnische Zeitung, etc., etc. (Tradução do alemão: assim hoje, depois de uma viagem de meses, chegou ao Cairo uma carta do coração dos montes Nuba, onde se encontra o missionário P.e Leão Henriot, que tinha escrito a um comerciante de Cartum, etc., etc.)
Na próxima semana irei a Gebel Nuba visitar aquela estação e aquelas montanhas. Depois de examinar tudo, mandar-lhe-ei uma pormenorizada informação sobre o tráfico de escravos. Espero poder assegurar-lhe que se levou a efeito a supressão da escravatura em Nuba, segundo as ordens enérgicas e precisas de Sua Excelência Rauf Paxá. O senhor poderá passar a minha informação a S. E. Blum Paxá no Cairo, a fim de que seja publicada pelo Kölnische Zeitung, para impugnar e pôr termo às afirmações do dr. Schweinfurth.
O manifestado por P.e Leão é verdade. Mas também é certo que o hokomdar, com as ordens dadas ao mudir do Cordofão, procurou solução para esta desordem em Gebel Nuba.
Tenho toda a confiança no Governo do quedive e na firmeza do nosso estimadíssimo governador-geral do Sudão, Rauf Paxá. Por isso mandarei sempre as minhas informações e observações sobre o problema da escravatura ao Governo e ao hokomdar. Isto é para mim um dever de justiça, de gratidão e de reconhecimento.
Estou profundamente convencido e persuadido de que o Governo do quedive tem a boa vontade e todo o poder para destruir, com a ajuda de Deus, o infame tráfico de escravos e dar assim um grande incentivo à civilização da África Central.
Rogo de sua gentileza que apresente os meus respeitos a S. E. Blum Paxá no Cairo e a Rauf Paxá em Cartum.
Seu af.mo amigo † Daniel Comboni
Bispo e vig. ap. da África Central
Original inglês
Tradução do italiano
N.o 1065; (1020) - RELATÓRIO SOBRE BRANCA LEMUNA
«Annali del B. Pastore» 25 (1881), pp. 36-47
El-Obeid, 8 de Maio de 1881
Festa do Patrocínio de S. José
Nesta venerada solenidade do Patrocínio do nosso venerando patriarca S. José, compraz-me dar a conhecer uma graciosa florinha, toda perfumada de esquisita fragrância, informando brevissimamente os nossos benfeitores da Europa sobre uma jovem convertida há tempos do paganismo à nossa santa fé. Essa jovem é Branca Lemuna, sem dúvida a mais bela flor do nosso jardim da nascente Igreja da África Central.
Desde há quatro anos temos na missão católica de El-Obeid, capital do Cordofão, uma moça de uns quinze anos, de cor branco-rosada, ainda que filha de pais negros, sobre a qual creio interessante dizer umas palavras, tanto pelo fenómeno extraordinário e a anomalia que a sua cor constitui como pelas suas qualidades morais, de entre as quais sobressaem uma piedade singular, uma integridade e pureza de costumes verdadeiramente admiráveis e um especial fervor pela nossa santa religião, comparável à dos primitivos cristãos dos tempos apostólicos.
Lemuna é o nome original desta jovem.
Mas, como nós costumamos dar aos nossos convertidos um nome cristão, deixando o nome primitivo como apelido e dado que se lhe pôs o nome de Branca, quando, em Junho de 1879, o rev.do P.e Baptista Fraccaro, superior das missões católicas do Cordofão, lhe administrou o santo baptismo, ela chama-se agora Branca Lemuna.
Nasceu no país dos Nambia, situado, ao que parece, nas regiões ocidentais do Alto Nilo, entre as tribos antropófagas dos Nyam-Nyam, muito perto do território dos Banda e a algumas semanas de viagem a pé de Dar-Fertit. O país dos Nambia é desconhecido para a ciência geográfica; mas por estes dados e por outros que mencionarei mais abaixo, penso ser possível localizar esta região entre os 4o e 6o de latitude norte. Em 1858, ou seja, há vinte e três anos, encontrando-me eu na tribo dos Kich, entre os 6o e 7o graus de lat. norte, nas margens ocidentais do Nilo Branco, ouvi falar a muitos de um país chamado Dor, situado no interior, para ocidente e rodeado por todos os lados de tribos totalmente negras como o ébano, que era habitado por gente branca e avermelhada, notícia que depois me confirmou o comerciante e viajante Ângelo Castelbolognese, judeu de Ferrara, que, na viagem que fiz com ele em 1859 de Cartum a Dôngola, atravessando o deserto de Bayuda, me disse que tinha visitado o país dos Dor junto com Júlio Poncet, personalidade conhecida no campo da geografia africana e a quem tive ocasião de ver em Cartum e no Nilo Branco. Espero que nas nossas futuras explorações consigamos esclarecer estes mistérios.
Branca Lemuna é uma jovem de baixa estatura, ágil, mas bem constituída e de compleição forte, incansável no trabalho e com uma voz mais de homem que de mulher. O seu semblante, bem pouco atractivo, tem os traços da raça negra. Mas a cor de todo o seu corpo é muito mais branca que o das mulheres italianas, francesas, alemãs ou inglesas e até mais branca que o das circassianas e o seu cabelo é louro mas com aspecto lanoso, como o da raça etíope. A sua pele, tanto a da cara como a do resto do corpo, é duríssima, a tal ponto que um dia, ao tirar-lhe sangue, partiu-se a lanceta. Com uns olhos que puxam mais para o claro que para o azul, ela de dia vê pouco, embora faça bem as suas tarefas. Mas de noite a sua vista é extraordinária e, sem candeeiro ou velas, em absoluta obscuridade, abre a despensa, onde procura e encontra o que quer; lava pratos, panelas, colheres, copos e coloca tudo no seu lugar; varre, limpa, enfim, trabalha e realiza muito bem, diríamos às escuras, as suas tarefas na despensa, no refeitório e na cozinha.
O seu pai, de nome Ninguina, é completamente negro, tal como a mãe, que se chama Gentidi; e das duas irmãs que diz ter, uma é muito negra e a outra de cor avermelhada, semelhante à dos abissínios. Ninguina, o pai, é um dos mais ferozes e duros jilabas, ou negreiros, que enriqueceu com o sangue dos pobres escravos, roubando-os das suas terras e vendendo-os a outros jilabas. Enquanto ele estava ocupado a caçar escravos num país algo distante do seu, a nossa Branca foi raptada junto com uma escrava sua por outro bando de traficantes de carne humana. Depois de uma fadigosa viagem de muitos meses através de selvas intermináveis, povoadas de leões e de outros animais ferozes, ela chegou, viajando em parte a pé, em parte montada em búfalos, aos confins da mudirié de Shakka, não longe de Bahr-el-Ghazal, onde soldados do Governo egípcio do Sudão a capturaram juntamente com o grupo de escravos de que fazia parte; levaram-na para Darfur. Aí foi oferecida como uma interessante prenda a S. E. Gordon Paxá, governador-geral do Sudão, que, passando por El-Obeid, teve a nobre ideia de a dar à nossa missão do Cordofão, para que se tornasse cristã e fosse assegurado o seu futuro.
A sua língua materna é o itinirizandi e, pelas diversas palavras que com a ajuda dela pude extrair dessa língua, parece de origem semítica e monossilábica, como a dinca e a bari, idiomas que são falados por muitas tribos situadas entre os 3o e os 12o de lat. norte. Branca entende também a língua dinca, mas não a fala, como eu mesmo pude várias vezes constatar. O itinirizandi, esse idioma, sim, fala-o bem e isso vê-se nas frequentes conversações que mantém com a antiga sua escrava com a qual foi raptada, a quem ela queria ganhar para o Catolicismo e que agora está ao serviço de um católico nosso de Alepo, residente em El-Obeid, o sr. Ibrahim Debbane.
Branca afirma que o seu país, o dos Nambia, tem uma abundante e surpreendente vegetação, que nele há bons rios, belas montanhas, vastos campos e floridos hortos onde crescem os limoeiros, a vinha, as bananas, os tomateiros, as beringelas, o trigo, o sésamo, o milho, o feijão-verde, as batatas; e diz que para arranjar água mesmo longe dos rios basta colocar sob um montículo ou uma rocha as bormas (recipiente de barro cozido, com capacidade para 7 ou 8 litros) e enchem-se logo. Diz também que lá se conhece o maior dos rios, que se chama Branco e que ela viu não de muito longe; e conta que no seu país se viaja em yamus (búfalos) e que lá há bois, carneiros, ovelhas, cabras, búfalos, zebras, girafas, avestruzes e aves de toda a espécie, dimensões e cores, enquanto não existem em absoluto nem burros, nem mulas, nem cavalos, nem camelos, nem dromedários; e que, além disso, há abundância de elefantes, leões, hienas, leopardos e serpentes de toda a espécie e tamanho.
Afirma sobretudo que muitos do seu país exercem, como seu pai, o vergonhoso ofício de jilabas ou traficantes de escravos: nas tribos caça-se e rapta-se reciprocamente, vivendo-se sempre num ambiente de medo e temor.
Deixando de lado outras notícias interessantes obtidas dela sobre a língua itinirizandi (da qual tirei os números e muitas palavras) e os costumes dos Nambia, encerro este relatório referindo-me brevemente às sublimes qualidades que adornam a alma e o coração desta afortunada criatura.
Apenas entrada na nossa missão, Branca foi instruída nos princípios da nossa santa religião por uma jovem Irmã oriental, de nome Virgínia Mansur, originária da província de Damasco, na Síria; depois teve como mestra a jovem negra Fortunata Quascé, de Gebel Nuba, que agora é noviça no instituto das nossas Irmãs e que continua a sua formação. Desde o dia em que Branca conheceu a nossa santa fé converteu-se numa fervorosa católica. Embora não dê sinais de possuir grande talento e perspicácia e custou-lhe muito aprender o catecismo em árabe (que não é a sua língua), percebeu bem as normas e os princípios da nossa santa fé e gravou-os profundamente no coração. É de uma piedade singular e muito da oração; reza nas horas estabelecidas pelo regulamento, participa com particular devoção na santa missa e abeira-se da comunhão com sumo respeito e fervor; nesses dias está sempre alegre e serena.
Reza antes do trabalho, reza enquanto trabalha e reza com frequência ao longo do dia; e o Sacratíssimo Coração de Jesus, a Santíssima Virgem Imaculada e S. José são seus tesouros, que ela venera com particular devoção e amor e que tem sempre nos lábios. Fidelíssima às obrigações e às práticas religiosas, observa rigorosamente todos os jejuns prescritos pela santa Igreja e as vigílias da Virgem; e observa-os de modo que durante as vinte e quatro horas do dia não só não prova nenhuma espécie de alimentos, nem sequer a mínima quantidade, abstendo-se até, às vezes, de tomar o menor sorvo de água. Muito parca e frugal no comer, jamais aceitou para seu sustento outra coisa que não fosse a comida ordinária das nossas negras, isto é, a massa de dokkon, espécie de milho, ou outra coisa semelhante. E amiúde priva-se até deste alimento para o dar aos pobres ou a outra negra mais sofredora e carenciada; e tudo isto por espírito de mortificação e caridade.
Sumamente tenaz no cumprimento dos seus deveres, nunca está ociosa, nem se entretém com jogos pueris com as outras raparigas, embora apenas tenha quinze anos; antes, com assídua diligência atende a todas as tarefas que lhe são impostas.
A ela, como a pessoa em quem mais se confia no instituto, entregou-se a chave da despensa, da cozinha e do refeitório; ela guarda zelosamente quanto se lhe entrega de provisões e comestíveis e nunca se permite dar a ninguém ou repartir a mínima coisa sem ordem e consentimento de que ocupa o posto de superiora. Nem tão-pouco ela mesma se permitiu nunca tomar para si, ou nem sequer provar, a menor porção de comestíveis da despensa de que as Irmãs a encarregaram.
Fortunata Quascé, sua mestra, convidou-a repetidamente a comer o pão branco das Irmãs, que é de trigo, ainda que muito inferior ao nosso pão da Europa, mas Branca negou-se sempre, dizendo: «É verdade que agora sou livre, porque tive a sorte de me tornar cristã; mas não é conveniente que eu coma o pão das Irmãs, que nasceram livres e foram sempre cristãs. Para mim é mais apropriado comer o pão dos negros e eu sinto-me feliz e afortunada por poder ser sempre servidora das Irmãs.» Branca está contente com tudo e vive em completa paz com as companheiras, a quem nunca ofende ou molesta minimamente. Quando, às vezes, sofre algum contratempo, ou as companheiras ou ajudantes partem algum objecto, etc., ela altera-se e repreende e a sua irritação lembra a de uma fera. Mas rapidamente a religião a acalma; o pensamento de Deus, da Santíssima Virgem e da fé faz com que num instante fique mansa e paciente como um cordeiro e continua calmamente o seu trabalho.
Contudo, a virtude que nela mais brilha é a pureza do seu viver e a candura da sua angelical castidade. Embora na casa paterna e sobretudo nas viagens e no tempo da sua escravatura sob bárbaros amos ela tenha visto e ouvido de tudo..., Branca é uma flor resplandecente de pureza, um anjo de costumes imaculados. No meio das suas ocupações é zelosa guardiã de si mesma, mostrando-se escrupulosa ao evitar tudo o que possa ofender a sua virtude. Com o contínuo receio de ofender o Senhor, escandaliza-se da mais pequena coisa e sabe evitar toda a conversação e trato com quem não é do seu sexo; assim, quando algum negro, por qualquer motivo de trabalho ou serviço, passa pelo pátio das Irmãs, ela retira-se para a cozinha ou para o refeitório e mantém uma atitude séria e digna.
Gordon Paxá, tendo recebido das províncias do equador um jovem branco da raça dela, decidiu levá-lo ao Cordofão, com intenção de o propor para marido de Branca. Como vinha acompanhado de oficiais e soldados do Governo, teve que se permitir que o jovem lhe fosse apresentado. Mas, apenas o viu, Branca correu a refugiar-se nos quartos das Irmãs. Foi-lhe várias vezes proposto que se casasse com ele, mas tudo foi inútil: não quis tornar a vê-lo nem ouvir falar dele nunca mais. O nosso P.e João Losi, que tem por norma arrumar com o casamento as nossas jovens convertidas, propôs repetidas vezes a Branca que se casasse com um jovem branco que ele tinha encontrado em Shinjokae ao voltar de Nuba e assegurou-lhe que se o aceitasse iria ficar contente por o ter feito. Mas não houve maneira: ela declarou que nunca pensaria num esposo terreno, mas que sempre viveria como as Irmãs e que seria toda a vida servidora delas, que tinham renunciado para sempre ao matrimónio terreno. Branca Lemuna escolheu Jesus como esposo; só em Jesus encontrou o seu bem, a sua paz, as suas delícias, a sua vida.
Ela é a mais fervorosa e exemplar criatura que temos nesta missão católica do Cordofão e talvez a flor mais esplêndida e fragrante que esta nascente vinha do Senhor de Sabaoth produziu entre os povos da África Central.
Que Deus no-la conserve muitos anos para edificação de todos nós e para incremento da nossa fé nestas remotas regiões, onde a maior parte destes povos infelizes gemem ainda sob o império de Satanás, envolvidos desde há tantos séculos nas trevas e nas sombras da morte.
† Daniel Comboni
Bispo de Claudiópolis i.p.i.
Vigário Apost. da África Centrale
N.o 1066; (1021) - AO DIRECTOR
DO «MUSEO DELLE MISSIONI CATTOLICHE» «Museo delle Missioni Cattoliche», pp. 386-387
El-Obeid, capital do Cordofão, 11 de Maio de 1881
Meu bom e caro amigo P.e José,
Estou muito contente de ver que o Museo delle Missioni Cattoliche melhorou muito e tem abundantes e interessantes informações de todas as missões da Terra, pelo que, de agora em diante, sentir-me-ei honrado em enviar importantes notícias da África Central.
Alegro-me também de saber que a sede central do Museo e da correspondência está na nossa igreja das missões apostólicas, na Ss.ma Trindade, e sob os auspícios imediatos do meu caro amigo. Certamente tenho muito que agradecer a V. S. pelo facto de se ter feito com que assuma a herança do estimado cónego Ortalda o arcebispo de Turim, repleto de zelo, e quantos deram novo impulso e novo alento ao Museo delle Missioni Cattoliche.
Aqui há carestia de água. Há dias em que gasto de cinquenta a sessenta francos só a comprar água lodosa e salobre para beber e fazer a comida.
Vou mandar-lhe um pequeno relatório, assim como uma nota retratando Branca Lemuna, jovem com a pele de todo o corpo mais branca que a mulher circassiana, com a cara muito rosada, com o cabelo completamente louro, e nascida de pais negros. Hoje mandei essa nota ao Osservatore Romano.
Escrever-lhe-ei amiúde para o Museo. Se abrisse nele uma colecta para os sofredores de sede do Cordofão, seria uma coisa boa; mas julgo necessária alguma informação especial referente ao caso.
Como o Museo mostra a vida do P.e Leão d’Avancher, dir-lhe-ei que há dias me chegou uma carta dele em francês. Mando-lhe esta carta tal como a recebi, com o respectivo envelope, começada há anos e terminada pelo P.e Leão antes de morrer; escreveu-ma com o seu próprio punho. Envio-lha para que, se o considerar oportuno, a publique no Museo; e, uma vez publicada, poderá mandar o original ao P.e Sembianti, reitor do meu Instituto Africano de Verona.
Mil respeitosas saudações ao arcebispo, a todo o capítulo, ao teólogo Arpino, ao pároco de S. Salvario, aos membros do Círculo da Juventude Católica de Turim, ao seu venerável pai, etc., etc. Está para partir o correio. Vale.
Seu Af.mo amigo † Daniel Comboni
Bispo e vig. ap. da África Central
N.o 1067; (1022) - AO CÓN. CRISTÓVÃO MILONE
Cristoforo Milone, «D. D. Comboni-L’abate Girolamo Milone» Napoli (1833), pp. 35-36
El-Obeid, 12 de Maio de 1881
Meu caro amigo,
Duas linhas confidenciais e entre nós.
Se eu pudesse e tivesse tempo, escrever-lhe-ia com mais frequência, até todas as semanas para o seu folheto; mas não posso: além dos graves negócios do Vicariato, tenho que me ocupar de recolher mais de quinhentos francos ao dia para sustentar os meus estabelecimentos, o que me obriga a escrever como correspondente de outras quinze publicações: alemãs, francesas, inglesas, americanas, que me mandam um bom dinheiro. Além disso, estou em contacto com quase todos os jornais católicos da Itália, especialmente com L’Osservatore Romano, L’Unità Cattolica, L’Osserva-tore Cattolico, etc. (aos quais raramente escrevo), à parte os meu Anais do B. Pastor, de publicação trimestral.
Eu a si escreverei sempre cartas; mas, quando encontrar nas publicações católicas alguma colaboração minha, pode publicá-la como dirigida a si, porque tal é minha intenção e meu gosto. Pode dizer: «Tivemos o prazer de receber de D. Comboni a seguinte carta, datada no Cordofão», etc. Dentro de uns dias enviar-lhe-ei a descrição da maior igreja da África Central, dedicada a Nossa Senhora do Sagrado Coração, Rainha da Nigrícia; e o senhor deve ser o primeiro a publicá-la, porque o maior mérito desta maravilha da África Central cabe a um napolitano pertencente desde jovem a esse clero (que boa instituição a dos arcebispos de Nápoles para suscitar vocações sobretudo sacerdotais), ao qual eu ordenei na África: P.e Vicente (Marzano). O senhor terá visto também colaborações minhas no Museo delle Missioni de Turim e nas Missioni Cattoliche de Milão e Lião: pois bem, prepare-as para as suas publicações como dirigidas a si e à Libertà Cattolica, porque tal é minha intenção. Meu caro, devendo eu ocupar os meus missionários no ministério, estou sozinho, sem secretário e sem vigário-geral, e para sustentar a missão devo escrever todos os dias em diversas línguas.
Foi-me dada uma esplêndida carta de recomendação pelo vice-rei ou governador-geral do Sudão (que manda num território cinco vezes maior que a Itália), muçulmano, na qual diz que Comboni é um alto dignitário na sua religião católica, à qual devemos honrar, etc. Uma alta autoridade turca a afirmar que se deve honrar a nossa religião!! E entretanto, os nossos mações e liberais italianos a perseguirem essa fé... Aí tem um tema para elaborar, como fez tão bem com o da vinda de brancos e noutras ocasiões. Que fazem esses de duradouro em comparação com a minha última Irmã italiana que tanto trabalha na África Central e entre os Nuba, a quem ela veste pela primeira vez? Lá conservam toda a moda de Adão antes da queda. Portanto, dê informação dessa carta de Rauf Paxá.
† Daniel Comboni
N.o 1068; (1023) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 121-123
N.o 7
Cordofão, 17 de Maio de 181
Em.mo e Rev.mo Príncipe,
Mando-lhe a descrição da nova Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração construída em El-Obeid, capital do Cordofão e que, sem dúvida é o maior e mais majestoso templo, consagrado ao verdadeiro Deus, de toda a África interior. Esta descrição é feita por aquele que, sendo um dos meus bravos e laboriosos missionários, foi o arquitecto dela e o director principal, isto é, P.e Vicente Marzano; eu tenho toda a confiança em que Nossa Senhora do Sagrado Coração, Rainha da Nigrícia e dona do Coração de Jesus, vai converter estas gentes, que até agora têm estado envolvidas nas trevas da morte.
Este sagrado templo é objecto de espanto e maravilha para estes indígenas; e eu fiquei contente de Quinta-Feira Santa realizar aí as funções e consagrar os santos óleos, como também de celebrar lá o pontifical no dia da ressurreição de Jesus Cristo.
Quando regressar de Gebel Nuba, administrarei solenemente o santo baptismo a um bom número de catecúmenos, que, de há muito, vêm sendo instruídos nos princípios da nossa santa religião. No mês de Maio estamos lá a realizar celebrações com orações especiais e ladainhas cantadas por muitas vozes ao som do órgão; faz lembrar os templos de Roma, onde se pratica este santo exercício.
Entretanto, prostrado, beijo-lhe a sagrada púrpura e apresento a mais profunda veneração
De V. Em.a Rev.ma hum.mo, dev., resp. filho
† Daniel Comboni bispo e vig. ap.
N.o 1069; (1024) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 131-132
J. M. J.N.o 6
El-Obeid, 17 de Maio de 1881
Em.o e Rev.mo Príncipe,
A minha aparição no Cordofão encheu de terror – por disposição de Deus – a alma dos traficantes de carne humana, porque julgam que eu estou munido de poderes extraordinários do quedive (e em parte é verdade) para acabar com o tráfico, o que para eles significa perder a sua principal fonte de receitas e de riqueza. Aqui há milionários (entre eles Tefaala, o que raptou Daniel Sorur, aluno da Propaganda) que chegaram a sê-lo devido ao rapto de pessoas para as venderem como escravas. E há um (a quem os dois alunos, Artur e Daniel, conhecem) que, pelos seus méritos de negreiro, há sete anos que foi eleito paxá, porque colaborou com o Governo na conquista do Darfur. Este homem, chamado Elias Paxá, que conta com mil escravos ao seu serviço, tem 42 fillhos e filhas (sem contar as suas mulheres), a cada um dos quais pode dar em dote de casamento 2000 bolsas, ou seja, 10 000 guinéus egípcios, equivalentes a 260 000 francos ouro; e isto, digo, a cada um dos 42 filhos e filhas, o que faz um total de 10 920 000 francos, quer dizer, quase onze milhões. Já não é negreiro, nem tão-pouco o amo do aluno Daniel Sorur, e deu em minha honra jantares de vinte e cinco, trinta e até trinta e cinco pratos.
Mas o actual quedive faz grandes sacrifícios para a abolição do comércio de escravos, assunto que toma a sério. E nisto tem não pequeno mérito a missão.
À minha chegada ao Cordofão, tendo eu ouvido que Gebel Nuba estava infestada de bagara (árabes nómades ladrões e assassinos), que a certa distância da nossa missão roubavam meninos e meninas e também objectos, a pedido do grande chefe e dos missionários de Nuba solicitei ao grande paxá uma pequena força militar para que percorra os arredores dos montes de Nuba e nos livre dos ladrões, que nos roubaram também a nós bastantes coisas. Rauf Paxá mandou logo cem homens e escreveu-me a dizer que, se for preciso, lhe peça mil ou mais, que estão à minha disposição.
Ontem, enquanto me preparava para ir para Gebel Nuba, eu mesmo com dois missionários e duas Irmãs (aos outros mandei-os com antecedência e já chegaram há quinze dias), recebi de Rauf Paxá a seguinte carta, que traduzida à letra para italiano transcrevo a Vossa Eminência:
«A sua excelência D. Comboni, bispo e vig. apostólico do Sudão.
Cartum, 10 de Maio de 1881.
Monsenhor,
Inteirei-me com grande prazer da sua feliz chegada ao Cordofão e, ao mesmo tempo, do excelente efeito da sua presença na dita província. Dizia-me que o país sofria grande seca; eu não tenho a mínima dúvida de que foi devido às sua orações (sic) que o céu derramou a chuva. Queira Deus que, agora que parte para Gebel Nuba, a sua presença aí produza também felizes resultados e que, por seu lado, estas populações agradecidas vos acompanhem com as suas bênçãos.
Talvez o senhor tenha chegado a Gebel Nuba. Rogo-lhe, monsenhor, que tenha por bem examinar o país e a sua administração, a fim de que nós possamos tomar as medidas necessárias para conseguir o bem-estar e a prosperidade daquelas gentes.
A questão da escravatura deve constituir o objecto principal de um estudo profundo. Encontrando-se no terreno, o senhor está em condições de descobrir e conhecer bem os erros que aí se possam cometer e de propor o remédio eficaz que se deva aplicar. Em mim, monsenhor, encontrará o mais válido apoio para a execução das ordens de Sua Alteza o quedive; e tanto mais que, como o senhor não ignora, essas ordens estão em perfeita sintonia com as minhas próprias convicções.
Profundamente convencido dos sentimentos humanitários que animam o senhor, não tenho a menor dúvida, monsenhor, de que tomará em séria consideração este pedido que lhe dirijo e que, apesar da moléstia que isso lhe pode causar, não deixará o senhor de me ajudar com as suas ideias e com os seus sábios conselhos num assunto de tanta importância.
Ser-lhe-á grato, monsenhor, saber que designei um oficial com cem soldados para a vigilância de Gebel Nuba. Essa medida será, certamente, muito bem acolhida no país e sobretudo na missão.
Tenha por bem aceitar, Monsenhor, as expressões de estima, etc.
O governador-geral do Sudão
(L.S.) Rauf Paxá»
Beijo a sagrada púrpura, etc.
† Daniel Comboni v. a.
N.o 1070; (1025) - AO CÓN. CRISTÓVÃO MILONE
«La Libertà Cattolica» XV (1881), p. 601
El-Obeid, 17 de Maio de 1881
Breve bilhete.