N.o 1011; (967) - A MONS. INÁCIO MASOTTI
AP SC Egitto, n. 22, ff. 438-439
N.o 2
Suakin (mar Vermelho), 10 de Janeiro de 1881
Excelência rev.ma,
Comunicam-me que o rev.mo P.e Normand, superior da missão dos jesuítas na Síria e no Egipto, irá à Europa e certamente a Fiesole e Roma. No caso de ele ir a Roma, permito-me sugerir-lhe a grande conveniência de que V. E. o chamasse ao seu gabinete ou à secretaria ou à casa por cima, e lhe perguntasse, olhos nos olhos, qual a situação da religião no Egipto e lhe expusesse, um a um, os meus pontos de vista sobre o Egipto de que lhe falei na minha última carta, a n.o 1. Se essas minhas opiniões fossem inexactas ou não coincidissem de todo com a verdade, eu estaria disposto a retirá-las, porque o critério particular de um indivíduo é igual a zero em comparação com o de um jesuíta tão bom, arguto e de tanto valor como o P.e Normand, e já não digo nada em comparação com o de V. E. e o da Propaganda.
Mas verá como o juízo é idêntico. Isto para a maior glória de Deus e o bem da África.
Hoje parto de Suakin com a minha caravana evangélica e entro no deserto. Encomendo-me às suas orações e subscrevo-me com prazer no Coração de Jesus.
De V. E. Rev.ma
Hum.mo, devot.mo e verdadeiro servidor
† Daniel bispo
Vigário Apostólico da África Central
N.o 1012; (968) - A SEU PAI
APF, Novara
Suakin, no mar Vermelho, 10 de Janeiro de 1881
Breve bilhete.
N.o 1013; (969) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/10
S. Fr. de Sales, Cartum, 29 de Janeiro de 1881
Meu caro reitor,
Em 29 dias chegámos do Cairo a Cartum. Em Berber, o vapor estava há muitos dias à nossa espera. Fomos o espanto de toda a gente. Nunca uma viagem tão boa. Nós todos sãos, e todos aqueles a quem encontrámos também de boa saúde. A Ir. Vitória não cabe em si de contente. Deixando de lado o facto de que não há escolas femininas e de que nenhuma Irmã sabe pevide de árabe, encontrei a missão muito bem: muita abnegação e espírito de sacrifício e muito ânimo. Não tenho tempo; escreverei em melhor ocasião. Saúdo e abençoo ambos os institutos, a superiora e Virgínia, às quais escreverei quando puder respirar, porque agora afogam-me as ocupações.
Reze e faça rezar muito. Escreva-me directamente para o Cordofão. Em Gebel Nuba faremos uma missão magnífica: levo comigo P.e Bonomi, que, como P.e Losi, conhece bem Nuba. Ah, o Diabo teme-nos! A África Central está bem melhor do que eu pensava e do que contaram à Propaganda os frades que são contra o bem não feito por eles; refiro-me aos frades e padres do Egipto que nunca viram o Sudão. Eu vou para a frente, porque confio só em Deus e em si, que espero me prepare bom pessoal. Vale. Mil respeitosas saudações ao Em.mo, ao P.e Vignola, etc.
Fé e Jesus; desabe o universo, Cristo triunfará na África Central. Vou amadurecendo a antiga ideia de fundar um instituto de Irmãs na Síria. Os jesuítas consideram-na magnífica e ajudar-me-ão. Mas que o não saibam os franciscanos! Isso, depois. Eu farei com que, a seu tempo, intervenha o Santo Padre, quando lhe escrever sobre o assunto. Apenas não ficarão contentes os [...] [Falta o resto]
[† Daniel bispo]
N.o 1014; (970) - A SEU PAI
ACR, A, c. 14/127
Cartum, 1 de Fevereiro de 1881
Meu querido pai,
Em apenas 29 dias, com uma expedição de 16 membros dos nossos institutos, vim do Cairo até Cartum. É quase um milagre. Mas depois de a Deus, devo agradecê-lo ao quedive, soberano do Egipto, que deu ordens a todos os governadores do mar Vermelho, da Núbia e de todas as províncias por onde eu passava, para que se pusessem ao meu serviço. Por isso, em Suakin encontrei preparados os camelos e, em Berber, prontinho, o vapor que me esperava havia onze dias e que, em apenas cinco dias nos transportou com mais de 200 caixas pelo Nilo até Cartum, onde encontrei P.e Bonomi e as Irmãs, que suspiravam pela nossa chegada. P.e Bonomi é um verdadeiro missionário e um bom administrador.
Aqui não encontrei nem um cêntimo de dívidas. No Cordofão, sim; mas ontem de manhã paguei tudo, à vista, com 2400 táleres; de modo que, agora, nem na Europa, nem no Egipto, nem na África Central, quer eu quer a obra temos dívida alguma. Além disso, no Cairo ordenei a construção da igreja; em El-Obeid está já concluída a igreja paroquial, que é a mais bela da África Central e está toda paga. Eu estou muito bem e igualmente todos os da missão. Esta é a única e primeira carta que escrevo desde a minha chegada a Cartum. Ainda não enviei nenhuma para Verona. Recebi a tua de Limone e aqui está a resposta.
Saúdo e abençoo Teresa, os nossos parentes, o reitor, P.e Luís, os amigos e os de Riva. Domingos saúda-te. No deserto chorava e dizia que não estava habituado a tantos sofrimentos e que, sem beber vinho de manhã e à tarde, não pode viver. Os dois alemães, P.e João e P.e José, são autênticos missionários. P.e Bartolo Rolleri manda-te cumprimentos. Estou satisfeito de o ter comigo: é verdadeiramente exemplar; por outro lado, eu até sei lidar com o Diabo! A missão irá bem, apesar de os inimigos que a atacam. Mas tudo se deve sujeitar a Cristo.
Teu af.mo filho
† Daniel bispo e vig. ap.
N.o 1015; (971) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/107
Cartum, 5 de Fevereiro de 1881
Mande que o pároco de Montório envie imediatamente as duas caixas de cera que comprei, etc.
Além disso, escreva à Companhia Rubbatino de Génova comunicando-lhes que Francisco Grigolini mandou os dois sacos de arroz para a sua sobrinha Teresa. Também mandou um saco para Sestri. Mas receio que tenha endereçado mal, pois nem recebi o arroz em Suakin, nem em Sestri. Ordene que seja tudo enviado para mim, porque só vindo com o meu nome não se paga alfândega, nem no Egipto nem em Suakin.
Eu estou assoberbado de trabalho: todos acorrem ao primeiro pastor, e não posso deixar de os atender, especialmente no que diz respeito à salvação das almas. Rogo-lhe, por dever de consciência, que faça estudar muito o árabe aos que mostram uma vocação segura. Meu Deus! Preocupa-me ter que prestar contas do Vicariato à Sagrada Congregação da Propaganda! As almas estão abandonadas, as famílias católicas desapoiadas, as misérias morais multiplicadas!!! Em suma, três Irmãs árabes (Virgínia, as Irmãs Josefina e Germana) faziam mais pelas almas que as nossas quinze Irmãs que temos aqui, incluídas as Irmãs Vitória e Grigolini.
Ontem, logo que lhe demos a absolvição, morreu um católico sírio, que ninguém conhecia. Tinha contratado uma escrava a um muçulmano, a qual foi imediatamente reclamada por este; mas como estava grávida de sete meses, do tal católico falecido, neguei-me a cedê-la ao muçulmano, pela alma da futura criança. Estamos em litígio, mas vou ganhar. Antes, com as Irmãs Germana e Virgínia, ele teria tido uma esposa cristã.
Passa o correio e recibo uma sua estimada carta. Resposta em breve.
Seu af.mo † Daniel
N.o 1016; (972) - A JOÃO PAGNONE
ACR, A, c. 15/171
Cartum, 5 de Fevereiro de 1881
Declaração de demissão.
N.o 1017; (973) - DO LIVRO DE CASAMENTOS DE CARTUM
ACR, A, c. 10/1 i
Cartum, 6 de Fevereiro de 1881
N.o 1018; (974) - AO CARDEAL JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 113-118v
N.o 2
Cartum, 8 de Fevereiro de 1881
Em.o e Rev.mo Príncipe,
Pela primeira vez, a única até hoje, aconteceu que uma numerosa caravana, como era a minha, de dezasseis europeus, entre Irmãs, missionários, catequistas e irmãos coadjutores, chegou em apenas 29 dias do Cairo a Cartum. Sempre se haviam gasto mais de dois meses, e até três e quatro. Isso deveu-se antes de tudo à graça de Deus e, depois, à enorme bondade do quedive do Egipto, que ordenou a todos os paxás e governadores das possessões por onde eu devia passar que me prestassem a maior assistência possível. Também o ex.mo barão de Schöffer, ministro residente austro-húngaro no Egipto, se ofereceu muito para me ajudar. Em Suakin, no mar Vermelho, encontrei preparados os 50 camelos de que precisava para atravessar o deserto que separa o mar Vermelho do Nilo.
Depois, em Berber, encontrei pronto e à minha espera havia quinze dias o vapor que me tinha mandado Rauf Paxá, governador-geral das possessões egípcias do Sudão, para me levar a mim, à minha gente e às provisões para Cartum. E aqui todos me receberam com cortesia especialmente Rauf Paxá, que pôs à minha disposição tudo o que eu precisasse. E isto demonstrou-mo com factos, como lhe contarei na minha correspondência futura, quando as promessas se converterem em realidade e quando os factos com que até agora me favoreceu forem prosseguidos pela continuidade da sua alta protecção.
Não é esta a altura de dar à S. Congregação pormenorizadas notícias do meu Vicariato. Quero examinar tudo pessoalmente, com a maior calma e diligência e sobretudo de forma conscienciosa, porque as coisas de Deus não se podem tratar com ligeireza. Mas pelo que vi até agora com os meus olhos e soube pelas notícias chegadas até mim das diversas estações do interior, o meu Vicariato vai melhor do que eu mesmo esperava e do que informadores ignorantes e pouco caritativos referiram à S. Congregação e a V. Eminência. Apercebi-me há tempos de que o meu Vicariato tem numerosos inimigos, que causaram prejuízos aos mesmos e a mim, quer mandando a Roma falsas notícias quer esfriando muitos dos meus benfeitores e especialmente à Propagação da Fé (que não obstante é muito benévola para com a África Central, porque tem o espírito de Deus, grande prudência e caridade), ao dar-lhes falazmente a entender que a obra de D. Comboni é de pouco relevo, que não faz nada, etc.
Porém, eu, em.o príncipe, não temo ninguém neste mundo, excepto a mim mesmo; eu examino-me todos os dias e encomendo-me fervorosamente ao Coração de Jesus, ao de Maria e a S. José. Conheço muito bem os inimigos da minha obra e não lhes tenho medo, apesar do prejuízo que me fizeram e me farão ainda na Itália, na França e na Alemanha, porque as mentiras e informações pouco objectivas têm as pernas curtas, e porque as obras de Deus, que têm como fim a divina glória e a salvação das almas, devem passar pelo crisol da cruz, que é o único símbolo de salvação e de vitória.
Transcorridos dez anos, a S. Congregação verificará os resultados da minha obra na África Central e, ao mesmo tempo, os alcançados por aqueles que, sem os necessários preparativos, estudos e trabalhos de pesquisa, se lançaram em empresas, sem antes terem estudado de forma suficiente o terreno eriçado de espinhos. Ficaria feliz se me enganasse: mas temo dizer a verdade, porque sobre o assunto fiz grandes estudos e ganhei muita experiência. Quanto ao resto, as minhas ideias exponho-as e expô-las-ei sempre subordinadamente só à Propaganda ou ao Sumo Pontífice e não a outros, porque a única coisa que me preocupa é o puro bem da Igreja e da África, por quem daria cem vidas se as tivesse.
Também me provocaram danos as informações e os falatórios sobre a minha obra no Egipto, por parte de: 1.o os que convertem o apostolado egípcio num verdadeiro monopólio; 2.o os que, sem nunca terem feito nada pela África Central, apesar das suas forças, falam mal do meu Vicariato, sem ter a menor ideia do mesmo. Quem vive no Egipto não tem maiores bases para julgar sobre a África Central do que quem vive em Paris ou em Verona. Mas não importa: tudo são coisas dispostas por Deus, a quem bendirei para sempre.
Entretanto, no meu Vicariato actualmente estão todos de boa saúde, apesar do calor excessivo, e, em geral, entre os meus missionários e as minhas Irmãs do Vicariato (alunos dos meus institutos de Verona) reina um espírito óptimo e grande abnegação e sacrifício.
Tendo eu com a minha caravana chegado a Cartum a 28 de Janeiro passado, qual a razão por que até agora não escrevi uma palavra a V. Em.a?...
Em primeiro lugar, estava à espera de resposta sobre as petições que em Roma fiz a V. Em.a e, até hoje, não sei nada sobre o assunto.
Em segundo lugar, quis informar-me bem em Cartum sobre duas dolorosas notícias que recebi apenas chegado aqui. Em todo o caso relata refero, sem assumir disso a responsabilidade. Uma refere-se à Abissínia, a outra à missão do Nyanza Vitória, no equador.
O cônsul austro-húngaro, o cav. Hansal (com quem acertei tudo a respeito das queixas que tinha sobre P.e Bonomi, homem um tanto duro, ainda que de grande abnegação e espírito de sacrifício e que vai comigo para Nuba, onde já foi superior), os comerciantes cristãos de Cartum, que têm negócios com Ghalabat e com a Abissínia, e três muçulmanos expulsos de lá, referiram-me que o despótico rei João promulgou uma lei (movido pelos sacerdotes coptas cismáticos e pelo bispo herético), segundo a qual obriga todos os seus súbditos a professar a sua religião copto-herética, e quantos entre eles forem católicos, muçulmanos, etc. terão que se fazer coptas heréticos ou emigrar (1). Disseram-me que na Abissínia não ficou nenhum padre lazarista e, muito menos, o bispo e que todos se refugiaram em Kheren, isto é, fora da Abissínia. Disseram-me também que continua lá um tal Naretti, cav. da Coroa da Itália de Aosta, o qual mantinha excelentes relações com o Kassa (o rei João), mas que agora estava prestes a partir para a Itália.
Apenas chegado a Cartum, encontrei aqui uma carta do P.e Livinhac, superior dos missionários de Argel no Nyanza, de data um pouco antiga, na qual me diz (são palavras suas): «O senhor governador das províncias equatoriais egípcias informa-me do desejo de V. E. de ter notícias nossas. (Na realidade, eu com duas cartas tinha pedido ao governador-geral do equador, Emin Bei, prussiano, o qual me dera provas de amizade, que protegesse e que fizesse todo o bem possível aos missionários de Argel, etc.) Agradeço a V. E. o interesse que se digna ter para connosco e imponho-me satisfazer o seu desejo.
Chegámos a Rubaga, etc., etc., etc. Por experiência, sabe V. E. quão difíceis são os começos das missões entre os pobres negros. É, pois, inútil entretê-lo a contar-lhe as nossas fadigas, privações e outras provas que são o pão quotidiano do missionário, sobretudo em África. Queira o bom Mestre deixar-nos participar nos sacrifícios de tantos missionários que derramam o seu suor neste vasto continente e faça brilhar sobre eles o dia tão desejado da misericórdia e da salvação... O Uganda não tem clima insalubre. Os meus irmãos encarregam-me de lhe apresentar a si os seus respeitos, etc.»
Esta carta do mencionado superior (que certamente é um missionário de grande valia e com verdadeiro espírito de sacrifício) não diz nada de concreto. Mas o governador do equador comunica-me de Ladó que os missionários de Argel acabarão no Uganda como os anglicanos da Church Missionary Society, isto é, ver-se-ão obrigados a abandonar o Vitória Nyanza (esperemos que não, pois por alguma razão Cristo os mandou para lá). Além disso, este mesmo governador escreveu há dois meses ao cav. Hansal dizendo-lhe: 1.o) O rei Mutesa não procura senão que lhe dêem prendas e, como os missionários de Argel lhe ofereceram mais prendas que os ingleses, recebeu-os de bom grado; 2.o) Este rei suspeita que os estrangeiros que estão no Uganda têm relações com o Egipto, razão pela qual os olha com desconfiança; 3.o) O mencionado governador Emin Bei (o dr. Schnitzler, prussiano) comunicou ao cônsul austro-húngaro Hansal que os pobres missionários de Argel padecem fome e que a gente de Mutesa não lhes dá ou vende nada de comer.
4.o) Finalmente, o rei Mutesa, tendo ouvido dos missionários protestantes que a sua religião é a única verdadeira e aos missionários de Argel que a única verdadeira é a católica e que a anglicana e protestante é falsa e, por outro lado, ao não receber já dos missionários católicos abundantes ofertas como em 1879, decretou que «ninguém pode abandonar a religião dos seus pais para aderir a outra» (mas em 1872 fez-se muçulmano para agradar ao rico e opulento xeque Khamis Ben Abdullah, que o cumulou de prendas), «e, além disso, ordenou que aos missionários franceses não se dê nada de comer, etc.», para que, ao passarem fome, se vejam obrigados a tomar o caminho do regresso, etc.
Estas notícias chegaram ao cônsul austro-húngaro faz agora 35 dias e ele – disse-mo ontem – comunicou-as a S. E. o barão Hofmann, ex-director do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Viena e ministro das Finanças, etc. (a quem Sua Eminência o secretário de Estado conhece bem), que é uma destacada personalidade também no campo da geografia e que – pensa o cônsul – a estas horas já as terá publicado nos diários ou no boletim da Sociedade Geográfica de Viena. Por outra parte, o mesmo Emin Bei é correspondente de quase todas as sociedades geográficas da Europa e especialmente da de Berlim, etc. Relata refero, e espero que o Coração de Jesus resolva tudo, porque também palpitou pelo equador.
Permanecerei em Cartum no corrente mês e, depois, partirei para o reino do Cordofão. Aí, em El-Obeid, celebrarei o pontifical e consagrarei os santos óleos na nova igreja paroquial, que é coberta com placas de zinco que eu mandei de Milão e é a maior do Vicariato e da África Central e Equatorial.
Eu continuo firme e inamovível no meu princípio de fazer e depois falar: coepit Jesus facere et docere; e nunca imitarei os que projectam, falam e publicam dez antes de terem feito três. Fiquei totalmente espantado ao ler o último livro de Les Missions Catholiques, de Lião, em que se dá uma espécie de visão geral das missões católicas depois da providencial encíclica do Santo Padre em prol da Propagação da Fé, da Santa Infância, etc. Nesse Aperçu, ao tratar da África, fala-se de todas as instituições deste continente: dos jesuítas, dos lazaristas, dos padres do Espírito Santo, dos capuchinhos, do seminário de Lião e, sobretudo dos missionários de Argel, das suas grandes viagens, etc., e nem sequer se menciona a obra da redenção da Nigrícia do Vicariato da África Central, onde nós fizemos os maiores sacrifícios e implantámos obras de maior relevo e estabilidade para a religião católica, perante as quais, até agora, as expedições do arcebispo de Argel são nada.
Eu sei quem são aqueles que, perante os piedosos, solícitos e verdadeiramente sábios benfeitores, tentaram lançar por terra o meu trabalho e as fadigas dos meus missionários e tenho o dever de consciência de defender os interesses da minha obra, a qual avança e progride até agora muito melhor e mais segura que a de mons. Lavigerie no respeitante à África interior. Com o tempo e com a sagacidade da Santa Sé, isto é, da S. C. da Propaganda, a verdade virá ao de cima.
Beija a sagrada púrpura...
Seu devot.mo filho † D. Comboni
A salvação da Abissínia e dos Gallas está no Egipto.
N.o 1019; (975) - À PROPAGAÇÃO DA FÉ DE LIÃO
«Les Missions Catholiques» 621 (1881), p. 199
Cartum, 10 de Fevereiro de 1881
À minha passagem pelo Cairo obtive das autoridades e, sobretudo, de S.E. o quedive, os favores mais assinaláveis.
Munido de grandes recomendações, parti dessa esplêndida capital com quinze pessoas; e, tendo chegado ao mar Vermelho, dirigimo-nos a Berber, onde, com grande surpresa, encontrámos um vapor do Governo que o quedive tinha mandado pôr à nossa disposição para nos levar para Cartum e que nos esperava havia já quinze dias. Assim, enquanto antes a viagem do Cairo a Cartum durava dois ou três meses, desta vez levou-nos apenas 29 dias. O cônsul e o governador do Sudão, S. E. Rauf Paxá, dispensaram-nos uma cordial recepção.
Dentro de poucos dias partirei de Cartum com vinte e oito membros da missão para a importante estação de Gebel Nuba. Celebrarei as festas da Páscoa em El-Obeid, na nova igreja paroquial, que é o templo maior da África Central e cuja construção custou tantas fadigas ao P.e Marzano.
Escreveram-me do Cordofão a dizer-me que se sofre muito pela falta de água; os missionários vêem-se obrigados a comprá-la todos os dias por três escudos.
† Daniel Comboni
Original francês
Tradução do italiano
N.o 1020; (976) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/108
N.o 4
Cartum, 12 de Fevereiro de 1881
Meu caríssimo padre,
Recebi bastantes cartas suas; mas estive e estou tão ocupado que não pude responder. Mirabile dictu! Progresso. Como o correio vai por barco e por comboio até Korosko (entrada do grande deserto de Atmur), a sua última, de 15 de Janeiro, a n.o 9, chegou-me de Verona a 10 do corrente, ou seja, em apenas 26 dias. Só hoje começo a escrever-lhe; mas, isso sim, não deixei dia algum de dar graças ao Deus das Misericórdias por me ter concedido para a África Central a cooperação tão eficaz e imediata dos filhos do santo P.e Gaspar Bertoni. Em geral, no Vicariato, tanto os missionários como as Irmãs vêem neste facto um amor especial pela África e o principal carácter de estabilidade, reflorescimento e prosperidade da nossa árdua e santa missão. Esta tem poderosos inimigos, mas, se cumprimos nós o nosso dever, sairemos vencedores.
Eles tentam (por amor-próprio) minar a obra tanto em França como na Alemanha, no Oriente ou em Roma; mas não levarão a sua avante, porque Deus est pro nobis. Com o silêncio, com a paciência e com a minha prudência vigilante (certo da ajuda do Senhor), os inimigos irão fracassar. Além disso, junto aos inimigos tenho poderosos amigos.
Pelo que me parece ver, as coisas compõem-se. A minha vinda para o Vicariato e Egipto (servus semper inutilis sum) era necessária. Quanto às Irmãs, dado que falta o elemento árabe, estamos pior que dantes; e não só pela falta de Irmãs árabes mas também pela da capacidade necessária: as Irmãs de S. José eram mais hábeis que as nossas, tanto para o interior, ou seja, a casa da missão, como para o exterior.
É necessário que, ao menos, a superiora, ou uma das Irmãs de cada casa, saiba francês e mais ainda o árabe. Nisto encontramo-nos verdadeiramente atrasados (há que fundar casas de Irmãs na Síria e na França, e fá-lo-emos, se Deus nos der vida, porque no Egipto e aqui não estamos em Verona, Trento ou Milão, mas num mundo cosmopolita). Mas eu não desanimo. Por exemplo, antes, em Cartum, nas famílias orientais da Síria e do Egipto, a Irmã era tudo: conhecia as desordens, resolvia-as, especialmente em relação às mulheres, até as meninas irem para a escola... Agora, ao invés, nem a Ir. Vitória nem as outras conhecem as famílias e muito menos os seus problemas, etc. Portanto, tive e tenho que ser eu a visitá-las todas e a remediar situações desconcertadas, etc.
Quanto à paz, à obediência, à subordinação aqui estou e estamos realmente muito melhor que dantes; ou seja, estamos melhor com as nossas de Verona que com as Irmãs de S. José. Por isso, coragem, e sigamos em frente, que virá também para as nossas o tempo em serão tão capazes como as francesas. Mas, por caridade, admita poucas criadas de servir e procure receber mulheres instruídas (não importa que tenham mais de vinte e seis anos), e, como me dizia na sua última carta, mulheres sérias, boas e sensatas; em suma, verdadeiras mulheres!!!
Dado que P.e Giulianelli não lê nunca os jornais, nem a Civiltà Cattolica, nem a Unità Cattolica, porque, diz, não são leituras espirituais (?!!), envie-me logo directamente para El-Obeid (Cordofão), tanto a Unità Cattolica como todos os outros jornais e revistas que costumam ser mandados para o Cairo; e avise também disso o P.e Bussinello no que toca ao Verona Fidelis.
Após a encíclica do Santo Padre (fez o senhor muito bem em publicá-la nos nossos Anais, n.o 23), suplique in visceribus Christi ao nosso em.o cardeal-arcebispo que dirija uma boa circular aos veroneses sobre a Propagação da Fé (que tantos milhares de napoleões de ouro nos deu), sobre a Santa Infância e sobre a Obra das Escolas do Oriente (que, na verdade, nos dão pouco). Há mais de catorze anos que venho suplicando a Sua Eminência, etc.; mas agora, dado o convite do Papa, e tendo-lhe suplicado também Lião, creio que o fará. Deve confiar em que Deus abençoará os seus fiéis, mesmo pobres, se contribuírem para a Propagação da Fé; diga-lho também em meu nome.
Aprovo inteiramente o seu plano relativamente à pequena Elvira, de reclamar da sua inventa tandem mãe e da tia o dote, etc. Dizem-me que a Ir. Amália e a Ir. Francisca se entendem bem com os trabalhos de rouparia e costura. O pior é que é fraca e pequena. Mas transeat: o senhor faça o que melhor lhe parecer.
P.e Luís Bonomi é realmente um bom homem. É tosco e rústico no trato com os de fora e, admita-se, até com os de dentro; mas tem uma abnegação de trapista, é um autêntico missionário, não tem soberba nem pretensões e obedece a todos. É ele quem aqui faz tudo: instrução catequética para os rapazes e raparigas, Doutrina nas festas, orações (sempre em árabe) na igreja, de manhã e de tarde, etc.
Interroguei aqui os missionários, um a um, bem como as Irmãs sobre quem poderia eu deixar como vigário-geral durante a minha ausência. Todos me responderam que o único e mais capaz seria P.e Bonomi. Até P.e Rolleri parece ter mudado de opinião, porque vejo que o trata com muita deferência; contudo P.e Luís, à mesa e em toda a parte, sempre colocou em primeiro lugar, depois de mim, P.e Bartolo. Mas em Verona, especialmente por certos santos... P.e Luís Bonomi (embora tenha sido um coadjutor laborioso) é considerado como era em 1873 e não é tido nada em conta nem o que ele estudou nem o trabalho que realizou em sete anos; é semelhante ao que se passa na diocese: alguns do Instituto Mazza continuam a considerar-me como quando eu era estudante de teologia, sem terem em conta o muito que posso ter aprendido nos vinte e seis anos de presbiterado e episcopado.
Com tudo isso, alguém de Verona escreveu à Propaganda (sem me perguntar a mim que, neste caso, sou o juiz mais competente e imediato colocado por Deus) a dizer que o P.e Bonomi não serve para fazer de vigário-geral, pelo que a S. Congregação me ordenou que procurasse outro para esse lugar (e propôs para vigário-geral nada menos que P.e Grego!!!). Ora pode muito bem ser que na África sejamos todos burros e eu o burrico chefe; mas admitirá que, como caput asinorum, eu não poderia, entre os meus burros, escolher para vigário-geral senão o menos burrico de todos eles. Não se teve em conta que a África é a missão mais difícil do mundo e que, de entre os sábios da Europa e de Verona, não se encontrou nenhum disposto a vir morrer para a África.
Para alguns é muito fácil julgar e falar em tom sentencioso, especialmente aos patrocinadores de Grieff; mas vir para a África morrer por Cristo... esses sabichões dizem que é coisa para outros!
E, depois, está o que me fez – e foi coisa gorda – esse louco do P.e Losi (aguento-o – oxalá tivesse cem como ele! –, porque a uma cabeça pequena e leviana une um zelo apostólico e uma piedade realmente de santo, mais uma abnegação semelhante à de P.e Bonomi), o qual, a 21 de Outubro de 1880, escreveu de Gebel Nuba ao Em.o card. de Canossa (o qual foi tão bondoso que me mandou a carta, que tenho aqui sobre a mesa) estas precisas e textuais palavras:
1.o «Tendo ido de Gebel Nuba ao Cordofão, como de costume para me abastecer, não encontrei nem um cêntimo, etc. Os sacerdotes de El-Obeid asseguraram-me que D. Comboni desde há três anos que não mandava nem uma piastra; que, pelos vistos, o procurador acumulara enormes dívidas, e que a eles lhes era difícil prosseguir, mesmo fazendo grandes esforços ou aceitando comissões, etc.»
Desmentem a solene mentira e calúnia de P.e Losi as cartas que ele mesmo escreveu para Cartum, a P.e Luís, nas quais lhe agradece o dinheiro e as provisões recebidas por minha ordem, etc. Eu não disse nada disto a P.e Bartolo, que vem fazendo de administrador (e é capaz e consciencioso, mas menos esforçado que P.e Bonomi), ao qual encarreguei de tirar dos livros de contabilidade de Cartum, do Cordofão e de Gebel Nuba todos os gastos realizados por estas missões desde 21 de Outubro de 1877 a 21 de Outubro de 1880 (que são os três anos de P.e Losi), e até agora, só relativamente a El-Obeid e Gebel Nuba, saíram milhares de táleres.
Além disso, P.e Bartolo tem um telegrama que o superior do Cordofão lhe enviou em Setembro passado, a exprimir-lhe o seu agradecimento por 700 táleres recebidos; depois os milhares de táleres que eu enviei para o Cordofão, etc., etc. Mais adiante, quando P.e Bartolo tiver no Cordofão todos os dados, dar-me-á conta de tudo o que foi recebido no Cordofão e em Gebel Nuba; e quando eu tiver nas minhas mãos a informação manuscrita de P.e Bartolo, então mostrar-lho-ei junto com uma carta autografada do seu P.e Losi (a quem queria que eu fizesse vigário-geral) escrita ao nosso em.o bispo e pai. E quero então sentir se aprova a solene mentira e calúnia de P.e Losi de escrever a Verona dizendo que D. Comboni desde há três anos que não mandou nem uma piastra a El-Obeid!!! E como P.e Losi escreveu várias vezes a Roma contra mim, por certo que também incluiu isso; mas isso não me interessa...
Bendito seja Jesus e o seu Sagrado Coração, a quem todas as manhãs, depois da missa, quase sempre rezo essa oração tão bela e estimada do Gratiarum actionis: «Ignosco et dimitto ex toto corde omnibus inimicis meis (dos quais sou indigno), omnibus me calumniantibus, omnibus mihi detrahentibus (ainda que sejam santos...), omnibus quocumque modo mihi nocentibus vel volentibus mala». Apesar de tudo isso e ainda tendo que suportar as suas calúnias e difamações, desejaria que houvesse na missão cem como P.e Losi, pelas suas muitas virtudes apostólicas, necessárias para a nossa árdua tarefa.
P.e Losi diz também a Sua Eminência na carta de 21 de Outubro de 1880: «Ouvi que V. Em.a Rev.ma se dignou tomar em consideração a humilde súplica que lhe dirigi para que seja atribuído ao nosso pobre D. Comboni um vigário-geral que regularize aqui os interesses espirituais e materiais da missão. Acrescentam que, para o efeito, V. Em.a Rev.ma chamou a Verona o rev.do P.e Bartolo Rolleri (aptíssimo para regularizar sobretudo os interesses espirituais com a pregação em italiano e em árabe!!!); nesse caso (que venha como vigário-geral para a África), dando-lhe os mais vivos agradecimentos pela sua imensa caridade, permito-lhe participar-lhe a geral satisfação (esta depois é grossa, pois disponho de cartas que dizem o contrário... e o senhor sabe que fui eu quem rogou e fez tudo para que P.e Bartolo viesse para a África) que se gerou, dado que o P.e Rolleri goza da maior estima entre os missionários, pela sua prudência, etc., etc.».
Não me detenho a comentar este fragmento e o que possa haver de verdade, etc. naquelas cartas de P.e Losi, que, com pior conteúdo, escreveu também à Propaganda; e igualmente escreveu ao cônsul austríaco em Cartum coisas deste teor contra o superior, etc., pelo qual o cônsul escreveu para Viena, o que, por sua vez, provocou que a embaixada austríaca em Roma pedisse explicações à Propaganda, sendo isso causa de muito sofrimento para mim. Mas, escreva-se o que se quiser, eu defenderei sempre a verdade, a inocência e a justiça.
O senhor já vê, depois de tudo isto, quão bom é o nosso querido Jesus, permitindo que me façam sofrer até aqueles a quem estimo. Mas eu salvarei P.e Losi para a missão africana e defenderei a inocência de P.e Luís e farei que se estime em Roma, pelo que merece segundo o meu subordinado parecer e juízo. Ah! Se P.e Losi, P.e Luís e eu conseguirmos encontra-nos juntos no Paraíso (e muito mais se lá estiver, como espero, também P.e Bartolo Rolleri que...
[Aqui há quatro linhas apagadas e ilegíveis]
......e realçada), iremos rir-nos muito das interessantes comédias que representámos aqui na Terra. Ó querido Paraíso! – como diz sempre a Ir. Vitória. Mas basta, que saí demasiado da rota.
P.e Grego escreveu fogo e chamas contra mim a P.e Luís, que me leu a carta, na qual dizia: «Menos mal que só há um bispo Comboni! Porque se houvesse mais de um – pobre mundo, pobre Igreja!... Para sair do aperto, teve a desfaçatez de me dizer que eu não sou chamado à missão, que a África não é para mim, etc., etc.».
Entretanto, ele não fez com que me mandassem as duas caixas de velas e, se ordenou o seu envio, elas não me chegaram, enquanto em Suakin encontrei todas as caixas que Santiago tinha mandado via Génova. Portanto, peço-lhe que as reclame ao comerciante de Montório ou a P.e Grego (a quem saudará da minha parte).
É uma graça de Deus que Grego tenha ficado em sua casa. E ainda por cima o velhaco escreve a P.e Bonomi rogando-lhe, suplicando-lhe que deixe a África e volte para casa, para escapar às garras de... e que todos desejam que o faça, todos os seus amigos lho pedem para seu bem (especialmente os que conhecem D. Comboni). Mas P.e Luís respondeu-lhe com uma carta num tom que tirará a Grego a vontade de voltar a fazer semelhantes insinuações.
As duas cartas metidas juntas num sobrescrito e dirigidas de Beirute a Virgínia não eram de Alexandre, nem para si: uma era para o Jorge, do seu irmão Abdallah, e a outra tinha-ma escrito a mim o pai de Alexandre, para me agradecer o que tinha feito por seu filho. Quando tiver tempo, traduzir-lhe-ei a dirigida a Jorge. O Alexandre escreveu-me de Beirute agradecendo-me... rogando-me que seja para ele sempre um pai e prometendo-me frequentar sempre as igrejas católicas. Diz-me que Luísa se sente cansada e que não está bem em sua casa, que desejaria voltar ao Cairo. Eu escrever-lhe-ei a consolá-la e a exortá-la a que preste agora assistência à sua mãe (embora não seja fácil, uma vez que se trata de uma pessoa com uma cabeça um tanto volúvel). Essa foi a cruz de Virgínia, que mostrou uma paciência heróica; e Luísa, apesar da sua cabeça, tem carácter e critério ao julgar... Reze ao Senhor e não diga nada a Virgínia, que já sofreu bastante e mais do que merece.
Rogo da sua bondade que redija pouco a pouco as regras dos dois institutos africanos de Verona e que, após submetê-las ao juízo do P.e Vignola, mas mande. Eu encarregar-me-ei de as mandar examinar pelos jesuítas, de consultar Roma e de tudo o resto; mas se espera por modificações da África, chegará o dia do Juízo, porque aqui não disponho de tempo para preparar regras. Ao contrário, tendo aí diante dos olhos as de Verona, com uma só olhadela vejo as alterações a fazer, attenta experientia africana. Por outro lado, exceptuadas pequenas coisas, trata-se substancialmente de algo semelhante o que se observa em Verona e na África. Por isso, sem mais, carregue a cruz e redija as regras e constituições.
Nas regras femininas, além disso, mude por completo a organização (em Verona, ao pôr a obra em marcha, fizeram-se regras para uma só casa) e estabeleça a geral com duas assistentes, as provinciais, as superioras das várias casas da Europa, África e Ásia, a superiora e a ecónoma-geral da casa-mãe, etc.
Feito o substancial e submetido ao juízo altíssimo, etc. e também ao dos missionários, espera que irá ser uma verdadeira obra de Deus. Oh!, como gostaria que viesse o estigmatino de Parma que conhece algumas línguas. O senhor sabe que o superior e todos os estigmatinos participam dos méritos, sofrimentos, etc. dos missionários e Irmãs da África. A Irmã mais santa que temos é a sacristã de Cartum, Ir. Maria Josefa: é uma verdadeira santa! E o missionário mais santo e virtuoso é Francisco Pimazzoni, que domingo receberá a tonsura e a quem concederei as quatro ordens menores. Estuda em latim o catecismo romano. Também o P.e Dichtl e o P.e José Ohrwalder são e tornar-se-ão cada vez mais missionários de primeira ordem, pela abnegação, virtudes, devoção, oração, actividade e disposição de sacrificar totalmente a vida.
P.e Bartolo Rolleri e eu estamos de muito boas relações. Tenho a impressão de que ele vai mudando, porque parece que encontra as coisas muito melhores do que pensava. Eu sou o seu confessor e ele o meu. A princípio, atribuía-me pecados que, em consciência (isto entre nós) eu não pensava nem penso ter e impunha-me a respectiva penitência, que eu cumpria. E esses pecados, que eu nem sequer sonhei nem ter feito, seriam, por exemplo (um entre vinte), que eu delapidei dinheiro que se devia gastar na compra de negros (um, por exemplo, deu-me quinze francos para a compra de um negro e, com apenas quinze francos, eu devia comprá-lo). Outro pecado seria não fazer eu nunca a meditação. Mas eu raramente deixei de a fazer na vida passada e desde há muito tempo que não faltei a essa obrigação, nem uma só vez, mesmo no deserto; e ele insiste em que sim... Do mesmo modo é de opinião que eu quase nunca rezo o breviário; todavia, eu sempre o rezei, salvo as vezes em que estive gravemente doente, ou quando fiquei quatro dias sem dormir uma hora. Agora parece que se acalmou. Quanto ao resto, é um piedoso e santo sacerdote (muito cabeçudo), rigoroso e escrupuloso no cumprimento dos seus deveres de piedade e sobretudo (costumamos afirmá-lo ele e eu) na reza do santo ofício, da missa, etc.; e é puro até ao ponto de se manter livre de pecados veniais (excepto o de emitir juízos falsos sobre os demais, com o que não pensa pecar, pois, senão não o faria, porque tem temor de Deus), etc. etc.
Em suma, uma vez que Deus dispôs que Rolleri viesse para o Sudão (e o nosso em.o cardeal tem o mérito de o ter chamado à ordem e o ter convencido a ficar comigo, ainda que me considere o Diabo, ad fovendam charitatem, disse-lhe oportunamente o Em.o, citando St.o Inácio); tendo disposto Deus, dizia, que Rolleri viesse para o Sudão, embora desde há cinco anos estivesse contra mim, considerei que o bom Jesus assim o tinha querido para o meu bem espiritual, porque, sendo Rolleri austero, obstinado, tosco e áspero, sobretudo ao julgar-me, o facto de estar com ele e o suportar era uma ocasião propícia para dar provas de paciência e para me empenhar em corrigir os meus pecados e os meus graves defeitos, como o de falar demasiado; pelo que, sem mais, seguindo a inspiração de Jesus, que é todo amor e caridade, escolhi o rígido Rolleri como confessor e conselheiro e amigo íntimo (até certo ponto) e assim estarei mais certo de cometer menos desatinos, não no governo do Vicariato (sobre o que eu sei mais que ele, que é de vista curta), mas nas coisas de consciência, de ascética, da alma e de conduta tanto pessoal como em relação aos missionários.
E na verdade encontro nisso proveito, e creio ter feito bem, porque não me deixa passar uma, por pequena que seja; e, depois de lhe ter confessado as minhas culpas e defeitos, ele realça outros aspectos sobre as minhas faltas e sobre a missa, como dizer demasiado forte as secretas, ou correr demasiado depois da elevação e no último Evangelho ou nas horas diurnas, ou começar o versículo do salmo antes de os outros terem terminado o anterior; recrimina-me também por falar demasiado, me dar importância (embora esteja convencido de valer menos que um zero), e outras pequenas coisas que, todas juntas, enchem um bom saco. Em suma, no tocante aos assuntos da alma e à consciência, também estou contente de ter P.e Bartolo, o qual vai dizendo desde há dez dias que não tem intenção de voltar mais ao Cairo nem à Europa (salvo por saúde ou por ordem minha).
Em todo o caso conduz a administração bem e de forma conscienciosa e posso fiar-me nele. Claro que, ao não conhecer ele nenhum dos nossos católicos negros ou as suas necessidades, sempre retenho alguns táleres para as minhas esmolas secretas, porque conheço o país e sei que isto ajuda a salvar almas. P.e Bartolo ama verdadeiramente a missão e é útil, seja para a administração seja para confessor dos missionários e, se quiserem, das Irmãs, etc., etc. Mas para o exercício do ministério externo, para ser pároco, para converter infiéis ou hereges, ou os rudes, viciosos ou incrédulos europeus, não vale um figo: falta-lhe tacto e arte. Por isso, creio que é útil na missão para o que disse; mas nunca para ser vigário-geral ou pároco.
Mas estou a ser extenso de mais: perdoe-me por esta longa digressão. Os dois institutos de Cartum, graças à actividade e perseverança de P.e Bonomi, funcionam como qualquer instituto bem organizado da Europa: orações em comum pela manhã, missa comum às seis da manhã, orações à primeira hora da tarde, o terço antes do jantar, mais orações com leitura espiritual depois das nove da noite; e todos os rapazes e raparigas sabem bem as orações e rapazes e raparigas podem fazer de chefe ou principal na ausência do missionário. Eu fiquei muito contente e parece que também P.e Bartolo está, pelo facto de nelas participar a Ir. Vitória, que domina o árabe assim assim, fazendo-se entender; é uma Irmã de coragem e com verdadeiro espírito apostólico; mas é um pouco dura (talvez tenha aprendido com P.e Luís) e não goza de demasiado afecto entre as moças, que suspiram por Teresa Grigolini e se desfazem em elogios em relação a ela. (Já agora... não sei que aconteceu aos dois sacos de arroz que Grigolini enviou para Génova, a Rubattino, nem tão-pouco ao arroz mandado para Sestri, do que mando recibo.)
Eu adverti a Ir. Vitória de que deve dar primazia à caridade, sem a qual nem sequer uma santa Irmã pode converter infiéis nem nenhuma espécie de almas e ela prometeu corrigir-se. Quanto às outras, são dóceis, obedientes e trabalhadoras, mas carecem de instrução. Em todo o caso, a Ir. Vitória é uma verdadeira e perfeita missionária, desenvolta, e com grande espírito de piedade e coragem. É a única das mais velhas daqui que sabe tratar um pouco com o mundo e com os de fora, o que é necessário para uma missionária, porque, de contrário, não converte ninguém. Mas dificilmente teremos entre as nossas Irmãs alguma que saiba tratar com as autoridades e paxás e cônsules, como sabiam fazer a Ir. Josefina Trabaui, a Ir. Germana e a Ir. Virgínia Mansur, as quais converteram muitas almas e mantiveram viva a fé e a piedade entre os orientais, que já nem sequer vêm à igreja, salvo agora que estou eu, enquanto antes vinham sempre. Não obstante, espero que, pouco a pouco, se vá conseguindo tudo com a graça do Senhor, se se fizer o que ordeno.
Monsenhor Stegagnini (a quem peço saúde da minha parte, bem como ao reitor P.e Casella, etc.) disse-me várias vezes que tinha vários livros que as Girelli de Brescia tinham mandado para mim e falou de mos levar a casa; mas nunca o fez, nem eu fui buscá-los. Faça-me o favor de os ir buscar e de os mandar encadernar bem, e, depois, na primeira ocasião mande-mos. Trata-se de obras da piedosa e sapientíssima Girelli sobre S. José, o Coração de Jesus, etc.
Já resolvi tudo com a concubina daquele católico que morreu há sete dias, assim como com as autoridades turcas e com a dona da concubina, que tinha alugado esta ao católico de Alepo por um megid e meio por mês (seis francos com 37 cêntimos). Está grávida de alguns meses, como me disse uma boa católica, a Mme. Ginevra; e, dado que segundo as leis turcas vigentes a pobre tinha que voltar grávida para a sua ama muçulmana, eu, para a salvar a ela e ao nascituro, comprometi-me a pagar o aluguer mensal, e tanto as autoridades como a patroa ficaram contentes.
Então fiz com que entregassem a rapariga à Irmã Vitória; e depois de estar eu a interrogá-la e a conversar com ela durante um quarto de hora, ela declarou-se feliz e contente de entrar para a Igreja, fazendo-se cristã. Como não há Irmãs capazes de a instruir, temos que nos encarregar disso nós, P.e Luís e eu. Ontem entrei em contacto com 29 comerciantes sírios de Alepo, dos quais onze são concubinos. Quase nenhum deles era conhecido da missão, salvo alguns que são conhecidos de P.e Luís; e bem poucas dessas famílias frequentam a igreja. Em suma, rogue ao Senhor para que eu possa formar bem as nossas Irmãs e ensiná-las a ser missionárias, como fiz com as Irmãs de S. José, com as quais foi mais fácil pelo facto de terem conhecimento do árabe. Se o árabe se não estudar em Verona, não se estuda mais. As nossas quinze Irmãs daqui (exceptuando em parte as duas piemontesas, que quase o esqueceram) não o aprenderão jamais – entenda-se a ponto de serem capazes de instruir as catecúmenas; é impossível.
Basta.
P.e Bellini, professor do liceu de Desenzano, restituiu as 200 liras, como testemunha o bilhete que junto. Na carta que também junto fica exposto o juízo sobre a aceitação do romano Pedro José Franceschini. P.e Dichtl far-lhe-á chegar dentro de uma semana o relatório da nossa magnífica viagem do Cairo a Cartum. Eu vou mandar-lhe outras coisas para o próximo n.o 24 dos Anais.
Em geral, qualquer soma de dinheiro que o senhor receba em Verona em meu nome ou para a missão, guarde-a e não a mande a ninguém, nem a Giulianelli, sem uma ordem minha; avise-me, sim, por carta, da sua recepção. Todo o dinheiro da obra, quer seja de Verona quer da África, pertence à obra, e, por isso, deve gastar-se unicamente segundo as minhas ordens, porque só eu conheço todas as necessidades e como e onde é que se deve aplicar, e também porque só eu sou o responsável. Honrando-me em tê-lo a si como meu procurador-geral, desejo que se encarregue de guardar o dinheiro. Portanto fez bem em reter os 200 francos da senhora condessa d’Erceville, de Paris. Nós temos vinho grego; escreva à condessa que ela cumpriu e que nós faremos outro tanto e rezaremos sempre por ela, pelo seu marido e família, e pela Obra Apostólica da França, da qual é presidente geral. Escrever-lhe-ei, bem como a Mme. Villeneuve.
Vieram interromper-me umas visitas, o correio está para partir e tenho muitas cartas para mandar. Escreverei à superiora com o próximo correio e completarei a resposta às suas cartas, a última das quais é a n.o 9.
Mil respeitosas saudações ao em.o bispo e ao P.e Vignola e a minha bênção a ambos os institutos. Encomendo-lhe a si Virgínia, a quem considero de grande importância para o bem da missão, porque eu conheço-a melhor que todos, e sou o juiz mais competente quanto aos verdadeiros interesses da África e do nosso árduo apostolado. É árabe e tem os defeitos árabes; mas ela e a Irmã Germana de Alepo (que agora está em Jerusalém) valem mais sozinhas que as nossas quinze de Verona que temos no Sudão: este é o meu juízo e também o de alguns missionários daqui e do povo católico árabe de Cartum dos cinco ritos orientais. Na minha maneira de ver, dever-se-ia prescindir de certas insignificâncias que se pedem a Virgínia, que foi Irmã professa e activa durante tantos anos e de exigir que ela não fale em árabe com o seu irmão (!!!), etc. Para mim são coisas ridículas e que não têm a menor importância. Como? Não se pode conhecer o carácter, o grau de virtude, a vocação de uma aspirante, sem necessidade de recorrer à consideração destas ninharias que, dadas as circunstâncias, poderiam prejudicar muitas almas?
O senhor, que é um homem de consciência, faça o que considerar oportuno e Virgínia suportará até essas provas. Mas se o senhor tivesse sido missionário na África, como é o meu caso, repararia pouco nessas coisas. E perdoe a minha sinceridade. Claro que também isso foi disposto por Deus, porque Ele é todo caridade e fará com que até redunde no bem das almas, no de Virgínia e no da África, pela qual ela tanto suou e padeceu.
Encomendo-lhe igualmente a nossa superiora de Verona. Quero que as superioras de África a informem de tudo: da missão, das Irmãs e das necessidades dos africanos. Igualmente, como fiz até agora e farei ainda mais, ordenei a todos os missionários que lhe escrevam a si e até dei quase a todos eles a sua fotografia, pedindo-lhe que o tenham presente nas suas orações, a fim de que Deus o assista em benefício da África. Espero que não há-de passar muito tempo sem que o senhor venha a conhecer bem a África Central e o carácter da obra, que é a mais importante; e que nos preparará missionários e Irmãs verdadeiramente santos, mas não santarrões, porque a África não precisa de beatos, mas de almas valentes e generosas, que saibam sofrer e morrer por Cristo e pelos negros. Vale. In Corde Jesu.
† Daniel bispo