N.o 1051; (1007) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/26
El-Obeid, 13 de Abril de 1881
Breve bilhete.
N.o 1052; (1008) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff.127-130
N.o 5
Estação de Malbes, Reino do Cordofão
15 de Abril de 1881
Em.o e Rev.mo Príncipe,
Acuso a recepção da circular do em.o card.-vigário sobre o execrável abuso e comércio das sagradas relíquias, coisa que, no meu Vicariato, se não verifica absolutamente; mas a venerada circular servir-nos-á de norma a mim e aos meus sucessores para não nos deixarmos enganar por quem tentasse conseguir a nossa cooperação na compra das santas relíquias para as nossas igrejas. Agradeço de coração.
Espero com impaciência a estupenda encíclica do Santo Padre, que já li na imprensa, sobre o providencial Jubileu, que para as sagradas missões se prolonga ao longo de todo este ano. E que eu mesmo pregarei nas diversas línguas em todas as estações do meu fadigoso Vicariato.
Há mais de um mês recebi em Cartum o venerado escrito de V. Em.a fechado em 14 de Fevereiro passado, com o qual, atendendo aos desejos de mons. Ciurcia, me convida a pôr-me em contacto com este prelado para determinar os direitos que eu tento reservar ao Vicariato Apostólico do Egipto a respeito dos meus institutos e das outras coisas.
Demorei a escrever a V. Em.a por não saber que responder e isto devido às seguintes razões: desde 1867, quando fundei aqueles institutos preparatórios para as missões da África Central, até 1872, ano em que a Santa Sé confiou aos meus institutos de Verona a África Central, eu mantive com mons. Ciurcia a mesma relação que um filho tem para com seu pai e a relação dos institutos com ele foi a mesma que há entre os frades de um convento com o seu Guardião.
Quando em 1872 voltei de Roma para o Cairo como pró-vigário apostólico, no caminho para a África Central, recomendei a mons. Ciurcia que tratasse o meu pessoal e os meus institutos como se fossem seus e como o reitor de uma casa de jesuítas trata os seus religiosos, advertindo os membros dos meus institutos a obedecerem-lhe a ele e ao seu representante, o pároco do Cairo Velho, um religioso franciscano. O que se fez com mútua satisfação.
Em 1873 mons. Ciurcia, por meio do superior dos meus institutos do Cairo, convidou-me a redigir um acordo transitório, ou modus vivendi, entre ele e mim; mas eu respondi-lhe que, tendo como base as normas dos sagrados cânones, continuasse a fazer de pai e superior imediato como antes e que, portanto, desse ao superior dos meus institutos as ordens que considerasse oportunas. Contudo, como ele insistisse (sempre por meio do meu representante Rolleri) em pedir-me o modus vivendi, eu redigi-o; e talvez incitado pelos religiosos camilianos que então estavam ao serviço da missão, contra os meus sentimentos exigi demasiado. Enviei o tal projecto de acordo a mons. Ciurcia e, depois, chegou-me a notícia de que não obtivera a sua aprovação; mas ele nunca me escreveu nada sobre isso.
Quando em 1879 passei pelo Egipto, fui visitá-lo e eu mesmo lhe roguei que me permitisse preparar um projecto, com o qual pudéssemos chegar rapidamente a um acordo; e acrescentei que estava aberto a tudo, uma vez que confiava plenamente nele. A sua resposta foi que eu pedisse o mais possível, que ele me concederia o menos possível.
Então redigi uma petição com data de 2 de Maio de 1879, em que em três artigos lhe expunha as minhas solicitações e apresentei-lha a 3 de Maio do mesmo ano. Mas não só não obtive resposta de mons. Ciurcia à minha proposta de acordo de 1873, nem à minha petição de 2 de Maio de 1879, como nunca, tão-pouco, respondeu uma única sílaba a mais de vinte cartas que lhe escrevi do Vicariato ou da Europa. Unicamente me respondeu umas palavritas a quatro cartas que, entre 1877 e 1880, lhe escrevi do Cairo ou de Siut para Alexandria, a solicitar a faculdade para confirmar ou por outro motivo. Mas desde 1872 a 1881 nem uma só vez respondeu a mais de vinte cartas, que eu lhe escrevi da Europa ou da África Central.
Em vista disto, considero uma perda de tempo escrever a mons. Ciurcia, tratando-se de um assunto que é melhor discutir e acertar verbalmente, para depois registar por escrito o acordo alcançado. E mais agora que, enquanto reinar e campear no importantíssimo apostolado do Egipto o pernicioso monopólio franciscano, que impede todas as outras instituições de agir segundo a plenitude das suas forças (do que mons. Ciurcia não tem culpa), nunca será possível fazer muito bem no Egipto, como todas as instituições actualmente lá existentes poderiam fazer, a minha incluída. Por este motivo deixo no Egipto o menor número de pessoal que posso (quereria dizer uma verdades... mas...); e presentemente tenho lá apenas um sacerdote, muito piedoso e bastante bom administrador, o romano P.e Francisco Giulianelli, a quem V. Em.a conhece, com três irmãos leigos que ali se aclimatam e quatro Irmãs, que, por certo, não dão nada que fazer àquele vigário apostólico; a todos recomendei em segredo aos conselhos dos padres jesuítas daí, meus verdadeiros amigos e benfeitores.
Para mais, tenho a sorte de que o frade actualmente nomeado por mons. Ciurcia para confessor das minhas Irmãs, etc. é um homem pio e santo, com o qual estou muito contente e ele está contente connosco. Portanto, eu não peço nem nunca pedi nada do que menciona V. Em.a no citado escrito: nem a faculdade aos missionários para se confessarem reciprocamente quero ter, porque no Cairo estão os jesuítas, com os quais contam os missionários e as Irmãs para os exercícios e para serem seus confessores extraordinários; nem o direito daquele vig. ap. para intervir, porque, em todo o caso, eu sempre roguei àquele prelado para que interviesse e tenho ordenado ao meu representante que recorra a ele, etc., etc., etc.
Eu estou contente de que mons. Ciurcia seja para os meus institutos o mesmo que um bispo é para o seu seminário. E alegro-me de que actue como padre superior imediato a respeito dos meus estabelecimentos; e isto até que as regras dos meus institutos de Verona sejam submetidas à S. C. da Propaganda e recebam a sua aprovação, na viva confiança em Deus de que a Sagrada Congregação não tardará muito a tomar no Egipto as medidas necessárias para dar um maior desenvolvimento a esse importantíssimo apostolado.
Por conseguinte, interpretando a vontade de V. Em.a, escreverei a mons. Ciurcia rogando-lhe que cuide e seja sempre o pai dos meus pequenos estabelecimentos. E como tanto mons. Ciurcia como V. Eminência estão dispostos a outorgar aos meus institutos do Cairo o privilégio de oratório privado, do mesmo modo que, como me escreveu, fez com mons. Lavigerie em Tunes, conceda-mo imediatamente, sem mais, e fico-lhe antecipadamente grato.
Mais para a frente arranjarei um momento melhor para lhe escrever, porque até agora suei, trabalhei e sofri muito com as viagens e pela terrível sede do Cordofão, onde só para comprar uma água suja e salobre preciso de 7 a 10 escudos por dia (somos 95 pessoas que aqui comemos e bebemos); e eu, embora frequentemente esteja doente pelo calor e pela fadiga, tenho que trabalhar dia e noite. Falar-lhe-ei da bela igreja, que bendirei dentro de dias, que se eleva na capital do Cordofão. Toda coberta de pranchas de ferro galvanizado, com trinta metros de comprimento, é a maior da África Central e Equatorial e constitui a maravilha destes países.
Igualmente lhe falarei do bom andamento da missão, ainda que ela seja, sem comparação, a mais árdua e difícil do universo. Entretanto junto-lhe um documento: uma carta de recomendação que me expediu Rauf Paxá, que é o governador-geral do Sudão egípcio, ou seja, de um território cinco vezes maior que toda a Itália, que se estende desde o trópico ao equador e desde o mar Vermelho a Wadai. Mando-lhe cópia do dito documento em árabe com a sua tradução em italiano, onde V. Em.a descobrirá o poder moral da minha missão. Aqui no Cordofão, onde ela foi muito combatida pelo fanatismo muçulmano, todos os paxás, os cadi e os faqui, bem como os árabes nómadas, me têm actualmente um grande medo; e desse Divã dimanaram para toda a parte ordens para que cesse o tráfico de escravos e para que se honre o bispo de todos os cristãos do Sudão. Vieram visitar-me os mais importantes negreiros, cada um dos quais arrebatava das tribos milhares de seres humanos por ano. Tefaala, um poderoso traficante de escravos, que raptou Daniel Sorur, aluno da Propaganda, convidou-me para jantar e assegurou-me (???) que daqui para diante não fará mais expedições para roubar negros. Eu valer-me-ei da minha posição para favorecer a nossa religião e acabar com o tráfico de escravos.
Mas, tendo-lhe aludido em cima a medidas para melhorar o apostolado no Egipto e tendo eu nisso grande interesse para África Central, é preciso que arranque um espinho do coração e que subordinadamente dê a conhecer a V. Em.a o meu parecer. Entretanto, beijando-lhe a sagrada púrpura, sou
De V. Em.a obed.mo filho
† Daniel Comboni v. a.
N.o 1053; (1009) - À SOCIEDADE DE COLÓNIA
«Jahresbericht...» 29 (1881), pp. 31-34
El-Obeid, 15 de Abril de 1881
Ilustríssimos senhores,
No dia 5 deste mês cheguei a El-Obeid, capital do Cordofão, e fiquei não pouco maravilhado ao encontrar uma igreja maior e mais bela que o palácio do governador, que aqui é considerado um monumento. O telhado e a fachada estão quase terminados; mas, pela falta de água, uma parte da nave e dos muros laterais ainda não puderam ser caiados. O problema da água, meus caros senhores, é um caso muito sério que se repete todos os anos, todos os dias e pende sempre sobre as nossas cabeças. Com um pouco de dinheiro sempre se pode comprar alguma coisa de comer, mas, para beber, é necessário muito dinheiro e este ano os dois institutos viram-se obrigados nalguns dias a sofrer sede, mesmo dispondo de dinheiro. O calor é insuportável e a sede é muita, mas como matá-la, se há muito pouca quantidade de água e ainda por cima a preços exorbitantes? Nalgumas alturas do ano, o preço da água potável ascende a quinze, vinte e até vinte e cinco francos, conforme o mês. Quanto mais ardente se torna o sol, mais escassa se torna a água e mais sobe o seu preço. Que pena, meus senhores, ouvir dizer à superiora das Irmãs: «Não há água para preparar a comida para as crianças!» Ou quando uma das crianças grita: «Padre, tenho sede e já não temos água!»
A necessidade, às vezes, exige que o mesmo superior acorra ao governador a pedir água, que deve pagar a 15, a 20 cêntimos o litro. É difícil na Europa fazer uma vaga ideia do sofrimento que há que suportar nestas terras cálidas e sedentas da África Central; e ainda menos uma ideia precisa, sobretudo se nunca se experimentou o que significa não ter água. O dia em que ela falta, onde se vai buscar para lavar as mãos e a cara? Afortunados os missionários e as Irmãs que guardaram nas suas bacias a água com que se lavaram no dia anterior: talvez tenham de saciar a sede com essa água, já suja desde o princípio.
E se for mesmo necessário lavar a roupa interior dos missionários, das Irmãs, dos meninos e meninas, dos rapazes, então os gastos dessa semana duplicam. Mas há ainda outro motivo pelo qual é necessário gastar somas consideráveis para conseguir água: a construção e a restauração dos quartos nos dois institutos.
Em todo o tempo das chuvas, que dura três meses, os trabalhos de construção e reparação são impossíveis, pelo que tudo deve ficar terminado antes. E também porque, como no Cordofão todas as casas são de terra, se o tecto não estiver bem sólido e as paredes bem recobertas com uma mistura de barro e estrume, então a água infiltra-se facilmente e estraga a casa.
O ano passado, quando se iniciaram as obras de construção da igreja, era impossível realizar obras de reparação nos dois institutos e, quando chegaram as chuvas, foi preciso abrir guarda-chuvas dentro dos quartos para se proteger da chuva, que entrava neles em grande quantidade.
Aquilo que o ano passado não pudemos realizar temos que o fazer este ano, ou, então, vai chover-nos dentro de casa como na rua, e a água estragará os edifícios.
Todas as missões dispõem de aulas. Em El-Obeid há coptas que desejam mandar os seus filhos à escola e para isso devemos construir mais salas de aula. Mas a água para as poder fazer só se consegue comprar a preços impossíveis.
Assim, actualmente não se pode realizar sequer esta obra indispensável. Seria preciso também um meio para eliminar estes obstáculos, ou seja, a construção de poços ou de uma cisterna. Seria preferível a cisterna, porque os poços têm que atingir uma profundidade mínima de 55 metros; e ainda por cima cada ano é preciso afundá-los mais, com a particularidade de aos 35 metros se encontrar granito, que só com pólvora e ferramentas adequadas se consegue perfurar. Mas uma cisterna que fosse capaz de todos os anos guardar água necessária para matar a sede, lavar a roupa e realizar as obras necessárias representaria um forte gasto: seriam precisos tijolos e cimento.
Os tijolos cozidos vêm a custar 20 francos o milhar e o cimento 30 francos o quintal. A cisterna deveria conter uns 300 metros cúbicos de água e, para isso, seriam necessários uns cinquenta a sessenta mil tijolos e a quantidade correspondente de cimento. Isto sem contar a mão-de-obra.
Quanto dinheiro! Mas que tormento, se penso nos missionários, nas Irmãs e nas pobres crianças que, durante nove meses por ano, sofrem a sede em maior ou menor grau, e durante os três meses restantes o açoite das chuvas!
E que alívio seria para mim dispor da água necessária para lhes matar a sede e saber que se encontram resguardados debaixo de um bom tecto.
Até nos nossos dias há ainda miséria e sofrimento, que devemos procurar mitigar. Mas há também pessoas compassivas e a elas, meus caros senhores, me dirijo por vosso meio. Essas pessoas podem compadecer-se de nós e compreender os sofrimentos dos meus missionários, das Irmãs e das crianças. Que o bom Deus toque o coração delas, Ele que não deixa de recompensar nem um só copo de água dado aos pobres por seu amor e em seu nome, e então eu e todos nós rezaremos ao Salvador para que se digne abençoá-las na mesma medida do bem que nos tiverem feito.
Assegurando-lhes, ilustres senhores, a minha mais profunda veneração, sou dos senhores devotíssimo servidor
† Daniel Comboni
Bispo de Claudiópolis
Vigário Apostólico da África Central
Original alemão
Tradução do italiano
N.o 1054; (1010) - A ESTANISLAU LAVERRIERE
«Annali del Buon Pastore» 26 (1881), pp. 3-7
Cordofão, 16 de Abril de 1881
Muito rev.do sr. director,
Cheguei a El-Obeid, capital do Cordofão, a 5 do corrente mês, às nove da manhã. Fiquei maravilhado ao encontrar uma nova igreja, mais alta, maior e mais bela que a casa do governador, que aqui é considerada como um monumento. O telhado e a fachada estão quase acabados, mas uma parte do interior da nave e dos muros pela parte exterior não se puderam caiar ainda por falta de água.
A falta de água é o grande problema de todos os anos que está ainda por resolver. Com um pouco de dinheiro consegue-se encontrar sempre algo para comer; mas para beber é preciso muito dinheiro e neste mesmo ano as duas casas desta missão sofreram sede. O gasto com a água ascende a 15, 20, 25 francos por dia, conforme os meses. Quanto mais ardente se torna o sol, mais sobe o preço da água. Que consternação quando a superiora das Irmãs vem dizer aos missionários: «Não podemos preparar a comida para as jovens negras»; ou quando um rapazinho negro grita: «Padre, tenho sede!» Então é preciso ir ter com o governador para que nos dê um pouco de água ao preço de quinze ou vinte cêntimos por litro.
É difícil ter na Europa uma ideia cabal dos sofrimentos que têm que se suportar nestas áridas e tórridas regiões; para os compreender verdadeiramente, seria preciso antes passar por eles. Se alguns dias falta a água para beber, que dizer para lavar as mãos e a cara? Sorte terão os pobres negros e negras se os missionários dispuserem de água para se lavarem e a guardaram na bacia: servir-lhes-á de agradável bebida! E quando é necessário lavar a roupa interior dos missionários e das Irmãs, dos meninos e das meninas, essa semana a despesa é a dobrar.
A construção e reparação das casas dos dois estabelecimentos aumentam ainda mais os gastos. É impossível meter-se em obras na estação das chuvas, que dura três meses; e antes delas as casas têm que estar a postos, porque como elas no Cordofão são construídas de barro arenoso, se o tecto não estiver em boas condições e os muros não estiverem bem revestidos de uma mistura de barro e excrementos de animais, a água entra e estraga a casa. O ano passado, por estar a igreja em construção, não foi possível cuidar dos dois estabelecimentos e, quando caíram as chuvas, tiveram que se abrir os guarda-chuvas dentro dos quartos. E este ano, para que as nossas casas não fiquem arruinadas, temos que pensar em repará-las.
Em El-Obeid, muitos coptas desejariam confiar-nos os seus filhos, mas, para isso, haveria que construir salas de aula. Ora falta a água e é preciso pagá-la a preços impossíveis. E, entretanto, não se faz o bem. Para obviar a todos estes inconvenientes, haveria que fazer poços, ou melhor, uma cisterna. A cisterna é preferível, porque os poços devem ter como mínimo uma profundidade de 35 metros e todos os anos há que afundá-los mais; mas a trinta metros encontra-se um granito que não é possível romper senão com pólvora.
Uma cisterna capaz de fornecer todos os anos a água necessária para matar a sede, preparar a comida, lavar a roupa e reparar as casas deve custar uma soma considerável, porque são precisos tijolos cozidos e cal. Mas um milhar de tijolos custa 20 francos, e a cal está a 15 francos o quintal; e como a cisterna teria que conter uns trezentos metros cúbicos, a sua construção requereria de 50 a 60 mil tijolos e certo número de quintais de cal, sem contar com a mão-de-obra. Que soma!
Mas que pena sinto ao pensar nos meus pobres missionários, Irmãs e negras, que sofrem sede durante vários meses, e a chuva e os outros males, durante o resto do ano. E que conforto sentiria, ao invés, se, finalmente, eu visse aqui água em quantidade suficiente!
Nestes tempos de desolação, infelizmente, são demasiados os sofrimentos que há que aliviar; mas na estimada França sempre se encontram corações de uma caridade inesgotável. Oxalá tenham piedade de nós e se enterneçam com os nossos padecimentos!
† Daniel Comboni
N.o 1055; (1227) - AO REI DA BÉLGICA LEOPOLDO II
APRB (Gabinetto del Re Leopoldo II, n. 1110)
El-Obeid, Cordofão, 16 de Abril de 1881
Majestade,
Envergonhado, dirijo-me com a presente a vossa majestade, porque, depois de ter tido a dita de receber a magnífica carta, datada de 11 de Outubro de 1878, com cujo envio V. M. se dignou honrar-me, e que eu conservo religiosamente sempre comigo como um precioso monumento da vossa régia bondade e grande zelo pela civilização da África, não voltei a escrever a V. M. como era meu desejo.
A terrível carestia, a epidemia, a fome e a mortandade que despovoou muitas zonas; o falecimento do meu grande vigário e de numerosos missionários e Irmãs, mais as minhas próprias doenças e muitos outros problemas, etc., etc. (que exporei a V. M. na minha próxima carta), bem como a esperança que tinha de ter a honra de eu mesmo ir a Bruxelas e obter uma audiência de V. M., foram as causas do meu silêncio e estou certo de que a vossa generosa bondade me concederá o mais benévolo perdão. Contudo, eu sinto-me culpado em relação a V. M., pois era meu dever ter escrito.
Tenho que comunicar a V. M. as notícias sobre a abolição da escravatura e informar-Vos também da organização das minhas obras apostólicas. Mas o mais interessante, a meu entender, são os resultados positivos e sólidos da admirável obra que V. M. fundou e o grito de guerra contra a escravidão que a partir dela ressoou na África Central desde o trópico até ao equador, espaço sob a minha jurisdição. Isso será objecto das minhas próximas cartas. O que me obriga a escrever a presente é implorar duas graças da vossa régia bondade.
A primeira é que me permitais apresentar a V. M. as minhas felicitações mais sinceras e os meus mais ardentes votos de prosperidades e felicidade, por ocasião das próximas núpcias da vossa querida filha, a princesa Estefânia, com Sua Alteza Imperial e Real o arquiduque Rodolfo, príncipe herdeiro da coroa austro-húngara. As mesmas felicitações e votos a S. A. I. e R. e à Vossa filha Estefânia, a quem um dia homenagearei como imperatriz do glorioso Império dos Habsburgos, que é o protector do Vicariato da África Central.
A segunda graça que imploro da eminente bondade de Vossa Majestade é a de que vos digneis ler a carta de felicitações que escrevi ao vosso digno genro S. A. I. e R. o arquiduque Rodolfo, príncipe herdeiro, por ocasião do seu glorioso casamento, e que, além disso, tenhais por bem entregar-lha a ele em Viena, quando for à capital pela solene circunstância das suas festas nupciais.
Tais são as graças que desejava implorar-lhe.
Reitero a V. M. que me concedais um benévolo perdão pelo meu silêncio: é indizível o que suportei e sofri pela redenção da África Central; mas não pararei nunca diante de obstáculo algum até ao meu último suspiro. O meu grito de guerra será sempre: «Nigrícia ou morte!»
Quereria dizer aqui muito mais, mas o dromedário que leva o correio está prestes a partir. Só acrescentarei uma coisa a V. M. numa palavra: a escravidão recebeu um golpe formidável e mortal, e nisso, senhor, Vós tendes grande mérito. Far-vo-lo-ei ver na minha próxima correspondência.
Digne-se V. M. aceitar a minha sentida homenagem de vivo agradecimento e eterna veneração e adesão, com que tenho a honra de me subscrever de todo o coração e para sempre
De V. M. hum.mo, resp. e devot.mo servidor
† Daniel Comboni, Bispo de Claudiópolis i.p.i.
Vigário Apostólico da África Central
No dia da boda do príncipe imperial com a vossa filha a princesa, nós teremos uma bela festa em Cartum, com a participação do cônsul da Áustria, o cav. Hansal, e, aqui, no Cordofão, depois da missa pontifical e o Te Deum, haverá outra festa com uma grande iluminação, que contará com a intervenção do paxá governador do Cordofão e Darfur.
Desde o trópico ao equador, espaço pelo qual se estende a possessão egípcia, a bandeira austro-húngara é a bandeira da civilização cristã; e a missão católica constitui o poder moral mais sólido nestas imensas regiões.
Original francês
Tradução do italiano
N.o 1056; (1011) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/117
N.o 15
El-Obeid, 17 de Abril de 1881
Meu estimado padre,
É-me impossível responder a todos os pontos das suas cartas, porque faz calor e tenho muitas ocupações e correspondência, etc. Limitar-me-ei aos principais.
Quanto ao que me comunicou ultimamente, sobre as actuais exigências das Peccati, eis quanto, em consciência, devo dizer e é a pura e absoluta verdade. Tenha cuidado, meu padre, não haja aí gato, e não seja, afinal, esse malandro de pároco, esse pobre P.e Grego, quem está a mexer os cordelinhos, porque continua a escrever também a P.e Bonomi para o incitar a voltar ao seu antigo posto de coadjutor em Montório. E se conseguisse isso (o que certamente não conseguirá, porque P.e Luís é de carácter firme e não se deixa manipular), arrebatar-me-ia o braço direito do meu Vicariato.
Antes de tudo, uma vez que a sr.a Luísa Zago, calculando sobre 10 000 liras, pediu ao falecido P.e Squaranti 6600 e tal missas, para serem celebradas depois da morte delas, e, uma vez que a sua proposta foi aceite por P.e Squaranti, atendendo à justiça, a benfeitora não pode reclamar mais as 10 000 liras, mas apenas as missas: talvez com o ónus de pagar 10 000 liras nem P.e Squaranti nem eu, teríamos aceite o benefício; mas tratando-se de missas e a serem celebradas no futuro, então sim, como é natural. As 6000 e tal missas foram reduzidas por P.e Squaranti a metade, mediante o restringente raciocínio desenvolvido por P.e Squaranti perante aquelas almas piedosas: «Como é possível que a senhora, D. Luísa, que viveu sempre como uma santa e que fez tanto bem e tanta caridade no mundo, até se despojar de quase tudo, pode ir para o Purgatório e vai precisar dessas seis mil missas para se livrar das penas, etc., etc.?» Então foram reduzidas a metade.
Depois, dois meses antes de a sr.a D. Luísa, instigada pelos curas, me ameaçar que levaria a tribunal se não lhe assegurasse a pensão anual de 2500 liras, eu, repetindo o argumento de Squaranti, e acrescentando que charitas operit multitudinem peccatorum, roguei-lhe que me libertasse da obrigação de tantas missas depois da morte delas, e juro que ambas aceitaram dizendo-me: «Se o dinheiro das missas é necessário para a missão, então que deixem de as celebrar, pois a esmola para a missão é o mesmo, já que, contribuindo para salvar almas, salva-se a própria, etc.» O caso é que, em virtude disso, deixei nota em mais de um registo de Verona que não havia obrigação das missas, em caso de necessidade por parte da missão; e depois de ter acertado o resto com o em.mo cardeal nosso pai, ou seja, o pagamento de uma pensão de 2500 liras (eu queria 2400 e elas 2600 e o em.mo sugeriu que partíssemos a diferença), deixei escrito para os meus sucessores que os meus herdeiros não se devem considerar em consciência obrigados a mais com respeito às Peccati. Esta é a verdade.
Quanto à promessa de nós lhe prestarmos ajuda quando as 2500 liras anuais não bastassem, oh, isso sim! Eu prometi-lhe repetidamente por palavras e por escrito, e até lho voltei a repetir a semana passada, em resposta a uma agradável carta que me escreveu Luísa no passado dia 9 de Fevereiro.
E nisto, meu caro reitor, até mesmo que outras respeitáveis personalidades pensem de maneira diferente, digo-lhe na verdade que mantenho na minha ideia; e se as Zago precisassem... eu sei lá... de cem mil francos eu apertaria S. José até os encontrar para elas. Porquê? Porque as Peccati me ajudaram com extraordinária caridade num momento em que eu precisava muito para dotar o Instituto de Verona, a fim de que a S. Sé lhe confiasse o Vicariato da África Central (talvez sem essas duas boas almas eu não tivesse obtido a missão). E então eu hei-de ter medo de lhes dar nem que sejam 100 000 francos?
Esteja certo de que nas barbas de S. José há milhões à nossa disposição e tenha também a certeza de que as Peccati não abusarão (ainda que distintas influências pudessem triunfar momentaneamente sobre elas), antes, pedirão menos que o necessário; e, por isso, convém que o senhor lhes adiante, indo visitá-las e sendo o primeiro a oferecer-se para as socorrer. O senhor dê-lhes o que pedirem: trata-se de um dever de gratidão. Elas deram com grande caridade e nós retribuímos com caridade ainda maior.
Trata-se de Jesus: elas deram por Jesus e nós damos-lhe por Jesus; e se lhes dermos mais do que recebemos, Jesus tê-lo-á também em conta. Tudo sai das barbas do Padre Eterno por meio de José e a este apertá-lo-emos pelas Peccati, que tanto o veneraram e amaram. Além disso, ele está em dívida comigo pela igreja do Cordofão que, com os seus trinta metros de comprimento (sem o largo em frente), é, até agora, a maior de toda a África Central e que está toda coberta de ferro (ou seja, mais de metade está coberta de pranchas de ferro galvanizado que mandei trazer da França e o resto de zinco). Nela celebrei o pontifical Quinta-Feira Santa e consagrei os santos óleos e celebrei outra missa solene dia de Páscoa. Mandar-lhe-ei um desenho da parte interior e exterior que me fez um hábil pastor protestante e o senhor irá litografá-los para os Anais. Penso ter dito tudo sobre o assunto das Peccati. Mando-lhe cordiais saudações e a bênção para elas.
O arcebispo de Argel anda a imprimir e a apregoar que os limites da sua jurisdição ficam nos 10 graus e, entretanto, consegue de Lião 300 000 francos, em prejuízo do meu Vicariato, de que até o nome quereria apagar. Mas, com a ajuda de S. José, farei uma boa jogada: tenho-a pensado e meditado diante de Deus e só a disse a uma pessoa. Rogo a Deus que este grande prelado faça o bem; mas não tenho confiança nele, pois falta-lhe a poesia do verdadeiro espírito. Alcançará êxito, dado que dispõe de muito pessoal e de grandes meios; mas encontrará tropeços. E se me atacar a mim, será para ele um enorme fiasco, pois Deus é vingador de justiça e imparcial. Veremos. De tudo isto resultará muita glória para Deus e o maior bem para a África.
Quanto a Sestri, eu não dei nenhuma ordem para construir: só manifestei que, se tivesse dinheiro, faria tal coisa e daí não passei. Em troca, P.e Ângelo disse e escreveu várias vezes: «O que eu construir, se não for aprovado, pago-o eu.» Portanto esteja tranquilo e confie em Deus, que ele mesmo guia a sua obra.
O arroz e as velas de Montório chegaram a Cartum. Em ajuda das Irmãs do Cairo vou mandar com P.e Calisto e P.e Bartolo (que decidiu regressar e, embora esteja bem, falta-lhe a caridade de Cristo e, portanto, nunca valerá para nada e será um peso para os outros; mas nós teremos caridade para com ele) duas robustas negras da nossa casa de Cartum, mas nunca mandarei Irmãs daqui. Se possível, farei que venham as de lá para cá. É esta a opinião de todas as Irmãs daqui e especialmente da Ir. Teresinha, que é uma mulher à altura da sua árdua missão e que vê as coisas de uma forma clara.
Quanto ao resto e voltando a Sestri, a minha opinião é de que não se gaste nada em construções, salvo aquilo que o senhor mesmo deu por escrito à Irmã Matilde no passado Outono. Abençoo e saúdo Sestri, as Irmãs, P.e Ângelo, o rev.mo arcipreste, o presidente da Câmara e Serluppi.
Na primeira oportunidade mande-me quatro pacotes de cem folhas para sinapismos e meia dúzia de clisteres compridos com a parte de bombear no meio, para os nossos hospitais e enfermarias, etc. Encontrará tudo na loja de D. Vicente Carettoni, a quem o senhor pagou o vinho quinado e que vende barato.
Em Sestri, Virgínia caiu nas escadas do banho. Nem a madre-geral conseguiu que Virgínia e a Ir. Josefina Trabaui, que era uma santa superiora – a primeira que tive – ficassem de cama; o mesmo com a Ir. Germana. As árabes são assim e sem elas a escola não funciona nem no Oriente nem na África.
Com muito trabalho e sorte consegui arranjar um professor árabe da Síria, um jovem maronita que está aqui. Recebe, além da alimentação e roupa, 25 táleres (125 fr. ouro) por mês. É uma verdadeira sorte. Se encontrasse duas professoras nas mesmas condições para o Cordofão e Cartum, sentir-me-ia contente, mas é impossível.
Agradeço-lhe a si e ao instituto feminino as felicitações de Páscoa. Retribuo. O clérigo Neiss é um jovem bom e de talento, segundo me asseguram os jesuítas: não pôde entrar na Companhia, mas não sei mais. O senhor estude-o e poderá dar dele um recto juízo. Averigúe se, para além de ter estado com o P.e Boetman, esteve noutros conventos. Quanto a Walcher, houve quem se mostrasse favorável. E Titz está em Verona ou em Viena?
Vou escrever à Propaganda sobre o jovem negro Pedro. Entretanto, o senhor prepare-o para a terceira elementar e metade do primeiro de latim, porque é o mínimo na Propaganda. Veja se o mete nalguma escola.
Sobre o silêncio das freiras de Salzburgo, não tenha a menor preocupação: elas têm a África presente no seu pensamento, orações e actividades e amam loucamente a nossa obra. Às vezes inundam-me de cartas e eu não respondo. Não responder é típico do alemão: o alemão age e não palra. Às vezes recebi três ou quatro letras cambiais num ano, sem uma única linha a avisar-me. Faz mais um alemão com o silêncio que cem italianos com o seu palavreado.
Mandei à minha prima Stampais o recibo de que o senhor me falou.
Os objectos (de antiguidade) que lhe deixei para o Em.o card. de Canossa recolhi-os eu mesmo em Luxor (Alto Egipto), quer dizer, na antiga Tebas, a das cem portas, pátria dos 10 000 mártires tebanos, de S. Maurício, de St.o Alexandre, etc.
De resto, continue a confiar em Deus e prepare-me excelente pessoal de ambos os sexos. Fico contente em saber que Jorge já aí não está: realmente ele perdeu a graça de Deus, que recebera em abundância. A oração e a caridade irão devolvê-lo aos caminhos da virtude no seu país.
Quanto a Virgínia, não partilho da opinião do senhor, nem creio que seja tal qual ma descreve. Estou convencido de que o senhor falou em consciência e cheio de caridade e de que ficaria feliz de a ver santa; mas convença-se, por sua vez, de que também eu falo em consciência, de que tenho para com ela a verdadeira caridade de Cristo e de que espero bênçãos do Céu pelo que fiz e farei por ela. Como se explicam estes dois pontos de vista que parecem contrários? Vejamos. Virgínia não está no seu posto: tratá-la como uma postulante de catorze anos, proibir-lhe de falar com o seu irmão a ela que esteve 18 anos numa comunidade muito mais importante que a nossa, isso faz com que Virgínia esteja em Verona como peixe fora de água. Mas trata-se de uma experimentada missionária acostumada a uma vida activa, que se mortificou em dezoito anos de convento e sofreu mais que uma trapista. Por isso é bom para Virgínia, para o instituto de Verona e para a sua responsabilidade que ela deixe Verona. S. José protegê-la-á, a quem a encomendei e basta. Mas, antes de abandonar a Europa, quero que faça a cura, que não poderá fazer fora da Itália; o senhor fale, para isso, com o dr. Baschera. Agradeço-lhe infinitamente por quanto fez por Virgínia. Eu espero de Jesus o Paraíso pelo que fiz por essa pobre infeliz, a quem Deus, com certeza, concederá a glória, porque trabalhou muito por Ele e teve a verdadeira caridade divina. A África sabe-o.
A minha bênção para si e para os institutos, mil saudações ao P.e Vignola, a Tabarelli, etc., etc. e reze muito por mim.
† Daniel bispo
N.o 1057; (1012) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/118
N.o 16
El-Obeid, 20 de Abril de 1881
Meu caro padre,
Nunca me lembrei de lhe pedir que fosse buscar a casa de mons. Stegagnini (eu esqueci-me de os recolher em Verona e mons. Steg. esqueceu-se de os mandar ao nosso instituto) os diversos exemplares dos dois opúsculos sobre S. José que as Irmãs Girelli de Bréscia compuseram e que me ofereceram e, apenas publicados, os enviaram para mim a esse monsenhor. Além disso, desejaria que cada missionário e cada Irmã da África Central tivesse esses dois estupendos livros e se familiarizasse bem com eles (à parte do Kempis e do Rodriguez) para conhecerem bem as riquezas do Coração de J. C. e a poesia das grandezas de S. José.
Estes dois tesouros, unidos à fervorosa devoção à grande Mãe de Deus e imaculada esposa do grande patrono da Igreja universal e da Nigrícia, são um talismã seguro para quem, ocupado com os interesses das almas na África Central, tem de se relacionar com gente de ambos os sexos nestes países, pois dão coragem e acendem a caridade de as tratar familiarmente e com desenvoltura para as converter a Cristo e à Virgem. Modelo de verdadeira missionária é a Ir. Teresa Grigolini (esta sim que se torna comparável ou superior à Ir. Josefina Trabaui, a mestra de Virgínia; à madre Emilienne, que admitiu Virgínia aos seis anos, e às melhores Irmãs de S. José), a qual (e aqui manifesto-lhe o meu consciencioso juízo, que é partilhado, entre outros, pela Ir. Vitória) é o primeiro e mais conseguido e perfeito membro das Pias Madres da Nigrícia (deixando de lado a eminente santidade, digo santidade, da Ir. Maria Josefa Scandola, que brilha demasiado numa pessoa de heróica humildade, etc.): inteligência, capacidade, caridade e piedade fora do comum. Portanto, ao mesmo tempo, existem nela as qualidades de uma filha de S. Vicente de Paula e a sublime vida interior de uma sacramentina e de uma filha da Visitação.
A isto acresce uma saúde de ferro e uma actividade surpreendente e até um certo conhecimento do árabe: tal é o tipo de Irmã que eu quero. Aqui e em Cartum atraiu para Cristo e para a prática dos sacramentos algumas almas que eu não julgava fosse possível. Quando chegar o tempo em que eu estabeleça uma casa na Síria, estou certo de que a Ir. Grigolini a fará florescer em apenas seis meses; e então o senhor vai vê-la em Verona e verá o verdadeiro modelo da Irmã da África Central. Mas, para chegar a isso, ou seja, para que cada uma ou grande parte das Irmãs se tornem autênticas missionárias da África Central, concordo com Grigolini (que nem sonha que eu a tenho em tanta estima, porque até a rebato) que é preciso educar as noviças como se faz actualmente na nossa casa-mãe de Verona, sob a inspiração estigmatina. E porquê? Porque enviadas para a África tão humildes, dóceis, sinceras e simples como foram mandadas as que estão no Sudão, modelam-se para a vida prática como se quer.
Portanto, quanto à educação religiosa, o senhor continue a fazer como até agora e como é seu desejo, porque eu conheço bem e profundamente o seu espírito e a sua intenção: formar elementos santos e capazes. Uma coisa sem outra vale pouco para quem segue a carreira apostólica. O missionário e a missionária não podem ir sozinhos para o Paraíso. Sozinhos irão para o Inferno. O missionário e a missionária devem ir para o Céu acompanhados das almas salvas. E ainda que, antes de tudo, devam ser santos, isto é, completamente alheios ao pecado e à ofensa a Deus, e humildes, isso não basta: precisam de ter caridade, que é a que os torna capazes.
Uma missão tão árdua e laboriosa como a nossa não pode viver da aparência, e de sujeitos de pescoço torto, cheios de egoísmo e de si mesmos, que não cuida como se deve da salvação e conversão das almas. Há que inflamar os seus membros de uma caridade que tenha a sua fonte em Deus e do amor a Cristo; e quando se ama de verdade a Cristo, então são doces as privações, os sofrimentos e o martírio. Pobre Jesus! Que pouco amor Lhe têm os que deveriam amá-lo! E eu estou entre estes. Em segredo de confissão (para o P.e Vignola não há segredos de confissão: a ele pode contar tudo) digo-lhe que todas as nossas Irmãs deram aqui um óptimo resultado, seguidas de perto pela vigilante e hábil Ir. Grigolini; mas se eu não tivesse contado com a mão de ferro da Ir. Grigolini e da Ir. Vitória, talvez, e mesmo sem talvez, ter-me-ia visto na necessidade de devolver a Verona a Ir. Marietta Caspi, minha primogénita, que era empregada do pai do padre camiliano Franceschini e que tinha como confessor o P.e Dalla Chiara, superior dos filipinos.
Esta Irmã, boa, obediente, dulcíssima e muito querida da superiora de Verona, viera para África com as primeiras. Mas era bastarda, isto é, filha do pecado, ilegítima (e desagradou imensamente à Ir. Grigolini e à Ir. Vitória que na biografia dos Anais se desse a entender que era ilegítima: poderia produzir má impressão a possíveis aspirantes ao nosso instituto), como também é ilegítima Augusta, a noviça que nos confiou P.e Falezza. Eu sempre soube, por experiência ocular, que os filhos e filhas ilegítimos são ardorosos e cheios de fogo como quem os gerou; e que, ainda que sejam educados na piedade e na pureza, desde que haja ocasião, acendem-se e enamoram-se facilmente. Marietta Caspi, se não tivesse estado protegida por uma mão de ferro, teria caído nas malhas de um barrabás de um médico e, depois, nas de outro no Cordofão e em Berber. Ela não tentava fazer nem sombra de mal, mas queria falar e escrever. Em suma, em duas épocas diferentes, ou seja, em 1878 (e nessa altura pus cobro à situação com um procedimento semelhante ao que tão habilmente o senhor utilizou com o Jorge, supondo que se a irmã tivesse sido avisada não teria conseguido nada... e isso era de supor) e em 1880, devido ao dr. Zuchinetti, que a tratava, fez andar pelas ruas da amargura a Ir. Grigolini, que tinha decidido, no caso de ela se curar, reenviá-la a Verona, se eu consentisse. Mas nunca sucedeu nada de mal e Marietta morreu como verdadeira religiosa, pedindo perdão às superioras e a mim (como Grigolini me escreveu de Verona).
Estudei esse assunto seriamente e até me aconselhei bem em Roma. Os fundadores de ordens e congregações excluíram sempre do estado religioso (salvo raras excepções) os ilegítimos; e nisto vejo com clareza meridiana que tinham bom faro. Portanto, excluamos também nós dos dois institutos africanos os filhos ilegítimos ou, pelo menos, que nunca vão para a África. Por isso, o senhor não mande para a África a Ir. Augusta, a de P.e Falezza, ainda que seja boa; depois da profissão, deixe-a definitivamente em Verona, destinando-a à cozinha ou a outro lugar. Mas convinha que se tornasse uma boa cozinheira, como era a Ir. Marietta Caspi, para que, sendo encarregada permanente da cozinha, ensine bem as outras.
Portanto, silêncio absoluto acerca do que se disse sobre a Ir. Marietta Caspi; mas não esqueça a norma de não admitir ilegítimos e de deixar a Augusta em Verona para sempre ou ao menos até passar a juventude. Toda a regra tem excepções. Se se lhe apresentasse uma ilegítima com excelentes qualidades, um bom dote, cultura, etc. (tudo isso unido a um bom espírito), então a coisa muda... e alargam-se as mangas... porque os molengões não vão para o Paraíso.
De resto, meu caro reitor, não desanime perante nenhuma dificuldade: as obras de Deus sempre custaram sangue, dores, morte, conflitos, etc. Antes pelo contrário, pense que todos os problemas, penas, cruzes são meritórios, porque se trabalha unicamente por Cristo e pela glória do seu nome, e para ganhar as almas dos negros: é a obra mais difícil do apostolado da Igreja Católica. Veja, para não falar de outras, as recentes missões estabelecidas no equador, onde não se faz nada. Veja a missão do Alto Zambeze, confiada aos jesuítas: nela há abundante e valioso pessoal da Companhia de Jesus e um clima mais são que o mais saudável da Europa; e, para mais, os jesuítas levaram máquinas e meios estupendos, etc. Contudo, até agora, não conseguiram nada: leia as Missioni Cattoliche de Milão ou as Missions Catholiques, etc., e verá. Lance um olhar, entre outros, ao n.o 9, da sexta-feira 4 de Março de 1881, onde, a partir da pág. 97, se fala da missão do alto Zambeze, fundada e conduzida pelos Jesuítas, etc., e isto nas Missioni Cattoliche de Milão (rev.do Scurati); e olhe, nas páginas 98-99, o que escreve aquele superior jesuíta, que durante 18 anos foi missionário em Calcutá e Bombaim, na Índia.
«Quantas dificuldades não teremos que enfrentar antes de habituar este povo às ideias e costumes do Evangelho!... Exigir a prática da lei moral, a restituição, a renúncia ao ódio... a inviolabilidade do matrimónio, a castidade, a caridade... tudo isto é impossível para uma natureza decaída! Como experimentamos aqui a necessidade da graça!... A única coisa que impede que caiamos no desânimo é a história da Igreja, que nos mostra que mais que um povo bárbaro, como os nossos cafres da África, se submeteram ao jugo de Cristo». É isto o que nos diz um grande missionário jesuíta, com uma experiência de 20 anos de apostolado! E certos cardeais da Propaganda, que só viram os salões dourados de Paris e de Lisboa, que não conhecem a história da Igreja e que nunca sofreram nem padeceram nada (como os em.mos Orelia de S. Stefano, Meglia e alguns outros, a quem o nosso em.mo pai e bispo conhece bem), disseram...
Mas basta, porque também isto é por disposição de Deus, que tudo bem ordena... Esses cardeais (e Mitterrutzner incluiria também o cardeal Simeoni) medem e julgam as missões da África com o mesmo metro com que medem as da Índia, da China e da América. E isso é um grave erro contra o qual lutei, luto e lutarei na Propaganda (onde, bem entendido, reina todo o espírito de Deus, o zelo apostólico, a rectidão e a justiça, mas há aí um pouco de ignorância... quase culpável, diria eu). Muitos outros bispos, patriarcas e vigários apostólicos que pensam como eu, porque nós temos a experiência e a graça da vocação (posuit episcopos regere Ecclesiam Dei), murmuram com os outros (especialmente os frades), mas não dizem nada na Propaganda; ao invés, eu escrevo livremente (ainda que, isso sim, sempre tenha obedecido e obedecerei a qualquer indicação, desejo ou mandato da Propaganda, que é lugar-tenente do Papa e fá-lo-ei cegamente); e eu fustigo do modo mais suave mas com toda a tenacidade. Em Roma dão-se ouvidos a todas as canções e sente-se tudo.
Mas eu estou certo de que quando cessar toda a poesia dos quatro famosos vicariatos dos missionários de Argel de mons. Lavigerie, e das novas missões confiadas aos jesuítas, aos de Argel, às Missões Africanas de Lião e aos padres do Espírito Santo do ven. Libermann, na Propaganda terão que ponderar e aceitar a veracidade e exactidão dos meus juízos e convencer-se-ão de que, afinal de contas, o instituto de Verona conseguiu algo na mais difícil de todas as obras do apostolado católico, de que a nossa obra recebeu certamente a bênção divina e de que, na verdade, é obra de Deus. Por isso, o senhor aja de forma acertada e correcta em Verona, que eu farei frente e partirei os cornos e cortarei as pernas a todos esses monstros do abismo, que, por muitos lados e com astúcia incrível, procuram acabar com a nossa obra ou então inutilizá-la. Cristo é mais esperto e ágil que o Diabo.
O senhor pense que adquirirá muitos méritos e que uma grande multidão de apóstolos, virgens e negros convertidos o acompanharão triunfalmente ao Paraíso; mas, repito, terá que se realizar em nós e cumprir-se o pati, contemni et mori pro te. Teremos que sofrer, ser desprezados, caluniados (o senhor, não; eu, sim), talvez ser condenados e morrer... mas pelo nosso querido Jesus! Pelo mundo eu não dou um cêntimo e menos ainda pela opinião do mundo: mas por Cristo é pouco o sacrifício, o martírio. Em suma, valem mais todos os nossos sofrimentos por Jesus que todas as glórias e esplendor do czar, a quem as bombas dos niilistas mataram.
Desculpe por, sem querer, ter sido tão longo. Não durmo. Vale.
† Daniel bispo
N.o 1058; (1013) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/27
N.o 9
El-Obeid, Cordofão, 23 de Abril de 1881
Meu caro P.e Francisco,
Pelas cartas da minha prima Ir. Faustina, tapa-buracos das nossas Irmãs do Cairo, inteirei-me da sua admirável, pronta e cega obediência às minhas ordens sobre as velas, etc., etc. Dei-lhe essas ordens depois de ter visto em Cartum o enorme consumo das suas velas, que são mal feitas e se derretem demasiado rápido, provocando um gasto superior às nossas possibilidades e ao dinheiro que Deus me manda. Chegaram-me agora a Cartum duas grandes caixas de velas que comprei na Europa por mais de 1400 francos; de modo que, calculando as antigas, que temos, e estas novas, não precisaremos de mais velas no Vicariato durante dois anos, incluído o consumo que se fizer na bela e estupenda igreja do Cordofão, de mais de 30 metros de comprimento e toda coberta de pranchas de ferro galvanizado e de zinco, que dedicarei a Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Mas, meu pobre P.e Francisco, não poder acender no Cairo quantas velas lhe agradem e quando queira, para honrar o nosso doce e Sacratíssimo Coração de Jesus, que é o mais sublime tesouro que temos? Nem falar! Retiro por completo as ordens dadas, deixando-lhe plena liberdade de consumir quantas velas quiser e de fazer quantas novenas, funções e exposições do SS.mo Sacramento desejar, na certeza de que com o Coração de Jesus e com a nossa Mãe Imaculada não temos nada a perder, mas tudo a ganhar. Portanto, alegre-se, faça funções e novenas, queime cera a seu gosto e rogue a Jesus que abençoe a nossa árdua e importante missão. Saúdo e abençoo a sua mãe, saúdo a Ir. Maria Teresa Ferro e todas as madres agostinhas e a prioresa de S. Cat. dei Funari, de Roma. P.e João Dichtl e P.e José Ohrwalder são uns missionários de primeira ordem, com grande espírito de sacrifício e verdadeiramente santos.
P.e João já prega em árabe na paróquia de Cartum de quinze em quinze dias. P.e Paulo Rosignoli porta-se assim assim: não vai mal. P.e Bartolo, já restabelecido, quer regressar à Europa e partirá com Calisto em Junho. Em todo o Vicariato, o missionário de maior valia, de maior abnegação e mais hábil, sólido e positivo como missionário, pároco e administrador, é P.e Luís Bonomi. Não tem modos polidos nem gentileza, pelo que não é apreciado por muitos, incluídos os cônsules, mas é o mais capaz, o mais firme e fiel: Nigrícia ou morte! O superior de Cartum é P.e Artur Bouchard, o do Cordofão é P.e João Baptista Fraccaro e o de Gebel Nuba nomeá-lo-ei quando fizer a visita.
Dentro de poucos dias espero anunciar no Cordofão a chegada dos 6000 francos que pedi ao sr. Holz. Estou em grandes apuros, mas confio no Sagrado Coração de Jesus e em S. José. O gasto diário aqui, em El-Obeid, onde somos oitenta e cinco bocas a comer, é enorme. Só em água suja vão-se-nos sete ou oito táleres ou escudos. Meu Jesus, ajudai-me!
Retiro também todas as ordens sobre o envio de dinheiro, que lhe dei num momento difícil (isto é, ao pensar que dos 19 000 francos por si recebidos não me tinha mandado nem um cêntimo, quando devia partir o mal a meias, porque, se no Cairo há dívidas urgentes, aqui são urgentíssimas): eu lanço-me nos braços de Jesus e da Providência e confio completamente em si, que me mandará o mais que puder.
Quanto ao envio dos 3100 litros de vinho, é absolutamente desnecessário. Nós temos aqui uma provisão suficiente para todo o ano, e é uma loucura gastar dinheiro no transporte, tendo nós extrema necessidade de dinheiro. Mandará o vinho quando houver oportunidade e de várias vezes: por exemplo em envios de uns mil litros. Mas não mande nenhum leigo a acompanhá-lo antes do kharif, isto é, de Setembro. Dos leigos, o primeiro que irá enviar e que eu quero que venha para o Sudão com a primeira expedição (sempre depois do kharif) será Baptista Felici, para quem tenho um lugar preparado em Cartum.
Quanto ao demais, é meu desejo: 1.o) Saber quem lhe mandou comprar tanto vinho, havendo tanta necessidade de dinheiro no Vicariato. 2.o) Que, doravante, encomende a Santorino por meio dos frades quando muito uma cuba ao ano e não mais; e isto até novas ordens. Quase todos nós aqui, e eu em primeiro lugar, bebemos a merissa do país, que as nossas negras preparam em casa, e gastamos pouco vinho. 3.o) Ordeno-lhe que me mande todos os meses as contas da administração ou ao menos cada dois meses, porque preciso de fazer os meus cálculos. 4.o) Em que ponto se encontram as obras da nova igreja e da casa masculina? Alegro-me por saber que mandou fazer a nova cozinha. 5.o) Ordenei a Cartum que se enviem para o Cairo com Calisto duas fortes negras das nossas, para ajudarem as Irmãs na cozinha, na lavandaria e noutros trabalhos menos exigentes.
Uma vez que tenha lido esta carta, faça-me o favor, se não for difícil, de a passar à minha prima Faustina, porque não tenho tempo de lhe escrever. Agradeço-lhe o interesse que mostrou para com as Irmãs doentes. Reze e faça rezar por nós, que com certeza partiremos os cornos ao Diabo e que o expulsaremos daqui com a ajuda de Jesus.
Mandei ao superior dos jesuítas uma letra cambial de Munique, no valore de 2475 fr. com 54 cts., no passado dia 12 de Fevereiro, dia em que igualmente escrevi para a dita capital da Baviera. Dela recebi resposta, mas não do superior dos jesuítas do Cairo. Será que se perdeu a letra cambial, pelo que não chegou aos jesuítas? Eu registei-a e tenho o recibo. Vá visitar esse superior, informe-se do assunto e escreva-me.
Estou muito contente do espírito que reina entre as nossas Irmãs e das eminentes virtudes da superiora provincial da África Central, Ir. Teresa Grigolini. Vale muito e é, pelo que se diz, uma santa, como um anjo. Reze por ela e pelas quatro casas das irmãs que temos no Vicariato.
Rogando-lhe que transmita as minhas saudações aos padres jesuítas, aos Frères, a Holz, ao P.e Pedro e aos franciscanos, ao P.e Germano, o confessor, declaro-me no Coração de Jesus
Seu af.mo no Senhor
† Daniel bispo e vigário apostólico
1881
N.o 1059; (1014) - A SEU PAI
BQB, Autografi, cart. 380, fasc. II, 2
Colónia agrícola de Malbes
24 de Abril de 1881
Meu querido pai,
Escrevo-te de um lugar do reino do Cordofão chamado Malbes, no qual há alguns poços e onde criámos uma pequena comunidade cristã (que se tornará grande em pouco tempo), com casais formados por rapazes e raparigas que se casaram depois de lhe termos ministrado a educação cristã nos nossos estabelecimentos de El-Obeid. A todos e a cada um desses casais distribuímos-lhe aqui um pedaço de terreno de cujo produto poderão viver, como vivem, e comprámos-lhe um burro. Dirige esta comunidade o negro P.e António Dobale, a quem conheceste em Verona e em Limone, e também há aqui frequentemente um par de Irmãs, que mando a esta colónia para que mudem de ares, por ser um lugar mais saudável (ainda que mais quente).
Mas é de pasmar: estas catorze novas famílias não tiveram até agora nem sequer um rapaz... todas raparigas!! Em El-Obeid, fiquei espantado com a bela igreja, onde benzi os santos óleos Quinta-Feira Santa e celebrei missa pontifical dia de Páscoa e que inaugurarei dentro em breve; é realmente bonita, toda coberta de pranchas de ferro galvanizado que mandei trazer da França (o zinco que mandei de Milão vale pouco). Só em água que tive que comprar para a construção (aqui não há pedras nem cal) gastaram-se 800 táleres. Com trinta e um metros e meio de comprimento é a maior da África Central e, por isso e pela sua beleza, constitui a admiração destes países. Os cristãos de El-Obeid contribuíram para a sua construção com 1900 táleres em dinheiro e com muito material, como madeira, etc. Nela trabalharam (para além de um bom mestre de obras local) os jovens de ambos os sexos dos nossos estabelecimentos e o estupendo pedreiro Ângelo Composta, de Negrar, a quem viste em Verona. Igualmente P.e Fraccaro contribuiu com o seu esforço, suando as estopinhas e também eu, que tive que pôr o dinheiro que faltava, bastantes milhares de táleres. Mas o maior mérito desta obra (os belos adornos, estuques, etc.), é do jovem napolitano P.e Vicente Marzano, a quem eu ordenei sacerdote em Cartum em Abril de 1878, e que, além do mais, fez prodígios recolhendo donativos junto dos nossos cristãos, bons e maus, e até dos concubinos. Esta igreja é a maravilha do país. Por isso, não querendo ficar atrás de el-Obeid, a cidade de Cartum, o cônsul francês de lá propôs-me, numa carta recebida hoje, construir em Cartum uma igreja ainda maior; e, sem mais, aproveitando o entusiasmo do momento, disponho-me a dar ordens ao superior daquele estabelecimento, o americano P.e Artur Bouchard, a quem conheceste em Verona, para que se ponham mãos à obra.
Dentro de quinze dias partirei para Gebel Nuba para aí fundar a nova estação de Golfan, entre umas tribos que andam completamente nuas. Tenho muitas notícias consoladoras para te dar, mas não disponho de tempo. Aqui encontrei a minha superiora da África Central, a Ir. Teresa Grigolini, que é o tipo de Irmã que pretendo ter: um verdadeiro anjo pela actividade, bondade, desenvoltura e capacidade. Este é o verdadeiro modelo de filha da caridade. Depois de ter organizado bem o Vicariato, prepararei um relatório geral que alegrará os bons. Encontrei as coisas no Vicariato muito melhor do que os caluniadores tinham propalado no Egipto, em Roma, na França e em Verona. O próprio P.e Rolleri (o primeiro a falar mal) ficou agradavelmente surpreendido em Cartum e agora diz que o não tinham informado bem e que encontra fundados motivos de esperança. E isto apesar de não ter visto senão um pouco de Cartum (está sempre no seu quarto). Empreendeu a viagem com a caravana dos missionários e das Irmãs para o Cordofão, mas, após dois dias de viagem, deu-lhe a febre e regressou a Cartum. E como julga que não tem saúde suficiente, seguindo o meu conselho, decidiu voltar ao Egipto e regressar à Europa (talvez me venha a servir bem para Sestri). Partirá de Cartum em meados de Maio próximo com Calisto Legnani, de Como, cujo irmão viste em Verona.
Lerás na Unità Cattolica e nos Anais do Bom Pastor a carta de recomendação que me fez Rauf Paxá, um fanático muçulmano, o qual é governador-geral do Sudão, território que está também sob a minha jurisdição e que é cinco vezes maior que toda a Itália. Se tiver paciência, transcrevo-ta para tua satisfação. E para confusão deles, teriam que lê-la os reis e potentados da Europa que injustamente atacam e perseguem o Papa, os bispos e a religião. Que aprendam de um turco. É esta: passo-ta à pressa.
(Tradução do árabe)
«A Sua Excelência Mohamed Said Paxá, governador-geral do Cordofão e encarregado dos assuntos de Darfur (antes império).
Como Sua Excelência D. Comboni, bispo de todas as igrejas católicas do Sudão, é pessoa merecedora de toda a veneração, respeito e honra e, dado que, a partir desta data partirá daqui em direcção ao Cordofão e a Gebel Nuba para visitar as igrejas aí existentes, receba-o à sua chegada aos territórios que o senhor governa como convém à sua dignidade, prestando-lhe as honras e actos de respeito estabelecidos e ofereça-lhe boas mostras da sua amizade no mais alto grau, como nós mesmos lhas tributamos em especial, porque se trata de um alto dignatário da sua religião, a qual devemos honrar, e porque é considerado no mundo uma personalidade sábia e estimada de todos. Faça, pois, de modo que ele fique satisfeito consigo.
E quando quiser partir para os montes de Nuba, ponha todo o empenho em lhe facultar os meios necessários para lá chegar, bem como regressar, quando lhe aprouver, com toda a comodidade; e que em toda a parte e por todos seja recebido com honra, a fim de que, quando se reunir de novo connosco, possa manifestar-nos a sua plena satisfação.»
Cartum, 28 de Março de 1881
(L. S.) O governador-geral do Sudão
Rauf Paxá
Abençoo-te a ti, a Teresa e aos nossos parentes e amigos.
† Daniel bispo
Aqui os paxás, generais, faquis, etc. têm-me muito medo e sabem que tenho poderes para impedir o tráfico de escravos.
N.o 1060; (1015) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/25
Abril de 1881
Breve bilhete.