N.o 951; (1173) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. Austr., v.6 (1875-1885), ff. 797-800
Verona, Insto. Africano, 27 de Julho de 1880
Em.o e Rev.mo Príncipe,
Só umas linhas para lhe exprimir a minha íntima satisfação pela proposta de atribuir uma missão ou prefeitura apostólica ao seminário de Lião.
Não é absolutamente oportuno o que eu tinha traçado para os belgas, porque, sabido por Sua Em.a que se tratava de belgas, assinalei como base de operações o grande rio Congo, onde desde há dois anos trabalha a expedição belga chefiada por Stanley. Se se confiasse a Mr. Planque esse território, cair-se-ia no mesmo erro em que se incorreu ao entregar a Mr. Planque o cabo central da Boa Esperança, demasiado incomunicável com o seu centro de acção.
Em troca, tendo em conta que Planque tem duas casas no Egipto, e que aspira a estender-se também para o Alto Egipto, mais para lá dos pontos ocupados pelos franciscanos reformados, etc. (o que está muito bem), eu seria da subordinada opinião de confiar e ceder a Planque a casa de Schellal com a Núbia Inferior e o antigo reino de Dôngola, ambas as regiões de um clima muito saudável; e com isto constituir-se-ia, além do mais, a base de operações para empreender a evangelização do império de Waday ou de outra zona relacionada com a base de operações de Schellal e Dôngola (onde eu aspirava erigir um estabelecimento e onde há também coptas).
Em todo o caso, tratarei directamente com Mr. Planque, até me reunirei com ele, a fim de fazer coisas positivas e estáveis e de evitar vê-lo assim a vaguear sempre com rolos de mapas debaixo do braço, sem chegar a nada de concreto ou a muito pouco.
Isto não será óbice a que eu trabalhe activamente procurando organizar bem e fazer prosperar a minha congregação de Verona. E mais, dedicar-lhe-ei todo o meu esforço e estou certo de que o conseguirei, uma vez que tenho aqui uma obra com magníficos candidatos e Irmãs, que se formam no árduo e difícil apostolado da África Central, tão pouco conhecido na Europa, mesmo por homens importantes e ocupando altos cargos.
Espero que na altura da minha partida tudo vai estar regulado. Não renuncio tão-pouco à ideia de confiar uma pequena parte do Vicariato aos bons padres de D. Bosco, prestando-lhes a minha ajuda para terem êxito nos seus intentos.
Em S. Pietro in Vincoli vive agora a primeira coluna da África Central nos tempos iniciais, o doutíssimo e santo cónego Mitterrutzner, cuja nomeação para consultor da Propaganda eu pedi em vão. Ele nunca soube das diligências que eu fiz em seu favor. Pois bem, como suponho que V. Em.a celebrará missa no dia 1 de Agosto na igreja da qual ele é titular, rogo-lhe que lhe dispense um bom acolhimento, porque se trata de um homem grande, de enorme mérito e verdadeiramente merecedor duma cátedra episcopal. Desde há 29 anos ajuda a África Central, compôs dois dicionários e gramáticas nas línguas bari e dinca e deu – após colectas – muitas centenas de milhares de francos para a África.
Beijo-lhe a sagrada púrpura e sou
Seu ob.mo, devot.mo filho
† Daniel Comboni bispo
N.o 952; (909) - A MONS. ANTÓNIO SILVA
AFB, Placência
Verona, 28 de Julho de 1880
Carta: C. manda documentos.
N.o 953 (910) - À MADRE ANA DE MEEUS
ACR, A, c. 15/153
Aussee (Alta Estíria), 2 de Agosto de 1880
Minha muito reverenda madre,
Peço-lhe perdão pelo atraso em lhe responder. É só em parte culpa minha, porque estou só e tenho um trabalho imenso.
Fiz todo o possível para lhe falar em Bruxelas no dia 5, mas, como o imperador de Áustria anda sempre à caça, ainda não me recebeu, apesar de estar já há cinco dias em Aussee, ou seja, a duas horas de Ischl, onde está sua majestade.
Mas se não tiver a sorte de a visitar em Bruxelas, vê-la-ei na Inglaterra. Por isso aceito a generosa oferta da sua honrosa hospitalidade e pararei na sua região, como a senhora me disse e escreveu. Aí conseguirei a sua direcção, e saberei encontrá-la na Inglaterra.
Enquanto se espera, reze e faça rezar por mim, o bispo em maiores apuros do mundo; mas a minha força está no Santíssimo Sacramento, a quem a senhora, minha boa madre, serve e faz servir com tanto amor e dedicação. A sua obra é o mais sublime apostolado da Terra, a força mais poderosa para esmagar a cabeça ao Demónio. Faço votos para que essa obra admirável se estenda por todo o planeta. E de certeza que se estenderá, apesar das pequenas cabeças e dos pequenos corações que se julgam algo para prescindirem da Obra da Adoração Perpétua.
Reze pelo seu devotíssimo
† Daniel Comboni
Bispo e vig. ap. da África C.
Original francês
Tradução do italiano
N.o 954; (911) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/13
Aussee (Estíria), 6 de Agosto de 1880
Breve bilhete.
N.o 955; (912) - A ROSINA MARINI-GRIGOLINI
APMR, F/2/176
Verona, 21 de Agosto de 1880
Acusação de recibo.
N.o 956; (913) - HOMILIA EM S. ZENO
ACR, A, c. 18/12
Verona, 22 de Agosto de 1880
HOMILIA
Lida em S. Zeno, Verona
PAX VOBIS
Não sucede nunca que, pelo passar do tempo, pela mudança dos costumes ou por qualquer transtorno social, os povos se esqueçam dos seus benfeitores. A honrar a sua memória, a engrandecer as suas gestas, a celebrar a sua glória impulsiona-os, para além da gratidão – que não se poderia eliminar do peito dos homens sem tornar estes piores que os animais –, o reflexo do esplendor que deles recebe a pátria ao revelar-se a grandeza a que a elevaram e a glória que lhe proporcionaram os seus benfeitores.
E como a grandeza e glória de um povo é ou moral ou material, provindo a primeira da bondade das leis que o governam, da brandura dos costumes que o caracterizam, das virtudes que o adornam, enquanto a segunda deriva da comodidade de vida, da prosperidade da indústria, do cultivo das artes, e como pela natureza mesma das coisas se aprecia muito mais aquela do esta, por pertencer a uma ordem muito superior, o afortunado herói que tiver empregue a sua vida para conseguir a grandeza moral de um povo não só ganha o direito à sua gratidão, mas também cinge à fronte uma grinalda de bênçãos perenes, as quais nunca deixarão de honrar o seu nome, enquanto um só filho desse povo viver sobre a Terra. Se Roma, a cidade rainha do mundo, a dominadora das gentes, a Cidade Eterna por excelência, recorda com aplauso os seus fundadores e todos os grandes homens que, de diferentes maneiras, se esforçaram para conseguir o seu esplendor, proporcionando-lhe tanta glória que nenhuma outra cidade do mundo se lhe pôde jamais igualar, com aplauso infinitamente maior recorda o nome daquele pobre pescador da Galileia que, tendo um dia entrado dentro das suas muralhas, operou nela a maior revolução de que os anais dos povos e das nações falaram, mudando inteiramente a sua doutrina, as suas leis, os seus costumes e, de mestra que era de vícios, de erros, de impiedade, a converteu para o mundo inteiro em mestra de verdade, de virtude e de santidade.
Já passaram dezanove séculos desde aquele dia e o nome de Pedro ressoa ainda em Roma venerado e sagrado como então. Ainda hoje Roma repete o nome de Pedro com a mais viva exaltação de reconhecimento e de alegria: Roma, pelo nome de Pedro, avança ainda altiva e gloriosa à frente de todos os povos do universo.
Senhores! Se porventura alguém que não conhece bem a história do povo veronês desejasse saber de vós por que razão hoje Verona aclama jubilosa o nome de Zeno, apóstolo e mártir de Jesus Cristo; por que cada ano consagra inteiramente este dia ao seu culto; por que com a pompa mais esplêndida celebra nalgumas solenidades do ano a sua memória, sei bem a resposta que vós lhe daríeis: «Zeno é o maior, o mais insigne benfeitor do povo veronês: tal como Roma recebeu a fé cristã de Pedro, Verona recebeu-a de Zeno; essa fé que impregna de glória tão luminosa os povos que a acolhem no seu seio, até os converter em objecto de admiração do mundo, dos anjos e dos homens.»
E assim como a glória e a grandeza de Roma cresceram sem medida quando, ao derramar Pedro o seu sangue dentro daquelas muralhas selou as verdades da fé que ele tinha anunciado, do mesmo modo a grandeza e a glória de Verona alcançaram o auge quando, como testemunho da fé que lhes transmitira como dom, Zeno banhava o solo veronês com o seu suor e as suas lágrimas e dava brilho ao seu nome com os enormes e extraordinários sofrimentos do seu laborioso apostolado e com a morte, até merecer da Igreja pelos séculos o sublime e glorioso título de mártir de Jesus Cristo. E um povo, beneficiado em tão elevado grau, não haveria de venerar o seu benfeitor? Pois claro que vós o honrais, ó veroneses; honrais o mais que podeis Zeno. É bem sabido que neste faustíssimo dia vós vindes das ruas desta cidade e dos campos a esta basílica, para vos reunirdes em torno do túmulo deste progenitor benemérito, bendizendo o seu nome e implorando a sua protecção. Venerai, sim, em Zeno aquele pai augusto que vos regenerou para a vida imortal da fé e para a verdade do Evangelho.
Com o esplendor das suas festas e com a pompa externa honrais o seu templo e mantende-lo nesse trono de grandeza a que a piedade dos seus antepassados o levou. Guardai também dentro de vós eterna memória deste grande santo, e conservai e plasmai em obras o sagrado dever de gratidão que a ele vos obriga. Daqui que, tendo eu sido cortesmente convidado pelo bispo da nossa querida Verona e príncipe da Santa Igreja a dizer-vos duas palavras neste faustíssimo dia em que se celebra a solene invenção do seu corpo, eu passe a enumerar-vos sumariamente os altos benefícios de que S. Zeno, pela fé, vos fez participantes e que constituem a vossa verdadeira glória e grandeza; benefícios que vos obrigam a um perpétuo agradecimento.
Benévola e cortesmente me concedestes a vossa atenção, pelo que não preciso de vos suplicar tal graça. Começo, pois.
Primeira parte
Unicamente Jesus Cristo, meus senhores, é capaz de gerar a verdadeira grandeza dos povos, porque só Jesus Cristo com a acção vivificante que desenvolve mediante a sua doutrina, compendiada no Evangelho do qual constituiu depositária a Igreja Católica, pode fazer florescer entre os povos todas as virtudes sociais e domésticas que são o princípio e o fundamento da verdadeira grandeza. Conhecer, pois, Jesus Cristo, o Filho de Deus, e conhecendo, amá-Lo, e amando-O praticar os seus ensinamentos, é tudo aquilo em que consiste a maior ventura de um povo; e, apesar do que disser a filosofia terrena e do que pensarem os adoradores dos sentidos e da matéria, e do que for insinuando a soberba dos incrédulos, é um facto que este povo, que conhece, ama e obedece a Jesus Cristo, deixa para trás, a infinita distância, aqueles povos que, privados do benefício da fé, não sabem ocupar-se mais que dos vulgares e mesquinhos interesses do mundo, do qual, em troca, recebem angústias, humilhações, vergonhosas misérias, amargos desenganos e finalmente a morte na eternidade.
Nosse Deum – vem aqui a propósito a sentença do Sábio –, nosse Deum consummata iustitia est et scire iustitiam et virtutem suam radix est immortalitatis (Sap 15, 3). Eis aqui, pois, senhores, o princípio donde dimanam os grandes benefícios que o vosso santo bispo Zeno vos proporcionou; eis aqui o fundamento sobre que assenta a sublime grandeza a que ele elevou Verona, que desde há quinze séculos o venera como verdadeiro pai e principalíssimo protector.
Para compreender a magnitude dos benefícios que vós recebestes de Zeno, é preciso conhecer o que era Verona no seu tempo. Mas com que cores poderei pintar-vos o lamentável estado em que Verona gemia naquela época infausta? Ah, veroneses! Fazei um esforço mental, esquecei quanto nesta magnífica cidade há agora de religião, de piedade e de virtude; esquecei, sim, essa religião santa que agora, pelo zelo de um clero ordenado, pela prudência de sapientíssimos bispos, pela docilidade das almas, floresce no seu seio, fazendo deste um povo dilecto e amado de Deus; esquecei essas sublimes virtudes pátrias da caridade, da piedade e dos costumes cristãos, devido às quais vós sois louvados. Para ter uma pálida ideia de qual era a situação naqueles tempos calamitosos, imaginai por uns instantes que não existem estes sagrados templos em que se adora o Senhor em espírito e verdade; eliminai todos os monumentos existentes da vossa piedade e da vossa cristã filantropia; apagai das vossas mentes a verdade da fé; tirai dos corações a devoção, o freio às paixões, às almas a vida dos sacramentos da Igreja.
Que espectáculo oferecia o nosso povo antes de a fé de Cristo vir iluminá-lo com a sua luz! Só ao recordá-lo, um horrível estremecimento brota do mais profundo de vós – bem posso vê-lo. Então, no nosso povo reinava ainda o paganismo com os seus ritos nefandos, com as suas leis infames, com as suas brutais abominações, com toda a extensa corte das suas obscenidades, dos seus excessos, dos seus mais odiosos delitos. Estado deplorável, consequência funesta de ter rejeitado os homens o seu Deus, repudiando despeitosamente os seus preceitos, para seguir o ditame das paixões, a que se tirara todo o freio! A Arena, o Circo, o Teatro, monumentos magníficos em que se admirou (e nalguns admira-se ainda hoje) a grandeza romana, para a qual em tão boa medida contribuiu Verona, olhai-os mais como monumentos da perfídia, da barbárie, da obscenidade dos nossos antepassados e como testemunhos das nossas antigas vergonhas.
E está ainda incompleto o quadro funesto que com dor vos estou a pintar. No meio da multidão dissoluta dos gentios, segundo avalizadas opiniões, havia além disso hereges que naqueles tempos se prestaram a combater e a dilacerar a esposa de Cristo com o mortífero veneno das falsas doutrinas: recordai os ebionitas, os seguidores de Basilides, etc., mas sobretudo os arianos, que arrebataram à Igreja Católica o sublime e substancial carácter do Cristianismo: a divindade de Jesus Cristo. Heresias que, embora não tenham o nome, têm contudo toda a deformação e todos os vícios da idolatria, mais os da maldade que as impregna, do ódio que as devora, da fraude e do engano, que sempre foram mais perniciosos para a Igreja que a guerra aberta. Tais serpentes venenosas dilaceravam então o seio à nossa infeliz Verona; e, embora houvesse nesses dias alguns católicos nela incluídos que adoravam Jesus Cristo na verdade da fé, que desde os alvores do Cristianismo tinha irradiado aqui a sua luz, sobretudo graças aos suores e fadigas de sete bispos santos que precederam o nosso santo padroeiro na cátedra episcopal veronesa, contudo eram poucos, tímidos e inclinados a permanecer ocultos: não significavam nada perante a multidão, que o crescimento do erro inundava como torrente turbulenta.
Tal era, senhores, naqueles tempos, Verona. Até que finalmente o Todo-Poderoso dirige para ela o seu olhar misericordioso e, pondo limite aos seus males, confia a Zeno a grande obra da sua conversão e da sua regeneração definitiva. E temos aqui o novo apóstolo, que se mostra maravilhosamente guiado pela Providência desde a primeira vez que aparece. Desejais vós conhecê-lo? Quais foram pois as suas origens? O grande tesouro de ciência sagrada e profana de que era dotado dizem-nos claramente que foram ilustres. A sua pátria? De documentos muito fidedignos resulta – e eu estou firmemente convencido disso – que é africano. Mas como não faltam alguns argumentos contrários, dir-vos-ei que a minha querida África o considera justamente como seu, tal como S. Cipriano, do qual tinha o estilo enérgico e fogoso; gloriar-se-ia dele a Ásia tal como de Crisóstomo e não menos fluente que a deste se manifestava por vezes sua eloquência; orgulha-se dele a Itália, como de Ambrósio, e de forma não menos aguda e eloquente do que este ele penetrava, expunha os segredos da teologia.
Os seus companheiros? Eram o zelo que o inflamava e as virtudes que nele resplandeciam. As provas da sua missão? Foram já luminosas na Síria, onde alcançou gloriosas cicatrizes de mártir; e, além disso, os milagres com que Deus glorificou o seu apostolado. Sai, pois, ao seu encontro, ó Verona, e saúda-o como a um anjo da paz que a ti vem com o Evangelho! Saúda exultante esses passos que dirige para ti e beija reverente esses pés que pisam a tua afortunada terra: quam speciosi sunt pedes evangelizantium pacem, evangelizantium bona! Exulta, sim, que está prestes a terminar a noite em que cega erraste até agora; despe as enxovalhadas roupas da tristeza e enverga as da alegria. E não ressoarão mais nas tuas amenas colinas os nomes impuros de Vénus e Adónis, de Marte e Júpiter, de Minerva e das outras repugnantes divindades pagãs: para o futuro só se ouvirão os dulcíssimos nomes de Jesus e Maria. Romperás as cadeias da antiga escravidão e a voz do poderoso Zeno expulsará os demónios sob cujo impiedoso domínio gemeste tantos anos. E experimentarás quão doce é respirar os ares da liberdade de que gozam no reino de Cristo os filhos de Deus, regenerados pela saudável linfa do santo baptismo.
Ergue, pois, a cabeça para as tuas risonhas colinas, ó venturosa cidade, e prepara-te para receber dignamente o teu libertador que, admiravelmente guiado por Deus, avança em tua direcção, seguindo as margens do Ádige para te trazer a fé de Jesus Cristo e, com ela, as bênçãos do Céu estão a ponto de descer sobre ti. Alegra-te, Verona: pensando na grandeza e na glória a que te elevarás dentro de pouco, esquece os dias das tuas dores, apaga da tua mente os longos anos da tua abjecção.
E eis que Zeno, armado da sua fé, inflamado da sua caridade, se prepara para a árdua e laboriosa empresa. De novo escrava das loucas superstições do paganismo, Verona, ainda que tivesse sido privilegiada do Céu e tivesse ouvido ressoar, como dissemos, o nome divino por obra dos seus santos bispos e dos seus gloriosos mártires, quase tinha esquecido Jesus Cristo. No seu seio, que albergava templos sacrílegos consagrados a monstruosas divindades e aras nefandas nas quais se imolavam vítimas impuras, celebraram-se ritos abomináveis nos quais se levavam a cabo as orgias mais escandalosas; e violava-se o direito, oprimia-se a justiça, prostituíam-se os próprios princípios da honestidade natural. Que mais poderia dizer? O vício, o delito eram levados em triunfo; a virtude desconhecida até de nome. Pois bem, Zeno quer destruir os templos dos ídolos, derrubar os seus altares e acabar para sempre com os seus ritos ímpios e as suas solenidades de opróbrio. Zeno faz com que se respeite o direito, se acate a justiça, a honestidade seja tida em honra e, no lugar do delito, seja posta a virtude. Numa palavra: onde vinha reinando o demónio, quer Zeno que para o futuro reine Jesus Cristo e que reine só Ele e eternamente, tanto sobre as mentes como sobre os corações.
E já põe mãos à obra, sem que de modo nenhum o desanimem a raiva dos sacerdotes, ou o furor dos poderosos, ou as paixões populares. Empreende a obra e não há obstáculos que atemorizem o seu coração, nem perigo capaz de suster o seu braço, nem esforço ou fadiga susceptíveis de abrandar o seu impulso. Põe mãos à obra e, por bem manifesta que seja a dureza dos corações, por bem clara que apareça a falta de docilidade dos espíritos, por múltiplos que se manifestem os preconceitos das mentes, não desespera de triunfar nos seus intentos.
Olhem, senhores, como inflamado de zelo apostólico entra quer nos palácios dos poderosos quer nas humildes casas dos pobres; como percorre as populosas ruas da cidade, deixando-se ver nas praças públicas, nas ruas mais frequentadas, e como em toda a parte anuncia o nome de Jesus Cristo. E enquanto um o cobre de impropérios e outro o faz objecto do seu escárnio, um terceiro lança-se furioso contra ele. Mas Zeno, apóstolo intrépido, continua a anunciar o nome de Jesus por toda a parte e, cada vez mais forte e por todo o lado, vai convidando os filhos desta terra à adoração de Cristo, único e verdadeiro Deus do Céu.
E para que nesta terra Cristo reine e triunfe sobre as mentes e sobre os corações, revela as suas glórias infinitas, descobre os seus inefáveis méritos, prega as suas virtudes, a sua sabedoria, o seu poder; e, enquanto dá a conhecer a sua doutrina, as suas normas, os seus preceitos, as suas leis, vai deixando a descoberto a infâmia, a monstruosidade das absurdas doutrinas, das ímpias normas, dos preceitos iníquos, das bárbaras leis do paganismo. A fogosidade do seu zelo leva o nosso apóstolo até a lutar contra os hereges do seu tempo e com a sua poderosa palavra mostra com mais fulgor e de forma mais sublime a verdade da eterna geração do Verbo no seio do divino Pai e faz brilhar de luz vivificante a divindade de Jesus Cristo contra os furibundos ataques dos ímpios que, negando estas fundamentais doutrinas da nossa santa religião, dilaceravam tão ferozmente a imaculada esposa do Cordeiro divino, o qual morreu na cruz pela salvação do género humano.
A história não nos conservou nas suas páginas, pela maldade dos tempos nefastos, todos os dados sobre a vida de S. Zeno na nossa cidade e dos seus esforços para a regenerar totalmente e a ganhar para Cristo com a doutrina, o exemplo, a doçura, a perseverança e a fervorosa oração, bem como com ásperos jejuns, o assíduo pranto e os mais horríveis e contínuos sofrimentos, tanto durante o dia como no silêncio da noite e tanto em privado como em público. Mas bem se pode deduzir o muito que ele fez na nossa Verona para glorificação de Jesus Cristo do facto de se saber, com infalível certeza, que unicamente por obra de Zeno é que Jesus Cristo foi conhecido entre nós; e que entre nós estabeleceu de novo o seu reino sobre bases tão sólidas que, com o passar do tempo, já nunca mais haveria de cair. Sim, veroneses, reinava aqui Jesus Cristo com a sua doutrina e as suas leis; reinava aqui e ao pé do seu trono via rendidos os nossos pais, que lhe tributavam homenagem de fé, de amor; reinava aqui e à sombra dos seus tabernáculos via como também vinham jurar-lhe fé grandes multidões, procedentes dos povos de toda a nossa diocese e das terras circunvizinhas, gentes de toda a condição, idade e sexo.
E tudo isto – deixem-me que o repita, veroneses –, tudo isto graças a Zeno. Foi ele quem mudou as supersticiosas cerimónias de um culto sacrílego pelos augustos ritos do Cristianismo; ele quem reivindicou os direitos dos fracos e dos oprimidos contra a tirania dos poderosos; ele quem transformou a mulher, cruelmente submetida e escrava do marido, em companheira amada e inseparável deste; ele quem chamou os filhos, considerados como coisas pelos pais impiedosos, a fazerem parte da família. Foi ele, numa palavra, quem sobre as ruínas dos altares de Vénus, Marte, Júpiter e Minerva colocou a cruz, considerada pouco antes objecto de escândalo, de estultícia. Essa cruz augusta que, destruída a idolatria, derrubados os templos profanos, conquistadas as potências do abismo, se fez não já o altar de um só templo, mas – segundo a enfática expressão de um santo padre – a ara do mundo. E essa mesma cruz, adorada nas igrejas, flutuou nas alcáçovas e foi respeitada; flutuou nas bandeiras e foi temida, flutuou nos mastros dos navios e foi invocada; cruz que posta na cabeça dos reis, os honrou; no peito dos heróis os encorajou; na fronte dos sacerdotes, os consagrou.
Numa palavra, foi Zeno quem santificou este povo veronês; e o exemplo das suas virtudes heróicas foi seguido por tantos santos que deram brilho a esta cidade e diocese, que encheram de admiração a Igreja. Sim; diz a tradição, nunca contestada e que nos foi transmitida por um autor anónimo do tempo de Pepino, que Zeno converteu e baptizou em Verona: qui Veronam praedicando reduxit ad baptismum.
Portanto, esse Evangelho que desde há dezasseis séculos se prega e venera entre nós foi ele o primeiro quem o pregou; essa fé que desde há tanto tempo mantemos de forma tão alegre ele a plantou no nosso coração; esses santíssimos sacramentos de que participamos foi ele o primeiro que no-los administrou; essa religiosa piedade e devoção que sempre cultivámos foi ele o primeiro que instilou e gravou na nossa alma. Zeno, sim, foi o verdadeiro apóstolo que transformou Verona de pagã e herética em cristã e católica, imprimindo-lhe no coração com caracteres indeléveis a fé de Jesus Cristo. E com isto se elevou Verona a uma glória e grandeza tais, que em vão antes teria aspirado a elas.
Dado ser Jesus Cristo o único que origina a grandeza e a glória de um povo, quando este povo recebe a influência da sua acção vivificadora, não devia considerar-se gloriosa e grande a nossa cidade, ao participar em tão boa medida dos influxos benéficos da acção de Jesus Cristo? Por isso está bem que o nome de Zeno seja por vos venerado e estimado e que hoje vos preocupeis em honrá-lo. Com tanto que fez na nossa terra para glorificar Cristo, deu a esta o verdadeiro brilho, o autêntico esplendor.
Se considero a magnitude do benefício que nos fez Zeno, dando-nos a santíssima fé de Jesus Cristo, não encontro, entre tantas ínclitas personagens beneméritas desta ilustre cidade, nenhuma a quem se deva um tal dever de gratidão. Quem teria podido, ó Verona, ter contigo a largueza de tão assinalado benefício? Quem é que, por novos caminhos e por mares não sulcados, te tornou acessível a riqueza do mais florescente comércio? Quanto depois não és mais devedora a Zeno, que te abriu o caminho a riquezas muito superiores, indicando-te os tesouros do Céu e dando-te esperança e direito a eles mediante o baptismo? Nós, os veroneses, sentimo-nos em dívida de gratidão para com homens ilustres que em toda a espécie de ciências, letras e artes converteram a nossa pátria em objecto de admiração do mundo. Deles conservamos como coisa sagrada as obras e os escritos, e, à sua imortalidade, levantamos esplêndidos monumentos e estátuas nas praças, transmitindo assim à posteridade a sua fama e a nossa agradecida recordação. Mas não contribuiu Zeno em maior medida para enobrecer a nossa pátria? Por ele se gloria Verona de um eloquente literato, de um escritor cujas obras são tão estimadas como as dos antigos padres e são elogiadas pelos próprios protestantes. Por ele se orgulha a Igreja veronesa de ter como fundador principal um santo padre. Por ele principalmente teve e tem a nossa pátria as glórias da nossa religião e virtudes, que tanto a honram.
Com efeito, meus senhores, se pelos selectos frutos de uma árvore se recorda e celebra o engenhoso agricultor que com mão experimentada fez o enxerto, sem o qual a árvore não teria produzido senão frutos silvestres e amargos, quem não reconhece que todos os esplêndidos e belos frutos de virtude e fé, que desde há dezasseis séculos produz Verona, planta selecta do jardim da Igreja, se devem atribuir a Zeno, o qual, como jardineiro industrioso, foi o primeiro que a enxertou? Se não estivesse certo de ofender a vossa modéstia, ó veroneses, falar-vos-ia dessa fé e virtudes que são a marca principal do vosso povo. Falar-vos-ia da glória dessa fé que mantivestes sempre intacta na pureza dos dogmas, adquirindo pois Verona o motivo de orgulho de ser chamada Verona fidelis: fé santíssima cujos fundamentos enxertou Zeno nos corações veroneses. E bem que essa alma exultou quando, vendo os seus filhos queridos fielmente reunidos num templo – o primeiro que ele tinha levantado sobre as ruínas do paganismo –, alegre e triunfante, com a fronte levantada para o Céu, pregou a vitória de Cristo.
Falar-vos-ia, veroneses, da fraterna caridade e do vosso amor para com os pobres e infelizes. Virtude da qual darão sempre testemunho os estabelecimentos públicos em que encontra refúgio o ancião, o doente, o menino, o abandonado, o órfão, o perdido, e a qual lhes foi infundida por Zeno, que fez o mais esplêndido elogio dela com estas magníficas palavras: «A vossa generosidade para com todas as províncias é manifesta; as vossas casas estão abertas a todos os peregrinos; os vossos pobres já não sabem o que é mendigar os alimentos; as viúvas e os desfavorecidos já têm de que fazer testamento. E mais diria em vosso louvor, se não fôsseis meus.» Também me hei-de referir à evangélica virgindade, cujo glorioso estandarte arvorou sobre a terra, primeira entre todas as mulheres, Maria, a grande Mãe de Deus; virtude que semeou na Igreja os seus cândidos lírios e que o nosso santo foi o primeiro a fazer brotar nesta sagrada terra veronesa, tanto entre os espinhos do século como na recôndita quietude claustral ou nos floridos prados da cristandade. Zeno dava conselho a muitas santas virgens entre as domésticas paredes; e a muitas no silêncio de um claustro estatuía-lhes normas e regras, sendo ele no Ocidente o primeiro que encerrou nos sagrados recintos aquelas almas que entre os homens queriam levar vida de anjos.
Não, não, Verona; a fertilidade do teu solo, a amenidade das tuas famosas colinas, a suavidade do teu clima, a magnificência dos teus monumentos não é o que constitui a tua verdadeira beleza e glória, o que te faz ser celebrada: porque de que te serviriam os teus esplendores sem a fé em Jesus Cristo? Oh, fé augusta, tu és o decoro das nações, a paz dos povos, a honra daquela cidade, onde foste semeada. Tu ensinas aos grandes o uso do poder, o uso das riquezas aos opulentos; tu unes na sociedade os homens com vínculos de caridade. Mas, sem ti, os reinos são infelizes, míseras as cidades; vacilam os tronos, que só o temor mantém de pé; perde-se o amor à lei; espezinha-se a virtude e honra-se o vício; aumentam desmedidamente os cabedais dos ricos, fazendo muitos outros pobres. Sem ti, com a opressão sacia-se o orgulho; com a traição, a injustiça; com o roubo, a cupidez e com o sangue alheio, diria, até a ânsia de diversão e a bárbara curiosidade. Recorda, ó Verona, quando em teu famoso e monumental anfiteatro só com o objectivo de prazer atiçavas as feras contra os gladiadores: deleitavam-se elas devorando, por natural instinto, a carne humana e regozijavas-te tu, por estudada barbárie, com o cruel espectáculo do sangue humano.
Olha-te agora a ti mesma, depois de teres visto no espelho do passado os males que inundaram as tuas ruas. Esta suavidade dos teus costumes, onde estaria agora sem a fé? Onde essa ordem que te conserva? Onde o ornato das virtudes que te dão brilho? Oh!, bendizei, pois, veroneses, mil vezes Zeno, que, proporcionando-vos com seus suores a fé, vos foi pródigo por ela em todos os outros benefícios e favores; bendizei este grande apóstolo que vos conquistou para Jesus Cristo; bendizei este pai amoroso que vos regenerou para a vida imortal da graça; bendizei este sublime pastor que, para vos guiar para os escolhidos pastos da doutrina do Evangelho, suportou trabalhos, fadigas, angústias, sofrimentos, consumindo num contínuo e penoso martírio toda a sua vida.
E certamente, senhores, foi Zeno um verdadeiro mártir de Jesus Cristo. Não falarei aqui deste aspecto, porque, traço a traço, vo-lo fui delineando neste breve e rapidíssimo sermão e estenderei um véu sobre toda a série de angústias, perseguições, traições, insídias, cruzes e martírios que, à semelhança dos apóstolos e de todos os fundadores das Igrejas, suportou o nosso santo em nome de Cristo a fim de ganhar para Ele a nossa querida Verona. É verdadeiro mártir de Cristo – diz em substância S. João Crisóstomo – aquele que, mesmo sem efusão de sangue, alimenta no seu peito uma alma intensamente desejosa de conseguir a glória de Deus e um coração a arder em desejo de morrer por Jesus Cristo para a salvação das almas; e S. Cipriano chama mártires aos que sofreram muito por Jesus Cristo. Mas antes de tudo está o juízo – que eu venero profundamente – dos padres e dos escritores antigos que chamam mártir a Zeno. Por isso, dobro respeitoso a fronte perante a majestade do culto externo e dos sagrados ritos, venerando o sentir da Igreja, que, de vermelho vestida, honra o nosso santo como verdadeiro mártir nesta solenidade de hoje, a da invenção do seu santo corpo, e ainda na mais esplêndida festa do aniversário do seu nascimento. Inclino-me igualmente perante a glória do seu nome e do seu culto, mediante o qual, apenas livre dos mortais despojos e entregue a sua alma a Deus, voou nas asas da fama e encheu de devoção não somente Verona, mas também outras cidades e reinos, onde recebeu honras que só aos santos mártires se prestavam.
Glória, pois, a Zeno, verdadeiro apóstolo e mártir de Jesus Cristo. E vós, meus mui dilectos veroneses, julgai por quanto até agora assinalei, se S. Zeno podia proporcionar-vos maior glória e grandeza com o seu sublime apostolado e com a sua preciosa morte, tendo assegurado entre vós a fé de Jesus Cristo, a qual é, para todos os povos que a acolhem em seu seio, único princípio e fundamento da autêntica grandeza e da verdadeira glória.
Segunda parte
Não julgueis, senhores, que, ao acabar-se a preciosa vida de S. Zeno, cessou também a fonte dos seus dons para com Verona; no decurso de todos os séculos, a sua protecção do Céu foi grande e de assinaláveis benefícios.
Destruída em Verona a idolatria e lançadas fora da nossa cidade as pestilentas heresias por obra do invicto e santo bispo Zeno, noutras partes da Itália e do mundo cristão desencadearam-se contra a fé católica renovadores e hereges de toda a espécie, procurando manchar a sua imaculada doutrina. Cidades, províncias, reinos e nações abandonaram-se então nos braços do erro; e, viradas as costas às fontes da vida, corriam a matar a sede nos pútridos esgotos da heresia. Mas em Verona, oh!, não! Em Verona não definhava a fé. Antes, pelo contrário, mostrava-se mais viva, porque nessa época produzia frutos preciosos de piedade, de religião: era então que fazia nascer no seu seio templos magníficos, que levantava conventos e claustros e que as suas gentes de todas as categorias, de todas as condições e idade traduziam em obras as mais heróicas virtudes.
Como podia ser de outro modo? Em Verona a fé permanecia firme a toda a prova, porque as pessoas daqui, como resultado do zelo, dos suores, dos sofrimentos, da morte e protecção de S. Zeno, seu apóstolo, a professavam intrépidas e a praticavam com constância. E quando mais tarde a própria Itália se debatia como vítima de transtornos, quer políticos quer religiosos, e quando, às vezes, entre os horrores das facções civis, entre a anarquia das opiniões, ela via, por um lado, como corria o sangue dos seus filhos e, por outro, como grande número deles se afastava do centro de união da Roma papal, em Verona nem a paz se perturbava nem a fé enfraquecia. Governada pelos seus próprios príncipes e administradores e súbdita da Rainha dos Mares, partilhava com Ela a glória das suas conquistas e, sempre unida à cátedra de Roma, vivia do seu espírito, que é espírito de verdade e vida. A fé reportava a Verona tão belos triunfos, porque do fervoroso patrocínio do seu apóstolo e pai colhia todos os dias nova força e poderosa virtude.
E quanta solicitude pela Igreja veronesa não mostrou sempre lá do Céu o seu ínclito padroeiro! Perpetuou nela os seus paternais cuidados por meio dos vinte e oito bispos santos, que veneramos nos altares, e que, depois dele, ocuparam a sua santificada sede episcopal, aos quais transmitiu o seu espírito e o seu amor. Do alto Céu manteve aqui a fé e a coragem e fez digníssimos herdeiros das suas pastorais solicitudes mais de outros cem bispos, que até aos tempos actuais se distinguiram na insigne cátedra de Verona. Com as suas impetrações do Céu obteve para o clero veronês o zelo, a fé, a seriedade de costumes e a eclesiástica disciplina, que tanto a honram. Lá do céu contempla ainda o povo veronês como seu, ama-o como pai e cuida dele como celestial pastor.
E que dizer dos tempos presentes, senhores? Hoje em dia não há ninguém que contemplando a nossa Verona não sinta grande admiração para com ela. Enquanto noutras partes a fé se vê exposta a graves perigos e, oh, desgraça!, em muitos lugares da nossa Itália ela se vai enfraquecendo, porque lhe foi declarada uma guerra tremenda de morte e extermínio, não é para ficar maravilhado ao ver que aqui brilha a fé em toda a sua plenitude? Quantas provas de reverência, de submissão à Igreja Católica destes vós no decurso dos últimos anos? Quantas provas de profundo respeito manifestastes à infalível cátedra e à sede de Pedro, fortalecidos pela sua fé, alentados pelo edificante exemplo desse venerável e eminentíssimo príncipe, que é o nosso bispo e pai? Quantas demonstrações de amor filial oferecestes vós ao angélico Pio IX, de santa memória, o qual foi tanto maior quanto mais vilipendiado, discutido e atormentado pelos seus inimigos? E quantas tributaram ao seu venerando sucessor Leão XIII, gloriosamente reinante?
Eu di-lo-ei, senhores; todos o dirão comigo: muitas. Porque aqui, em Verona, a fé não pode diminuir, nem perder jamais, por um só instante, o seu vigor e esplendor. E isto porque os suores e sofrimentos de Zeno, o seu luminoso apóstolo, o seu martírio gritam incessantemente ao Pai Eterno para que aqui a fé se mantenha sempre assim sólida e não sofra detrimento por qualquer vicissitude. Sem dúvida, por especial providência de Deus, permaneceram entre nós os seus sagrados restos mortais, que há poucos anos, em solene júbilo geral, foram encontrados de novo no antigo e monumental subterrâneo desta grandiosa, esplêndida basílica e que foram sempre para Verona e para nós fonte inesgotável de graças e bênçãos.
Salve, pois, ó santo venerado, ínclito protector desta ilustre cidade; salve, ó santo pai Zeno. Aceita, eu to peço, a súplica que, voltado para ti, eu te dirijo do fundo do coração: neste dia solene, faz descer em maior medida as bênçãos do Céu sobre este povo. E como ele te prometeu ser todo teu, faz com que possa, graças a ti, ver atendidas as suas súplicas, cumpridos os seus desejos.
Mas quero ainda depositar outra súplica, ó gloriosíssimo santo, sobre este sagrado túmulo que há mais de quinze séculos é fonte fecunda de tantas graças e misericórdias. Dirige um olhar piedoso para aquelas gentes da África Central, desde há tantos séculos dobrados sob o jugo de Satanás, sobre as quais pesa ainda tremendo o horrível anátema de Cam. Desta querida Verona saiu a poderosa faúlha do sagrado fogo destinado a iluminar aquelas nações e a dar vida e prosperidade a essa desolada vinha de Cristo, eriçada de tantos espinhos, que Deus quis confiar à minha indignidade e às minhas fracas e ineptas solicitudes pastorais e pela qual também palpitou e morreu na Cruz o Sacratíssimo Coração de Jesus.
A partir desse glorioso túmulo, fonte de tantas misericórdias, estende, ó Zeno, a tua piedosa mão sobre esse cenáculo de futuros operários evangélicos e de sagradas virgens, que se formam e preparam para o árduo e laborioso apostolado africano e que surgiu, não há muito, nesta religiosa cidade, sob os próvidos auspícios do nosso mui benemérito cardeal-bispo, teu digníssimo sucessor. Digna-te também, ó glorioso Zeno, suscitar nesta sagrada terra veronesa vocações escolhidas para o árduo e santo apostolado da Nigrícia; e faz que desta religiosa cidade e diocese, graças à poderosa ajuda de assíduas e fervorosas orações e à de santas e generosas vocações apostólicas de teus filhos, seja transplantado para a África o precioso tesouro dessa fé católica que tu antes, vindo da África, nos trouxestes para Verona; e isto para que essa fé santíssima, que constitui a verdadeira glória do povo veronês, converta a África e a infeliz Nigrícia em nascente inesgotável de redenção e de vida. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen.
† Daniel Comboni
N.o 957; (914) - A P.e LUÍS GRIGOLINI
APMR, F/R
22 de Agosto de 1880
Dedicatória num breviário.
N.o 958; (915) - A MGR. AGOSTINHO PLANQUE
ACR, A, c. 15/143
Verona, Insto. Africano, 22 de Agosto de 1880
Meu caríssimo superior,
Com a maior satisfação da minha parte, Sua Em.a o cardeal-prefeito da Propaganda fez-me saber que o senhor está disposto a aceitar uma missão no meu Vicariato, dispondo para isso de um número relevante de elementos. Eu, pelo contrário, tenho bem poucos; daí o meu interesse como pastor de tantas almas em obter os meios para as conduzir ao redil de Jesus Cristo, sem me importar se sou eu ou outros, se é o meu instituto ou outro qualquer que o faz, contanto que Cristo seja anunciado.
Apenas Sua Eminência me deu a conhecer o seu beneplácito, encarregando-me de conceder ao senhor uma porção do meu Vicariato, a qual contenha não só osso mas também carne, ou seja, um bom clima, como base de operações, escrevi logo aos meus missionários expondo-lhes o meu projecto sobre a parte a fazer objecto de tal concessão. Mas como a resposta tardará ao menos três meses a chegar e dado que S. Em.a deseja ver resolvido este assunto antes da minha partida para o Vicariato, para onde devo ir logo que possível (embora o meu estado de saúde não seja bom), ou seja, dentro de umas semanas, vou dizer-lhe em duas palavras o que decidi fazer para o maior benefício e... [falta uma parte] ... de nos entendermos em tudo. Agora diga-me: «estaria disposto a... [falta toda a última parte] ...
[† Daniel Comboni]
Original francês
Tradução do italiano
N.o 959; (916) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., 8, ff. 1073-1079
Verona, 27 de Agosto de 1880
Eminentíssimo e Rev.mo Príncipe,
Há cerca de duas semanas recebi em Ischl, aonde fui apresentar os meus respeitos ao imperador da Áustria, protector da missão, a sua venerada carta de 3 do corrente; e tendo compreendido bem todo o alcance e o significado, pus-me a meditar seriamente se, dada a minha reduzida valia e fraqueza, ainda posso ser verdadeiramente útil ao apostolado africano, sem dúvida o mais árduo e espinhoso da Terra, ou se, pelo contrário, acabo por ser prejudicial. Tanto mais que agora, por causa das inumeráveis fadigas, privações, doenças, febres, preocupações, lutas e contradições suportadas durante muitos anos e especialmente no último terrível período da carestia e epidemia, me tornei realmente mais sensível aos golpes da adversidade e muito mais fraco para levar as cruzes.
Mas como sempre se deve confiar unicamente em Deus e na sua graça, pois quem confia em si mesmo confia (com perdão) no maior burro deste mundo e, considerando que as obras de Deus nascem sempre ao pé do Calvário e que devem ser marcadas com o adorável selo da cruz, pensei abandonar-me nos braços da Divina Providência, que é fonte de caridade para os desditosos e sempre protectora da inocência e da justiça e, em consequência, pôr-me nas mãos dos meus superiores, verdadeiros representantes de Deus e do Vigário de J. C., isto é, nas de Vossa Em.a rev.ma e nas do Em.o cardeal de Canossa, designado por V. Em.a e seus veneráveis predecessores no governo da S. Congregação para me assistir na minha santa empresa.
E antes de tudo agradeço vivamente a V. Eminência por ter levado tão eficazmente o Em.o card. Canossa a continuar a ajudar-me tanto na eleição de um bom vigário como na supervisão dos meus Institutos fundamentais de Verona. E estou igualmente muito reconhecido a V.a Em.a e profundamente comovido pelo seu zelo tão vigilante e prudente, e pela piedosa preocupação que utiliza, a fim de que a minha árdua e espinhosa empresa, tanto em Verona como no Egipto e no Vicariato, avance segura e incólume para a sua santa meta e assim se consiga converter à fé e à civilização cristã essa desolada porção da vinha, tão eriçada de espinhos, que foi confiada aos meus pobres cuidados.
Apenas me foi possível obter audiência, apresentei-me ao Em.o de Canossa para lhe suplicar em nome de V. Em.a: 1.o) que continue a assistir-me, como tem feito desde há três anos, para o bom funcionamento dos meus institutos africanos de Verona; 2.o) que me dê um excelente e capaz sacerdote do seu clero, para que me preste a sua ajuda como vigário in spiritualibus e como administrador dos bens temporais da obra e do Vicariato.
Ao primeiro respondeu: «Sim, de boa vontade. Faço-o com gosto, pelo carinho que tenho à obra e à missão e porque desejo que as pobres almas dos negros sejam salvas. Sim, continuarei com muito prazer a fazer o pouco que posso; e, embora apenas esteja na minha mão a pequena parte que depende de mim como bispo de Verona, tenha isso como certo.»
Ao segundo: «Não tenho ninguém de quem possa dispor e não me é possível fazer nada. Os meus bons sacerdotes, cada vez mais escassos, preciso-os para mim: não posso privar deles a minha diocese para socorrer outra, etc., etc.». Em suma, depois de duas boas horas de discussão, de súplicas da minha parte, de negativas da parte dele, de insistências minhas, de negativas dele, etc., etc. (e na sala de visitas contígua havia vários párocos à espera), decidiu finalmente que me concederia um excelente, capaz e diligente sacerdote, que para mais é forte, prudente, sábio, etc. Trata-se do muito rev.do Padre Francisco Grego, da diocese de Verona, nascido em 1833, de 47 anos de idade, que esteve sete anos de coadjutor em S. Máximo, quatro como pároco de Prun e doze arcipreste vigário forâneo em Montório Veronese, e que portanto é um homem versado no assunto das almas e no seu governo espiritual. Há vinte e cinco anos sentiu-se fortemente chamado a ser missionário da África Central, vocação já aprovada pelo meu falecido e santo superior P.e Nicolau Mazza, mas não a pôde seguir por se encontrar no dever de manter a sua mãe, a sua irmã e também um seu tio, que foi para ele sempre um pai; e depois porque o Em.o de Canossa nunca o deixou partir, porque considerava necessária a sua presença na sua grande e importante paróquia e vigararia, etc.
Em suma, S. José fez o favor de me obter este colaborador, que considero muito valioso. Eu tinha pedido outro mais, mas em vão. Fui logo a Montório comunicar ao arcipreste vigário forâneo, P.e Francisco Grego, as decisões de Sua Em.a e a condição por mim aceite de manter os seus na casa principal de uma quinta que tenho no campo, onde o tio me servirá de capataz ou encarregado (dirigirá a quinta) e viverá com a mãe e a irmã. Não cabendo em si de gozo após ouvir isto, o arcipreste disse-me que dentro de dois ou três dias manifestaria a sua resolução à sua mãe, a qual tinha declarado mais de uma vez que ela nunca se oporia à verdadeira vocação do filho. Ao mesmo tempo, pedi-lhe que fizesse quanto antes as diligências na cúria episcopal a fim de que fosse nomeado um substituto para a sua paróquia e vigararia.
Eis senão quando, o em.o cardeal bispo de Verona fez-me observar que não convém mudar de repente um sacerdote da Europa para a África Central; pelo que se chegou ao oportuno acordo de destinar o rev.do P.e Francisco Grego para superior dos meus estabelecimentos do Cairo, por um ano, a fim de se aclimatar e adquirir prática das coisas orientais. Aí será ao mesmo tempo o administrador-geral dos bens temporais, fazendo-se ajudar na administração privada dos meus institutos do Cairo por P.e Francisco Giulianelli, romano, que nesse campo é muito experimentado.
Esta parece-me uma ocasião propícia para me desfazer daquele que foi a causa primeira de todos os meus problemas e que suscitou e manteve viva a discórdia nos meus missionários do Vicariato. Falo de P.e Bartolo Rolleri, que desde 1873 até Maio passado foi superior dos meus institutos do Egipto.
A opinião e o juízo que sobre ele acabo de expressar a V. Em.a são por mim proferidos após madura reflexão e com pleno conhecimento de causa; e se eu tivesse seguido os conselhos repetidos de pessoas muito sérias, teria feito melhor tê-lo despedido já em 1877. Mas como é um sacerdote devoto e de boa conduta moral – e a boa conduta é a melhor pregação para os infiéis –, e como além disso é diligente nos seus deveres sacerdotais, sempre mantive a esperança de que corrigisse os seus graves erros e defeitos. Porque é um homem de uma teimosia, de uma cabeça tão dura como nunca vi. E ainda por cima está dominado pela paixão: vê tudo negro nos seus adversários e tudo branco nos que estão do seu lado.
Desde 1868 até 1875 ele era um dos meus confortos: sábio, obediente, respeitoso – ainda que pouco expansivo –, gostava de mim como de um pai e eu correspondia-lhe como um irmão. Em Outubro de 1875, por causa de uma circunstância que ainda não sei explicar, enganado por inimico homine, que lhe deu a entender o que quis, ficou obsessionado com a ideia de ocupar o meu lugar. A partir de então, escreveu dezenas de cartas aos meus missionários do Vicariato, incitando-os a juntarem-se-lhe como um só homem, para recorrer à Propaganda contra mim (entre as que tenho aqui e em Cartum, disponho de mais de trinta cartas para provar isso); e como a maior parte deles se negaram por dever de justiça e de respeito à verdade, ele converteu-se num inimigo e caluniador (sempre, isso sim, «em consciência»!?) daqueles que não responderam à sua chamada. Assim continuou por muito tempo e depois acalmou-se, sobretudo quando levei para o Vicariato como administrador e vigário o saudoso P.e António Squaranti, em conformidade com o que me tinha ordenado a S. Congregação.
Contudo, quando já em Cartum o santo e prudentíssimo sacerdote Squaranti examinou bem as coisas, escreveu-lhe para o Cairo a dizer-lhe que ele, Rolleri, tinha sido a causa de todos os problemas do Vicariato, ao desacreditar injustamente o chefe da missão entre os missionários, seus subordinados (foram napolitanos quase todos os que num momento ou noutro fizeram caso das incorrectas insinuações dele) e ao ofendê-lo de mil maneiras. Então estalou uma disputa entre os dois, que só terminou com a morte de P.e Squaranti. Porém, como P.e Rolleri é um homem de mentalidade muito fechada e cabeçudo, continuou ainda a desacreditar esses bons missionários que não partilhavam dos seus pontos de vista. E vendo que eu, após conhecer a verdade no lugar dos factos, não me dobrava às suas exigências, pediu as cartas dimissórias para se ir embora para outro lado, as quais, imediatamente concedidas, lhe enviei de Cartum em Janeiro de 1879, rogando-lhe apenas que esperasse até eu destinar outro superior para o Cairo, cargo que eu tinha previsto para o ex-capuchinho P.e Bellincampi, do colégio de Bastai, que tinha ido para o Cairo com autorização da S. C. da Propaganda.
Mas como eu não recebia do Cairo senão tristes notícias desse indivíduo, supliquei de novo a Rolleri que permanecesse no seu posto até à minha chegada ao Cairo, coisa que fez. Contudo, depois de eu ter ido até lá e depois para Roma – de onde, após consultar por meio do prof. Pennachi o Em.o card. Consolini, despedi do insto. do Cairo Bellincampi, não o considerando chamado à missão da África Central –, Rolleri não falou mais em abandonar a minha obra. Note-se que ele sempre se negou a ir para o Vicariato, apesar dos meus repetidos convites de 1875 em diante, convites que lhe fiz quer para que lá trabalhasse quer para ver com seus próprios olhos como as coisas eram e rectificasse os seus injustos e erróneos juízos.
Mas ele, ainda que nunca tivesse visto nem um palmo do Vicariato, ainda que nunca tivesse passado para lá do Cairo e do Suez, pretendeu ter sempre o dom da infalibilidade ao ajuizar sobre coisas sem importância e sobre o pessoal do Vicariato, passando por cima da opinião do bispo e vigário apostólico. Depois, em Maio último, obtida a respectiva autorização, veio para a Itália, para Roma, e agora está na sua terra, mas com ideias de em Outubro voltar para o Egipto. Declarou-me que não irá nunca para a África Central, nem aceitará ficar em Verona, que só pertencerá à obra na condição de continuar no meu instituto do Cairo, como superior – entenda-se. Tendo eu anteontem referido tudo isto ao Em.o card. de Canossa, Sua Em.a decidiu comigo convidar Rolleri a ficar no instituto de Verona, ajudando o meu venerado reitor, o P.e José Sembianti e sob a vigilância do em.mo bispo; caso contrário que vá para onde quiser.
Por outro lado, falando a V. Em.a com filial confiança (e alegrar-me-ia muito de estar enganado e de me poder retractar), acrescentarei a este respeito que as sinistras notícias que chegaram à S. Congregação sobre o funcionamento do Vicariato, e de que no mesmo não há ninguém que me possa fazer de vigário, bem como a falsa informação acerca de P.e Bonomi, etc., etc., tudo isso tem o seu princípio directo ou indirecto, tem como autor principal Rolleri, que manobrou todos os cordelinhos, etc. Mas não importa: a verdade virá ao de cima, porque Deus é misericórdia, caridade e justiça, e saberá tirar destas providenciais vicissitudes o maior bem para a África. E um bem é que entretanto eu ganhei um colaborador, P.e Grego, o qual, se não é apto para pregar em árabe, pela sua idade já um pouco avançada para o aprender correctamente, será utilíssimo para dirigir os assuntos e manter a boa disciplina e o bom funcionamento das coisas, a fim de que caminhem segundo o espírito de Deus.
De resto, por amor à verdade, devo dizer-lhe que o Vicariato não vai tão mal como foi referido a V. Em.a (e não duvide de que me retractarei se na minha próxima visita pastoral verificar o contrário). O rev.do P.e Luís Bonomi tem 39 anos, foi coadjutor durante sete anos e desde 1874 está em África, onde fez muita prática e se tornou um verdadeiro missionário. Esta é a minha humilde opinião sobre ele. Não digo que tenha todas as qualidades para ser vigário, pois faltam-lhe as boas maneiras e não reúne todas as condições para tratar convenientemente com as autoridades e com os subordinados: é demasiado duro. Porém, quanto à rectidão de pensamento, zelo, abnegação, lealdade, humildade e obediência é um dos melhores que um vigário apostólico pode ter, sobretudo porque é fiel ao seu dever. Mas, como às insinuações que em 1875 lhe fez Rolleri para se rebelar contra mim, ou seja, de se lhe juntar (Bonomi estava em Gebel Nuba e Rolleri no Cairo), ele não respondeu nada, mas só lhe mandou dizer, ou seja, fez com que lhe fosse respondido por carta que Bonomi não reconhecia outros superiores senão os que lhe dava a Santa Sé ou os que a representam a ela, granjeou a sua inimizade. Foi tanto assim, que há três anos e meio, com a ajuda de dois napolitanos, etc., levantou contra ele a gravíssima calúnia de que, algumas noites, era visto com uma Irmã, coisa que eu e o rev.mo Squaranti, logo em Junho de 1878, pusemos a claro, com a confissão e retractação formal do caluniador.
E noutro caso, valendo-se da calúnia de um padre napolitano que Carcereri tinha levado para África a instâncias do arcebispo de Trani, acaloradamente e com ameaças induziu-me a expulsar da missão um missionário piemontês; assim que, eu, mediante um telegrama, já tinha chamado a Cartum o referido missionário, P.e Gennaro Martini. Mas de repente o padre caluniador napolitano sofreu uma febre fortíssima e, temendo partir para o outro mundo, fez por escrito uma conscienciosa retractação, na qual declarava que o que ele tinha escrito a Rolleri era pura calúnia e uma invenção sua para ganhar os favores de Rolleri; desta retractação deu cópia a Rolleri e a mim (a qual levarei comigo para Roma, e o arcebispo de Trani, vendo a carta, poderá atestar a verdade e autenticidade do escrito). Pois bem, depois de Rolleri ter recebido esta declaração, feita quase no leito de morte pelo caluniador (que daí a quatro meses morreu de verdade), não deveria Rolleri retractar-se diante de mim da calúnia contra um sacerdote inocente? Contudo, não o fez e deixou correr a calúnia, e isto em consciência... que é a expressão que sempre utiliza. Em suma, eu experimentei o martírio. Mas estou contente, porque assim o quis o Senhor e perdoo a todos.
Quanto a Martini, cansado voltou para sua casa.
Quanto ao resto, nem o Vicariato nem a minha obra vão como diz Rolleri. O remédio capital que havia que aplicar à minha obra era reconstituir o meu instituto de Verona sobre bases muito sólidas, sobretudo dando-lhe um excelente e eficaz superior. Foi o que fiz vindo à Europa e consegui-o com a ajuda do veneradíssimo card. Canossa, como espero que V. Em.a saiba. Este instituto dar-me-á bons missionários.
Tenho outras coisas para fazer, a primeira das quais é ir quanto antes para o Vicariato, etc., etc., etc. E também devo responder às suas veneradíssimas cartas, mas fá-lo-ei amanhã ou depois.
Por carta e telégrafo combinámos o rev.mo Planque e eu encontrar-nos em Turim e pormo-nos de acordo sobre tudo o que vamos fazer nesta novena da Madonna del Popolo.
Perdão por ser tão prolixo. Beijo-lhe a sagrada púrpura e sou
De V. Em.a Rev.ma ob.mo, respeit.mo filho
† Daniel Comboni bispo e vig. ap.
N.o 960; (917) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/15
Verona, 28 de Agosto de 1880
Meu caríssimo P.e Francisco,
Quando tiver que pagar provisões ou outras coisas recebidas de Roma (como vejo que pagou em Roma algumas centenas de francos, mandando-os do Egipto), não envie dinheiro, mas avise-me a mim e eu mandarei efectuar o pagamento por meio do meu banqueiro. Finalmente vimo-nos livres de P.e Grieff, que destruía o nosso instituto e era causa, com o seu exemplo e com as suas graves insinuações, de que alguns abandonassem o mesmo, para vergonha nossa. Desde que pus a vigorar a regra, chamando para reitor um santo sacerdote como é o P.e Sembianti, Grieff, que não tem espírito, foi o primeiro a não observá-la, arrastando muitos outros. Por isso, após consultar o Em.o card. de Canossa e o prudentíssimo geral dos estigmatinos, dei a Grieff as dimissórias e quarta-feira, pela manhã, partiu para a sua diocese do Luxemburgo.
Graças sejam dadas ao Senhor. Tinham razão Fuchs e Bouchard, Moron e Dichtl, ao escreverem-me o que escreveram, porque tendo vivido juntos o conheciam. Graças sejam dadas ao Senhor uma vez mais. Diga a Dichtl e a P.e José que Grieff se foi para sua casa. Agora o instituto vai muito bem.
Com os cinco mil francos que lhe mandei satisfaça as necessidades urgentes. De Colónia enviar-me-ão dinheiro só a mim quando eu estiver no Egipto. Entretanto, industrie-se. Estou a arranjar as coisas para partir quanto antes. A minha bênção para todos vós e para as Irmãs, etc.
† Daniel bispo
Escreva-me para Roma dirigindo as cartas à sua mãe, da qual as receberei eu mesmo. Saúde da minha parte P.e Paulo Rosignoli, P.e Pedro, os padres jesuítas e todos os do nosso instituto. É muito provável que eu leve para aí um professor árabe, dado que o outro foi-se embora para a Síria.