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N° Escrito
Destinatário
Sinal (*)
Remetente
Data
761
Do livro de baptismos
1
Cartum
1. 5.1878
N.o 761 (722) - DO LIVRO DE BAPTISMO DE CARTUM

ACR, A, c. 10/9



Cartum, 1 de Maio de 1878



Relação de baptismos.





762
M. Eufrasia Maraval
0
Cartum
5. 5.1878
N.o 762 (723) - À MADRE EUFRÁSIA MARAVAL

ASSGM, Afrique Centrale Dossier



N.o 1

Cartum, 5 de Maio de 1878



Caríssima madre Eufrásia,



[5100]
Há vinte dias que cheguei a Cartum, depois de uma longa e penosa viagem. Uma longa experiência fez-me tomar as seguintes medidas para tornar mais fáceis as viagens dos missionários e das Irmãs da África Central. Assim, alguns percursos, que foram fadigosos até ao presente, converter-se-ão num agradável e cómodo passeio desde o Cairo até Cartum para os missionários e as Irmãs.


[5101]
1.o As partidas dos missionários e das Irmãs efectuar-se-ão somente nos meses de Setembro ou Outubro e raramente em Novembro. Nunca se sairá nos restantes nove meses do ano.


[5102]
2.o Os missionários e as Irmãs seguirão sempre a rota de Suakin, no mar Vermelho, embora seja mais cara que a do Nilo, e só levarão consigo o equipamento e as provisões necessárias para a viagem até Cartum. Assim as Irmãs poderão chegar aí a partir do Cairo em quarenta dias e encontrar sempre no deserto entre Suakin e Berber água e uma frescura confortável.


[5103]
3.o Todas as provisões, roupas e artigos necessários nas diversas missões da África Central serão enviados por uma nova empresa franco-egípcia, que recentemente se criou para o transporte entre os portos da Europa e o Sudão egípcio, sendo Cartum um dos seus pontos centrais.


[5104]
Como as mercadorias e as encomendas não pagarão direitos aduaneiros nem em Alexandria nem em Suakin se forem enviados à seguinte direcção, a casa-mãe deve fazer-me chegar directamente as caixas e as encomendas que receber para mim de Lião, Paris e de outras partes da França, pondo como endereço: «Ao I. R. cônsul austro-húngaro em Alexandria (Egipto), para S. E. rev.ma D. Comboni, bispo e vigário apostólico da África Central em Cartum.»


[5105]
Assim faço uma poupança de muitos milhares de francos cada ano.

Em Cartum encontrei uma carestia espantosa, assim como em todo o Sudão, por falta de chuvas. De tal modo que o milho, que estava a 7 francos o ardeb, paguei-o em Berber e Korosko a 60 francos e aqui em Cartum a 45. No Cordofão pagamos a água a um franco a bormah (4 litros) e a manteiga, que tinha meio franco o rótulo [45 gramas], custa 2 francos e em Korosko e Berber 3. Porém, S. José, meu ecónomo, será o remédio de tudo. Fará escorrer das suas barbas moedas aos milhares.


[5106]
Passemos a nós. Encontrei as minhas caras quatro Irmãs de Cartum no estado de perfeita saúde, sobretudo a Ir. Severina, que desde há dois anos e meio não teve uma dor de cabeça, embora trabalhe dia e noite.

As nossas quatro Irmãs de Cartum são um milagre de abnegação e caridade. A Ir. Severina é uma verdadeira madre; a Ir. Germana, o tipo da verdadeira missionária; a Ir. Eufrásia, um anjo, e a Ir. Henriqueta uma verdadeira irmã da caridade, que em tudo tem sucesso. Estas quatro possuem o autêntico espírito da sua admirável congregação. Na sua simplicidade e entrega e sem alardes, suportaram todos os trabalhos desta difícil missão. Elas são como quatro padres que trabalham por oito.


[5107]
Porém, há que ter piedade delas. Precisam-se, ao menos, outras quatro Irmãs para Cartum, além da madre provincial ou superiora principal do Sudão, que possa visitar as outras casas; e para as casas de El-Obeid e de Malbes fazem falta pelo menos outras quatro Irmãs mais, para além das quatro que temos no Cordofão.

Assim que para o mês de Julho ou ao menos para Setembro, deve a senhora mandar (peço-lhe com lágrimas nos olhos) nove Irmãs; quer dizer, oito, mais uma madre provincial ou superiora principal. O Vicariato da África Central é o mais grande e laborioso; aqui o trabalho da Irmã é um sacerdócio. Nos lugares onde elas estão, a missão é sólida.


[5108]
Temos que criar tudo e, por isso, as Irmãs na África Central têm mil vezes mais méritos que em todas as demais missões do universo.

A congregação de S. José, com a sua heróica caridade na África Central, ganhou muita estima entre os espíritos mais egrégios e iluminados. Foi provada com a morte de algumas Irmãs, vítimas da caridade, mas, depois das provas, alcança-se o triunfo.


[5109]
Na actualidade já não existem os principais obstáculos que impediam o progresso da missão e que tinham significado um transtorno para todo o Vicariato. Agora afastei também do Cordofão P.e Policarpo, que trouxe as três últimas Irmãs para Cartum e que lhes provocou grandes sofrimentos. Ordenei-lhe que viesse para Cartum e, daqui, enviá-lo-ei para a sua diocese.


[5110]
Verá como a casa do Cordofão irá bem. Sei que a Ir. Ana e a Ir. Maria Josefa pediram várias vezes para voltarem à Europa e não serei eu quem lhes vai dizer que não. Estas Irmãs sofreram grandemente por causa de injustiças, sobretudo a Ir. Ana; trabalharam intensamente pela missão e têm muita virtude.


[5111]
A Ir. Ana suportou muito consideráveis sofrimentos e humilhações pela justiça e trabalhou pela missão mais que dois sacerdotes. A Ir. Maria sustentou a missão do Cordofão com as outras Irmãs nos momentos mais críticos e ambas ganharam grandes méritos diante de Deus e da África Central, como disse ao Papa e a S. Em.a o card. Franchi. Conhecendo a minha gente, espero encontrar a casa do Cordofão, sob a direcção sábia e suave da Ir. Arsénia, como encontrei a de Cartum.


[5112]
Porém, por amor de Deus, mande-me ao menos nove Irmãs este ano. Uma Irmã na África Central trabalha com mais mérito que dez delas nas outras missões, porque aqui temos que criar tudo. Aqui encontramo-nos no mesmo estado em que se encontrava Marselha depois da morte de Jesus Cristo, quando chegou S. Lázaro com as suas Irmãs. As nossas Irmãs sofreram bem a sua parte: terão o seu triunfo. As obras de Deus devem nascer e crescer ao pé da cruz. A congregação de S. José receberá mil bênçãos do Céu por ter sido a primeira em acorrer em ajuda do Vicariato da África Central, que é digno da sua entrega.


[5113]
Em sufrágio da nossa querida madre geral fizeram-se funerais com missas solenes em Verona, no Cairo, em Berber, Cartum, no Cordofão e no nosso barco fluvial, em Schellal, onde recebi a triste notícia. Depois celebrámos sessenta e cinco missas.

Devo confessar, para esclarecer as coisas, que não sei explicar a causa pela qual ainda não existe o acordo que se devia ter estabelecido entre a madre geral e mim, em relação às nossas Irmãs. Apenas chegada a Roma no passado Verão, acertámos perfeitamente tudo e só faltava pôr tudo por escrito. Depois chegaram os dias antecedentes à minha sagração, com os preparativos. Ela estava doente, a Ir. Catarina morta e eu, muitíssimo cansado, após a minha sagração episcopal, abandonei Roma, deixando lá o meu secretário expressamente para concluir esse assunto com a madre geral e com a Propaganda.


[5114]
Mas, apesar de todas as diligências do meu secretário e o pleno acordo da madre geral e do Cardeal, não se fez nada. A madre geral foi uma grande mulher do Evangelho; apresentou-se perante o tribunal de Deus com o assombroso historial de quarenta e três anos de apostolado empregues nas missões e no serviço das almas e da Igreja Católica.

Que bispo ou patriarca pode apresentar-se diante de Deus com tantos méritos, tantos trabalhos e tantas empresas levadas a cabo pela Igreja e pela fé? Certamente que S. Pedro abriu todas as portas do Paraíso à madre Emilie Julien e colocou-a nos lugares mais altos do Céu!


[5115]
Mas temos pendentes os assuntos da África Central e é a si, minha boa madre, a quem o Céu reservou perpetuar a existência canónica das Irmãs na África Central, que é uma missão muito diferente de todas as outras. Por isso, creio necessário ver a maneira de estabelecer um acordo perpétuo com o Vicariato da África Central.

É preciso que a senhora encarregue a nova provincial ou superiora principal da África Central – que espero que a madre envie em Setembro próximo – de estabelecer o referido acordo, depois de ter visitado Cartum e o Cordofão e o campo de trabalho das Irmãs presentes e futuras. O acordo actual – o que a madre queria e que eu aceitei para terminar de vez o assunto – torna-se irrealizável e impossível na África Central e isto segundo o juízo de todas as superioras e de todas as Irmãs que há no Vicariato.


[5116]
Conceda-me uma boa superiora provincial e eu farei tudo o que quiser, depois de algum tempo de ela permanecer na África Central. Eu desejo o bem da África e dos meus soldados mais valentes, isto é, das Irmãs e da congregação que as educou para o apostolado.

Espero que o Espírito Santo escolha a madre Eufrásia Maraval como madre geral, já que conhece melhor que todas as outras as missões, que são a característica principal da congregação. A senhora foi quem me preservou as Irmãs do Cairo em 1869 e será quem as conservará até ao fim do mundo na África Central.


[5117]
Em Berber encontram-se cinco religiosas do meu instituto de Verona. Estão destinadas a uma nova missão que fundarei dentro em breve. Eis aqui o meu segredo, baseado numa longa experiência de 21 anos. Numa estação ou missão, onde há seis e sete Irmãs, pude colocar somente dois padres missionários; e dois padres com seis Irmãs numa missão da África Central farão maior bem que numa missão com doze padres, sem Irmãs. Isto é uma verdade.


[5118]
Além disso, aqui, uma missão sem Irmãs torna-se muita perigosa para os sacerdotes. A Irmã é uma defesa, uma garantia para o missionário nestes lugares, onde a mulher se encontra em estado primitivo. Aqui todas as mulheres estão sob a total jurisdição e responsabilidade da superiora e o missionário não tem que ocupar-se nada delas, salvo no relativo à administração dos sacramentos. O missionário somente se relaciona com o sexo masculino. Está a ver bem como a missão da Irmã na África Central fará que aumentem e se multipliquem na Europa as vocações.


[5119]
Entretanto, eu partirei para o Cordofão em meados de Junho; mas a madre escreva-me sempre para Cartum, a minha residência episcopal. Por favor, mande-me quanto antes as duas Irmãs árabes que me prometeu a madre geral em Roma e pelas quais lhe dei 1000 francos como pensão de noviciado. Se me mandasse algumas mais, eu ficaria contente. A senhora sabe as condições vantajosas que acordei com a madre Emilie pela provincial, por cada Irmã e por cada superiora do Sudão. Os 200 francos do cura Capella que recebeu, mais o dinheiro que receberá ainda, fique com eles para a viagem das Irmãs para o Cairo.


[5120]
Saúde da minha parte a secretária-geral, a Ir. Inácia, que prometeu escrever-me, e o rev.mo P.e superior, enquanto nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria fica para sempre seu af.mo



† Daniel Comboni

Bispo de Claudiópolis i.p.i.

Vigário ap. da África Central



Original francês

Tradução do italiano






763
Manfredo Camperio
0
Cartum
10. 5.1878
N.o 763 (724) - A MANFREDO CAMPÉRIO

«Esploratore», II (1878), pp. 44-58



Cartum, 10 de Maio de 1878



[5121]
Uma circunstância muito desagradável oferece-me o grande prazer de me dirigir brevemente a si, gentilíssimo amigo, cujo desejo de que sejam cristãmente civilizadas as imensas regiões da África Central, da qual sou bispo e vigário apostólico, une-me à sua pessoa numa sincera e inalterável amizade.

No princípio do benemérito Esploratore, número 9, p. 278, leio um breve artigo seu intitulado: A escravidão, monopólio do Governo, que o senhor redigiu de muito boa-fé, baseando-se em notícias de excelentes correspondentes certamente, mas que, desta vez, foram mal informados.


[5122]
Como me encontro no lugar dos factos e na situação, por razões do meu cargo, de estar perfeitamente ao corrente de tudo o que faz e por onde se movimenta o governador-geral do Sudão, S. E. Gordon Paxá, e dado que a primeira característica que as notícias sobre um país e a história devem ter é a veracidade, considero-me no absoluto dever, inclusive para si, grande amante da verdade, de rectificar alguns erros e notícias que se encontram no referido artigo.


[5123]
Em primeiro lugar, pelo conjunto do artigo, parece que os nossos amigos Gessi e Matteucci encontram obstáculos por parte do Governo de Gordon Paxá para levar a cabo com êxito a sua expedição. Nada mais erróneo que isto, porque eles, graças às ajudas outorgadas por Gordon ao seu representante Osman Paxá, puderam realizar com todas as facilidades possíveis a difícil viagem de Cartum até Fadasi, último território em que o Egipto exerce domínio e influência, nas suas vastas possessões do Sudeste.


[5124]
Eles percorreram esse caminho providos, entre outras coisas, de ajuda e poderosas cartas de recomendação de Many Bei, que agora é mudir de Cartum. Este foi durante 25 anos director das minas de Fazoglo e governador de várias cidades e províncias que se encontram nesta linha e o que, depois de muitos anos de provas, conseguiu abrir vias de comunicação em Fadasi (cujo chefe mandou enforcar ante seus olhos), ponto nunca alcançado por nenhum europeu, se se exceptuar Marno, que pôde chegar a Fadasi há alguns anos, graças à protecção deste bei e do Governo egípcio.


[5125]
Como prova do que digo há muitas cartas, que li, escritas de muitos pontos dessa linha pelos nossos muito estimados Matteucci e Gessi ao sr. Rosset, vice-cônsul da Alemanha em Cartum e alguns outros, nas quais se desfazem em expressões de reconhecimento e gratidão para com o Governo do Sudão, suplicando ao dito vice-cônsul que se faça intérprete dos seus sentimentos perante Gordon, Osman Paxá e o mudir de Cartum. Poderia citar muitas cartas; mas, como sei que algumas foram enviadas a Alexandria e a Milão, como certamente lerá nalgum jornal, dispenso-me de as transcrever. Também me dispenso de citar a grande protecção que Gordon Paxá e o Governo local concederam aos senhores Junker, Von Lucas e Marno, porque sobre isto houve quem escrevesse nestes dias amplamente e com toda a veracidade.

No Sudão, eu era testemunha de todo o assunto de Marno. Encontrei-me com ele no barco que foi buscá-lo a Berber por ordem de Gordon Paxá, o qual gratuitamente lhe proporcionou o vapor desde esta última estação até Cartum e de Cartum a Ladó.


[5126]
O governador de Berber e o de Cartum receberam ordem, que foi cumprida, de prover Marno abundantemente, a expensas do Governo, de quanto lhe conviesse; e foi tratado com generosidade, porque eu me encontrava com ele e a seu lado na mesa e nos mesmos primeiros lugares, postos à disposição de nós dois. Mais tarde, quando Marno chegou ao território Bari, pretendia que rápida e imediatamente Gordon lhe facultasse, creio, mais de cem soldados, não sei quantos animais de carga e outras coisas mais. Gordon, na sua qualidade de militar, irritou-se, porque não tinha à sua disposição senão um pequeno número de soldados, não dispunha dos animais pedidos e tinha muita falta de dinheiro. Bastantes preocupações tinha já Gordon naqueles dias, porque ele mesmo tão-pouco tinha recebido no território Bari senão uma mínima parte dos soldados que lhe tinham sido destinados e nenhum dos animais que em minha presença lhe tinham prometido em Cartum. Gordon estava na absoluta impossibilidade de satisfazer as exageradas pretensões de Marno e isso deu origem às queixas tão inoportunas e injustificadas que a este respeito se fizeram na Europa contra o ilustre Gordon.


[5127]
Além disso, é totalmente falsa a afirmação do artigo de que, desde que Gordon está no Poder, foram suspensas todas as notícias do interior da África. Há trinta anos que existe a missão católica e, em nenhuma época, as comunicações com o interior da África estiveram mais asseguradas e garantidas como desde que aqui manda Gordon. Ainda que ele não tivesse feito outra coisa, justificariam o seu governo as obras que soube realizar para facilitar as comunicações com Darfur, de modo que hoje o correio é tão seguro entre Cartum e El-Fascer como entre Milão e Nápoles. Com Gordon, o telégrafo estendeu-se de El-Obeid até Darfur e agora está a fazê-lo chegar a Fashoda e Galabat. E temos correio quase regular entre os lagos e Cartum.


[5128]
Sob a protecção de Gordon, o sr. Emin Bei realizou já duas viagens entre Cartum e o Nyanza Vitória, e os cônsules de Cartum, os senhores Hansal e Rosser e muitos outros daqui, têm comunicações regulares com os lagos; e como depois da estação das chuvas também eu me deslocarei lá para fundar uma missão, será sobretudo sob a égide de Gordon que melhor poderei levar a cabo a minha empresa. Foi ele quem estabeleceu entre Ladó (no Nilo Branco, a três horas a norte da antiga missão católica de Gondokoro) e Dufilé oito destacamentos militares para facilitar as comunicações com o Nyanza Alberto e nisso o nosso Gessi serviu de poderosa ajuda sob os auspícios de Gordon. Estes são: Ladó, Reyaf, Beden, Kiri, Muggi, Laboré Aiu e Dufilé. Desde Ladó a Dufilé, estes postos percorrem-se em sete dias.


[5129]
De Dufilé a Magungo, lugar situado no Nyanza Alberto, são 120 milhas, que se percorrem a vapor. São conhecidos os esforços de Baker e de muitos outros para abrir estas comunicações. Ora bem, se hoje se viaja de Cartum a Nyanza Alberto com idêntica segurança que de Milão a Genebra, é tudo mérito de Gordon Paxá. Além disso, de Nyanza Alberto até Vitória, Gordon estabeleceu diversos destacamentos; e já chegaram a Rejaf seis elefantes indianos destinados a transportar um vapor que percorrerá todo o lago Vitória.


[5130]
A guerra e os obstáculos que interrompiam a livre circulação desde Nyanza Alberto a Nyanza Vitória por culpa de Kabarega, rei de Unyoro, são já coisas do passado. Graças às diligências de Gordon, o rei é agora nosso amigo e deixa passar livremente todos os viajantes, sobretudo os europeus. Não há muito recebeu o coronel Mason na sua antiga residência de Missindi. Emin Efendi também recebeu deste rei cortês acolhimento e hospitalidade na nova residência real de Mparo Niamoga ou Bogaya e ficou aí muito tempo realizando os seus estudos (segundo os embaixadores do mesmo Kabarega, que recentemente vieram apresentar os seus respeitos ao Governo egípcio em Cartum).


[5131]
As comunicações entre o Nyanza Vitória e Cartum são hoje tão seguras e regulares, graças aos esforços de Gordon Paxá, que o sr. Wilson – agora à frente da expedição da Church Missionary Society, que reside em Rubaga, onde está o rei Mutesa –, em vez de mandar a sua correspondência por Zanzibar, se serve do I. R. cônsul Hansal, de Cartum, para enviar missivas para Londres e, ultimamente, chegou ao referido cônsul (que também é agente consular da França e da Itália) um grande pacote de cartas, que ele expediu em seguida para Londres. Precisamente por essa via temos tido notícias dessa expedição: um dos seus membros morreu de doença no lago Tanganica e dois foram assassinados pela gente da ilha Ukerewe, do Nyanza Vitória, etc., e agora vai-se à procura dos outros, dos quais nada se sabe.


[5132]
Em suma, durante o pouco tempo em que Gordon Paxá está a governar, as comunicações com o interior desde qualquer parte são uma realidade esplêndida. Antes nunca se sabia nada do Governo; agora sabe-se tudo e Gordon protege os viajantes mais que o fez qualquer um outro.


[5133]
Que mais? Actualmente está-se a preparar um magnífico projecto para pôr a Europa em plena, livre e directa comunicação comercial com o Nyanza, de maneira que se poderão embarcar mercadorias e passageiros em Génova, Trieste ou Marselha para Ladó, a preços fixos e limitados, pagando antecipadamente ou depois e as mercadorias vão seguras até ao destino. Em ligação com os vapores de Suez e Suakin, Gordon vai estabelecer caravanas entre Suakin e Berber a preços bastante mais razoáveis que os praticados até agora. Esta notícia é de grande importância para os nossos comerciantes que importam goma e tamarindo do alto vale do Nilo, porque até agora os gastos de transporte foram muitos gravosos, tanto pela via de Suakin como pela do Nilo.


[5134]
De Berber a Cartum haverá vapores e dahhabias do Governo e de Cartum a Ladó um vapor. De Ladó aos lagos, como disse mais acima. Se, como é certo, isto se levar a cabo (e será dentro do ano), eu não farei mais expedições do Cairo a Cartum, nem as farão os meus missionários; mas embarcando em Suez, os meus missionários virão até Cartum com esta empresa. E as provisões para o meu Vicariato (cujo transporte custou tanto até agora) serão embarcadas em Veneza, Trieste, Génova, Nápoles, etc., enviando-as directamente para Cartum. Esta obra bastaria por si só para dar brilho ao Governo de Gordon Paxá, enquanto o ter estabelecido comunicações regulares entre Cartum e os lagos através de tantas dificuldades é uma obra que bastaria para dar brilho ao governo de um rei.


[5135]
Só acrescentarei uma coisa a tudo isto: Gordon Paxá não tem a seu lado personalidades europeias em número que seria necessário para contar com uma sólida ajuda; não dispõe de meios suficientes para governar o imenso país que lhe foi confiado, nem de um exército bem aguerrido: para realizar a sua altíssima missão tem, até, todos os elementos contra si. Devendo tratar pouco a pouco de eliminar o comércio de escravos, dispõe como ajuda dos mesmos elementos que o Governo tinha antes: aqueles mudires, aqueles sangiak, aqueles paxás, aqueles beis, que antes autorizavam ou exerciam eles mesmos o infame negócio. Eu sustento que é um verdadeiro milagre que somente o Gordon, com a pertinaz força da sua vontade, tenha conseguido nestas alturas diminuir o tráfico e a escravidão.


[5136]
É um facto inegável que hoje na rota do Cordofão, de Fashoda ou de Dôngola, ou ao longo do Nilo, já se não vêem aquelas imensas multidões de escravos que eu via há vinte anos. A escravidão continua e continuará durante muito tempo, porque erradicá-la por completo é um trabalho de séculos; mas agora existe em menos proporções, o que se observa no Alto Egipto e em todo o Sudão. Isto é um singular mérito de Gordon e evidencia como puro disparate o que se diz em muitos lugares de que o Governo, com o consentimento de Gordon, enviou gente ao Bahr-el-Ghazal para capturar aí dez mil escravos. Trata-se de invenções daqueles que, não podendo lucrar impunemente do Governo e impossibilitados de ganhar tanto como antes à custa dos escravos, tentam desacreditar Gordon; mas a verdade há-de triunfar. Gordon Paxá é um acérrimo inimigo da escravatura; sobre isso, eu poderia apresentar argumentos irrefutáveis. Mas basta por agora.


[5137]
Quando tiver tempo, escreverei sobre o tema da escravidão, em cuja diminuição Gordon tem méritos sublimes. É preciso ser testemunha das lutas e obstáculos que tem que afrontar para libertar os escravos num país onde a escravidão é uma chaga secular e existe desde que o mundo é mundo; num país onde o comércio de escravos e a escravidão constituem as maiores fontes de receita do mesmo. Nós há muitos anos que lutamos para salvar os escravos, etc., e podemos medir a magnitude das dificuldades que Gordon encontra e encontrará no cumprimento deste compromisso da sua importante missão.


[5138]
Por outro lado, gentilíssimo amigo, calcule quão grandes são os domínios que Gordon Paxá governa como hokomdar, ou governador-geral. Ele manda nas terras que se estendem desde o trópico até ao equador, desde Suakin até ao extremo Darfur, Massaua, Berbera e Zeila e nos países que o Governo egípcio anexou recentemente no mar Vermelho e a leste de Shoa. Há poucos dias, por exemplo, recebemos telegramas seus de Berbera, ontem de Massaua, etc. Então, não tem a seu cargo uma tarefa muito grande, laboriosa, difícil? E que gente deve governar este homem? Creio que tal homem merece imensa consideração ainda que não possa fazer tudo o que quereria, porque, entre outras coisas, deve-se ter em conta que nem sempre recebe colaboração nas suas operações.


[5139]
Além disso, eu creio que Gordon é um grande homem, que está à altura da sua enorme, laboriosa e difícil tarefa e que se devem fazer votos para que ele não se canse, mas que persevere por muitos anos no seu posto e empreendimento: a humanidade ficar-lhe-á agradecida.


[5140]
Esperámos em Cartum os nossos amigos Matteucci e Gessi, porque lhes foi impossível ir mais além de Fadasi. Esta expedição não foi bem organizada e faltava nela um dos elementos principais do êxito: o dinheiro. Lamento muito, especialmente por Matteucci; todos contavam com que, por ser a sua primeira viagem, não voltaria atrás. Não importa. Fizeram bem em regressar e esta empresa servir-lhes-á de ensinamento para no futuro triunfar noutras de maior envergadura. Matteucci é um jovem estupendo, de que muito se espera. Aprendeu a viajar pela África Central, que não é certamente como pelas outras partes do mundo.


[5141]
Estou convencido de que, além disso, esta oportuna e prudentíssima retirada lhe servirá de maior acicate para empreender no futuro mais úteis e melhores empresas. Quando a Gessi, aconselhá-lo-ei que volte a pôr-se à disposição de Gordon, que gosta dele e o estima, porque realmente lhe foi fiel. Entretanto, Matteucci deve fazer outra empresa, antes de regressar à Europa. Agora estão os dois em Fazoglo; parece que querem visitar Guedaref e Galabat; mas eu, tendo em conta o forte kharif, aconselhei-os a que viessem directamente a Cartum.


[5142]
Ambos lhe escreverão contando-lhe quão bem e cortesmente os tratou e ajudou o Governo de Gordon, que se lamentou por o nosso caro Gessi, à sua chegada, não o ter visitado. Mas eu encarrego-me de os aproximar, o que será bom, tanto para Gessi como para Gordon.

Por último, concluo este escrito congratulando-me consigo pelo magnífico jornal L’Esploratore, que está em sintonia com o esplêndido nome que tem, e quero expressar-lhe o meu profundo agradecimento pelo gratuito envio do mesmo, que recebo regularmente. Quando as minhas múltiplas e graves ocupações e os incómodos deste clima mo permitirem, que certamente não é o nosso lombardo, dar-lhe-ei notícias exactas sobre o Sudão.


[5143]
A Fadasi poder-se-á ir livremente quando eu tiver fundado uma missão num dos lugares mais oportunos que estou para escolher no território que circunda o Nilo Azul, talvez mesmo em Fadasi; mas isto não poderei realizar antes da fundação das estações que espero estabelecer nos lagos, pertencentes à minha jurisdição. Mas o senhor sabe bem que uma coisa é fazer uma exploração como os viajantes, que passam como meteoros pelos lugares explorados, outra é estabelecer uma missão cristã como é devido, com as sábias regras que nós temos, para transmitir aos africanos um bem duradouro, para mudar os seus costumes e formá-los nos bens da nossa religião e civilização.


[5144]
O senhor, que conhece a fundo a história da África Central, considere com o seu agudo raciocínio os milhões que se gastaram e as numerosas explorações que se sucederam nestes lugares desde os primeiros exploradores até Stanley em 1877. Que ficou de bom, autêntico e duradouro e que tenha podido realmente influenciar a moralidade, a civilização e o progresso dos habitantes da África Central? Quase nada, salvo a recordação na Europa dos ilustres viajantes, algum ponto descrito geograficamente, etc.; mas de bem autêntico, civilização, progresso moral, intelectual e material, muito pouco. As missões católicas são as que têm a vantagem de fundar, continuar e perpetuar o bem; e as missões católicas de Cartum, do Cordofão e de Gebel Nuba constituem um não pequeno monumento da civilização europeia que agora existe na África Central.


[5145]
É preciso que a ciência e a religião vão de mãos dadas, se ajudem mutuamente e produzam juntas o melhoramento e a regeneração e verdadeira civilização, que deve ser o objectivo do impulso sublime que guia a ciência. E abstraindo dos esforços de muitos ilustres ingleses, italianos, alemães, americanos... assinalemos a nobilíssima iniciativa do rei da Bélgica, Leopoldo II, que foi magnanimamente secundado por quase todas as nações civilizadas.


[5146]
Há que continuar com renovado e perseverante ardor este nobre arrebate que se produziu na Europa em favor da África Central e não se devem abandonar nunca as grandes empresas que se empreendam com este sublime fim, por terríveis que sejam as provas, os desastres e as dificuldades que surjam. Após os erros, as desilusões e as desditas, alcançar-se-á uma experiência prática que indicará os caminhos e meios mais eficazes para alcançar o nobre fim; e se a constância domina o espírito dos principais agentes, conseguir-se-á um triunfo completo.


[5147]
Temos aqui uma terrível carestia: o preço dos víveres quadruplicou; e o durra (milho miúdo), que constitui o principal alimento do país e dos pobres, que custava sete francos o ardeb (saco de folha de palmeira), hoje não se compra por menos de sessenta francos o ardeb.

Ora imagine-se o prejuízo que me causa a mim esta carestia só no que se refere ao durra, que é o mínimo. Eu devo comprar cada ano mais de mil ardeb de durra para as minhas casas e estabelecimentos... A água no Cordofão (hoje recebi carta de lá) custa e há uma semana pagou-se a onze piastras (uns três francos) a bormah (cerca de 4 litros); portanto, no Cordofão, onde possuo três estabelecimentos, a água paga-se muito mais cara que o vinho na Lombardia. E se as coisas continuassem assim, paciência; mas cada dia a escassez de água é maior.

Aproveito esta ocasião para manifestar os meus sentimentos de afectuosa estima e consideração, declarando-me



Seu af.mo amigo

Daniel Comboni

Bispo de Claudiópolis i.p.i.

Vigário ap. da África Central






764
Apelo pela carestia
0
Cartum
12.5.1878
N.o 764 (725) - A P.e BARTOLOMEU ROLLERI

APELO PELA CARESTIA

ACR, A, c. 18/11



Cartum, 12 de Maio de 1878



Apelo à caridade católica

devido à espantosa carestia na África Central



[5148]
A carestia! Este terrível flagelo que, já desde há tempo assola algumas partes do mundo, faz-se sentir vivamente e produz os seus lutuosos efeitos também na África Central.

Tendo saído do Cairo para o meu Vicariato com um numeroso grupo de missionários, Irmãs e leigos coadjutores a 28 de Janeiro do corrente ano, apercebi-me de que até ao longo do fertilíssimo vale do Nilo imperava a carestia e reinava a fome. Os campos, de ordinário verdejantes e luxuriantes de messes nesta estação, agora estavam desde há meses ressequidos e desertos, como as cadeias de montanhas que os flanqueavam; os numerosos felás, antes sempre em movimento nos seus nabar, agora permaneciam sentados nas margens e pediam pão aos passageiros; os próprios proprietários estavam mudos, calados nos seus angareb, descurando completamente os trabalhos dos campos. Todos os géneros e artigos de primeira necessidade tinham encarecido.


[5149]
Vi que a miséria aumentava à medida que avançávamos. Chegado a Korosko, a entrada do grande deserto, temi ter de voltar atrás ou parar por falta de camelos: diziam-me que tinham morrido quase todos de fome. Graças somente à poderosa recomendação de S. E. Gordon Paxá, governador do Sudão, a quem, por sorte, encontrei em Assuão, e graças à minha velha amizade com o xeique, o grande chefe do deserto, pude conseguir 50 camelos – ou seja, a terça parte dos que precisava para a travessia do deserto –, pagando-os a um preço excepcional. E que camelos! Todos macilentos, cheios de chagas e sem forças: só os pude carregar com metade do peso normal; muitos caíram exaustos ao longo do trajecto, acabando por aumentar o número de esqueletos e ossos esbranquiçados de que estava semeado todo o caminho.


[5150]
Chegado a Berber e a Cartum, encontrei o mesmo mas em piores proporções. O durra (milho que normalmente se come no país) de sete francos o ardeb (saco) a que antes se pagava subiu para cinquenta e até sessenta; a manteiga, de um franco o rótulo (45 gramas) passou a custar três e até quatro; o leite, de dez cêntimos a ghera (cabaça com quase um litro de capacidade), subiu para um franco; a carne, que antes custava cinquenta cêntimos o quilo, agora tem que se comprar a três e ainda a cinco francos. Para quê continuar?! No Cordofão, os meus missionários e Irmãs vêem-se obrigados a comprar a água para beber, cozinhar e lavar a um franco e meio e dois francos a bormah (uns quatro litros); portanto, nestes países, a água custa mais que o vinho corrente na Europa. Os povoados são abandonados às centenas pelos seus habitantes desesperados e famintos, e o Governo local encontra-se na maior ruína económica por não poder arrecadar os impostos ordinários. A causa de tanta miséria e de tão atroz carestia de tudo o necessário para a vida foi a falta das chuvas no ano passado. Ninguém recorda uma época de tanta escassez.


[5151]
O Nilo vai uns metros abaixo do seu nível normal; por isso, foi pouco o semeado e menos ainda o colhido. A miséria é grande e ameaça prolongar-se não se sabe até quando. Os animais estão mais que dizimados; os proprietários não têm dinheiro nem grão para semear, pelo que a próxima colheita de Dezembro, ainda que as circunstâncias se tornassem propícias, não poderá ser senão escassíssima. Nós esgotámos todas as provisões de que dispúnhamos e, além disso, gastámos todo o dinheiro para proporcionar alimento aos numerosos estabelecimentos que temos em Cartum, Berber, El-Obeid e Gebel Nuba.


[5152]
Socorremos não poucas famílias dos nossos cristãos, que se encontram em grande indigência; ajudámos também quanto pudemos os muçulmanos que estão em extrema necessidade, porque a caridade em semelhantes casos não distingue entre grego, árabe e sírio; mas agora vemo-nos forçados a fechar a porta diante de tantos infelizes que nos vêm pedir pão. Isto produz-nos a nós danos espirituais, impede as conversões e até poderia dar origem a defecções, porque o heroísmo na fé não é património de todos os cristãos e convertidos.


[5153]
Se já o coração se me aperta muitas vezes ao ler os desoladores quadros de carestia e fome que nos descrevem meus irmãos os vigários apostólicos e os missionários, governadores e viajantes da China, Mongólia e as Índias Orientais, é fácil imaginar a minha comoção interior ao ver reproduzidas essas cenas diante dos meus olhos nestas desditosas terras confiadas ao meu cuidado! Porém, as obras de Deus devem nascer sempre ao pé do Calvário; as cruzes e aflições são o carácter distintivo das empresas santas. A minha fraqueza recebeu da Santa Sé o encargo de implantar a cruz de Jesus Cristo entre as inumeráveis tribos da África Central, sobre as quais ainda pesa o tremendo anátema de Cam. Chegou a hora da redenção da Nigrícia e um dos sinais de que essa hora soou é a presente aflição que sofre o meu Vicariato, que é o mais vasto, o mais laborioso e povoado do universo.


[5154]
Por isso, sabedor dos generosos socorros que tantas almas enviam para as mais distantes regiões do globo para alívio de tantas míseras populações atormentadas pela carestia, dirijo-me cheio de confiança a essa sublime caridade que arde nos corações dos católicos e suplico-lhes fervorosamente que tenham por bem dirigir um olhar de compaixão também aos infelizes filhos de Cam e os socorram com abundantes esmolas. O mundo inteiro interessa-se hoje pela África Central; muitos Estados da Europa e diversas sociedades enviam aqui exploradores para conhecer estes ignotos países e para introduzir neles as luzes da civilização. Porém, de que serviria fazer tantos sacrifícios e gastar tão grandes somas, se, entretanto, se deixassem morrer de fome estes povos?


[5155]
Não! Eu estou convencido de que, sensíveis a este grito de imensa dor, muitas almas caritativas se apressarão a tirar de tão tremenda miséria estas desventuradas gentes que, ainda que diferentes quanto à cor, costumes e pátria, são contudo irmãos nossos. Queira o Senhor escutar a minha humilde e fervorosa súplica, abençoar estes meus desejos e consolar o imenso rebanho de infelicíssimos povos da África Central, que a Santa Sé entregou aos meus cuidados.


[5156]
Nestas áridas areias encontram-se os ossos de tantos abnegados missionários, exemplo de zelo apostólico e dotados de eminentes virtudes, com os quais tive a honra e a sorte de partilhar as fadigas do apostolado mais difícil e laborioso do universo. Ah!, ainda ressoam os venerados nomes de Gostner, Pircher, Woveider, Überbacher, Lanz e de muitos outros fervorosos missionários tiroleses, sacerdotes, leigos, ou franciscanos que regaram com o seu glorioso suor esta infeliz África Central. Mas sanguis martyrum semen christianorum. Com a sua morte e sacrifício mereceram que se consolide o árduo apostolado da Nigrícia. Encomendo-me à sua intercessão, para que outros generosos católicos imitem os seus exemplos e para que os que permanecem na Europa contribuam com a sua caridade e esmola para aliviar a nossa missão.

Dada na nossa residência principal episcopal de Cartum, aos 12 de Março de 1878, festa do Patrocínio de S. José.

(L. S.)

† Daniel Comboni

Bispo de Claudiópolis i.p.i.

Vigário ap. da África Central




[5157]
Este apelo, redigido por P.e António e aprovado e assinado por mim, mando-o a si, P.e Bartolo, para o informar de quanto se faz. Mandámos cópia do mesmo para a França, a Alemanha, a Áustria, Inglaterra, etc. Quanto ao demais, confiança em Deus, na Virgem e em S. José; reze e faça rezar.

Saúdo-o em nome de todos nós e de P.e António. Rogue e sue, que S. José suará guinéus. Escreva a P.e Paulo e pergunte-lhe se publica ou não os Anais, porque P.e António deixou-lhe todo o material. Abençoo-o



Tuissimus † Daniel Comboni






765
Apelo pela carestia
1
Cartum
12.5.1878
N.o 765 (779) - APELO DEVIDO À CARESTIA

APFL (1876) Afrique Centrale



Cartum, 12 de Maio de 1878



Como o n.o 764, mas em francês.





766
Jean François des Garets
0
Cartum
17. 5.1878
N.o 766 (727) - A MR. JEAN FRANÇOIS DES GARETS

APFL (1878) Afrique Centrale)



N.o 2

Cartum, 17 de Maio de 1878



Senhor presidente,



[5158]
Eis-me aqui na minha residência principal, onde cheguei há um mês. A viagem do Cairo a Cartum, bem cansativa, demorou 72 dias. Chegado a Assuão, que é a última parcela do Egipto e onde começa o meu Vicariato, tive a sorte de encontrar S. E. o hokomdar Gordon Paxá, governador-geral de todas as possessões egípcias no Sudão e no mar Vermelho até aos confins de Shoa, o qual me comunicou que era impossível encontrar camelos, porque quase todos tinham morrido de fome e exortou-me a regressar com toda a minha caravana ao Cairo para tomar a rota do mar Vermelho e de Suakin.


[5159]
Sentindo grande repugnância em seguir os seus conselhos, roguei-lhe insistentemente que movesse o Céu e a Terra para fazer com que me dessem ao menos os camelos necessários para transportar o pessoal para Berber e Cartum. Ele teve a grande bondade de enviar muitos telegramas, ordenando aos grandes chefes do deserto (os xeiques califas) e aos mudires do Sudão que me proporcionassem 80 camelos. Chegados nós a Korosko, encontrei um grande número de comerciantes que, havia quatro a seis meses, procuravam aí conseguir camelos. Mas, graças a Deus, em quatro dias, entre muitas centenas de camelos cheios de chagas e fatigados, escolheram-se cinquenta, com os quais, em onze dias, atravessei o deserto de Atmur até Berber.

O resto da minha caravana enviei-o pela rota de Dôngola, com 190 camelos e espero-o aqui em Cartum em finais de Março.


[5160]
Em Berber, tenho instaladas provisoriamente cinco Irmãs da Congregação das Pias Madres da Nigrícia que fundei em Verona em 1872. Estão destinadas à missão de Gebel Nuba, onde chegarão até Dezembro ou Janeiro próximos. São as seguintes:

1.a Ir. Teresa Grigolini, da diocese de Verona

2.a Ir. Marietta Caspi, “ “ “ “

3.a Ir. Maria Josefa

4.a Ir. Conceição Corsi, da diocese de Trani

5.a Ir. Vitória Paganini, da diocese de Pádua.


[5161]
São a vanguarda da nova instituição destinada a desenvolver a sua acção apostólica nas numerosas regiões da África Central. Que só Deus seja a sua inspiração e guia.


[5162]
A congregação das Pias Madres da Nigrícia, de Verona, partilha as fadigas apostólicas da mulher do Evangelho no Vicariato da África Central com a congregação das Irmãs de S. José da Aparição, de Marselha, que destinei a Cartum e ao reino de Cordofão, onde trabalham desde há vários anos com uma abnegação e uma entrega admiráveis e onde realizaram grandes sacrifícios.

Para um melhor funcionamento da obra de S. José, acordei com a Propaganda e com a madre geral que haja uma provincial ou superiora principal a residir na cidade episcopal de Cartum e que exerça plena jurisdição sobre todas as irmãs e superioras dos institutos de S. José que existem e que se venham a fundar no futuro no Vicariato da África Central.


[5163]
Com a próxima expedição de Setembro espero a nova madre provincial, a qual há-de ocupar o posto que, pela sua morte em Cartum o ano passado, deixou vacante a antiga, a Ir. Emilienne Naubonnet, de Pau, mulher admirável que passou trinta anos na Síria e em Chipre como superiora e que fez tanto bem, sobretudo na época do massacre e da cólera em Saida.


[5164]
À minha chegada a Cartum, fui recebido solenemente, tanto por parte dos cristãos de todos os ritos como pela parte dos muçulmanos. Foi um verdadeiro triunfo da fé de Jesus Cristo e da Igreja Católica. Enviei pessoal de reforço para as missões do Cordofão e de Gebel Nuba, administrei solenemente o baptismo e a confirmação a muitos adultos e celebrei o pontifical dia de Páscoa. Era a primeira vez que a África Central via o seu bispo, o vigário apostólico.


[5165]
Mas a poesia exterior de uma brilhante recepção, de um bom número de conversões feitas e preparadas e do esplendor dos pontificais rapidamente se converteu na prosa de uma funesta carestia, de uma espantosa fome, que reinam em grande parte do meu Vicariato e de um bom número de dívidas que encontrei como consequência destes terríveis flagelos.


[5166]
Apenas entrado no meu Vicariato, em Schellal, apercebi-me da enorme diferença nos preços dos artigos de primeira necessidade. Em Korosko, paguei o milho a 65 francos o ardeb (que antes custava pouco mais de 7 francos); manteiga e carne não havia. Para não falar de cada coisa, referir-me-ei somente ao que gastei a mais pelos camelos. Antes, o aluguer de um camelo para a travessia do deserto custava 40 francos e o animal levava seis kantars (seiscentas libras ou duzentos quilos). Agora, cada camelo custa 70 francos e carrega apenas dois kantars (200 libras ou 67 quilos); e, de dez camelos que se alugam, três, pelo menos, morrem pelo caminho de fome e esgotamento.


[5167]
Eu necessitava de 80 camelos para a minha expedição e pensava nos preços antigos. Portanto, pensava que com 3500 francos (para além do preço dos camelos há que desembolsar quatro piastras por cada um deles para o Governo, os dois guias e as gorjetas) poderia passar o grande deserto. Mas, ao levarem os animais só uma terça parte do peso, tive que triplicar o seu número e quase quadruplicar o gasto, de modo que, em lugar dos 3500 francos que deviam custar, desembolsei 12 000; isto à parte os 4000 francos que deverei pagar até finais deste mês, à chegada da minha caravana de Dôngola a Cartum. De Cartum ao Cordofão, os camelos custam 7 megids (33 francos) cada um.


[5168]
Agora peço-lhe, senhor presidente, que tenha a bondade de confrontar o que acabo de dizer sobre os camelos com o conteúdo do meu apelo à Propagação da Fé e à caridade católica (que se o senhor o crê conveniente, suplicar-lhe-ia o fizesse publicar por mons. Laverrière nas «Missions Catholiques» e isso quanto antes), apelo que lhe junto.

Entre Berber, Cartum e o Cordofão encontrei 38 000 francos de dívidas contraídas durante a minha ausência. Após examinar e comprovar tudo da maneira mais rigorosa, vi que o gasto se deveu à mais estrita necessidade, que os meus missionários e Irmãs sofreram as maiores privações e sacrificaram-se muito e que não gastaram inutilmente nem um cêntimo. A causa de tudo foi a espantosa carestia e a desoladora falta de víveres que flagela terrivelmente estas regiões.


[5169]
Apesar de tudo isto, eu não teria a coragem de pedir uma ajuda extraordinária de alguns milhares de francos, depois das somas consideráveis e das fortes ajudas com que a Propagação da Fé favoreceu a África Central: deu a vida a esta missão tão importante. Contudo, considerando a gravidade das insólitas circunstâncias da carestia que aflige o meu estimado Vicariato, atrevo-me a fazer-lhe os dois seguintes pedidos:


[5170]
1.o Que me conceda uma ajuda extraordinária para este ano, para além da ordinária com que a eminente caridade da Propagação da Fé favoreceu a África Central. Eu ficarei muito contente com a quantia que o senhor conceder, se o regulamento e o espírito da obra permitirem satisfazer o meu desejo.

2.o Que, se julgar oportuno, permita a publicação do mencionado apelo nas Missions Catholiques por parte de Laverrière.


[5171]
Quanto ao mais, longe de desanimarmos, esta terrível prova aumenta o nosso ânimo, a nossa convicção de que se trata de uma preciosa e adorável cruz que o Sagrado Coração nos concedeu para melhor consolidarmos a grande obra da redenção da África Central.

Oh, quanta alegria sente um coração devoto a sofrer por Jesus Cristo e pela salvação das almas mais abandonadas e desvalidas da Terra! Dir-se-ia que Deus mostrou mais amor e mais sabedoria ao construir e formar a cruz que ao criar o universo. A cruz é o que salvará a África. A cruz é o que nos fortalece e nos faz permanecer fiéis ao nosso grito de guerra: «Nigrícia ou morte!»


[5172]
Nós rogamos continuamente pela Propagação da Fé, a fim de que nesta Ordem divina prospere e possa atravessar incólume a danosa época em que estamos.

Digne-se, senhor presidente, aceitar a homenagem de profunda veneração e eterno reconhecimento de quem será sempre



Seu devot.mo servidor

† Daniel Comboni Bispo

e vigário apost. da A. C.




[5173]
P. S. Quando tiver tempo, dar-lhe-ei a conhecer os estudos que se levam a cabo actualmente para uma nova demarcação dos confins da África Central, no caso de as explorações dos missionários de Argel dêem algum resultado na África Equatorial. Para abrir a esses ardorosos missionários um novo campo para a sua acção apostólica, tenho o prazer de lhes poder ceder todos os territórios situados a sul dos lagos de Nyanza, para com eles formar duas grandes missões:


[5174]
1.o O Vicariato de Kazembe (império ou reunião de vários Estados, incluído o lago de Tanganica).

2.o O Vicariato de Muati-Janvo (império ou reunião de vários Estados que se situam a 200 léguas de distância do Tanganica). É mais difícil percorrer na África Central 200 léguas que fazer a viagem de Lião à Austrália. E erigir uma missão católica regular na África Equatorial é muito mais difícil que uma simples viagem de exploradores como Stanley, Burton, Livingstone, Speke, Grant, etc.


[5175]
Quando os bons missionários de Argel tiverem fundado e consolidado as ditas grandes missões, então, se eu não tiver fundado a missão dos lagos Nyanza trataremos deste assunto, porque antes de tudo é preciso a glória de Deus e a salvação das almas. De resto, os lagos Nyanza são o objectivo natural das velhas missões de Gondokoro e Santa Cruz – onde passei dois anos à volta de 1858 –, já que desde Gondokoro ao Nyanza Alberto se gastam oito dias de viagem. Uma grande parte dos lagos está sob o domínio egípcio, e Gordon Paxá fez transportar para aí de Cartum dois barcos a vapor: um funciona há dois anos no Nyanza Alberto e o outro chegou já a Kubaga, capital do reino do Uganda e residência do rei Mutesa.


[5176]
Este barco, saído de Cartum, chegou pelo Nilo Branco até Rejaf (um pouco mais para lá de Gondokoro) e, dali, pela rota de Fatiko, até Kubaga (a três horas do Nyanza Vitória), puxado por seis elefantes.


[5177]
No meu regresso da visita ao Cordofão e a Gebel Nuba, em Janeiro ou Fevereiro próximos, se a Providência e a Propagação da Fé me concederem a sua assistência, partirei para estabelecer uma missão no Nyanza Alberto, já que há muito tempo nos preparamos para uma fundação nos lagos. É este o itinerário de Cartum:



Desde Ladó a

Rejaf desde Ladó a Dufilé

Beden vai-se a pé porque os

Kiri camelos e os burros morrem

Muggi e este percurso faz-se em

Laboré sete dias.

Ayú

Dufilé


[5178]
De Dufilé parte o vapor que, após um dia de viagem pelo rio, entra no lago Nyanza Alberto e pára em Magungo, onde Gordon Paxá estabeleceu um posto militar. Desde Cartum ao lago Vitória está-se sob a protecção do Governo egípcio. De Zanzibar aos Nyanza a viagem é mais difícil, ainda que o eminente rei da Bélgica me tenha assegurado que é mais fácil.

Dos oito missionários anglicanos pertencentes à Church Missionary Society que partiram em 1876 para os lagos Nyanza e que dispunham de 12 000 libras esterlinas por ano, um morreu em Tanganica, dois foram assassinados na ilha de Kerewe, no Nyanza Vitória, de quatro não se tem nenhuma notícia e o oitavo, Mr. Wilson, está em Kubaga, residência do rei Mutesa e mantém-se em contacto com Cartum, de onde envia a sua correspondência para Londres.


[5179]
De cinco membros da expedição belga, dois morreram em Zanzibar. Trata-se de Crespel e Maës.

Faço votos para que de todo este movimento científico em relação à África Central, provocado especialmente pelo grande interesse do excelente rei da Bélgica, resulte, depois de muitas provas e experiências, a maior glória de Deus e das missões católicas.

Depois de uma longa série de vicissitudes, chegar-se-á à convicção de que sem a acção imediata da Igreja e das missões católicas, nunca será possível civilizar a África Central. A Providência dirige tudo para o melhor.



Seu devot.mo

† Daniel Comboni

Bispo e vigário apostólico

Original francês

Tradução do italiano






767
Cón. José Ortalda
0
Cartum
27. 5.1878
N.o 767 (728) - AO CÓN. JOSÉ ORTALDA

«Museo delle Missioni Cattoliche», XXI (1878), pp. 417-421



Cartum, 27 de Maio de 1878



[5180]
Mando-lhe este modesto apelo, pedindo-lhe encarecidamente a sua publicação no Museo, a fim de invocar a caridade para com a África Central, flagelada pela mais espantosa carestia. Escrevi-o a 12 do corrente, festa do nosso querido S. José; mas desde então até hoje, só nestes quinze dias, as coisas pioraram. Pelas cartas recebidas ontem do Cordofão, sei que a água vai faltando, de tal maneira que, em breve, não se poderá obter a nenhum preço. As pobres Irmãs, com algumas raparigas, levantam-se às quatro da manhã para irem aos poços e às vezes têm que esperar aí até às dez para conseguir comprar água turva ao preço de quatro e às vezes cinco francos a bormah (4 litros); ou seja, água turva, suja e salobra, a mais de um franco o litro: mais cara que o vinho de Barolo.


[5181]
Imagine, senhor cónego, o estado do meu espírito, os gastos extraordinários, as dívidas que é preciso contrair para dar de beber água turva aos missionários e às Irmãs; e somos afortunados quando conseguimos saciar-nos de água turva. Mas não pense que o meu espírito se encolhe por tanta miséria, não: Nigrícia ou morte! – é o meu grito de guerra e lutaremos até ao último alento. Esta universal desolação da mais vasta, povoada e difícil missão do universo, que é a África Central, constitui um sinal seguro de vitória, porque a cruz é o que dá garantia à estabilidade das obras de Deus, as quais devem nascer todas ao pé do Calvário; e aquela será abençoada por Deus e convertida. Ah, que boas são as cruzes quando tocam onde dói, porque pressagiam a verdadeira felicidade. Estamos no tempo da paixão: chegará o dia da ressurreição e da vida.


[5182]
Quanto ao resto, tenho posta toda a minha confiança no Coração de Jesus e em Nossa Senhora do Sagrado Coração, aos quais esta enorme missão está consagrada, e em S. José, patrono da Igreja Católica e da África Central, que, certamente, virá em nossa ajuda.



† Daniel Comboni

Introdução ao apelo devido à carestia.






768
Cón. Cristóvão Milone
1
Cartum
27. 5.1878
N.o 768 (729) - AO CÓN. CRISTÓVÃO MILONE

«La Libertà Cattolica», XII (1878), n. 139



Cartum, 27 de Maio de 1878



Apresentação do apelo devido à carestia.





769
Card. João Simeoni
0
Cartum
1. 6.1878
N.o 769 (730) - AO CARD. JOÃO SIMEONI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 653-655

N.o 3

Cartum, 1 de Junho de 1878

Ex.mo e Rev.mo Príncipe,



[5183]
Recebi o seu venerado escrito de 28 de Março, que contém as faculdades que me foram renovadas por Pio IX, de santa memória, assinadas a 27 de Janeiro e agradeço-lhe muito por ele.

Não lhe falo nestas cartas do movimento e progresso real do Vicariato, nem do bem que se consegue promover em todas as missões. Actualmente, quase todos os meus esforços são dedicados a suportar como verdadeiro apóstolo de J. C. o atroz golpe da espantosa calamidade que aflige desde há mais de seis meses o Vicariato e a reparar as suas consequências; quer dizer, a fome, a sede e a escassez de tudo.


[5184]
Já morreu quase todo o gado – as vacas, as ovelhas, os camelos – por falta de erva e forragem. O durra (milho com que se alimenta o país), que eu antes comprava a uns seis francos o ardeb (saco), agora quase não se encontra nem a sessenta; a carne, o leite, a manteiga e as coisas de primeira necessidade, apenas se encontram a preços espantosos. No reino do Cordofão, onde temos três estabelecimentos que salvam muitas almas, custa muito arranjar água turva e suja ao preço de três francos a bormah (recipiente com capacidade para uns 4 litros); de maneira que a água para beber, cozinhar e lavar tem de ser paga mais cara que em Roma o vinho dos Castelli Romani. E, ainda por cima, desde há quinze dias, doenças epidémicas, tifo, varíola, grassam em Cartum e na Núbia. Os povoados são abandonados às centenas e os seus esfomeados habitantes vão vagueando em busca de ajuda; a gente morre como moscas de fome e de sede e os cadáveres ficam insepultos. Não há memória no Sudão de uma carestia semelhante. A única missão isenta de tão grande flagelo é a de Gebel Nuba. A causa de toda esta carestia, fome e sede foi a falta ou escassez de chuvas no ano passado; e prevejo que será também terrível a situação no próximo ano, porque não há sementes para semear e a colheita será nula ou muito escassa.


[5185]
As obras de Deus devem nascer e crescer ao pé do Calvário. Os actuais sofrimentos são uma prova mais de que a obra da redenção da Nigrícia é obra de Deus. O Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora do Sagrado Coração, aos quais consagrámos a África Central, encarregar-se-ão de a proteger. Esgotei a totalidade dos meus recursos para sustentar todas as missões e endividei-me em mais de quarenta mil francos, apesar de muçulmanos e paxás ajudarem a missão; mas é que faz muito tempo que os gastos triplicaram. Esteja certo V. Em.a de que S. José, ecónomo da África Central, dentro de um ano porá remédio a tudo e sustentará a missão.


[5186]
Dentro de um ano, S. José recolocará no nível a situação; porém, não ao estilo empoladamente prometido pelos Minghetti, pelos Lanza, Sella, Depretis e por outros do círculo italiano; mas o verdadeiro nivelamento; quer dizer, a missão não terá nem um cêntimo de dívidas e continuará a avançar para a sua excelsa meta. Os melhores dos meus missionários partilham das minhas esperanças, da minha segurança e da minha fé. Entretanto, rezamos com todas as condições exigidas por Deus, sem deixar de recorrer ao famoso “petite et accipietis”, que é mais certo e seguro que todos os tratados e congressos de todas as potências do mundo e até que o famoso Congresso de Berlim que, ao que aprece, vai celebrar-se para modificar o Tratado de St.o Estêvão. Prostrado a beijar-lhe a púrpura, declaro-me com toda a veneração



De V. Em.a Rev.ma

Hum.mo, agrad.mo, devot.mo filho

† Daniel bispo e vig. ap.






770
P.e Estanislau Laverrière
1
Cartum
5. 6.1878
N.o 770 (732) - A ESTANISLAU LAVERRIÈRE

«Les Missions Catholiques» 477 (1878), p. 353



Cartum, 5 de Junho de 1878



Breve bilhete sobre a carestia.