[4512]
Em atenção à exímia bondade do seu coração e ao generoso convite que me fez na sua venerada carta de 28 de Julho de 1874 para lhe dar notícias do Vicariato da África Central com o desejo de acorrer em ajuda desta vasta e interessante Missão, apresso-me hoje a escrever-lhe algo sobre a acção apostólica do meu Vicariato, da qual tenho por certo que adquirirá uma ideia clara, exacta e veraz e que deste modo, vendo aquele campo fecundíssimo onde organizar a Obra da Santa Infância segundo o espírito e a finalidade de tão sublime instituição, tomará finalmente a determinação providencial de conceder abundantes esmolas dos fundos da sua santa obra a esta colossal Missão.
[4513]
Esta vez não entrarei a dar-lhe pormenores do nosso árduo e laborioso apostolado. Contudo, creio necessário oferecer-lhe uma ideia geral das obras do Vicariato para a conversão da Nigrícia, dar-lhe a conhecer a ligação e concatenação destas e expor-lhe sucintamente, no seu exercício, nos seus obstáculos e nas suas esperanças, a acção apostólica da África Central.
[4514]
O Vicariato Apostólico da África Central foi criado pelo Sumo Pontífice Gregório XVI, de santa memória, mediante o breve de 13 de Abril de 1846. Os seus limites são:
A norte, o Vicariato Ap. do Egipto e a Prefeitura Ap. de Trípoli.
A este, as costas nubianas do mar Vermelho e os Vicariatos Apostólicos da Abissínia e dos Gallas.
[4515]
A sul, os chamados montes da Lua, que, segundo os modernos geógrafos estão situados para lá do equador e das nascentes do Nilo, entre os 10o e os 12o lat. austral.
A oeste, o Vicariato Apostólico das Guinés e a Prefeitura Aplica. do Sara.
[4516]
O Vicariato Apostólico tem uma superfície maior que a de toda a Europa. Compreende todas as possessões do quedive do Egipto no Sudão, as quais se estendem por um espaço cinco vezes superior ao de toda a França.
[4517]
Além disso, fazem parte dele alguns reinos, impérios e tribos, cujos soberanos e chefes seguem em maior ou menor grau a lei de Maomé. Por último, também pertencem ao Vicariato (constituindo uma parte extensís-sima e povoada do mesmo) inumeráveis tribos feiticistas e bastantes Estados primitivos e independentes, inimigos e ignorantes por completo do Alcorão e absolutamente desconhecedores de toda a ideia de Cristianismo, os quais são dominados por crenças especiais e extravagantes, superstições de todo o género, que constituem a assim chamada sua religião.
[4518]
A sua população, estimada nuns noventa milhões (90 000 000) de almas pelo meu erudito e ilustre predecessor mons. Knoblecher, segundo a minha opinião, baseada em profundos estudos e sobre os cálculos resultantes da Estatística de Washington, alcança a enorme cifra de cem milhões (100 000 000) de infiéis. Do que se depreende claramente que o Vicariato Apostólico da África Central é o mais vasto e povoado de todo universo.
[4519]
Pois bem, esta grande obra da redenção da Nigrícia ou do Apostolado da África Central erigiu e fundou os seguintes estabelecimentos, uns destinados a preparar e cultivar as vocações de pessoas de ambos os sexos para o apostolado da Nigrícia, outros a aclimatá-las e a aperfeiçoá-las na sua santa e sublime vocação e os restantes a oferecer-lhes um lugar onde exercessem essa divina vocação já dentro da tão árdua e laboriosa vinha do Senhor. Portanto, a obra possui:
[4520]
1.o Dois estabelecimentos em Verona, que acolhem, instruem e formam os candidatos ao apostolado da África Central, a saber: o Instituto das Missões para a Nigrícia, que prepara sacerdotes, catequistas e irmãos artesãos para levarem a fé e a civilização à África Central e o Instituto para as Pais Madres da Nigrícia, que educam e preparam para o apostolado da mulher católica as candidatas missionárias femininas nas tórridas regiões da África interior.
[4521]
2.o Dois estabelecimentos preparatórios e de aclimatação no Cairo, cidade cuja temperatura média se encontra entre o clima europeu e os ardores da África Central. Um é masculino, destinado aos missionários provenientes do Instituto Africano de Verona, para os aclimatar, para os provar cada vez mais na sua vocação e pô-los na condição de irem para o apostolado árduo e laborioso da África Central; o outro, feminino, é comum para as irmãs provenientes das duas congregações chamadas a trabalhar no Vicariato, ou seja, as Irmãs de S. José da Aparição, de Marselha, e as Pias Madres da Nigrícia.
[4522]
3.o Um estabelecimento em Schellal, na Núbia Inferior, perto do Trópico do Câncer e em frente da ilha de Filé, fundado pelo meu ilustre predecessor mons. Kirchner.
[4523]
4.o Um estabelecimento em Berber, cidade situada nas margens do Nilo, na Núbia Superior, ao começo do grande deserto de Atmur e no ponto de concentração das caravanas procedentes do Egipto, de Cartum e de Suakin, no mar Vermelho. Fundado por mim em Novembro 1874, na actualidade ocupam-no missionários do meu instituto de Verona; mas espero que este ano, no meu regresso ao Vicariato, poderei abrir aí um estabelecimento de Irmãs para a educação e conversão do segmento feminino e para o baptismo dos meninos pequenos nos haréns dos muçulmanos.
[4524]
5.o Dois vastos estabelecimentos em Cartum, capital das possessões egípcias no Sudão, situada na Núbia Superior, nas margens do Nilo Azul, entre os 15o e 16o de lat. norte. O grandioso estabelecimento masculino, dotado de um amplo jardim, fundou-o o meu ilustre antecessor mons. Knoblecher com as generosíssimas esmolas recolhidas pelo Comité da Sociedade de Maria; e o não menos estabelecimento feminino, de 112 metros de comprimento, como o anterior e que é ocupado pelas Irmãs de S. José da Aparição, foi fundado por mim em 1874 e contém as escolas femininas, o orfanato, o asilo de escravas e o hospital.
[4525]
6.o A quinze dias de distância de Cartum fundei também dois grandes estabelecimentos no Cordofão, concretamente na sua capital, El-Obeid: o dos missionários do instituto de Verona e o das Irmãs de S. José da Aparição. Estes dois estabelecimentos produziram, e estão em grau de produzir cada vez mais, os melhores resultados em favor do apostolado da Nigrícia, ganhando muitas almas para Cristo.
[4526]
Mas aí é preciso muito dinheiro para transformar as casas actuais, feitas de barro ou lodo com areia, em construções mais sólidas de tijolos e ou de pedra. Porque as casas de barro são resistentes durante os nove meses em que nunca chove, mas quando em Julho começam as chuvas, então as casas desfazem-se como a neve ao Sol. Seria preciso que ao menos a igreja e as casas dos missionários europeus e das Irmãs europeias fossem de tijolo. O pior é que esta operação, difícil de levar a cabo naquele reino pela pouca quantidade de cal que há aí, que deve ser transportada em camelo desde um lugar situado a três dias de distância e requer, ainda, um desembolso superior duas ou três vezes ao que custa em Paris.
[4527]
7.o Duas colónias ou estabelecimentos em Malbes, a duas jornadas de distância de El-Obeid e que têm por objectivo reunir aí as famílias dos negros convertidos nos estabelecimentos de El-Obeid. A minha experiência em todos os estabelecimentos da África e do Egipto é que os negros, depois de todos os suores que a sua conversão custa aos missionários e às Irmãs, não perseveram na fé se estiverem ao serviço de famílias muçulmanas, as quais querem por força que os seus servos sejam muçulmanos e assim os neófitos correm grave perigo de perder a fé.
[4528]
Para afastar, pois, estes recém-convertidos da peste e da corrupção muçulmana, decidimos enfrentar o mui gravoso sacrifício de comprar grandes terrenos nas planícies de Malbes, suficientemente providos de água e construir aí casas e cabanas, nas quais instalamos todos os negros que foram convertidos no instituto masculino de Cordofão e que depois se unem em matrimónios cristãos com as negras educadas no instituto das Irmãs.
[4529]
A cada família atribuímos um pedaço de terra para cultivar e, depois, distribuímos entre todas elas uma boa quantidade de grão, para que o semeiem. Trata-se de poderem viver independentemente, longe da peste e corrupção muçulmana, sob a supervisão da missão católica e com o fruto dos seus suores e a ajuda das artes e ofícios que aprenderam na Missão. Essas famílias católicas formarão, pouco a pouco, uma aldeia católica, uma povoação católica e, com o passar dos anos, converter-se-á numa cidade católica, a qual servirá de exemplo às outras povoações. Também poremos em prática este prudentíssimo sistema nas proximidades das missões católicas já fundadas e por fundar nas regiões dominadas pelos seguidores do Alcorão.
[4530]
Mas, como qualquer um pode ver, são precisos importantes recursos económicos, que nós esperamos da infinita protecção dos Sagrados Corações e da especial caridade da França e dos católicos da Europa.
[4531]
Desse modo não nos será difícil organizar aí as obras da Santa Infância para salvar um grande número de crianças. Mas falta dinheiro para construir locais, manter neles as Irmãs e atender a todas as necessidades. Também estamos a iniciar uma instituição semelhante, dependente da Missão de Cartum, no povoado de Geref, junto ao Rio Azul.
[4532]
8.o Finalmente, em 1875, abrimos a importantíssima missão de Gebel Nuba, a seis jornadas a sudoeste de El-Obeid, no povoado de Delen, residência principal do grande chefe espiritual e temporal, que é, ao mesmo tempo, pontífice e rei. Estes Nuba odeiam de morte o Islamismo, que dizimou a população, levando como escravos e fazendo soldados muitos dos seus e, ao contrário, mostram a melhor das disposições para abraçarem o Cristianismo. Nesta tribo, à qual levei missionários e Irmãs de S. José, os habitantes de ambos os sexos andam vestidos como os nossos primeiros pais Adão e Eva, quando ainda se encontravam em estado de inocência. Contudo, são de excelentes costumes, vivem uma vida patriarcal e não são nómadas, mas têm residência fixa; além disso, é gente com juízo, sólida inteligência e que aprecia o bem. Porém, sobre a fundação desta importante missão e sobre a consistência das esperanças postas nela farei um relatório especial à Santa Infância, porque também esta nova missão pode interessar vivamente a caridade desta santa obra.
[4533]
Em todos estes estabelecimentos, desde Schellal até Gebel Nuba, obtivemos não poucos meninos pequenos e grandes, alguns dos quais morreram já baptizados e outros que comprámos para os instruir e educá-los na fé e na moral católicas. Necessitamos de muitos recursos para consolidar esta obra, criando os estabelecimentos justamente necessários para instalar as mães e os filhos que nos dão ou que vamos comprando; e é aqui especialmente onde espero uma importante ajuda anual da Obra da Santa Infância de Paris, que me coloque em condições de consolidar e de expandir estas obras para a salvação da infeliz Nigrícia.
[4534]
As duas missões principais, a de Cartum e a do Cordofão, são os verdadeiros centros de comunicação, os pontos de apoio e a base de operações para levar, pouco a pouco, a luz do Evangelho a todas as vastas e populosas tribos, Estados, reinos e impérios situados dentro dos limites do Vicariato. A missão de Cartum é o centro de comunicação, o ponto de apoio e a base de operações para estender paulatinamente a fé e a verdadeira civilização cristã em todos os pontos da parte oriental e austral do Vicariato, desde o Trópico da Câncer até para lá do equador e das nascentes do Nilo.
[4535]
A missão do Cordofão é o centro de comunicação, o ponto de apoio e a base de operações para estender e estabelecer gradualmente a fé e a civilização cristã na parte central e ocidental do Vicariato. Em Cartum estão o I. R. cônsul de Sua Majestade Apostólica o Imperador da Áustria e da Hungria, augusto protector do Vicariato e outros cônsules de potências europeias; no Cordofão tardar-se-á muito a ter um representante de S. M. Apostólica.
[4536]
Portanto, pode-se dizer que estas missões vivem sob um governo em certa maneira regular, graças à sabedoria do grande Mehmet Ali, vice-rei do Egipto, que proclamou a liberdade de culto, princípio seguido também pelo magnânimo quedive, seu sucessor. Além disso, agora que S. Alteza o quedive confiou o governo geral de todas as suas possessões egípcias no Sudão ao ilustre general inglês Gordon, gozaremos de uma maior liberdade, já que esta ilustre personalidade tem em alta estima a nossa obra e partilha connosco totalmente as suas ideias civilizacionais, que são contra a escravidão e o tráfico de negros. Durante o seu governo do Nilo Branco e do equador aplicou um golpe mortal a essa chaga sangrenta que dizimou as populações do Nilo Branco, de tal modo que durante o seu mandado não se voltaram a ver tantos horrores do comércio de escravos nos lugares sob a sua jurisdição.
[4537]
Mas todo o segredo para destruir gradualmente esse tremendo flagelo da humanidade possui-o a divina religião d’Aquele que proclamou no Evangelho a igualdade de todos os filhos de Deus. Portanto, só a missão, só o apostolado católico, poderá tornar pouco a pouco verdadeira a abolição do tráfego de escravos, pregando a fé e implantando a religião católica na África Central. Ora bem, para ter êxito em tão santa e trabalhosa empresa precisam-se muitos meios económicos e a eficaz cooperação da admirável Obra da Santa Infância.
Expostas estas noções, passo a assinalar brevemente, de relance, a acção apostólica do Vicariato da África Central, no seu exercício, nas suas dificuldades e nas suas esperanças.
ACÇÃO APOSTÓLICA DO VICARIATO
[4538]
O missionário, que preparado nos institutos de Verona e completamente habilitado e aclimatado nos do Cairo, se desloca para Cartum para trabalhar depois em favor da infeliz Nigrícia na estação e nas tarefas que lhe são atribuídas, encontrou sempre, encontra e encontrará obstáculos e dificuldades muito graves para o exercício do ministério apostólico.
[4539]
E se devesse mencionar as diversas religiões perante as quais se encontra o missionário da África Central, teria que descrever os horrores do cisma copta e do Islamismo, que, dominantes nas duas Núbias, nos reinos e nos impérios do Cordofão, de Darfur, de Waday, de Baguermi e de Bornu e em todas as tribos nómadas árabes que vagueiam pelo extensíssimo território, se encontra de maneira mais disseminada noutras partes do nosso Vicariato, não ficando isentas de tal peste nem sequer as regiões centrais, nas quais o paganismo e o feiticismo reinam principalmente. Mas, para não resultar excessivamente pesado, repetindo o que tantas vezes se leu em relatórios, incluindo até longos, embora sempre insuficientes, para descrever em toda a sua horrível verdade aquelas míseras condições, contentar-me-ei somente com indicá-las.
[4540]
Tão fina arte usou Maomé para subjugar as mentes e os corações dos orientais, que não há poder humano capaz de eliminar erros tão disseminados. Oriente que só se deleita com o aparato externo e que sente mais vivo o enfrentamento das paixões; em seguida foi ganho por Maomé, que, sem impor novas crenças, oferecia uma monstruosa mistura de algumas vulgares e comuns e fazia consistir toda a sua religião num culto puramente externo, estimulando e autorizando ao mesmo tempo a plena satisfação das paixões, até das mais brutais.
[4541]
Trata-se do Alcorão, que legitima a dissolução e não considera a mulher como filha da religião, mas apenas como um utensílio doméstico, como um instrumento de imoralidade. O Alcorão permite os haréns, onde o sentimento humano se animaliza e a ideia da virtude do homem enfraquece, se relaxa, se perverte; onde o intelecto se turva e torna o homem não já capaz de aprender a sentir ou apreciar a nobreza da religião católica, mas até a civilização cristã. De facto, já faz bastante tempo que o Islamismo se encontra em contacto com a civilização europeia e, contudo, que avanços, que progressos, pôde fazer esta no meio dos maometanos?
[4542]
É mais fácil que pelo contacto imediato se perverta a civilização do que o maometano abandone a sua inactividade e renuncie aos seus princípios animalescos e anti-sociais, violando assim o Alcorão, que legitima tais princípios e manda tal estado. Terá conseguido demasiado a civilização quando conseguir que o maometano derrube a sua cabana ou abandone a sebe atrás da qual dorme, para procurar uma habitação melhor. Porém, que depois não pretenda encontrar nela o homem, porque nunca o conseguirá: encontrará sempre um animal que não pensa como homem, que não raciocina como homem e que nem sente, nem vive, nem age como homem. Nele poderá despertar o espírito de interesse, mas nunca o poderá dirigir, nem poderá jamais reduzir a justiça as pretensões, nem a justiça o uso dos meios.
[4543]
O amor e o respeito para com o próximo nunca poderão articular a sociedade maometana. Numa palavra, a civilização terá alcançado demasiado quando nas regiões maometanas se chegar a despertar a vida, ainda que sem introduzir princípios novos, susceptíveis de fazer passar os maometanos a um verdadeiro progresso, verdadeira sociedade e verdadeira civilização, na rejeição do Alcorão, que proíbe toda a novidade e a própria instrução, legitima a plena satisfação de todo o vício e de toda a paixão até brutal e cruel, e concede aos seus seguidores os máximos direitos contra quem pertence a outra religião. Daí que verdadeira sociedade e Alcorão, verdadeiro progresso e Alcorão não podem coexistir: um destrói o outro.
[4544]
Contudo, nenhuma força humana seria capaz de fazer contra o Alcorão muito mais do que fez o protestantismo que, vindo a combatê-lo nas margens do Nilo, e não tendo conseguido captar mais que dois prosélitos em Esneh – e isto depois de desembolsar dinheiro –, teve que abandonar aquelas regiões. Rígidos observantes do Alcorão, adoradores fanáticos de Maomé, consideram pecado discutir sobre religião. Aquele que se deixa pisar pelo cavalo branco do grande sacerdote, quando este, na época das peregrinações a Meca, avança em direcção à mesquita; aquele que, por esforço de continuadas invocações a Maomé cair doente ou enlouquecer, converte-se num santo, num herói para cujo sustento todos contribuem, a quem todos consultam e veneram e a quem constroem um túmulo após a sua morte. Ora bem, proibida a educação e com toda esta discussão religiosa, toda a novidade, como se poderão implantar novos usos, novas crenças? Pretender que se renuncie ao Alcorão, sem prévia percepção da causa da rejeição, sem razão, é pretender o impossível e prova disso é o fanatismo com que o observam. E mesmo que fosse possível aceitarem uma nova educação sem renunciar ao Alcorão, quem ousaria dar-lha, se o próprio Governo proíbe o proselitismo? E quem a aceitaria, quando isso lhes iria trazer críticas de todos, quando não a morte às mãos dos próprios pais?
[4545]
Platão considerava necessária uma luz soberana, uma força taumatúrgica para destruir as trevas do paganismo e regenerar a humanidade decaída. Uma força taumatúrgica, uma luz soberana, o concurso da graça divina são absolutamente necessários para regenerar as mentes e os corações envilecidos pelo Islamismo. Só os meios humanos não são suficientes. Estaria unicamente reservado à Igreja Católica esse triunfo, porque o Senhor, que com a sua voz quebra os cedros do Líbano, faz tremer as colunas do firmamento, em favor da sua religião poderia eliminar as trevas daquelas mentes.
[4546]
Ele que outrora, derrubados os templos pagãos, converteu os bosques da idolatria em sedes da sua religião, sobre as ruínas das mesquitas poderia implantar agora a sua cruz. E assim como só por meio desta foram conduzidos os gentios ao caminho da salvação e floresceu a civilização nas suas nações, também por meio só desta poderiam os maometanos receber semelhantes benefícios.
[4547]
Mas eis que o Senhor, em seus imperscrutáveis desígnios, decidiu servir-se de meios humanos até para as suas obras. E quem não reconhece gravíssimos obstáculos para o eficaz uso desses meios nas prescrições do Alcorão e no fanatismo a que fizemos alusão, tanto mais que se trata de substituir a fé maometana não por uma religião desconhecida, mas por uma religião abominada como é para os muçulmanos a católica, até ao ponto de eles verem no nome cristão a maior das ofensas, o maior dos insultos? E como substituir uma religião comodíssima por uma religião que impõe a mais rígida continência, a renúncia, a mortificação, o sacrifício?
[4548]
E somente o fazer apreciar e sentir a sublimidade da religião católica e a santidade das suas práticas a essas mentes e a esses corações incapacitados para isso, pela desenfreada libertinagem e depravação que a própria lei autoriza, apresenta dificuldades, humanamente falando, inultrapassáveis. Contudo, o missionário encomenda-se à Divina Misericórdia e, esperançado, dispõe-se a correr para o campo de batalha e espera; ora sobe para o navio, soprando o vento propício, ora parte.
[4549]
Oh!, a que espectáculos continuamente novos, a que sempre renovadas maravilhas o conduz o Nilo! Avançando pela margem direita, avista os montes do Mochatan no deserto da Núbia e à esquerda, os montes Líbicos, que se encadeiam ao longo do rio, deixando atrás de si uma planície às vezes deserta e arenosa, às vezes cultivada. E ante seus olhos não deixam de se espraiar belos panoramas! Aqui, uma ilha sobre cujos verdes pastos anda errante um rebanho de cabras, guardadas por um rapaz negro, não longe da pequena choça encravada quase no meio das palmeiras que a rodeiam; ali, um bosque de acácias produz um suavíssimo perfume; além, um grupo de palmeiras faz gala das suas tâmaras. Agora, as margens aproximam-se, quase para mostrar ao viandante cada uma das suas próprias belezas; depois, afastam-se numa distância enorme, deixando o peregrino como no meio de um lago. E mais adiante fechá-lo-ão entre um horror de rochas nuas e de áridos montes, em cujos vales apertados, batido pelo vento, o rio se agita, que fechará os espectáculos sempre novos e deliciosos do dia, mostrando no seu longínquo aparente confim as águas encrespadas, flamejantes e de vivíssimas cores do Sol, que no ocaso parece mergulhar nelas para criar um mar de esplendor.
[4550]
Porém, os sentimentos despertados pelos gratos encantos que ali apresenta a natureza, bem frequentemente se turvam por causa de sinais sinistros e de amargas reflexões. Quando, ao cair da tarde, se ouve a voz rouca do muezim, que do alto do minarete convida à oração os seguidores de Maomé, então, recolhido em pensamentos de tristeza, o missionário deplora a desdita de tantas almas; e o silêncio vasto e profundo que pesa sobre aquelas margens salpicadas aqui e ali de cabanas, lembra-lhe o silêncio precursor da tormenta e pensa no luto que envolverá aqueles infelizes que dormem com um sono de ferro, para só despertarem ao troar da vingança divina. Tudo se cala em redor e, entre o sopro favorável do vento, dormem os barqueiros sob o mastro da vela.
[4551]
E, enquanto a Lua, banhando com a sua luz as planícies circundantes, de quando em quando, interrompidas por espantosas montanhas, parece chorar pelo Cristianismo que outrora ali florescia e do qual agora não pode iluminar senão uma ou outra ruína que o lembra, solitário reza o missionário. E no meio daquelas solidões, parecendo-lhe ouvir a voz do Pastor Celestial, saído à procura da ovelha negra perdida, ganha confiança em que cairão todos os obstáculos que se interpuserem na conquista dos seguidores de Maomé e em que o Demónio não saberá manter como feudo próprio a Nigrícia, onde, ainda que não sempre imunes da peste muçulmana, numerosíssimas multidões de infiéis oferecem ao missionários campos dos mais prometedores.
[4552]
Impedem-lhe também o passo as cataratas, por cujos escolhos, partido no seu curso, se engrossa o Nilo para se lançar impetuoso em correntes que, partindo-se contra outros escolhos, se subdividem precipitando-se a espumar, aumentando o ímpeto e o fragor do sinuoso curso, em contínua colisão. Desde aqueles negros penhascos, de que o Nilo aí está recheado e aquelas margens abruptas, a morte também ameaça; e, nas escuras tábuas de embarcações afundadas, que sobressaem das águas quando estas baixam, ela mostra os seus triunfos. Mas há outro caminho: o do deserto. E, embora assuste por causa dos seus incómodos e da sua imensidão, o missionário não retrocede por isso, ao recordar que doze pescadores saídos de uma região insignificante da Judeia, depois de lançar um olhar ao cimo do Gólgota, dividiram entre si o mundo e, confortados pela fé no Divino Redentor e pela certeza do triunfo, exultavam nas tribulações e nas dores.
[4553]
Dura, sim, trabalhosa e incómoda é a vida do missionário apostólico da África Central; mas, sem se mostrar demasiado delicado e pondo em prática os meios recomendados e já provados pela experiência, pode trabalhar longo tempo e não sem fruto, em favor das cem milhões de almas, às quais, arrogante, o Demónio faz há tantos séculos seguir a sua vontade caprichosa.
[4554]
Por outro lado, dadas as enormes distâncias, a pobreza dos meios de transporte que lá se podem usar, a inconstância do vento favorável para quem viaja pelo rio, a indolência dos barqueiros, etc., as viagens naquelas terras tornam-se sobremaneira longas e penosas. Abandonado o missionário pelo vento propício sobre uma praia deserta, naquela solidão, onde terá como grande sorte o poder cobiçar uma árvore espinhosa para lá debaixo passar a noite, talvez se veja forçado a passar aí longos dias e semanas; e, depois, deve estar disposto a suportar, detido durante dias e meses nos extremos dos desertos, a preguiça dos cameleiros.
[4555]
E quando montado no camelo se dispuser a atravessar as intermináveis planícies desérticas, as montanhas de granito nu e os intermináveis bosques do centro, convém que esteja preparado para suportar os tormentos que irá passar, mesmo que não seja atacado por feras – sobretudo quando o surpreende a noite na selva –, ainda que não fique doente, ainda que o camelo o não arroje ao solo, deixando-o maltratado pela queda. Se tem dores, tem que aguentar sem nenhuma espécie de lenitivos e continuar a viagem, senão morreria de sede e os cameleiros, responsáveis pela sua vida, não lho permitiriam de nenhum modo.
[4556]
Já o missionário penetrou nas imensidões do deserto, onde feroz e abrasador o queima o Sol e onde o cansa e fatiga o camelo, sobre cujo dorso vai ficando moído de manhã à noite. E quando, chegado o ocaso, coloca pé em terra, ainda não é para se entregar ao descanso, mas a um solitário vaguear por aqueles espaços, à procura de mato e arbustos, combustível necessário para preparar uma frugalíssima ceia. Isto quando não se vê obrigado, por falta de outra coisa, a matar a fome com pão e cebola, tendo ao lado um odre de água, que, embora sempre quente e suja e às vezes até podre, constitui o único alívio do viajante que cruza o deserto. Contente, descansa ele agora sobre a areia e considera-se muito feliz se conseguir resguardar-se do vento da noite atrás de algum penhasco. A gravidade de tais incómodos não o acabrunha, pois ele sabe que não serão sempre melhores as condições que encontrará nas estações, onde, mesmo quando o não atormentem as doenças, consumido pelas fadigas sofrerá, às vezes, a amargura do desengano e desgosto das dificuldades.
[4557]
Entre os obstáculos que para o exercício da acção apostólica encontra no solo africano o missionário, nomearei como principal a escravidão. Nas montanhas do interior, grupos de homens armados ainda continuam a levar a cabo sangrentas incursões; e aquele que, atacado, se levantar em defesa própria e da sua família, inevitavelmente morre vítima da ferocidade daquelas bestas humanas, juntando o seu sangue ao que, impunemente, corre ainda pelos pacíficos campos da infeliz Nigrícia. Entre os incómodos de uma viagem longa e penosa, sob um Sol abrasador e sobre aquelas areias imensas e ardentes, ainda se encontram longas filas de pobres camitas que marcham quase completamente carenciados e dobrados sob a scheva (viga dotada num dos seus extremos de um triângulo de madeira ao qual se fixa o pescoço do escravo) e vigiados por uns bárbaros jilabas que a golpes de chicote os abrigam a avançar. Quantas terras longínquas e desconhecidas atravessam esses infelizes, não raramente deixando marcados os seus passos com o sangue que sai dos seus pés desfeitos pelo longo e torturante vaguear através dos abrasados desertos! Mas nenhuma piedade sente o jilaba por aqueles infelizes! Se na catástrofe que destruiu a família só uma menina sobreviveu junto com a mãe, esta não tem direito a socorrer a sua querida criatura, única herdeira que ficou dos cuidados e afectos maternos!
[4558]
Se, para cuidar da sua cansada filhinha, abrandar o passo, a besta do jilaba arrancar-lha-á das mãos, passá-la-á à faca e com bárbara frieza atirá-la-á sobre a areia. E a pobrezinha da mãe, que sentindo dilacerar-se-lhe a alma e o coração, queria morrer com ela, certamente também acabará trespassada pela faca, se com as furiosas chicotadas e pauladas não prosseguir silenciosa a sua marcha. Ainda se vêem serem arrastados para os mercados, às centenas, aos milhares, pobres escravos, desfeitos pelas longas fadigas e pelos sofrimentos padecidos nos desertos e nas embarcações, onde, amontoados, maltratados e sem comer, viajam dias de mil horas.
[4559]
Convém que vá aos mercados quem gostar de conhecer até que ponto é uma vergonha para a humanidade a escravidão, que alguém quereria aprovar como meio de civilização. Porém, porquê tanto ultraje aos direitos mais sagrados da natureza? Porquê tanta brutalidade, tanta barbárie, capazes de comover corações de pedra? O que faz trocar por ouro o sangue humano é unicamente o puro interesse. E aquele que não consegue convencer-se disso, que veja o trato, menos duro, no paganismo, e bárbaro no Islamismo, dado aos escravos, quando do mercado passam para casa do amo que os comprou.
[4560]
Vendo-se esses desgraçados a servir o seu amo, senhor da vida e da morte para eles, sem terem direito ao suficiente sustento, tendo, ainda por cima, a obrigação de lhe entregar o pouco que podem ganhar. E alguns são forçados a roubar grão a outros amos, guardado a alguma distância da casa destes por escravos, com o risco de molhar com o próprio sangue o pau do roubado, no caso de ser descoberto, ou o do próprio amo se, à noite, não lhe levarem a quantidade do grão ordenado. Ao escravo nega-se o mínimo socorro, nem uma mão o conforta, quando agonizante; nem uma lágrima o chora, uma vez falecido. Termina a toda a sua vida de dor e miséria atirado sobre a areia e aí, no mesmo lugar onde morreu abandonado, o seu corpo ficará por enterrar para pasto dos cães e das feras.
[4561]
Deixando de lado o anterior, poderia aprovar-se a escravidão como meio de civilização para que (ao serem poucas as necessidades que ali se sentem e a que, portanto, se pode atender) permitisse que, se não todos, muitos escravos passassem os dias inteiros na ociosidade e, por outro lado, lhes proibissem aproximar-se do missionário para aprender com a religião católica as artes necessárias?
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Pois é assim. Mais ainda: se fugindo dos maus tratos do amo, algum se refugia na Missão, o que às vezes acontece, é incrível a quantidade de astúcias que ele utiliza para o surpreender só, a quantidade de meios de que se serve para o recuperar, disposto a usar até a violência, se a violência se pudesse usar nas casas da Missão. E tudo isto porque o escravo, uma vez instruído na casa da Missão, já não pode ser revendido nos mercados, dado que no termo da sua educação católica recebe da Missão a carta de alforria, assinada pelo cônsul protector. Portanto é o mesquinho interesse a única razão pela qual existe a escravidão e constitui um dos graves obstáculos que encontra o ministério apostólico na África Central.
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Mas não é só por esta razão que se torna difícil o exercício do ministério apostólico entre os maometanos. Entre eles, onde se encontram estabelecidas as estações de Berber, Cartum e El-Obeid, a acção apostólica é difícil também porque as referidas estações tiveram de ser levantadas algo longe uma da outra, distantes entre doze a quinze jornadas, já que a esta distância ficam os grandes núcleos de população, embora a apenas uns dias de distância das cidades e localidades mais habitadas haja dispersos pequenos povoados e até algumas famílias isoladas nas desarborizadas montanhas do deserto. E também dificulta a acção apostólica o facto de, fora a natural indolência, aqui a ignorância se encontrar prescrita e a corrupção fomentada pelo Islamismo, para derrubar o qual não há força que baste.
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Contudo, isto não deve desalentar em absoluto o sacerdote nem o leigo católicos que se sentem comovidos pelos gemidos de uma imensa população vítima das tropelias dos homens e do Demónio: a cruz é a marca de todas as obras redentoras de Deus, porque todas elas nascem e crescem aos pés da cruz. Portanto, quanto maior dificuldade apresentar a redenção da Nigrícia, mais gloriosa será. Sempre que não resulte impossível, e não o é, só as dificuldades, longe de produzir desânimo, devem incitar mais e mais a caridade dos que tratam de levar a cabo essa empresa.
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Não, não há tal impossibilidade: nem sequer lá, quando o missionário se ajuda pondo em prática os meios necessários para poder penetrar nas famílias e ganhar o seu respeito, é completamente estéril o exercício do ministério apostólico. E se com os muçulmanos resulta infrutuosa a acção do operário evangélico – o qual procura por isso de não os tornar inimigos –, não tão ineficaz se mostra a sua obra em relação aos europeus, que, nas cidades de Berber, Cartum e El-Obeid e nas províncias dependentes delas, se encontram reunidos em famílias e que provavelmente aumentarão, porque continuamente aumentam os trabalhos e ganha mais vida o comércio. Pelo que, no meio destes se move o missionário a fim de lhes evitar ou impedir todo o mal possível e promover todo o bem possível. Para tal fim, não poupa nada do que a caridade lhe sugere: visitas, exortações, ameaças, diligente atenção para com todos, acolhimento gratuito nas correspondentes salas da missão ao necessitado que caísse doente...
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Deste modo conseguiu acabar-se com a mancebia de alguns pares e formar com eles legítimas famílias, administrando educação católica através das irmãs às amancebadas negras ou abexins, enquanto noutras famílias se conseguiu introduzir a observância dos preceitos eclesiásticos. E que grande conforto é ver tantos infelizes atraídos pelo interesse longe dos países católicos onde nasceram, corresponder agradecidos às carinhosas advertências da religião católica, que os seguiu, alcançando-os até à remotas planuras da África Central, e vê-los igualmente irmanados pela identidade de religião com os negros convertidos, assistir em companhia destes às sagradas funções e saciar-se, junto com eles, nas fontes da salvação, que também aí lhes faz jorrar o seu Celestial Pastor!
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Mas não é só o bem da população europeia o único fim da acção apostólica exercida em terras muçulmanas, onde tão-pouco faltam gregos e coptas cismáticos. E se não se obtém fruto entre os coptas e só existe a esperança de futuras colheitas, vivendo eles em boa-fé, especialmente onde não são governados por sacerdotes e amando, por isso, e respeitando o missionário católico; algumas conquistas fez todavia a cruz entre o escasso número de cismáticos gregos.
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Contudo, o campo que o missionário encontra semeado de melhores esperanças é o dos escravos. Esses infelizes, que estão sobretudo ao serviço das famílias muçulmanas, superam em muito o número de todo o resto da população. Além disso, como provêm do paganismo das tribos centrais, com maior facilidade que os muçulmanos e os cismáticos são induzidos a abandonar o Islamismo, a abraçar o qual se vêem forçados especialmente pela sua situação. Embora seja verdade que, de adultos, são algo instáveis e, ao entrarem em contacto com os seus amos muçulmanos, poderiam abandonar facilmente o Catolicismo.
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Portanto, o missionário deve guardar-se de os admitir na religião católica, salvo o caso de eles permanecerem na Missão ou servirem numa família católica ou, melhor ainda, se unirem em matrimónio com uma das negras já convertidas e educadas, mantendo-se depois com o exercício do ofício que, durante o catecumenato, devem aprender na missão para se não exporem ao perigo de apostatar servindo a amos muçulmanos. Mas há bastantes rapazes e raparigas que crescem alojados na casas da Missão, que os mantêm como filhos adoptivos por os terem comprado ou recebido em doação ou por os terem acolhido depois de eles fugirem dos seus amos. A estes jovens, cujo número aumenta todos os dias, ensina-se-lhes, junto com a educação moral, a material, mas limitando-a ainda a que aprendam a ler, a escrever e a algum ofício adequado para o lugar; e, entretanto, evita-se multiplicar neles as necessidades, mantendo-os, pelo contrário, nos seus costumes na medida em que a virtude e a religião o permitirem.
São sobretudo estes jovens os que, com frutos e esperanças, confortam das suas fadigas e solícitos cuidados o missionário, que, gradualmente, vai educando na religião católica, na sua fé e práticas, as suas mentes virgens e os seus ternos corações, até que, baptizados e maduros para o matrimónio se unam catolicamente com alguma das negras educadas na religião católica e nos lavores femininos pelas Irmãs. São estes especialmente os que se encontram nos nossos institutos e os que, mais susceptíveis de receber uma educação sólida, multiplicarão a grei católica à volta das nossas casas e nos terrenos que, em situação adequada a alguma distância das cidades – e, portanto, longe da peste maometana –, a missão comprou.
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Pode-se deduzir claramente disto que os gastos para a manutenção da obra são sobremaneira grandes, o que constitui não pequena dificuldade para o exercício da acção apostólica naquelas terras. Os gastos são grandes: a) pelo sistema de missão adoptado, o único que se encontrou possível e proveitoso naquelas regiões. Não existindo aí edifícios, convém e convirá construir estabelecimentos e casas, onde albergar os missionários e as Irmãs, assim como os negros e as negras e onde ministrar a estes o ensino artesanal e religioso, longe do pernicioso contacto com os muçulmanos. Durante a sua educação é preciso sustentá-los inteiramente, custeando toda a sua comida e roupa, como se fez até hoje, e, depois, há que instalá-los fora da cidade, em terrenos comprados também pela Missão. Qualquer um pode ver que isto representa um considerável gasto, o qual aumentará à medida que aumentarem as conversões e as aquisições.
Grandes particularmente são os gastos também: b) pela natureza dos lugares. De facto, como estes não estão suficientemente cultivados – e até na sua maior parte são desertos incultiváveis por falta de água –, e dado o escasso volume de comércio nas poucas cidades onde existe, é preciso fornecer cada casa e cada pessoa de tudo o necessário, mediante copiosas compras feitas na Europa ou no Cairo e daí enviadas para o Sudão.
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c) Não falo dos gastos da manutenção dos institutos de Verona e do Cairo, das novas expedições, das viagens, dos transportes; nem tão-pouco das perdas ocasionadas pelos atrasos, pelas enormes distâncias, pela irregularidade do valor comercial das moedas nos diversos dias e nos diferentes países. Ponho tudo isso de lado, confortando-me na convicção de que nem sequer em terras muçulmanas do Vicariato da África Central é impossível o proveitoso exercício do ministério apostólico, como se torna evidente a quem pensa que o missionário católico, sem ser aí favorecido em tudo, tão-pouco é em tudo hostilizado e que, aos que em primeiro lugar se aclimatam e depois se habituam ao frugal estilo de vida que a experiência aí recomenda, o clima não se lhes torna tão pernicioso.
Por outro lado, quem pensa que, para além de dois grandes Institutos em Verona para o noviciado e outros dois também grandes no Cairo para a aclimatação, para além da casa de Schellal, a Missão fundou um estabelecimento suficientemente amplo em Berber, mais dois muito vastos em Cartum e dois em El-Obeid e em Malbes, junto com dois iniciados em Gebel Nuba, e todos eles com terreno próprio, rapidamente compreende que se criou uma estrutura estável, mediante a qual se proporciona o necessário alojamento aos missionários e às Irmãs e se facilita a educação religiosa e artesanal dos pobres camitas.
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E se, além de usar a sua dedicação a falar e baptizar os meninos moribundos dos muçulmanos, em promover o bem e impedir o mal entre os europeus e católicos e em obter alguma conversão entre os cismáticos, podem, ainda, os missionários e as Irmãs dirigir (como especialmente dirigem) a sua solícita caridade para com os escravos, não só para os instruir mas também para os conservar no Catolicismo, é de crer que, além de não ser infrutuosa a acção apostólica nas terras muçulmanas, no meio destas encontra campos a cruz sobre os quais, mesmo lentamente, triunfar.
Porém, é entre as tribos livres e pagãs do centro, onde mais fecunda se revela a paciência do missionário. Já em 1875 tentámos penetrar nelas; e depois de seis dias de caminho, desde os montes de Delen (primeira colina da tribo Nuba) contemplámos a ampla vinha que devíamos fazer frutificar com os nossos suores. Aí ficámos, após cortês acolhimento e os fervorosos rogos daqueles pobres nuba, que tanto festejaram a nossa chegada. Contudo, depois de termos construído as casas necessárias e até de termos iniciado a acção apostólica, circunstâncias adversas obrigaram-nos a regressar por então a El-Obeid, depois de entregarmos tudo ao cojur (chefe religioso e político da tribo Nuba), o qual partilhava com a sua gente o pesar pela nossa temporária retirada.
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As tropas do Governo de Cordofão que avançavam hostis sobre Gebel Nuba, as tribos nómadas dos Bagara, inimigos dos Nuba e fanáticos muçulmanos, que por inspiração própria ou por conselho de outros teriam podido aproveitar a guerra iminente para vingar na missão os agravos do nome “cristão” a Maomé; as doenças, que naquele clima, ainda que saudável, nos afectaram a todos ao surpreenderem-nos as chuvas necessariamente já debilitados pelas fadigas e privações; a impossibilidade de receber do Cordofão provisões para vivermos e nos curarmos, estando interceptados os passos por causa da guerra já iniciada: o conjunto destas circunstâncias oferecia à prudência de todos as razões suficientes para concluir que a nossa presença em Gebel Nuba seria para a Missão e para nós mesmos gravemente prejudicial, e para os Nuba, senão nociva, por completo inútil.
Mas só o pensamento de um próximo regresso nos mitigava a amargura do necessário afastamento daquela terra, pela qual durante tanto tempo tínhamos suspirado. E já em 1876 fazíamos os preparativos para regressar, quando uma ordem do Governo egípcio nos reteve em El-Obeid, impedindo-nos a saída até Gebel Nuba. Ah, é que aquelas terras, nas quais a religião católica poderia obter mais fáceis e amplos triunfos, são as que o interesse guarda com maior zelo contra o Catolicismo, por este tentar implantar aí as suas tendas de liberdade.
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Mas convém esperar, pois não se deixará de tentar nenhum meio para conseguir que os perversos intuitos do vil interesse, o qual tão vergonhosamente ultraja a humanidade, finalmente se malogrem e fracassem; de modo que já aberta e livre a passagem, a propagação da fé na tribo dos Nuba se torne uma feliz realidade. E a Divina Providência, dispondo que recentemente fosse nomeado governador-geral do Sudão o ilustre general Gordon, o qual partilha dos nossos mesmos sentimentos e opiniões acerca da escravidão, parece ter querido facilitar-nos o acesso àquela tribo.
Um obstáculo universal, quer dizer, um obstáculo que a religião católica em todos os lugares da África, à parte a antiga prática de certos usos imorais, é constituído, sobretudo na Nigrícia interior, pela natural mandriice e indolência, entre as quais crescem os seus filhos, devido ao clima quente e à inexperiência de comodidades e necessidades. Acostumados na sua maioria ao pouquíssimo que o pequeno terreno, semeado pouco antes das chuvas, lhes produz, quase sem ulteriores cuidados ao cabo de três meses, e que junto ao produto dos rebanhos alimentados de pastos espontâneos e verdes na estação chuvosa e depois de tufos e ervas secas do deserto, fornece-lhes tudo o que precisam durante um ano, nada mais desejam, pelo que pouco cuidam de aprender a arte da agricultura; e, habituados a viver ao ar livre, ou em cabanas de terra e palha, não sentem a necessidade de aprender alvenaria. Assim que as obras dos missionários não servem para outra coisa senão para despertar neles uma estéril admiração.
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Habituados a não ver na sua cabana, além da panela de barro onde cozem o grão inteiro e uma chapa de ferro para o cozer triturado, a não verem outros móveis ou utensílios para além de um recipiente de barro onde guardar o grão e outro para guardar a água, não sentem a necessidade das artes para obter outras comodidades. Deste modo não sentem a necessidade da arte do alfaiate, acostumados como estão em certos lugares a andarem só meio vestidos, e outros, como no Centro, completamente nus.
Estes povos, que ao não possuírem nada, nada desejam, considerados por esse lado são naturalmente os mais ricos e felizes. Mas a experiência da vantagem das artes que os faz indiferentes às mesmas, assim como a impossibilidade de as exercer ao princípio para os outros em benefício próprio, que os tem totalmente inactivos, constituem a maior das dificuldades que encontra o ministério apostólico naqueles países. Porque, verdadeiramente, para exercer com facilidade e com fruto a acção apostólica, especialmente entre povos primitivos e incultos, qualquer um compreende que é preciso em primeiro lugar atraí-los e ganhar o seu respeito e carinho.
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Mas para conseguir isto, sobretudo no meio de povos materialistas, entre os quais só a linguagem do interesse é eloquente e eficaz, não há quem não reconheça um meio validíssimo no ensino e no exercício das artes. Portanto, a natural indolência dos negros, derivada da inexperiência das necessidades, que os torna diferentes em relação às artes, deve ser considerada por todos como uma das sérias dificuldades que encontra naqueles lugares o exercício do ministério apostólico.
Contudo, não se pense que caem em terreno totalmente estéril os esforços do missionário para despertar a laboriosidade e o amor às artes, o qual se torna difícil só a princípio. Como tão-pouco se deve crer que por culpa da natural fuga daquelas gentes à aplicação e ao esforço seja completamente estéril a acção do missionário, que, sem multiplicar, especialmente ao princípio, as necessidades daqueles povos, mas deixando-os nos seus costumes na medida que a virtude o permita, se centre principalmente em moralizar as suas relações e em educá-los na religião católica.
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Para o conseguir não é inútil o exercício e o ensino gratuito das artes, porque se não ganhar o afecto da população, isso ajuda a ganhar o respeito. Enquanto para ganhar o afecto existem outros meios, como a prática gratuita e solícita da medicina, as visitas, as conversas, as prendas, as maneiras suaves e algum aspecto de ensino útil. E enquanto assim prepara o terreno, o missionário vai praticando de modo visível as normas religiosas que mais tarde, prudentemente, tratará de difundir também com a palavra; porque esta deve ser a semente evangélica, que, lançada em terreno oportunamente preparado e alimentado, pelo rocio da graça do céu, se desenvolverá viçosa e vigorosa.
À destruição do paganismo na tribo Nuba e à conversão desta ao Catolicismo ajuda particularmente a sua própria situação sobre o terreno, já que encontrando-se dividida em vários grupos suficientemente numerosos, os quais habitam vinte colinas, que rodeiam uma planície de uma jornada de longitude, oferece maior facilidade de acção, ao poderem-se fundar frequentes estaçõezitas dependentes de uma principal. Ajuda também a subordinação que todos os membros da tribo manifestam ao chefe, de modo que se submetem a ele em tudo: assim as dificuldades de todos os indivíduos ficam concentradas num, e a destruição das mesmas neste facilita-as nos demais. Por tudo isto, mais pelo bom carácter e o bom sentido de que são dotados os membros da tribo Nuba; pelas súplicas das crianças falecidas que, encontrados pelos missionários em transe de morte, foram baptizadas, e também pelas preces dirigidas a eles, que, primeiras flores do apostolado em Gebel Nuba, brilham no céu, esperamos que esse povo, a quem o Demónio e os homens maltrataram, entoe debaixo da grande árvore da religião católica o hino da redenção e da salvação.
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Deus o quer. Portanto, fiéis ao nosso programa «Nigrícia ou morte», não retrocederemos ante os enormes gastos, as dificuldades e os sacrifícios. Glória ao Senhor e prémio eterno aos generosos benfeitores que, não podendo colaborar pessoalmente com a obra para o triunfo da religião católica nas infelizes terras da África Central, cooperem com abundantes donativos e com fervorosas orações.
Aqui fica, pois, esta exposição rapidíssima que, contudo, creio suficiente para dar uma ténue ideia do Apostolado da África Central e do importante papel que representará a sublime Obra da Santa Infância. O anjo tutelar da Nigrícia acompanhe a humilde súplica que dirijo ao ínclito conselho dessa santíssima obra, que povoou o Céu de tantos adoradores do Divino Menino.
P.e Daniel Comboni
Pró-vigário da África Central