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N° Escrito
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Remetente
Data
541
Lista de confirmados
1
Cartum
1873
N.o 541 (510) - LISTA DOS CONFIRMADOS EM CARTUM

ACR, A, c.10/1 ii



Cartum, 1873







542
Propagação da Fé, Lião
0
Cartum
6. 1.1874

N.o 542 (512) - À PROPAGAÇÃO DA FÉ DE LIÃO

«Les Missions Catholiques» 249 (1874). p. 129

Cartum, 6 de Janeiro de 1874

[3492]
Depois de os meus exploradores deixarem o território dos Nuba, onde estiveram pouco tempo, o grande chefe Kakum enviou a El-Obeid um dos seus oficiais para me comunicar que muitos chefes das montanhas, ao inteirarem-se da chegada dos missionários, se tinham dirigido a Delen (Mako na língua nuba) para os verem e que, com o sabido respeito por eles, tinham pedido ao chefe Kakum que nos convencesse para que fôssemos estabelecer-nos nas suas terras. Se eu tivesse cem missionários poderíamos fazer um grande bem.


[3493]
Este enviado de Kakum encontrou-se no caminho de El-Obeid com uns árabes nómadas Bagara, que são muçulmanos. Perguntaram-lhe se também era cristão, porque os Nuba, depois da nossa exploração, se dizem já cristãos. Tendo-lhes respondido ele afirmativamente, os árabes despojaram-no do seu «ghorbab» (rico vestido dos Nuba) e bateram-lhe. O enviado chegou a El-Obeid no mesmo dia da minha partida para Cartum. Assegurei-lhe que nos iríamos estabelecer entre eles e ofereci-lhe uma camisa. Ele regressou muito satisfeito.


[3494]
Há quarenta e nove dias que saí de El-Obeid e os meus missionários escrevem-me a dizer que os Nuba não deixam de enviar mensageiros para saberem quando vamos para as suas terras. Parece que a hora da salvação chegou para este povo. Espero, portanto, que possamos formar aí uma comunidade cristã que nos torne possível o apostolado nas outras tribos.



P.e Daniel Comboni



Original francês

Tradução do italiano






543
Nota
1
Cartum
14. 1.1874
N.o 543 (1206) - NOTA NUMA CARTA

ACR, A, c. 28/2 n. 8



Cartum, 14 de Janeiro de 1874





544
Card. Alexandre Barnabó
0
Cartum
20. 1.1874

N.o 544 (513) - AO CARD. ALEXANDRE BARNABÓ

AP SC, Afr. C., J. 8, f. 176

J. M. J.

Cartum, 20 de Janeiro de 1874

Em.o e Rev. mo Príncipe,


 

[3495]
Tenho a satisfação de enviar a V. Em.a o relatório anexo sobre a exploração a terras dos Nuba, que me mandou o P.e Carcereri, do qual não tardará em ouvir de viva voz interessantes pormenores. Dado que estas tribos se encontram apenas a quatro dias de distância de El-Obeid, poderíamos começar desde agora a pôr as primeiras pedras do planeado edifício espiritual, que talvez venha a ter transcendentais consequências para a redenção da Nigrícia. Não deixarei de lhe comunicar toda a informação oportuna e a maneira de actuar que creio mais conveniente para empreender esta nova missão; porém isto, quando o meu braço estiver discretamente restabelecido.

Agradecendo a V. Em.a rev.ma pelas suas estimadas cartas, n.os 4 e 5, a que responderei logo que seja possível, beijo-lhe a sagrada púrpura e declaro-me nos Sagrados Corações de J. e M.



De V. Em.a rev.ma

Hum., devot.mo e obed.mo. filho

P.e Daniel Comboni, pró-vig. apostólico






545
Oração pela Africa
0
Cartum
25. 1.1874
N.o 545 (514) - ORAÇÃO PELA ÁFRICA E DECLARAÇÃO

ACR, A, c. 25/21



Cartum, 25 de Janeiro de 1874



ORAÇÃO

PELA CONVERSÃO DOS CAMITAS DA ÁFRICA CENTRAL

À IGREJA CATÓLICA



[3496]
Roguemos pelos mui desditosos povos negros da África Central, que constituem a décima parte do total género humano, a fim de que Deus, que tudo pode, elimine finalmente dos seus corações a maldição de Cam e lhes conceda a bênção que só em nome de Jesus Cristo, Deus e Senhor Nosso, se pode conseguir.

ORAÇÃO




[3497]
Ó Senhor Jesus Cristo, único Salvador de todo o género humano, que já dominas de um mar ao outro e desde o rio até ao extremo do mundo, abre propício o teu sacratíssimo Coração também às infelicíssimas almas da África Central, que jazem ainda nas trevas e na sombra da morte, a fim de que, pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, Tua Mãe Imaculada, e do seu gloriosíssimo esposo José, abandonados os ídolos, se prostrem em adoração perante Ti os etíopes e se agreguem à tua Igreja.

O qual vive, etc. Pater, Ave, Glória.

------------------

Segue o decreto da S. Congregação de Ritos.



Concorda com o decreto original existente nesta chancelaria do vicariato apostólico da África Central.

Dado em Cartum, África Central, pela chancelaria do mesmo vicariato apostólico, no dia 25 de Janeiro de 1874.

(Locus sigilli)



P.e Daniel Comboni

Pró-vig. apost. da África Central






546
Propagação da Fé, Lião
1
Cartum
1. 2.1874
N.o 546 (515) - À PROPAGAÇÃO DA FÉ DE LIÃO

APFL, Répertoire des Lettres 1868-1881



Cartum, 1 de Fevereiro de 1874

Breve nota.





547
Card. Alexandre Barnabó
0
Cartum
22. 2.1874
N.o 547 (516) - AO CARD. ALEXANDRE BARNABÒ

AP SC, Afr. C., v. 8, ff. 182-183



J. M. J.

Cartum, 22 de Fevereiro de 1874



Em.o e Rev.mo Príncipe,



[3498]
Acabo de voltar do Nilo Branco, onde acompanhei até Tura-el-Khadra o piedoso e excelente missionário P.e João Losi, três Irmãs de S. José e outras pessoas, a quem em dezasseis camelos enviámos para o Cordofão. Sua Excelência o paxá Ismail, governador-geral das possessões egípcias no Sudão, por essa razão, pôs à minha disposição gratuitamente um grande vapor; e à hora em que V. Em.a Rev.ma receber esta carta, a importante missão de El-Obeid contará com um novo instituto de religiosas missionárias, destinadas a fazer aí um grande bem. Para esta finalidade já tenho desde há tempos comprada, paga e restaurada, uma cómoda casa, separada da nossa igreja e residência por uma ampla via pública, chamada Derb-el-Sultania ou Rua Imperial.


[3499]
Com o próximo correio enviar-lhe-ei uma breve informação geral sobre o estado actual do vicariato; quer dizer, o que se fez até ao momento e o que teremos que fazer no futuro para implantar estavelmente a fé na África Central.


[3500]
Agora limito-me a dar-lhe algumas notícias concretas sobre certas coisas, acessórias, mas importantes.

Logo que cheguei o ano passado a Cartum, eu, vendo que a nossa igreja era pequena, pensei levantar uma com mais capacidade; mas, há três meses, ao voltar do Cordofão, vi que era urgentíssima a construção da casa das irmãs, que até agora têm vivido num edifício arrendado e um pouco distante da missão. Esta minha decisão foi muito do agrado do comité de Viena, que se pôs logo a procurar ajudas. Para construir a casa das irmãs sob o projecto vindo de Viena já em 1854 são precisos pelos menos 200 000 francos; porém, com apenas 50 000 francos, feito o cálculo exacto, espero com o mesmo desenho, construir para as irmãs uma parte do edifício, ou seja, doze belas e sólidas salas, de 6 metros de comprimento por 5 metros e 48 centímetros de largura cada uma, que sirvam hic et nunc de habitação, oficinas e aulas do instituto feminino, reservando a prossecução da construção para quando tiver mais meios.


[3501]
Como fazer isto era algo que eu tinha na mente desde há meses, tinha assinado já uma letra de câmbio por conta do meu ecónomo S. José; e agora vejo que esse cavalheiro de velho (sob cuja barba se esconde o dinheiro para levantar dentro de um ano os dois estabelecimentos entre os povos Nuba e que lhe atribui uma taxa de 50 000 francos por ter permitido nas planícies do Cordofão a minha terrível queda do camelo na qual parti o braço) demonstra prestar honra à minha firma; porque, apenas em quinze dias, S. José fez-me receber a não desprezível importância de 30 540 francos em ouro, entre os quais se contam 4000 fr. que me mandou S. A. Francisco V, arquiduque da Áustria Este, duque de Módena, com uma longa carta de três folhas inteirinhas que me escreveu com o seu punho e letra este catolicíssimo abastado príncipe, que está entusiasmado com a obra da Nigrícia; e os 12 500 fr. que me deram Suas Majestades Apostólicas o Imperador Fernando I e a Imperatriz Maria Ana Pia de Áustria (irmã da venerável Maria Cristina, rainha de Nápoles), dinheiro que me foi anunciado com carta de 13 de Dezembro vinda do castelo imperial de Praga e cuja entrega foi efectuada ao comité mariano de Viena para que o fizesse chegar às minhas mãos. Esta casa Imperial, que conheço pessoalmente, em pouco tempo forneceu-me em esmolas para a minha santa Obra africana 32 995 francos em ouro, e tenho a esperança de que continue a conceder-me a sua protecção no futuro.


[3502]
A África Central precisa de meios gigantescos, mas S. José é um administrador excelente e o S. Coração de Jesus abunda em misericórdia e em dinheiro. Além disso, agora que a exímia caridade de V. Em.a fez aprovar a oração em latim que lhe mandei de Cartum em Junho do ano passado pro conversione chamitarum Africae centralis ad Ecclesiam Catholicam e que o nosso Santo Padre enriqueceu com indulgência plenária para quem a rezar todos os dias durante um mês e trezentos anos para quem a rezar uma vez, asseguro-lhe que a África Central será bem provida de tudo; porque essa oração, quando se difundir por todo o orbe católico, produzirá orações e vocações e dinheiro, que serão as três coisas necessárias para converter a infeliz Nigrícia.


[3503]
Porém, volto à construção da casa das irmãs em Cartum: no dia 9 do corrente abençoei a primeira pedra e com os mais de trinta homens que trabalham lá, com os 600 ardeb de cal comprada e paga, com os 400 000 tijolos grandes comprados e pagos e com as 300 pequenas traves de sunt (madeira forte como ébano) e 20 grossas vigas de sunt (que paguei a sete escudos cada uma), já se levantaram os fundamentos e para Junho as irmãs estarão a ocupar a nova residência. Graças a isto espero fazer coisas sólidas e duradouras. Creio que o Sagrado Coração de Jesus está connosco e que me ajudará a vencer os inimigos da santa obra.


[3504]
Não é difícil que eu visite dentro de pouco o território das antigas estações do Nilo Branco – Santa Cruz e Gondokoro – até perto das nascentes do Nilo. E espero que S. E. o paxá governador-geral do Sudão (que visita pela primeira vez Gondokoro, onde se estabeleceu uma nova muderia ou província egípcia) e o próprio cônsul austríaco, que já foi professor da missão em Gondokoro, acompanhar-me-ão com três embarcações a vapor. Em apenas dois meses farei esta visita, porque o vapor emprega só 15 dias a ir de Cartum a Gondokoro, enquanto com os barcos a vela não bastariam cinco meses e 5000 francos de gastos para fazer esta visita pastoral e haveria que sofrer incrivelmente. Em contrapartida, com os vapores do paxá vai-se comodamente e não há outros gastos além de umas gorjetas aos capitães e marinheiros.


[3505]
Quero oferecer-lhe aqui uma nova prova da importância enorme da missão de El-Obeid como verdadeira porta da Nigrícia e como ponto de partida e base de operações para implantar a fé na parte central do vicariato. Trata-se do facto de o reino e império de Darfur, cujo território começa a três jornadas de El-Obeid e cuja capital e residência do sultão se encontram a quinze dias de camelo, está a ponto de se converter numa província egípcia. Gibert Bey, governador de Schiaka, no Bahr-el-Gazal, situado a sul de Darfur, atacou este reino com o falso pretexto de que gentes do mesmo iam a essa província exercer o tráfego de negros; e saiu vitorioso de uma decisiva batalha, em que matou o vizir do sultão de Darfur.


[3506]
O grande paxá de Cartum (que me comunicou estas notícias lendo-me as cartas escritas pelo punho e letra de Gibert Bey e os telegramas trocados entre eles e o quedive do Egipto) enviou a El-Obeid tropas de reforço e ordenou ao governador daí que atacasse Darfur pela parte oriental. Darfur ficou fechado hermeticamente com a destruição dos poços que o circundam; porém, o governador-geral enviou cinco mil camelos com água aos egípcios e estes, como possuem artilharia e armas de fogo em boas condições, alcançarão sem dúvida a vitória. Darfur está fechado para os estrangeiros desde há séculos e é lei antiga daqueles sultões é condenar à morte toda a pessoa estrangeira. Isto sempre se cumpriu, salvo alguma rara excepção, como aconteceu com o actual paxá do Cordofão, que, como ele mesmo me confessou, há doze anos foi a Darfur levar ricas prendas do vice-rei do Egipto, mas passou lá vinte e dois meses como refém; e contou-me o muito que sofreu, porque todos os dias temia ser assassinado.


[3507]
Pois bem, se Darfur chegasse a converter-se em província egípcia, a verdadeira Igreja de J. Cristo não tardaria muito em encontrar-se em situação de implantar aí a cruz. E ainda que Darfur esteja exactamente nas mesmas condições que o Cordofão – é muçulmano –, a sua capital, Tendelti, poderia converter-se na porta mais próxima do vasto império de Bornu, ou seja, tornar-se no que El-Obeid é agora para os povos Nuba e outras imensas tribos do centro do vicariato. Além disso, o governador-geral assegurou-me francamente que o quedive do Egipto tem intenção de se estender até ao império de Bornu. Porém, sobre isto, escrever-lhe-ei mais adiante.


[3508]
Entretanto, é necessário que nós asseguremos a nossa acção sobre os povos Nuba, empresa para a qual estou certo que será favorável o sábio juízo de V. Em.a Contudo, eu não faço nada sem ouvir o oráculo da Propaganda, na firme convicção de que Deus abençoará os meus passos quando forem guiados pela S. C., mestra de prudência e sagacidade em tudo o que diz respeito a missões apostólicas.


[3509]
Parece que o quedive do Egipto finalmente conheceu os enganos de Baker e a autêntica realidade sobre as suas pretensas vitórias e os seus descobrimentos dos caminhos entre Gondokoro e Zanzibar. Pelos vistos está fortemente irritado contra esse fura-paredes, que devorou 29 milhões de francos, sem ter ultrapassado os confins da missão católica de Gondokoro. Agora enviou outro coronel inglês, que antes se ocupava em tarefas de navegação no Danúbio e encarregou-o de tentar levar a cabo a empresa de Baker. Em todo o caso, é interesse da missão da África Central manter e consolidar as boas relações com o Governo egípcio e usar a máxima prudência ao tratar com ele, para conduzir ao sucesso o importante assunto da escravidão. Eu fiz sérios estudos sobre este ponto, que é preciso tratar sabiamente, porque poderia ser fonte de imenso bem para a fé, mas também motivo de tropeço e de consequências funestas, se não se adoptasse a máxima prudência.

Beija-lhe a púrpura



Seu hum. e devot.mo filho

P.e Daniel Comboni, pró-vig. ap.



Responderei às suas veneradas cartas sobre os acordos com o delegado apostólico e com a madre geral; o P.e Carcereri conduz as conversações.






548
P.e Estevão Vanni
1
Cartum
1. 3.1874
N.o 548 (517) - A P.e ESTÊVÃO VANNI

AVAE, c. 31



Cartum, 1 de Março de 1874



Dimissórias.





549
Madre Emilie Julien
0
Cartum
8. 3.1874

N.o 549 (518) - À MADRE EMILIE JULIEN

ASSGM, Afrique Centrale Dossier

N.o 2

Cartum, 8 de Março de 1874

Minha caríssima madre geral,


 

[3510]
Dentro de poucos dias escrever-lhe-ei uma longa carta; por agora encontro-me muito ocupado. A nossa admirável Ir. Josefina está a ir para a eternidade. Há vinte dias que lhe administrei a santa unção e lhe fiz receber a bênção papal. Hoje encontra-se melhor, mas penso que antes de acabar este mês de S. José ela estará no Céu. Ficaria muito contente poder conservá-la durante cinquenta anos, mesmo que na cama: é uma digna heroína cristã.


[3511]
No primeiro dia deste mês as nossas irmãs Germana, Madalena e Inácia chegaram ao Cordofão e entraram triunfalmente na capital, El-Obeid. Todos estavam contentes por saudarem estas gloriosas virgens de S. José, que tiveram a valentia de superar todas as grandes dificuldades para irem, as primeiras, para a missão mais central da África, onde o Evangelho nunca tinha penetrado até ao ano de 1872. Escrever-lhe-ei para resolver e acertar os nossos assuntos. Na espera, apresso-me a rogar-lhe que mande para o Cairo numerosos irmãs árabes como a Ir. Ana, a Ir. Germana e a Ir. Josefina. Espero que, depois da festa de S. José, a madre possa dispor, pelo menos, de meia dúzia delas. Estou-lhe infinitamente agradecido pela sua bondade, minha boa madre, porque me tinha destinado também a entretanto falecida Ir. Abdu. A madre faz o possível para vir em ajuda da missão.


[3512]
Actualmente estou em comunicação com a Ir. Angélica, que desejo venha para a África Central. Uma irmã árabe, minha madre, vale aqui por dois missionários. Mas não todas as irmãs árabes: têm que ser como Sóror Josefina, Sóror Germana e Sóror Ana. Por amor de Deus, esvazie provisoriamente a Síria e Palestina de irmãs árabes e mande-mas a mim. Este ano vou abrir uma nova missão entre os povos Nuba, a sudoeste do Cordofão e aí precisam-se já irmãs árabes para responder aos desejos desses povos, que querem abraçar a nossa santa Fé. Encomendo-me ao seu coração de Madre.


[3513]
A casa de Cartum continua em construção. Só para os alicerces de doze salões que estarão terminados em Junho tiveram que se usar 202 000 tijolos de 25 centímetros de comprimento por doze de largo e seis de espessura. Dentro de dois anos será um grande palácio com um esplêndido jardim. A Ir. Germana diz que gosta mais de Cartum que de Marselha. A construção está junto de dois rios magníficos.

Vou escrever ao presidente da Propagação da Fé dizendo-lhe que, por minha conta, lhe pague três mil francos, isto é, o restante do assunto Lorenzo. Adeus, minha madre! Saúde da minha parte a Ir. Catarina e as irmãs de Roma. E rogue a fim de que eu obtenha paramentos para a igreja.



Seu filho P.e Daniel Comboni



Original francês

Tradução do italiano






550
Mons. Jerónimo Verzeri
0
Cartum
10. 3.1874

N.o 550 (519) - A MONS. JERÓNIMO VERZERI

ACR, A, c. 15/179

J. M. J.

Cartum, 10 de Março de 1874

Excelência rev.ma,


 

[3514]
Devo confessar francamente que faltei ao meu dever e às imperiosas exigências do meu coração ao guardar silêncio durante tanto tempo. Imitei à letra os pecadores que sempre adiam. Logo que nomeado pela Santa Sé pró-vigário apostólico da África e, regressando a correr a Verona, tinha pensado em passar por Bréscia e ir até Limone; mas a necessidade de ir a Viena e partir rapidamente para o Cairo impediram-me, com muito pesar meu, de ir a Bréscia e ficar aí um dia, como era meu propósito. Porém, a partir do Cairo, de Cartum e do Cordofão, desejava ardentemente informar V. E. e o seu venerável e rev.mo secretário dos felizes progressos da árdua empresa africana. Mas não o fiz; espero bem, contudo, que os pequenos Anais do B. Pastor, que, por ordem minha, devem ter-lhe chegado às mãos apenas publicados, e talvez as “Missões Católicas”, lhe tenham dado uma pálida ideia da minha santa obra.


[3515]
Em qualquer caso e pedindo-lhe perdão por tão prolongado silêncio, posso assegurar-lhe que, na minha indignidade, nem um só dia deixei de rezar e fazer rezar aqui, no coração da Nigrícia, por V. E. Rev.ma, pelo rev.mo Carminati e por toda a minha cara diocese natal de Bréscia; de todos guardo a mais viva e inesquecível recordação. Agora vou dar-lhe só uma rapidíssima notícia do bom andamento desta obra do Sagrado Coração, porque o meu braço, que tenho partido, me impede de me alongar. No dia 16 de Novembro, com o meu vigário-geral, saí de El-Obeid, capital do Cordofão, para voltar à minha residência principal, em Cartum. No dia 25, pela manhã, aos nove dias de uma fadigosa viagem a camelo, a minha montada, já enlouquecida e assustada, deitou a correr mais veloz que um cavalo e acabou por me atirar ao chão, onde fiquei meio morto e vomitando sangue. Nem sequer tempo tive de me encomendar ao Sagrado Coração. Tendo-me restabelecido um pouco, apercebi-me que tinha o braço esquerdo fracturado.


[3516]
Mandei montar a tenda no deserto e, depois de estar quarenta e duas horas seguidas com o braço metido em água e vinagre de tâmaras, tive de montar de novo a camelo e viajar sobre a montada durante cinco dias, para não perecermos no deserto. A cada passo do animal renovavam-se as dores lancinantes no braço esquerdo, partido e contuso. Só Deus sabe o que sofri. Quando por fim cheguei ao Nilo Branco, a Ondurman, o grande paxá de Cartum enviou-me o seu vapor, que me levou à missão. Porém, em toda a África Central não existe um médico conhecedor dos primeiros rudimentos de medicina e cirurgia.


[3517]
O nosso médico é Jesus crucificado. O paxá mandou-me o seu esfola-gatos que me ligou o braço e mo atou ao pescoço. Durante oitenta e dois dias tive-o assim, amarrado ao pescoço, com terríveis dores. E o braço ficou mal unido e torto sem força para mexer uma folha. Celebrei missa a dois de Fevereiro, embora com grandes dificuldades, e obrigado a segurar a hóstia entre o dedo indicador e o médio, porque não podia unir o polegar com os outros dedos. Depois de muitos pedidos da minha superiora árabe, pedi que me visitasse um que dizia ser médico, também árabe. Veio na véspera de S. Faustino e de Jovita. Era um Sansão pela força e um Judas Iscariotes pela atitude. Examinado o braço, assegurou-me que em vinte e quatro horas estaria curado se eu deixasse fazer uma operação. Consenti.


[3518]
No dia seguinte apresentou-se com oito estaquinhas de palmeira, um punhados de pelos de cabra, um pouco de cauda de tigre e goma. Era acompanhado de outros dois esfola-gatos muçulmanos. Agarrou-me o braço e, ajudado pêlos outros dois, torceu-mo literalmente, para depois, servindo-se do seu polegar, com toda a força de que era capaz, empurrar o osso que sobressaía meio dedo, até levá-lo ao sítio. Finalmente, impregnou com a goma uma tela de linho, na qual pôs os pêlos de cabra e a cauda do tigre e envolveu-me com ela o braço. Atou depois à volta as estaquinhas de tal modo que parecia detida a circulação do sangue e deixou-me assim, meio morto, no angareb (espécie de catre onde dormíamos). Quanto deveu sofrer Jesus Cristo quando o ataram e pregaram na cruz! Mas o facto é que, ao cabo de oito dias de ter o braço sempre assim amarrado, achei que estava quase curado, com o osso de novo no sítio; e agora que lhe escrevo encontro-me em condições de trabalhar como antes. Disto devo dar graças primeiro ao Senhor, depois a S. José e depois a esse medicozinho turco, que me curou à sua maneira pouco amável e delicada, mas eficaz.


[3519]
Não é que as tenha poupado ao meu caro ecónomo S. José, a quem me tinha encomendado para uma feliz viagem do Cordofão a Cartum. Por este querido santo ter permitido que eu tivesse tão terrível queda do camelo, multei-o a mil francos de ouro por cada dia que tivesse de levar o braço amarrado ao pescoço. E como o tive atado ao pescoço uns bons 82 dias, sem eu poder dizer missa, salvo cinco vezes, o meu venerado ecónomo foi condenado a pagar-me a multa de 82 000 francos. Assim, no dia de S. Faustino e de St.a Jovita, protectores da nossa querida diocese de Bréscia (dia 82.o da minha terrível queda no deserto), assinei por conta do meu querido santo uma letra de quatro mil e cem marengos com vencimento a seis meses; e já vejo que o bom ecónomo, como sempre, honra a minha assinatura, porque, desse dia até hoje em que escrevo a V. E., recebi 38 706 francos em ouro, entre os quais estão os 5000 florins que me mandaram de Praga esse milagre que são S. M. apostólica a imperatriz Maria Ana e o imperador Fernando I e os 4000 francos recebidos de Viena daquela jóia de príncipe católico que é S. A. imperial e real o duque de Módena, Francisco V.


[3520]
E depois, embora o meu ecónomo tenha sido muito pobre na sua vida, agora ele que é o administrador dos tesouros do céu, nunca deixou de me ajudar e em só seis anos e meio desde que comecei a obra forneceu-me 600 000 francos, ou seja, pagou-me letras no valor de trinta mil marengos. Asseguro-lhe, monsenhor, que o banco de S. José é mais sólido que todos os bancos de Rotschild. Deste modo, sem me encontrar com um cêntimo de dívidas, este estupendo ecónomo mantém para a Nigrícia duas casas em Verona, duas no Cairo, duas em Cartum e duas em El-Obeid, a capital do Cordofão, que tem mais de 100 000 (cem mil) habitantes e onde, pela primeira vez, se celebrou missa e se adorou J. C. em 1872.


[3521]
Alarguei-me de mais sem dar conta. Passo a dar-lhe uma breve informação sobre o andamento da minha obra. No dia 26 de Setembro de 1872 deixei Verona com uma expedição de 13 pessoas. Depois, tendo acertado muitos assuntos no Cairo, a 26 de Janeiro de 1873 saí dessa metrópole em duas grandes embarcações fluviais com trinta e um acompanhantes, entre missionários, freiras de S. José da Aparição, irmãos artesãos e mestras negras; e subindo o Nilo e cruzando o grande deserto de Atmur sob 60 graus Réaumur desde o meio dia até às quatro, depois de 99 dias de penosíssima viagem, chegámos a Cartum, onde fomos recebidos com grande júbilo por gente de todas as classes. Depois de um mês de estada nesta capital (de 48 000 habitantes), a bordo de um vapor que me facultou gratuitamente o grande paxá do Sudão – com o qual vivo em muito mais amistosa harmonia que a existente entre os pobres bispos de Itália e seus governadores civis e presidentes de junta – parti de novo pelo Nilo Branco até Tura-el-Khadra. Aí fiz-me ao caminho em dezassete camelos para atravessar as intermináveis planuras dos Hassanieh e dos Bagara e só em nove dias de rápida marcha cheguei a 19 de Junho à capital do Cordofão, El-Obeid, onde os turcos me receberam com não menor festa que em Cartum.


[3522]
Quando em Outubro de 1871 ordenei desde Dresden ao P.e Carcereri, meu actual vigário-geral e então vice-superior dos institutos de negros do Egipto, que partisse do Cairo com outros três companheiros para efectuar a exploração do Cordofão, pus-lhe à disposição 5000 francos para esta longa e fadigosa viagem exploratória. Hoje temos em El-Obeid uma paróquia, duas casas pagas – uma para os missionários outra para as irmãs – e uma missão em plena actividade. Algo semelhante acontece em Cartum, onde desde 1863 até 1869 não havia mais que um padre franciscano e, até Janeiro de 1873, só dois padres da mesma ordem, numa boa casa construída pelos missionários alemães sob a direcção do meu ilustre antecessor, mons. Knoblecher, em 1856; em contrapartida, agora há dois institutos, uma discreta paróquia e a nova casa que estou a construir para as Irmãs de S. José, as quais fazem ali um grande trabalho.


[3523]
Pois bem, a quem devo estes bons resultados? Inteiramente ao S. Coração de Jesus, a quem consagrei todo o vicariato, com a bênção do Santo Padre Pio IX, a 14 de Setembro, em que celebrámos uma soleníssima função, precedida do solene baptismo de 12 adultos e concluída com a confirmação de 25 neófitos. Compôs a fórmula da consagração o apóstolo do S. Coração, o P.e Ramière. Ao mesmo tempo, em Cartum, eu redigi em latim uma pequena oração pela conversão dos meus cem milhões de camitas, que são a décima parte do género humano (e que constituem o vicariato apostólico da África Central, o maior e mais populoso do mundo). Agora o Santo Padre Pio IX concedeu a magnífica indulgência de 300 anos a quem reze uma só vez essa oração e indulgência plenária a quem a reze todos os dias durante um mês.


[3524]
Veja V. E. quanto interesse tem o Papa por esta santa obra, nascida a 18 de Setembro de 1864, dia da beatificação de Alacoque. Escrevi depois ao Santo Padre Pio IX para me conceder que sexta-feira depois da oitava do Corpus Domini, consagrado ao dulcíssimo Coração de Jesus, em todo o vicariato da África Central seja dia santo de guarda e se celebre com rito duplo de primeira classe, com oitava; porém, ainda não obtive resposta, porque é um assunto grave e Roma é eterna. Mas eu não deixarei de insistir até que a Santa Sé me conceda esta graça.


[3525]
É o Coração de Jesus que deve converter a Nigrícia. Parece que o Santo Padre concedeu tal graça à República do Equador, na América, postulantibus aquele presidente e o arcebispo de Quito; por isso espero que seja concedida também a esta minha abandonada parte do mundo africano equatorial, que há tantos anos jaz nas trevas da morte.


[3526]
Todos os meus esforços até hoje foram no sentido de consolidar e estabelecer bem as duas missões capitais de Cartum e El-Obeid, que são a base de operações para levar a fé a todas as imensas tribos do vicariato.


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Cartum é a base de operações para levar a fé a todas as tribos da parte oriental do vicariato, que se estende entre a Abissínia, os Gallas e o Nilo Branco até às nascentes do Nilo, a doze graus de latitude sul, onde termina a minha jurisdição. El-Obeid, que constitui a verdadeira porta da Nigrícia, é a base de operações para levar a fé a todas as tribos, reinos e impérios que a parte central do meu vicariato contém. O clima de El-Obeid é saudável e espero conseguir que se instale lá um consulado austro-húngaro, cuja bandeira é nesta região símbolo de protecção da religião católica.


[3528]
Com base neste plano de organização do movimento do apostolado da África Central, o Coração de Jesus suscitou em nós um novo caminho para o nosso trabalho evangelizador. No passado dia 16 de Julho, dia consagrado à Virgem do Carmo, quarta-feira, às oito da manhã, quando saíamos de fazer a hora de adoração da Guarda de Honra do Sagrado Coração (que estabeleci para todas as quartas-feiras, com exposição do Santíssimo, em todo o vicariato e nos institutos de negros do Cairo), um chefe dos povos Nuba, vasta tribo do Sudoeste do Cordofão, entrou na missão com um séquito de quinze pessoas e convidou-me a levantar uma igreja e duas casas na sua tribo de Delen, na qual todos estariam dispostos a tornar-se cristãos. Como tenho bastante experiência no trato com os negros e os turcos e os conheço, mostrei-me disposto a cumprir as aspirações daqueles povos, mas fui cuidadoso em acreditar; por isso pedi ao chefe que voltasse em Setembro, para, entretanto, eu medir as minhas forças e obter as devidas informações.


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Entre o Cordofão e os Nuba vivem os nómadas Bagara, que se entregam a assassinatos e ao comércio de negros, etc. Uma vez partido esse chefe, procurei informações exactas, sondei o paxá do Cordofão, etc. Foram-me oferecidos duzentos soldados para acompanhar os meus exploradores aos montes dos Nuba. O facto é que na manhã do dia da Assunção da Virgem Maria, dia 15 de Agosto, decidi levar a cabo a exploração daqueles povos, ainda não visitados por nenhum europeu e todos idólatras. Portanto ordenei ao meu vigário-geral, que estava aqui em Cartum, que, no dia seguinte à solene consagração do vicariato ao Sagrado Coração de Jesus, que ele devia efectuar em Cartum, partisse com as convenientes provisões para El-Obeid, onde prepararíamos juntos tão importante expedição.


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Enquanto, efectivamente, ele vinha de viagem, a 24 de Setembro, dia consagrado à Virgem das Mercês, também uma quarta-feira pela manhã e depois de fazermos a hora de adoração pela Nigrícia, o grande chefe dos Nuba, que é mago, rei, sacerdote e médico, entrou na missão acompanhado de mais de vinte pessoas e repetiu-me o convite para que eu implantasse a Igreja no seu país. Ficou muito contente quando lhe disse que vinha de viagem o missionário que devia ir visitar as suas tribos, escolher o lugar onde fundar a missão e, depois, regressar para fazer os preparativos e procurar o necessário para essa fundação. O chefe visitou a igreja e ficou impressionado ao contemplar a imagem da Ss. Virgem e o quadro do Sag.do C. de Jesus e sobretudo ao ver-me tocar acordeão e o pequeno órgão da igrejinha. Também ficaram admirados ao verem as enxadas, picaretas, serras e outros instrumentos de artes e ofícios. Em suma, ficou connosco uns dias e foi-se embora.


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Chegado o P.e Carcereri, despachou os duzentos soldados, contentando-se com um guia e, acompanhado de outro missionário e mais sete pessoas, partiu para o território Nuba. Recebido aí com entusiasmo, determinou o primeiro lugar da missão, após o que regressou a El-Obeid. Os interessantíssimos pormenores dessa expedição, assim como de todo o vicariato, poderá V. E. Rev.ma ouvi-los da boca do meu próprio vigário-geral, o P.e Carcereri, que enviei à Europa, quer dizer, a Roma, Viena, Verona e Paris, por causa de assuntos da missão. No momento em que escrevo, ele deve ter chegado ao Cairo, pois saiu de Cartum a 11 de Dezembro do ano passado. Encarreguei-o de ir saudar V. E. Rev.ma e o veneradíssimo Carminati.


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Talvez o Senhor faça com que a minha querida pátria, a diocese de Bréscia, me dê algum santo e capaz missionário bresciano ou algum bom operário ou irmão coadjutor. Logo que Carcereri chegue a Bréscia, suplico-lhe humildemente que o encaminhe para visitar as Filhas do S. Coração, onde morreu a sua venerável irmã, bem como o nascente instituto do excelente P.e Pedro, em Castello, as irmãs Girelli, em C. da S. António e o P.e Rodolfi. Espero que a estada do meu representante em Bréscia sob as asas de V. E. seja abençoada pelo Sag.do Coração. A minha prima Faustina Stampais, de Maderno, que abriu a casa feminina do Cordofão, que é filha de S. Ângela sob a direcção das piíssimas e boas irmãs Girelli, pede-me que apresente os seus respeitos a V. E., de quem recebeu a confirmação.


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No dia 11 de Dezembro chegava-me a Cartum uma segunda caravana de irmãs e missionários. Agora também El-Obeid dispõe de um instituto de irmãs. Uma delas, Ir. Xavérine, de Bayeux, na França, por detestar o camelo, que é uma cavalgadura molestíssima, fez quatro dias de burro através do deserto; porém, como à quinta noite as hienas devoraram o lombo e duas patas do asno, percorreu o deserto a pé durante treze dias, viajando treze ou catorze horas diárias, às vezes sob 50 e 60 graus Réaumur. Chegou-me a Cartum muito cansada; mas agora está muito bem.


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Não lhe posso exprimir com palavras a favorável impressão que fizeram as irmãs a estas gentes. É a primeira vez, desde que o mundo é mundo, que esposas de Cristo vêm até estas abrasadas extensões. À sua chegada, muitos turcos ficaram atónitos ao vê-las chegar. Havia quem julgava serem homens vindos da Lua e quem as via como mulheres, mas de outra raça. O certo é que os turcos daqui sentem um grande respeito pelas irmãs. Tenho-as de Jerusalém e também da Síria, monte Líbano, Arménia, França, Malta e Itália e todas falam três, quatro ou cinco línguas. Tenho-as jovens de vinte anos e outras de até quarenta. Porém, todas estão munidas de uma forte e sólida educação religiosa, de uma provada moralidade e de uma enérgica coragem: não temem as difíceis e perigosas viagens, dormem debaixo de uma árvore, onde horas antes talvez tenha estado uma hiena ou um leão, repousam de noite sob a areia a céu aberto ou num canto duma velha barca; entram nas casas dos infiéis, curam as suas chagas e convidam-nos à fé; vão aos tribunais; percorrem os mercados e regateiam até ao cêntimo pela missão. Entretanto, outras ocupam-se da escola e da cultura moral das meninas e apresentam-se perante o paxá e, com valentia e polidas maneiras, protegem a causa dos desditosos. E fazem respeitar-se pelos turcos, pelos poderosos, pelos soldados, pelos africanos; trabalham tanto pela Igreja e, às vezes, mais que os próprios missionários, até que os mais diligentes deles.


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Em suma, depois das experiências vividas com elas no meio dos maiores perigos, perante os quais se assustariam na Europa os homens mais corajosos, estas filhas da caridade católica, com toda a calma e como se fosse a vida normal, mostram atitudes serenas e fazem-se respeitar por todos. É, numa palavra, a força da graça da vocação apostólica, que realiza estes prodígios nas missões. E, enquanto há dez anos muitíssimos religiosos fugiram espantados destas areias ardentes, apesar de na Europa terem recebido uma vocação não vulgar, elas insistem amiúde que nos lancemos para as tribos mais centrais, onde a necessidade é maior, para levar a esses negros a eterna salvação.


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Enquanto a caridade de Cristo as sustenta nestes perigosos momentos, o seu coração arde de amor divino: o Coração de Jesus é todo o seu consolo, a sua força, a sua vida. Ai, este mundo turbulento de hoje não pode compreender as delícias que experimentam os amantes do Sacratíssimo Coração de Jesus, sofrendo e morrendo por seu amor. Uma cruz, uma tormenta, uma aflição suportada pelo Coração de Jesus vale cem vezes mais que as diversões e as falsas delícias do mundo.


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Desejaria, monsenhor, dizer-lhe algum dos admiráveis traços da graça da vocação das nossas Irmãs de S. José da Aparição, que foram as primeiras entre todos os santos institutos da Igreja a enfrentar o deserto africano e a apresentar-se entre estes povos, os mais necessitados do mundo; mas agora limitar-me-ei a expor-lhe um facto ocorrido no passado Outubro, quando eu me encontrava no Cordofão e o meu vigário-geral estava entre os Nuba.


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Havia aqui em Cartum uma negra cristã de uns vinte e quatro anos, de nome Teresa, baptizada o ano passado e que estava ao serviço de um senhor cristão. Indo ao mercado fazer umas compras, foi raptada por um muçulmano. Este, para segurar a sua presa, fez valer perante o cadi, ou juiz do tribunal, que Teresa era sua, que tinha fugido de sua casa sem motivo e que indevidamente se tinha tornado cristã. O cadi perguntou à jovem se era verdade que tinha fugido e se se tinha tornado cristã; ela respondeu que sim. Então o juiz apresentou-lhe o Alcorão e ameaçou-a com quinhentas chicotadas e com a morte se não abandonasse o Cristianismo e voltasse à religião maometana. Ela respondeu resolutamente que era cristã católica e que morreria cristã. Então ataram-lhe fortemente os pés, despojaram-na da roupa e deram-lhe nos pés e em todo o corpo trezentos golpes de corbach, chicote de pele de hipopótamo. Depois, insistiram em que ela abraçasse de novo o Islamismo; perante a sua rotunda resposta negativa, deram-lhe, nas mesmas condições, outras trezentas chicotadas e, depois, ainda mais duzentas: um total de oitocentas. O sangue brotava da carne rasgada; dos ossos partidos saía a medula, mas a rapariga repetia apenas: “Ana nassrani”, “eu sou cristã”.


[3539]
Se eu tivesse estado em Cartum, com certeza que o cadi não teria cometido semelhante exagero, porque ele sabe até que ponto a missão está em condições de lhe fazer prestar contas. Mas a missão desconhecia tudo isso. Por casualidade o patrão cristão de Teresa, o verdadeiro, chegou a sabê-lo e correu à missão, onde não estava o superior. Só estava outro missionário, P.e Vicente, o qual foi imediatamente à polícia reclamar a cristã; porém, aí foi insultado. Regressado por fim o superior, P.e Pascoal Fiore, e inteirado do caso, serviu-se dos senhores mais influentes perante o cadi para libertar a cristã: tudo em vão. Estando assim as coisas, que fez ele? Apresentou-se perante a minha superiora, a Ir. Josefina Tabraui, de trinta e um anos, nascida em Jerusalém, a qual estava na cama com uma grande febre e contou-lhe o doloroso assunto.


[3540]
E que fez a superiora? «Eu – disse – vou ter com paxá». Então, sem pensar no ardor da febre (ela está agora nas últimas e há quinze dias administrei-lhe todos os sacramentos e a bênção papal in articulo mortis), levanta-se, veste-se, toma consigo outra irmã, uma armena, e, com um bastão na mão, quase incapaz de se ter em pé, chega com grandes dificuldades ao Divã do grande paxá e reclama com grande energia que seja levada imediatamente para a missão a rapariga maltratada, reservando-se a possibilidade de fazer chegar ao meu conhecimento o delito cometido por ódio à religião católica. O paxá declarou que não estava informado de nada, mas que daria satisfação de tudo ao pró-vigário apostólico. Tratou a irmã com absoluta gentileza e pediu-lhe que perdoasse ao juiz e acorresse a ele sempre que precisasse de alguma coisa, pois que se sentiria ditoso e honrado em lhe agradar. A conversa demorou meia hora. Depois de ela se arrastar até ao instituto, encontrou já lá Teresa, que fora levada por dois soldados; estava cheia de feridas, com a carne rasgada e os ossos numa lástima (agora vai-se curando, contente por ter sofrido por J. C.). Teria também muitas coisas para lhe escrever sobre a escravidão.


[3541]
Os traficantes de escravos saem às centenas, armados de fuzis para caçarem os negros e, para roubarem mil deles, matam, pelo menos, duzentos. Vê-se como levam a pé, misturados, estes escravos de todas as idades e de ambos os sexos; mas os que mais abundam são as raparigas entre os quatro e os vinte anos, vestidas como a nossa mãe Eva, em estado de inocência: uma amarradas pelo pescoço, com cordas a uma grande viga, que, em fila, levam sobre os ombros dez ou doze daquelas infelizes; outras, atadas com as mãos atrás das costas ou levando nos pés grossas cadeias de ferro, etc., etc. Assim, empurradas pelas lanças desses tratantes, viajam a pé dois, três meses, fazendo jornadas de doze ou quinze horas. Há outras, até 800 (oitocentas) que viajam numa só barcaça, amontoadas em quatro pisos, toscamente feitos de juncos e assim percorrem mais de mil milhas. Essas desventuradas devem satisfazer todos os desejos dos patifes, que depois as vendem; como disse, elas foram violentamente arrebatadas ao seio das suas famílias, após matarem o pai ou frequentemente a mãe ou aos que as defendem.


[3542]
Esta é apenas uma pálida ideia dos horrores da escravidão que impera no meu vicariato. Embora o meu vigário-geral lhe vá contar muito mais, nunca poderá descrever com suficiente exactidão como os horrores são na realidade. Já vê, monselhor, que missão Deus me confiou. Mas o Coração de Jesus triunfará de tudo. Encomende-me a mim e à minha missão ao S. Coração de Jesus; faça rezar, em Bréscia e noutros lugares, as admiráveis Filhas do Sagrado Coração, que estão tão imbuídas das maravilhas da caridade de Jesus crucificado e trespassado pela lança cruel. Desse Coração devem brotar as águas salvíficas que hão-de lavar estas pobres almas infelizes e conduzir os mais de cem milhões de infiéis do meu vicariato da África Central aos caminhos da eterna salvação. Também lhe peço que faça difundir na nossa querida diocese bresciana a oração pro conversione chamitarum Africae Centralis, que, por ordem minha, lhe remeterá o excelente reitor do meu instituto africano de Verona, P.e António Squaranti.


[3543]
Envio mil respeitosas saudações ao fortíssimo paladino do sacerdócio cristão e bresciano, o rev.mo Carminati, assim como às Filhas do S. Coração, com a madre Gesualda; e dê recordações ao seu piedoso e fiel camareiro. Conceda-me a sua santa bênção, enquanto com prazer me declaro nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, com filial devoção e respeito



De V. E. Rev.ma

Hum. devot.mo e at.to filho

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário apostólico da África Central



Perdoe benevolentemente este tosco escrito, em consideração ao braço ainda não bem curado e ao facto de, nos desertos da África Central, ainda não ser conhecido o belo estilo de monsenhor Dalla Casa.