[2640]
Para que as regras de um instituto que deve formar apóstolos para nações infiéis sejam duradoiras, devem basear-se em princípios gerais. Se fossem muito pormenorizadas, muito em breve a necessidade ou uma grande ânsia de mudança minariam a base do seu edifício e poderiam resultar num áspero jugo e peso grave para quem as houvesse de observar.
[2641]
Sendo sobremaneira variado e desmesurado o campo em que o candidato deve trabalhar, não pode ser limitado a certas actividades determinadas, como nas ordens religiosas; pelo contrário, esses princípios gerais devem enformar a sua mente e o seu coração, de modo que se saiba governar por si mesmo, aplicando-os com sagacidade e juízo nos tempos, lugares e circunstâncias variadíssimas em que a sua vocação o põe.
[2642]
Portanto, para conseguir o fim a que aspira o novo Instituto das Missões da Nigrícia, estabelecem-se apenas os princípios fundamentais que constituem o seu verdadeiro carácter e que estão destinados a servir de norma aos alunos para que se desenvolvam com plena uniformidade e com aquela unidade de espírito e de conduta exterior que permitem reconhecer os membros de uma só família.
[2643]
As regras aqui traçadas, ainda que emanem da mesma natureza do humilde Instituto a que são destinadas, são o fruto de sérias reflexões, de longos estudos, de diligentes consultas e de um pleno conhecimento de causa. Não obstante, por termos que enfrentar uma grande e colossal missão, totalmente nova e especial, será útil esperar para ver com o tempo os resultados das mesmas na experiência prática.
[2644]
Entretanto, submetem-se ao sapientíssimo juízo do Sumo Pontífice e da Sagrada Congregação da Propaganda Fide.
Se bem que estas regras, por si, não obriguem à obediência, nem sequer sob pecado venial, é certo, no entanto, que um espírito humilde, que sinta sinceramente a sua vocação e queira ser generoso com o seu Deus, observá-las-á com muito amor, considerando-as como a via que lhe foi traçada pela Providência, como a manifestação da vontade de Deus a seu respeito. E por isso, certo dos louros que, observando-as, alcançará para a outra vida, conseguidos com a abnegação e com a morte de si mesmo, considere-as ou não razoáveis, não terá o desejo de se subtrair a elas ou a ousadia de censurá-las.
[2645]
Que o Senhor abençoe estas regras, as torne fecundas no coração dos filhos do seu amor com o exercício e com o mérito das virtudes que lhe são mais queridas, e que elas se arreiguem, de modo que sejam o sua guia em todo o tempo e lugar.
Capítulo I
Natureza e objectivo do Instituto
[2646]
O Instituto, ou seja, o Colégio das Missões para a Nigrícia é uma reunião de eclesiásticos e de irmãos coadjutores que, sem o vínculo dos votos, sem renúncia aos próprios bens, sem profissão obrigatória das regras especiais, porém, sempre sob a absoluta dependência dos legítimos superiores, se dedicam à conversão da África e especialmente dos pobres negros, que ainda jazem sepultados nas trevas e nas sombras da morte.
[2647]
O objectivo deste Instituto não sai da órbita das funções estritamente sacerdotais: é o cumprimento do mandato dirigido por Cristo aos discípulos de pregar o Evangelho a todas as gentes; é a continuação do ministério apostólico, pelo qual todo o mundo participou dos inefáveis benefícios do Cristianismo. E tem como finalidade específica a regeneração dos povos negros, que são os mais necessitados e abandonados do universo.
[2648]
Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam necessariamente a natureza do centro de onde procedem.
[2649]
O Instituto está consagrado ao Sacrossanto Coração de Jesus, sob a protecção da SS.ma Virgem Imaculada e do seu puríssimo esposo, o patriarca S. José, como também de S. Miguel Arcanjo, dos santos Reis Magos, dos santos apóstolos Pedro e Paulo, de S. Francisco Xavier, do beato Pedro Claver, da beata Maria Alacoque e de todos os mártires e santos africanos.
Capítulo II
Organização do instituto
[2650]
O instituto, por sua natureza, depende em primeiro lugar do Sumo Pontífice e da S. C. da Propaganda Fide, aos quais está total e absolutamente subordinado. Só à suprema autoridade da Santa Sé compete modificar substancialmente ou mudar in omnibus et quoad omnia a organização e as regras do Instituto.
[2651]
O superior imediato do Instituto é o bispo de Verona, o qual é representado por um reitor eleito ordinariamente entre os próprios missionários membros do Instituto fundamental, já experimentados no exercício do apostolado africano.
Ajuda o bispo de Verona nas suas funções um corpo por ele presidido, formado pelos mais prudentes e distintos eclesiásticos e seculares da sua diocese, intitulado Conselho Central da Obra para a Regeneração da Nigrícia.
[2652]
O reitor do Instituto é nomeado definitivamente pelo bispo de Verona e isto depois de ter ouvido a opinião do superior das missões da África confiadas ao colégio e após ter submetido a nomeação ao em.o card.-prefeito geral da Propaganda.
[2653]
O bispo de Verona ou o reitor do colégio deverão, cada cinco anos, mediante um relatório exacto, dar conta pormenorizada à S. C. da Propaganda do andamento do Instituto em tudo o que lhe diz respeito.
Ao bispo de Verona compete o poder e a autoridade de admitir aspirantes eclesiásticos e seculares. Nenhum eclesiástico será admitido no Instituto sem estar provido de um documento escrito que demonstre o consentimento do respectivo ordinário e sem ter obtido a bênção dele.
[2654]
Não será admitido no Instituto nenhum eclesiástico ou secular que não se considere disposto a consagrar-se por inteiro e até à morte à obra da regeneração da Nigrícia e que não tenha o ânimo forte e resoluto de morrer para a sua própria vontade e de professar uma obediência perfeita aos legítimos superiores.
[2655]
Como está realmente consagrado à regeneração da Nigrícia tanto aquele que trabalha como mestre de piedade, aquele que ensina matérias teológicas ou científicas no colégio de Verona, ou aquele que colabora de qualquer modo no Instituto para as obras preparatórias da Europa destinadas a formar pessoal para as missões da África, quanto aquele que se dedica directamente à conversão dos infiéis na própria África, o bispo de Verona terá especialmente em conta a vocação ou tendência do candidato, para o destinar ora às obras do Instituto fundamental de Verona ora aos institutos ou missões da África.
[2656]
Não se poderá admitir no Instituto nenhum eclesiástico ou secular que por justo motivo não goze de crédito e de estima ou tenha sido desonrado.
Não será admitido senão com muita dificuldade e só em caso de evidente utilidade para o Instituto aquele que tenha pertencido a alguma ordem ou congregação religiosa.
[2657]
O tempo de prova do candidato no Instituto fica estabelecido entre um e três anos. Mas, dado que tal classe de aspirantes são eleitos entre os indivíduos mais virtuosos, compete ao juízo e consciência do bispo a faculdade de encurtar o tempo de preparação do candidato no Instituto para o destinar aos institutos erigidos nas costas de África, os quais estão organizados de tal modo que efectivamente constituem outros tantos estabelecimentos de formação e de prova para verificar a capacidade e amadurecer a vocação especial para as difíceis missões da Nigrícia central.
[2658]
Compete igualmente ao bispo de Verona julgar definitivamente se um candidato é apto para a obra a que o Instituto se destina, como também fixar a data da partida do mesmo para os institutos da África.
[2659]
É membro efectivo do Instituto fundamental aquele que, depois de passar algum tempo de prova determinado, persiste no firme propósito de se consagrar por toda a vida ao serviço da obra da regeneração da Nigrícia.
[2660]
É competência do bispo de Verona o direito de declarar membro efectivo do Instituto fundamental a quem tiver vivido dois anos inteiramente consagrado às obras do colégio de Verona, sem aspirar às missões africanas.
[2661]
Uma pessoa já enviada para a África só se torna membro efectivo do Instituto fundamental ao cabo de um ano ou dois de permanência nos institutos ou nas missões da África, e o juízo sobre a sua aptidão para o Instituto fundamental compete ao superior da missão da África, o qual deverá mandar o documento oportuno ao colégio de Verona para a sanção do bispo superior.
[2662]
Quando um candidato é declarado membro efectivo do instituto fundamental, tanto por parte do bispo de Verona para os consagrados à obra na Europa como pelo superior das missões africanas para os consagrados à obra na África, torna-se filho do Instituto fundamental, o qual toma conta dele por toda a vida.
Capítulo III
Daqueles que deixam de ser membros
do Instituto fundamental
[2663]
Se alguém deixa de ser membro do Instituto há a considerar se isso ocorre em Verona ou nos institutos da África e também há a ter em conta se se retira por vontade própria ou se foi excluído por motivos justos.
[2664]
Se um membro do Instituto de Verona julgar ter boas razões para se retirar, comunicá-las-á quanto antes ao reitor, o qual as ponderará com os outros membros do colégio. Se os motivos forem considerados válidos e se durante um ano ele persiste em querer abandonar o Instituto, submeterá o assunto ao bispo, o qual, depois de utilizar os meios que considere oportunos para julgar rectamente, concederá saída ao solicitante, que para sempre deixará de ser membro do Instituto, não podendo jamais ser readmitido a qualquer título.
[2665]
Se um membro do Instituto de Verona por sua má conduta se tornasse indigno de continuar a pertencer a ele, o reitor, obtido o parecer dos outros membros, submeterá o assunto ao bispo de Verona, o qual tomará as medidas que a sua razão e consciência lhe ditarem para pôr à prova o transgressor ou o excluir imediatamente e para sempre do colégio.
[2666]
A respeito dos membros do Instituto fundamental já missionários da África, é preciso ter presente que, embora o sacrifício que fizeram de si mesmos desde a sua educação apostólica seja total e irrevogável, e embora tenha suposto uma vontade disposta a sofrer todas as fadigas, todos os perigos e a mais bárbara morte, ainda assim, não é raro o caso de um missionário, depois de ter suado muito pela glória de Deus e pela salvação dos pobres negros, se encontrar em tal estado de esgotamento físico e espiritual que tem absoluta necessidade de descanso. Poderia também suceder que, apesar de todas as cautelas adoptadas pelo Instituto, algum tivesse errado na escolha da carreira, de modo que a sua presença seria mais de estorvo que de ajuda para as missões africanas.
[2667]
Poderiam surgir ainda outras importantes razões que tornassem necessário o regresso de algum à Europa. Em todos estes casos importa considerar as seguintes advertências:
A necessidade ou a conveniência de que um missionário regresse à Europa deverá remeter-se totalmente ao juízo do superior. A este também competirá decidir, ponderado o caso perante Deus e sem lugar a apelo da sua decisão, se os que devem regressar se tornaram ou não merecedores da ajuda do Instituto. Também a falta de espírito de sacrifício nalgum reconhecida pelo superior será causa de demérito. No caso de não existir nem este nem nenhum outro motivo de demérito, eis como procederá o Instituto nos casos do regresso à Europa.
[2668]
1.o Tendo o instituto fundamental necessidade de missionários veteranos, que lhe tragam os conhecimentos que só a experiência pode fornecer, para a formação dos aspirantes ou para colaborar de qualquer modo na santa obra, aquele que, por falta de saúde ou por outros motivos justos não pudesse continuar no exercício do ministério apostólico, voltará para o instituto fundamental, onde continuará a ser membro efectivo do mesmo sob as ordens dos superiores.
[2669]
2.o Se, pelo contrário, o missionário que voltar com o consentimento do superior não continua a pertencer ao instituto como membro efectivo, porque o instituto não o permite ou porque o interessado não o deseja, a direcção recomendá-lo-á ao ordinário a que pertencia, a fim de que se lhe facilitem os meios para que, se estiver em condições para isso, possa exercer o ministério no seu próprio país.
[2670]
Se, por sua má conduta ou por outros motivos, um missionário membro do instituto fundamental se tornasse indigno de continuar a pertencer ao mesmo, será excluído para sempre da missão. E se não tiver com que pagar a viagem para a Europa, tratará disso o superior, porém, só depois de ter obtido do transgressor uma carta redigida na devida forma em que ele se obriga a devolver, no prazo de um ano, ao reitor do instituto de Verona a importância concedida para o seu regresso à Europa.
Capítulo IV
Influência do instituto sobre as missões
e sobre os missionários da África
[2671]
A relação existente entre os membros de um mesmo corpo é a mesma que se verifica entre o instituto fundamental de Verona e os institutos e as missões da África a ele confiados.
[2672]
O instituto fundamental de Verona é o centro de comunicação dos Institutos e Missões da África, o vínculo que os une, a base que os sustente, o estabelecimento legal e permanente que trata dos interesses gerais e particulares das missões africanas e dos missionários que nelas labutam, no respeitante à Santa Sé e à Europa. O superior da missão da África, depois de ser nomeado pela Santa Sé para as árduas funções do governo da mesma, dará a conhecer à direcção do instituto de Verona, quanto antes e com a maior segurança que lhe for possível, quais são os missionários que em consciência julga capazes de lhe sucederem no cargo em caso de morte. Com este propósito, solicitará em segredo o parecer dos membros mais experimentados da missão. Ao propor um ou mais membros para este fim, ter-se-ão mais em conta as virtudes e as capacidades dos candidatos que a sua antiguidade.
[2673]
A direcção do instituto fundamental guardará o mais escrupuloso segredo acerca de tudo o que o superior das missões da África tiver considerado útil e oportuno comunicar sobre os missionários e só se servirá disso em relação à S. Congregação da Propaganda, para, conformando-se ao desejo do superior e dos outros superiores da África, fazer nomear como sucessor, logo que possível, um dos membros por eles designados.
[2674]
Os superiores dos institutos e das missões da África terão informada a direcção do instituto fundamental de Verona sobre a conduta e esperanças de cada um dos missionários e sobre o funcionamento de todas as obras das missões a eles confiadas.
[2675]
O superior das missões africanas comunicará ao Instituto fundamental o regulamento de cada instituto das suas missões, como também todas as inovações que a experiência prática sobre o terreno lhes aconselhar a introduzir, no intuito de isto servir de orientação ao reitor na preparação dos candidatos para o apostolado africano.
[2676]
O instituto fundamental também se preocupará na medida do possível dos interesses temporais dos alunos do colégio durante o exercício do seu ministério na África. Embora o Instituto não deva nunca tomar a seu cargo nem a administração nem a representação de tais interesses, se aquele a quem estes dizem respeito mostrar desejo disso, far-se-á de modo que o representante ou administrador legalmente designado tenha o poder para exercer essas funções, concedido de maneira tal que de facto e de direito permita à direcção do instituto vigiar e proteger o bom funcionamento da administração.
Capítulo V
Missão interno do instituto
[2677]
O instituto recebe no seu seio, sob normas fixas e adequadas ao fim, sacerdotes e clérigos de teologia aptos para o ministério apostólico, bem como leigos de provada piedade e competência, principalmente com o objectivo de fazer deles irmãos coadjutores, catequistas, docentes e mestres de artes e ofícios úteis e necessários na Nigrícia. Por isso:
1.o É ao Instituto a quem compete necessariamente a missão de provar cuidadosamente a vocação dos candidatos para a Nigrícia.
2.o Também a de cultivar as aptidões dos seus alunos, procurando que correspondam perfeitamente às requeridas para tão sublime vocação.
As regras e normas do instituto dimanam principalmente do espírito de tão alta e importante missão.
Capítulo VI
Da prova da vocação
[2678]
O primeiro e mais importante papel do instituto é a boa escolha dos obreiros destinados às tarefas apostólicas da Nigrícia, do qual depende o feliz arranque da missão, a sua prosperidade, a sua duração. Portanto, nisto reside o seu máximo interesse e também o interesse dos próprios missionários e o das almas que lhe estão confiadas. Assim pois, o bispo de Verona, o reitor e quantos de algum modo estão a cargo deles, tanto dentro do instituto como fora, cumprirão com a máxima seriedade e o maior zelo possível o elevado encargo de provar a vocação.
[2679]
Esta prova tem lugar em duas épocas:
1.o Quando alguém solicita o seu ingresso no instituto.
2.o Uma vez que o candidato já tenha sido admitido, durante a sua estada no instituto.
Capítulo VII
Normas gerais que se devem observar quando alguém
solicita o seu ingresso no instituto
[2680]
Quem desejar seguir Jesus Cristo nas funções da vida apostólica e aspirar a ingressar no Instituto das Missões para a Nigrícia deve antes de tudo dar a conhecer o seu desejo ao bispo de Verona e ao seu representante, o reitor do colégio, cujo principal empenho é procurar distinguir as vocações verdadeiras das falsas antes da admissão dos aspirantes. Por isso, ao apresentar-se pela primeira vez um postulante, o reitor normalmente não lhe dá uma resposta decisiva, mas procede com lentidão, até ter usado todos os expedientes para conhecer claramente a vontade divina.
[2681]
Estes recursos são:
1.o Oração. O reitor, antes de decidir, fará práticas especiais de piedade, encomendar-se-á a Deus na santa missa, invocará a Mãe do Bom Conselho, S. José e os outros santos protectores, pedirá orações às almas justas e verdadeiramente devotas e fará com que os próprios postulantes se comprometam também a rezar, bem como os candidatos já admitidos e os membros do Instituto.
2.o Instruções aos postulantes. Serão advertidos das dificuldades especiais da carreira apostólica a que aspiram e das boas qualidades requeridas para se comprometerem nela com as devidas garantias. Morrer absolutamente para a própria vontade e sacrificar-se inteiramente a si mesmo até à morte por meio de uma perfeita obediência aos legítimos superiores é a primeira instrução que se deverá dar aos postulantes.
[2682]
Não se deixará de lhes observar que, dadas as circunstância de isolamento em que se encontra o missionário africano e o perigo que encerram os costumes dos povos da Nigrícia, que ignoram as elementares normas de pudor, é necessária sobretudo uma castidade a toda a prova. Embora se tenha de contar muito com a especial assistência de Deus aos que são verdadeiramente chamados a este árduo ministério e ainda que, sem desanimar ninguém, se deva observar que os caracteres reflexivos são os mais idóneos, apesar de parecerem os menos dispostos a desafiar os perigos, não se deixará de fazer a expressa advertência de que quanto dizem os teólogos sobre o hábito da pureza, requerida como condição necessária para as ordens sagradas ou para a profissão religiosa dos leigos, deve entender-se em sentido muito rigoroso tratando-se de aspirantes ao ministério apostólico, para os quais certamente não bastariam simples propósitos num ponto tão delicado.
[2683]
3.o Interrogações e informações. Às instruções acrescentar-se-ão, podendo fazê-las pessoalmente, oportunas perguntas. Além disso, pôr-se-á todo o cuidado em conseguir de várias fontes exactas e minuciosas informações sobre o postulante, advertindo que se manterá a confidencialidade o máximo possível. Por outro lado, ter-se-á bem presente a máxima de que as vocações dificilmente se decidem por quem não conhece bem o nosso interior, e perguntar-se-á aos aspirantes se trataram bem o assunto com o seu director espiritual.
[2684]
4.o Consultas. O reitor pôr-se-á em contacto, na medida do possível, com as pessoas mais autorizadas pela sensatez, experiência e consciência, a fim de obter ajuda mediante os seus conselhos, de modo que esteja em grau de emitir um juízo recto sobre o postulante, na altura de propô-lo ao bispo para admissão. Consultará também os membros mais maduros do colégio, com os quais costumam aconselhar-se sobre as coisas mais importantes do instituto.
Eis as máximas gerais que se devem ter sempre presentes:
[2685]
A vocação ao apostolado, segundo a generalidade dos teólogos, est actus Providentiae supernaturalis, quo Deus aliquos prae aliis eligit ad ministerium apostolicum eosque congruis dotibus praeparat ad eiusdem ministerii officia digne et laudabiliter obeunda.
[2686]
A vocação ao ministério apostólico não é sempre acompanhada de uma propensão patente e irresistível a tão sublime carreira, porém, exige sempre uma vontade constante e generosa para se oferecer em sacrifício a Deus, unida à aptidão para exercer a função a que se aspira.
[2687]
É necessário, pois, que quem se oferece para o difícil e laborioso apostolado da Nigrícia tenha uma verdadeira disposição, baseada no sentimento da fé e na caridade, para se dedicar à conversão das almas mais abandonadas do mundo e para propagar naquelas vastas e desconhecidas terras o reino de Cristo.
[2688]
Embora o engenho e a ciência eminentes sejam desejáveis, todavia não se excluirão os medíocres, uma vez que, unidos aos mais capazes, podem também eles, com abnegação e caridade, exercer o seu ministério igualmente valioso para as pobres almas da Nigrícia.
[2689]
Quanto à saúde e força corporal, a experiência demonstrou que na temperatura africana se podem ter excelentes trabalhadores ainda que não sejam os mais robustos e que a diferença de clima pode favorecer uma constituição mais frágil. Por outro lado, é de tanto valor um operário apostólico na África, que não se deve desdenhar nenhum aspirante, sempre que os dotes essenciais não faltem, os quais se terão mais em conta que o vigor do corpo. O reitor guiar-se-á por estas normas ao propor o aspirante ao bispo de Verona. Se não se descobrem nele as disposições necessárias para o ministério a que aspira, há que dissuadi-lo da sua ideia e manter-se firme em não aceitá-lo. Se se considera que se deve admiti-lo, convida-se a que se dirija ao ordinário da diocese a que pertence, a fim de obter a sua autorização e bênção, após o que pode ingressar no colégio.
[2690]
No caso de um postulante, digno de ser admitido, encontrar forte resistência por parte de seus pais e parentes, o reitor informar-se-á dos motivos que a originam; e, tomando como norma a caridade ordenada pela Igreja, a qual dispensa até os religiosos professos dos votos monásticos nas mais agudas necessidades dos pais, de nenhum modo aceitará a petição e persuadirá o aspirante a ficar ali onde o chama a Providência. Quando não se vir necessidade familiar, mas só choque de interesses e afectos humanos, ainda assim o reitor exigirá do aspirante toda a prudência e delicadeza, a fim de que, ao obedecer à chamada de Deus, não deixe de ter para com seus pais as atitudes de educação e respeito que competem a filhos bem-nascidos e obtenha, além disso, se lha derem, o conforto da bênção paterna e materna.
Capítulo VIII
Normas gerais que se devem observar quando
o candidato já tenha sido admitido
durante a sua estada no instituto
[2691]
Quando o aspirante já tiver sido admitido no instituto, presume-se que reúne as condições requeridas e, encontrando-se em certo modo em posse da carreira empreendida, não deve ter no seu íntimo dúvidas sobre isso; pelo que, se não surgirem sinais bem claros em sentido contrário, não deve submeter mais a consultas a sua determinação. Deve advertir-se disto, para evitar a excessiva incerteza de almas que são, às vezes, as mais aptas e as mais claramente chamadas, a fim de que não enfraqueçam o seu espírito e gastem as forças da vontade em exames supérfluos, mas que, considerando já passado o tempo da prova preliminar, se apliquem com sério empenho a cultivar as aptidões necessárias para o apostolado.
[2692]
Não obstante isso, com o objectivo de não descurar nenhum meio para melhor se assegurar da chamada de Deus, realizar-se-ão as seguintes práticas:
1.o Nos primeiros dois meses da sua entrada no instituto, o candidato fará seis dias de exercícios espirituais para se preparar bem para a aprendizagem que deve empreender quanto à carreira da sua vocação; isto sempre que não estejam próximos os exercícios anuais do colégio.
2.o Haverá anualmente exercícios espirituais durante oito dias, a fim de que, mais vivamente iluminada e sensibilizada aos conselhos da verdade e as inspirações do céu, a alma possa descobrir mais facilmente as ilusões da imaginação e do Demónio, no caso de se ter desviado.
3.o Na primeira semana de cada mês, os candidatos farão um dia de retiro espiritual, como preparação para a morte.
4.o Cada aluno, ainda que tendo uma razoável liberdade na escolha de confessor para as confissões ordinárias, contará também com um director espiritual, que manterá informado sobre a sua conduta, fazendo com ele a sua confissão geral, as anuais e algumas mensais.
[2693]
Finalmente, no tocante a isso, servirão as disposições do reitor, sobre as quais descansarão confiadamente os alunos. Consultando, em caso de necessidade, o bispo, prestando a devida atenção ao comportamento, ao carácter e a todas as qualidades dos candidatos, o reitor determina definitivamente, perante Deus e segundo as suas inspirações – submetendo depois tudo ao bispo –, os casos de vocação.
[2694]
Se julga ter descoberto no candidato algum defeito corrigível, recorrerá às advertências e remédios para obter a emenda e prolonga a prova.
[2695]
Se a emenda não for de nenhum modo possível e o defeito se tornar incompatível com a carreira apostólica, depois de ouvir o bispo, procurará o mais rápido que a prudência e a caridade permitirem e, em todo o caso, dentro do primeiro ano de prova, deixar o aluno livre para ir para outro lado, para se dedicar melhor a outro ministério a que Deus o chame. Se, pelo contrário, o indivíduo for julgado válido, o instituto dedicar-se-á a cultivar as suas aptidões para o apostolado da Nigrícia, dispondo dele mais cedo ou mais tarde, conforme as necessidades das missões da África.
Capítulo IX
Cultivo das disposições dos candidatos
para o ministério apostólico da Nigrícia
[2696]
A convivência e as boas normas do Instituto das Missões para a Nigrícia são úteis não só para estreitar os missionários num santo vínculo de fraternidade e criar aquela unidade de método e de espírito, que é a força dos institutos e que tanto serve para conservar e perpetuar o fruto das boas obras mas também para ajudar a desenvolver e amadurecer as virtudes e a fornecer a série de conhecimentos, cautelas e de disposições mais especiais que se precisam como dotes para exercer tão alto ministério. Por isso, segundo a séria consideração do espírito da obra, as normas indicadas a seguir são convenientes:
1.o Para cultivar o espírito e as virtudes dos aspirantes ao apostolado.
2.o Para regular bem os estudos e os exercícios destinados a desenvolver o intelecto e as capacidades necessárias na prática do ministério apostólico na Nigrícia.
3.o Para cuidar do bom estado de saúde e das forças físicas dos candidatos às missões da África Central.
[2697]
Como resumo destas normas destinadas ao cultivo das disposições para o apostolado africano, seguirá o regulamento particular do instituto, ou seja, o horário e distribuição das várias actividades do Instituto segundo os tempos e as ocasiões.
Capítulo X
Normas específicas para cultivar o espírito e as virtudes
dos alunos do instituto
[2698]
A vida de um homem que de modo absoluto e definitivo chega a romper todas as relações com o mundo e com as coisas mais queridas segundo a natureza, deve ser uma via de espírito e de fé. O missionário que não tivesse um forte sentimento de Deus e um vivo interesse pela sua glória e pelo bem das almas, careceria de aptidão para as suas funções e terminaria numa espécie de vazio e de intolerável isolamento.
[2699]
A sua obra não estará sempre rodeada dessa consideração, dessa atmosfera de favor e quase de aplauso que se cria à volta do sacerdote que trabalha no meio de almas inteligentes e de corações sensíveis.
[2700]
Este conforto humano pode até alimentar um zelo pouco fundado em Deus e na caridade. Porém, o missionário da África Central não pode nem deve esperá-lo. Ele trabalha entre selvagens embrutecidos pelos horrores da escravidão mais desumana e que adquiriram comportamentos bestiais pela mísera situação em que a desventura e a desumana crueldade dos seus inimigos e opressores os lançou. Esses infelizes negros estão acostumados a que lhes arrebatem violentamente os seus filhos, para serem submetidos a dolorosa escravidão, sem esperança de os voltarem a ver; vêem, por vezes, matar sem piedade familiares queridos e até os seus próprios pais. E como os celerados autores de tão horríveis crimes em geral não pertencem à sua raça, mas são estrangeiros, esses desventurados selvagens, habituados a que todos os atraiçoem e os maltratem da maneira mais cruel, olham às vezes o missionário com desconfiança e terror, porque é estrangeiro. Por isso eles manifestam-se aos olhos do mesmo como bárbaros, estúpidos, ingratos e brutais. Ele, portanto, em vez de esperar encontrar uma lisonjeira correspondência de afectos, deve estar resignado a ver resistências hostis, inconstâncias dolorosas e negras traições. Daí que em muitas ocasiões tenha de adiar a esperança do fruto para um futuro remoto e incerto; e às vezes tem de se contentar com semear, no meio de infinitos suores, privações e perigos, uma semente que só dará algum fruto aos missionários sucessores. Deve considerar-se, portanto, como um indivíduo anónimo dentro de uma série de operários, aos quais compete não tanto esperar os resultados da sua obra pessoal, quanto o fruto do concurso e de um conjunto de esforços misteriosamente manejados e utilizados pela Providência.
[2701]
Numa palavra, o missionário da Nigrícia deve com frequência reflectir e meditar que ele trabalha numa obra de altíssimo mérito, sim, mas muito árdua e laboriosa, para ser uma pedra escondida debaixo da terra que talvez nunca apareça à luz e que entra a fazer parte do cimento dum novo e colossal edifício, que só os vindoiros verão despontar do solo e elevar-se, pouco a pouco, sobre as ruínas do feiticismo, e agigantar-se para acolher, depois, no seu interior, os mais de cem milhões da desditosa estirpe dos camitas, que desde há mais de quarenta séculos gemem curvados sob o jugo de Satanás.
[2702]
O missionário da Nigrícia, despojado por completo de si mesmo, e privado de todo o afecto humano, trabalha unicamente para o seu Deus, para as almas mais abandonadas da Terra, para a eternidade. Com os olhos postos unicamente no seu Deus, que lhe serve de impulso, tem em todas as circunstâncias com que nutrir-se e alimentar abundantemente o seu coração, desde que, seja num tempo próximo ou longínquo, com mão estranha ou com a própria, venha a recolher o fruto dos seus suores e do seu apostolado. E o seu espírito não interroga Deus sobre as razões da missão d’Ele recebida, mas trabalha confiado na sua palavra e na dos seus representantes, como dócil instrumento da sua adorável vontade e em todas as circunstâncias repete profundamente convencido e com vivo regozijo: servi inutiles sumus; quod debuimus facere fecimus (Lc, 18).
[2703]
Pelo contrário, ai daquele que for levado a essas árduas funções por outro motivo, quer se trate de uma passageira labareda de fervor, de ânsia de viagens exóticas ou do desejo de se distinguir abraçando uma carreira extraordinária! Para além de ir sucumbir nos momentos de escuridão e desalento, para além de não poder aguentar uma vida de fadigas e privações contínuas, sentiria as tendências da perversa natureza de um modo mais perigosamente aliciante, e poderia cair vítima da sedução ou das mais ignóbeis paixões.
[2704]
Mas não se deve exagerar, nem facilmente sentenciar sobre a quantidade e a força das ocasiões perigosas que se apresentam ao sacerdote na Europa e ao missionário na África Central.
[2705]
É justo considerar que o prestígio e as lisonjas, que rodeiam os nossos sacerdotes aqui na Europa, e o ambiente mundano em que às vezes têm que actuar podem lentamente pervertê-los não menos que o confronto sem defesas com perigos mais evidentes e formais. Também há que ter em conta que, se o missionário da África, isolado naquelas remotas terras, carece de muitas ajudas e apoios, leva, contudo, por isso mesmo, uma vida mais dura e necessariamente obrigada a pensamentos de ordem superior. Quando o missionário da Nigrícia tem um coração ardente de puro amor de Deus e com o olhar da fé contempla o sumamente benéfica, grande e sublime que é a obra pela qual se afadiga, todas as privações, os esforços contínuos, os mais duros trabalhos tornam-se para o seu coração um paraíso na Terra e a própria morte e o mais cruel martírio é o mais caro e desejado galardão para os seus sacrifícios.
[2706]
Não há, pois, que exagerar os temores, mas observar que em muitos casos a mais sólida salvaguarda do missionário da África é a sua consciência e a sua fé. Por todas estas razões e por todas as muitas outras que deverão ser matéria de frequentes meditações para os alunos do Instituto, aspirantes ao apostolado da Nigrícia, importa necessariamente que eles tenham sólidas disposições de genuíno zelo, de puro amor e temor de Deus e que sejam fortalecidos por um seguro domínio das suas paixões. Para tal fim, mantendo-se permanentemente no instituto a simplicidade, a alegria e também um elevado grau de vivacidade, é preciso que domine claramente o fervor pelas coisas espirituais, o estudo da vida interior e um desejo vivíssimo de perfeição.
[2707]
Além dos exercícios espirituais cada ano, um retiro todos os meses e a confissão sacramental ao menos uma vez por semana, e, além da oração mental de uma hora pela manhã, os exames de consciência, a leitura espiritual, a visita ao Ss.mo Sacramento e à Virgem Maria e todas as outras práticas quotidianas de piedade, os alunos devem familiarizar-se em extremo, até se lhes tornar quase natural, com o exercício assíduo da presença de Deus e de uma íntima e familiar comunicação com Ele, por meio de frequentes e devotas aspirações, o que constituirá matéria do exame particular.
[2708]
Para ajuda da piedade e do espírito são úteis os exercícios de mortificação exterior, embora tenha de se proceder com discrição, e é conveniente consultar sobre isso o próprio confessor e director espiritual, o qual permitirá esta ou aquela abstinência ou penitência corporal, especialmente nas sextas-feiras e nas vigílias das festas principais da Igreja e do instituto. Mas não há sobre isso regra de aplicação geral estabelecida no colégio.
[2709]
O mais importante é que todas estas práticas de piedade e de mortificação, com o costume, não se tornem uma formalidade material. Por isso repete-se frequentemente que nos exercícios privados de cada um e nos realizados em comum por todos, especialmente nas conferências espirituais, a necessidade de fazer oração válida e consistente e de actuar em espírito e verdade. Para discernir depois se é veraz ou superficial, mede-se a piedade com o proveito da mortificação interior e especialmente das duas virtudes fundamentais da vida interior e exterior: a humildade e a obediência.
[2710]
É preciso que os candidatos, com a fiel cooperação da graça divina, ponham todo o cuidado em esvaziar o seu coração de todo o orgulho e presunção, de todo o sentimento de ambição e de pretensão, e em fazer arreigar profundamente nele aquela santa disposição que nos leva a ver tudo através de Deus e a submeter-Lhe totalmente a inteligência, a vontade, as forças, e, para Ele e por Ele, nos faz submeter tudo aos que O representam. Em particular seja respeitada como voz de Deus: 1.o, a voz do director espiritual, ao qual se fará total confidência de todo o interior e de todo o comportamento; 2.o, a voz do bispo e do reitor, dos quais os alunos procurarão seguir não só as ordens mas também os seus desejos e indicações; 3.o, a voz da regra e os objectivos da comunidade, para os quais estarão dispostos com a mais escrupulosa exactidão e perfeição.
[2711]
Se os candidatos cultivarem este espírito de sincera piedade, de humildade e de obediência até morrer espiritualmente para si mesmos nesta parte mais íntima do amor próprio, a divina graça ajudá-los-á a vencer e a dominar todas as outras paixões e a adquirir todas as demais virtudes.
[2712]
Bastaria ter presentes e seguir estas normas gerais de perfeição. Contudo, para maior ajuda neste caminho espiritual convirá prestar atenção em particular às seguintes virtudes, que são mais directamente necessárias para o ministério apostólico da Nigrícia.
[2713]
1.o A castidade. No interior do Instituto está estabelecida a clausura para as mulheres. As visitas das familiares e de outras pessoas do sexo feminino. a quem se deva permitir a entrada por verdadeira conveniência ou por dever de função ou de caridade, recebem-se na sala comum e com todas as cautelas da modéstia e do decoro sacerdotal.
[2714]
E estas cautelas observam-se também nos ministérios espirituais não só para afastar todo o perigo mas também para não dar lugar a suspeitas e falatórios, ainda que por isso se deixe de fazer alguma boa obra.
[2715]
A este respeito, os alunos saberão exercitar-se conscienciosamente, de modo que, chegada a ocasião de se encontrar no meio de perigos inevitáveis, tenham adquirido o hábito da modéstia, da pronta elevação do coração a Deus e da desenvolta circunspecção, que lhes permitam fazer bem às almas alheias... sem risco de perturbar e causar dano à própria!
[2716]
2.o A caridade. Pratica-se principalmente no interior do colégio mediante todo o sentimento e as demonstrações de uma sacerdotal e cristã benevolência, excluindo as preferências, as rivalidades, as invejas, as discussões, as contendas e os modos demasiado confidenciais, com prejuízo da própria dignidade e do respeito devido aos demais. Cada um se obriga a pedir pronta e humildemente perdão àquele a quem de alguma maneira considere ter desgostado. Cada um se prestará a que lhe sejam advertidas as suas faltas e há-de procurar que triunfe sempre a caridade, tanto na indulgência em relação aos defeitos como na oportuna protecção fraterna.
[2717]
Quanto às pessoas de fora, embora haja que guardar prudente reserva também para cuidar do necessário recolhimento e se deva evitar ir, sem necessidade, por lugares frequentados e muito mais às casas dos particulares, contudo procurar-se-ão fomentar todos os bons costumes de urbanidade, autêntica afabilidade e cordialidade cristãs. Atender-se-á sobretudo a ser exemplares na atitude e no hábito (que é o dos bons eclesiásticos, sempre uniforme, e trazido dentro e fora do colégio e a qualquer hora do dia, também no Verão) e no falar, onde o discurso, evitada toda a afectação, será sempre condimentado pela sabedoria do Evangelho e será levado, quando se puder, a alguma conclusão edificante e proveitosa para as almas.
[2718]
Pela salvação destas, os alunos intensificarão ainda mais a caridade nos ministérios espirituais e assumirão sempre com júbilo e exercerão sempre com paciência, esmero e amor, as importantíssimas funções de confessar – sobretudo aos pobres –, de catequizar os ignorantes e os meninos, de ensinar a doutrina cristã ou de pregar numa igreja, sempre, isso sim, com o convite do reitor e aprovação do reitor. Atendendo ao bem das almas em todas as diversas oportunidades que se lhes oferecerem nestas circunstâncias, farão de modo que a sua acção reflicta o fervor do espírito apostólico, de que aqui devem dar qualquer primícia.
[2719]
O que não puderem fazer muito com as obras, procurarão obtê-lo com a oração. Ao menos aquilo de que os faz capazes a divina bondade. Tenham posta a mente e o coração, em todas as situações, nas míseras almas do universo inteiro e especialmente nas da África Central, que jazem sepultadas nas trevas da infidelidade e do erro, e apliquem-se a impetrar misericórdia para elas com o pouco que puderem fazer, mediante a graça de Deus, rezando a sua conversão na santa missa, nas jaculatórias e em todas as práticas de piedade, interpondo os méritos e a intercessão da Santíssima Virgem Imaculada e de todos os santos protectores, rezando orações especiais e submetendo-se a convenientes mortificações e penitências pela conversão dos infiéis.
[2720]
3.o Espírito de sacrifício. O pensamento, sempre dirigido ao grande fim da sua vocação apostólica, deve suscitar nos alunos do instituto o espírito de sacrifício.
[2721]
Fomentarão em si esta disposição essencialíssima, tendo sempre os olhos postos em Jesus Cristo, amando-o ternamente e procurando entender cada vez melhor o que significa um Deus morto na cruz pela salvação das almas.
[2722]
Se com viva fé contemplam e saboreiam um mistério de tanto amor, serão felizes por se oferecerem e perderem tudo e morrer com Ele e por Ele. Ao separarem-se da sua família e do mundo, deram apenas o primeiro passo: procurarão ir cada vez mais longe, até consumarem o seu holocausto, renunciando a todo o afecto terreno, habituando-se a prescindir das suas comodidades, dos seus pequenos interesses, da sua opinião e de tudo o que lhes diz respeito, pois até um ténue fio que permanecer pode impedir uma alma generosa de se elevar até Deus. Por isso, será contínua a prática da negação de si mesmos, mesmo nas pequenas coisas, e renovarão com frequência a oferta de si mesmos a Deus, incluída a saúde e até a vida. Para levar o espírito a estas santas disposições, em certas circunstâncias de maior fervor farão todos juntos uma formal e explícita entrega de si mesmos a Deus, oferecendo-se cada um, com humildade e confiança na sua graça, até ao martírio.
Capítulo XI
Normas específicas para regular os estudos e os exercícios
destinados a cultivar o intelecto e as atitudes necessárias
na prática do apostolado africano
[2723]
Alguns têm uma ideia exagerada quanto à amplitude de conhecimentos e cultura intelectual de que necessita um missionário; outros quereriam encontrar num instituto como o nosso uma academia de ciências e artes, uma escola de todas as línguas. Para evitar surpresas a quem esperasse um grande aparato de estudos e ainda mais para insinuar aos alunos a importância do recolhimento, da humildade e dirigir melhor o espírito para esse ponto de maior importância que nenhum outro, convirá proclamar aqui a grande máxima do maior dos missionários entre os apóstolos infiéis, o apóstolo S. Paulo: A maior ciência, antes a única verdadeiramente necessária é a de Jesus crucificado.
[2724]
Non enim – escreve o apóstolo aos Coríntios – iudicavi me scire aliquid inter vos, nisi Jesum Christum et hunc crucifixum (1 Cor 2,2).
[2725]
Portanto, tida muito em conta esta máxima e tomada como norma do espírito com que devem estudar, vigiando-se a si mesmo – não aconteça que a excessiva intensidade da aplicação aos estudos subtraia tempo aos exercícios de piedade ou endureça o coração ou que o êxito os torne orgulhosos –, e entendendo dirigida ao tempo de estudo a recomendação das jaculatórias devotas, os alunos dedicar-se-ão ao estudo com a máxima solicitude e também farão diante de Deus a devida meditação sobre a importância dele. Pensarão na necessidade em que se encontrarão de enfrentar os missionários protestantes, os grupos heterogéneos de hereges orientais, os racionalistas e incrédulos de toda a parte, os muçulmanos e os idólatras, tanto nas longas viagens como nos campos das suas fadigas apostólicas. Pensarão também no crédito e ascendente que proporciona à religião a habilidade e cultura de quem a prega e na necessidade de prontas resoluções em casos complicados, sem ter meios de consulta, nem sequer tempo para grandes reflexões.
[2726]
Dado além disso que a experiência verificou que a Providência utiliza amiúde, para a conversão dos povos, os conhecimentos dos missionários até de ciências puramente humanas e de artes de utilidade temporal, antes de puro deleite, nada que se refira a este ponto, sob a direcção do reitor, julgarão inútil, nem indigno da sua atenção e do seu empenho, que não possam oferecer para a glória de Deus e o bem futuro das almas.
Para determinar com alguma precisão o tipo de estudos que são indispensáveis aos candidatos das missões africanas, estabeleceu-se:
[2727]
1.o Os alunos clérigos frequentarão as aulas teológicas do Seminário Episcopal contíguo e seguirão com diligência e assiduidade as lições de todas as matérias que nelas se ensinam, considerando que dependerá muito do empenho com que se aplicam a este importantíssimo dever o juízo que se terá da sua vocação apostólica. Nas férias outonais orientar-se-ão pelo regulamento particular dos sacerdotes, feitas as modificações que o reitor julgar oportunas pela sua condição especial.
2.o Quanto aos alunos já sacerdotes, um regulamento preparado expressamente para eles estabelece as matérias, a ordem e o sistema de estudos com que se preparam para a carreira apostólica.
[2728]
Em geral, os alunos aplicam-se de preferência aos estudos de primeira necessidade para o exercício prático do ministério sacerdotal e procuram dedicar a maior parte do seu tempo e do seu esforço a adquirir sólidos conhecimentos sobre as provas do catecismo, sobre como conhecer e combater todos os erros do feiticismo e do Islamismo e sobre como refutar os sistemas e os sofismas de todas as heresias orientais e das seitas protestantes e racionalistas. Estes estudos de controvérsia, ajudados pelos da Sagrada Escritura e da História Eclesiástica, constituem a mais séria ocupação do Instituto.
[2729]
Quanto às línguas, bastará o exercício do francês e o estudo dos rudimentos fundamentais do árabe e quem tiver mais tempo e aptidão para isso adquirirá conhecimentos das inúmeras línguas das tribos da África Central, como a dos Dincas e a dos Bari. Porém, a experiência mostrou que neste assunto não se deve perder tempo com exercícios dificílimos e muitas vezes inúteis, porque as línguas dos povos infiéis devem-se aprender, regra geral, lá onde se falam.
[2730]
Como nas vastas tribos da Nigrícia falta quem se ocupe da saúde dos estrangeiros e dos indígenas, alguns sacerdotes e irmãos coadjutores com mais aptidão aplicar-se-ão, sob a orientação de um experimentado e hábil mestre, a estudar medicina prática, cirurgia, flebotomia e farmácia, tendo para isso como base o texto de Antoniacci. Também se deverão adquirir conhecimentos de astronomia, agricultura e ciências semelhantes, que contribuem poderosamente para tornar eficazes entre os negros o apostolado dos missionários.
[2731]
Para que estes estudos sejam menos áridos e ao mesmo tempo notavelmente mais intensos e frutuosos, complementam-se diariamente com conferências familiares e bem reguladas e, avançando-se a par e passo por parte de todos, e sob a orientação do mesmo autor, cada um apresenta o resumo do capítulo estudado e propõe, sem superfluidades nem inúteis digressões, as dificuldades que encontrou em algum ponto, para as quais desejaria uma clara solução. Além disso, por ser útil que cada um, segundo a sua capacidade, procure aprofundar os conhecimentos na matéria, sobretudo acrescentando ao estudo do autor adoptado como guia a leitura de tratados mais amplos e de profunda reflexão de outros autores, todos levarão à conferência o fruto dos estudos individuais, para a comum erudição e proveito.
[2732]
O reitor do instituto tem o compromisso de assistir normalmente a esses colóquios, e, se alguma vez estiver impedido de o fazer, delega num substituto. Ele dirige os estudos e propõe as normas que neles se devem seguir, depois de ter consultado o bispo superior.
[2733]
Sobre o modo de dirigir os estudos, convém advertir que não se deve reparti-los, dividindo a atenção entre matérias díspares, mas concluir-se-ão um após outros os tratados principais, dedicando-lhes um estudo continuado e completo.
[2734]
Para fazer uma aplicação da matéria estudada, os alunos redigirão composições para o ensino religioso do povo, que submeterão antecipadamente a algum perito e que para se exercitarem lerão em voz alta na capela do instituto e também, com prévia autorização do reitor, nas igrejas e oratórios públicos. Os alunos adestrar-se-ão a ensinar com clareza, precisão, facilidade e graça a doutrina cristã, tanto a crianças como a adultos, que é o exercício mais essencial e importante do missionário de infiéis. Exercitar-se-ão também a explicar o Evangelho, a proferir discursos morais e, especialmente com meninos e ignorantes, exercitar-se-ão nas exortações familiares, feitas até de modo improvisado.
Capítulo XII
Normas específicas para cuidar da saúde
e das forças corporais dos alunos
do Instituto das Missões Africanas
[2735]
Como na vida daquele que se prepara para o apostolado da África são necessários o exercício da mortificação e da habituação às provações, e devendo-se, por outro lado, ter grande atenção à saúde e força dos alunos, especialmente à dos de compleição mais franzina, assim, a primeira advertência que se fará para cuidar da saúde será a de que se faça uma escolha prudente daqueles exercícios de mortificação que a não prejudicam e, mais ainda, daqueles que a favorecem.
[2736]
Assim, os alunos poderão satisfazer o seu fervor sem prejudicar a sua saúde:
1.o Com a prontidão e exactidão na observância das normas do Instituto. Porque, se ao regular os seus passos e as suas acções, a regra lhes proporciona frequentes ocasiões de negação de si mesmos, não deixam de ter cuidado da sua saúde, variando as ocupações e fazendo com que as que requerem esforço do corpo sigam as que só exigem a ocupação do espírito.
[2737]
2.o Mediante a prática de uma caritativa convivência de uns com outros. Porque, estando destinados a viver entre os povos mais bárbaros, e a ter que adaptar-se aos usos, costumes e caracteres mais diversos, bem como aos temperamentos mais diversos, exercitar-se-ão nisto convenientemente propondo-se cada um, já desde o colégio, moldar-se à opinião, ao génio, ao carácter dos outros. Isto oferecer-lhes-á, sem dúvida, ocasiões tanto mais preciosas e frequentes, quanto mais insignificantes e inobservadas de multiplicar os actos inócuos de mortificação.
[2738]
3.o Observando a urbanidade, limpeza e bons modos que tanto poderão ajudá-los a ganhar a benevolência no trato com pessoas de todas as nações e de todas religiões, com as quais terão de se encontrar no futuro. Este contínuo bom governo da pessoa, das maneiras, dos discursos, do vestir e da habitação trar-lhes-á uma série de pequenos sacrifícios e de pequenas vitórias sobre a preguiça co-natural à natureza humana.
Haverá também ocasião de se mortificar e, ao mesmo tempo, de favorecer a saúde e as forças:
[2739]
1.o Mantendo o domínio de si mesmo e uma circunspecção que exige uma razoável sobriedade, não só na comida e na bebida mas também no grau de aplicação aos estudos e de empenho nas coisas louváveis e boas.
É necessário e utilíssimo também para a saúde que os alunos se autocontrolem e saibam moderar com força o ardor cego, o ímpeto excessivo, aquela espécie de ânsia e de avidez com que às vezes actuam. Nada mais útil que formar-se nos hábitos de calma, de ordem, de sereno e digno procedimento, que deixa ao espírito a liberdade necessária para fazer o bem sem confusão nem precipitação e evita os perigos de uma tensão e um esforço que oprimem corpo e o espírito.
[2740]
2.o Será muito benéfica alguma prática útil de agricultura e de ajuda nos trabalhos de construção e de restauração, nos quais se poderá encontrar um entretenimento e uma preparação conveniente para as necessidades das missões da África, nas quais há que fazer tudo. Por outro lado, ter-se-á todos os dias um tempo livre para algum descanso, entretenimento, como o jogo das bocce e outras distracções similares, e principalmente um ou outro passeio pela tarde, como também em certos dias de férias extraordinárias; e, no Outono, no intuito de treinar os candidatos a grandes viagens, far-se-ão passeios adequados e pequenas passeios ao campo ou a algum santuário dos nossos arredores.
Capítulo último
Regulamento particular do instituto;
isto é, horário ou distribuição das diversas actividades,
segundo o tempo e a ocasião.