Comboni, neste dia

In lettera a Elisabetta Girelli (1870) da Verona si legge:
Noi siamo uniti nel Sacratissimo Cuore di Gesù sulla terra per poi unirci in Paradiso per sempre. È necessario correre a gran passi nelle vie di Dio e nella santità, per non arrestarci che in Paradiso.

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N° Escrito
Destinatário
Sinal (*)
Remetente
Data
561
Faustina Stampais
1
Cartum
22. 5.1874
N.o 561 (531) - A FAUSTINA STAMPAIS

ACR, A, c. 20/18, n.20



22 de Maio de 1874



Breve nota.





562
Card. Alexandre Franchi
0
Cartum
25. 5.1874
N.o 562 (532) - AO CARD. ALEXANDRE FRANCHI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 213-216



J. M. J. N.o 5

Cartum, 25 de Maio de 1874



Em.o e Rev.mo Príncipe,



[3575]
Se foi viva e profunda a dor que senti ao receber a triste notícia da morte daquele grande entre os príncipes da Santa Igreja, que, durante tantos anos, dirigiu com prodigiosa diligência e sabedoria a S. C. da Propaganda e que me serviu de escudo e de sagacíssimo guia ao lançar os alicerces da santa obra para a regeneração da Nigrícia, senti no fundo da alma um grande alívio, um conforto inefável, quando a venerada carta, com que V. Em.a se dignou honrar-me no dia 17 de Março passado, me anunciou que o Santo Padre tinha nomeado V. Em.a sucessor do nunca bastante chorado Em.o card. Barnabó.


[3576]
Deus misericordioso, em sua infinita caridade pela conversão das gentes, não tardou em buscar compensação para a grande perda; e os permanentes e sublimes méritos, os altos cargos sempre mais importantes desempenhados durante mais de vinte anos em prol da Santa Sé Apostólica e os dotes eminentes de sabedoria, perspicácia e zelo, com que se mostra luminosa e brilhante a sua carreira prelatícia, são argumento inelutável e claro indício das grandes obras e salvíficas empresas que V. Em.a há-de levar a cabo na nova carreira cardinalícia, como prefeito da importantíssima congregação que rege os destinos e interesses mais vitais da Igreja e de Deus nas quatro partes e meia do mundo.


[3577]
Daí que, uma vez cumprido o nosso dever de encomendar a Deus a alma cheia de méritos do ilustre purpurado que nos deixava órfãos, mediante dois ofícios com missa solene em cada uma das estações do vicariato, além de cinco missas celebradas por cada sacerdote, eu pedisse, com uma circular preparada para o efeito, orações públicas diárias ao Sagrado Coração de Jesus, precedidas do Veni Creator, a fim de que Deus guiasse, como sempre fez, a mente do nosso Santo Padre Pio IX, para dar às missões católicas dos dois mundos um piloto de valia, o melhor guia, que fosse digno do alto cometimento. E eis que quinta-feira da Ascensão de N. S., recebida a mencionada carta de V. Em.a Rev.ma, depois da missa solene, exposto o Santíssimo, entoámos cheios de júbilo o hino ambrosiano, em acção de graças a esse Deus que dá dor e conforto e que jamais abandona quem n’Ele confia.


[3578]
Desde este momento, pois, prostrado a seus pés como humilde filho, ainda que completamente indigno, prometo e juro a V. Em.a absoluta submissão e perfeita obediência e declaro-me disposto a considerar a sua autoridade, as suas ordens, as suas intenções e o seu juízo como os de Deus e do Santo Padre, de quem V. Em.a é digno representante. Digne-se acolher benevolamente este acto de submissão e de absoluta obediência que sai do coração. E como é meu firme propósito não iniciar nunca nenhuma empresa de importância sem consultar a S. C. da Propaganda e dado que o apostolado da África Central está cheio de espinhos, suplico a sua imensa caridade que me ajude, porque desde que a Santa Sé me confiou este árduo e laborioso vicariato, todos os meus companheiros e eu estamos unanimemente dispostos a consumir e gastar a nossa vida para salvar os mais de cem milhões de almas que contém.


[3579]
O nosso grito de guerra é e será sempre até ao último alento: «Nigrícia ou morte!» Além disso, em todas as casas do vicariato reza-se continuamente todos os dias, de manhã e de tarde, pelo em.o cardeal-prefeito, pelo monsenhor o secretário e por toda a Propaganda, de onde parte todo o bem para as missões, e especialmente para a mais nova e a mais necessitada delas: a África Central.


[3580]
Espero que o excelente P.e Carcereri tenha submetido a V. Em.a os relevantes assuntos de que o encarreguei, como o do comércio de negros de que é lutuoso teatro o meu vicariato, a importância da nova missão entre os Nuba, a situação do vicariato e as esplêndidas esperanças de ver bem depressa estabelecido no coração da Nigrícia o Evangelho. Igualmente lhe recomendei que componha e defina o acordo com as Irmãs de S. José, que exponha à S. C. o tema da exagerada usura vigente entre os católicos do vicariato e que suplique novamente que a sexta-feira depois da oitava do Corpus Domini, consagrado ao Sagrado Coração de Jesus, seja para o vicariato dia de preceito e rito duplo de primeira classe com oitava.


[3581]
Quanto a mim, tendo estado muito ocupado estes meses ardentes do Col equatorial, ainda não pude redigir uma informação geral sobre o vicariato e dar recentes importantes notícias a respeito do mesmo. Não obstante espero poder enviar-lhe antes de quatro meses uma substanciosa relação do vicariato, a qual, unida às notícias do meu vigário-geral Carcereri, possa oferecer a V. Em.a um quadro exacto e uma ideia veraz sobre esta santa missão.


[3582]
Assim como, pois, o mencionado P.e Carcereri me comunica que volta sumamente agradecido à Propaganda, que não só os dois camilianos Carcereri e Franceschini continuam a ajudar-me a mim e aos meus missionários, mas também, além disso, se associam outros religiosos da mesma ordem; com base nas poucas ideias que me traçou Carcereri redigi o apenso acordo entre mim e o rev. mo P.e Guardi, que humildemente submeto a Vossa Eminência. Ao elaborar este documento, supus que poderão ser destinados ao novo apostolado doze religiosos. Os maiores gastos correspondem às viagens e às construções: estas ficaram todas a meu cargo. Em lugares como Berber e Cartum, onde com quatro francos se compra um carneiro, com trinta um grande boi, etc., vive-se com pouco; por isso penso que fui muito generoso, destinando cinco mil francos à projectada casa camiliana de Berber.


[3583]
Porém, estou disposto a fazer todas as modificações que V. Em.a julgue oportunas, ou o que o rev.mo P.e Guardi possa desejar. Assim, para não atrasar a conclusão deste importante assunto, em caso de ser necessária a minha assinatura para qualquer modificação que V. Em.a houvesse por bem fazer no presente acordo, delego no meu veneradíssimo mons. Canossa, bispo de Verona, o poder de me representar; a sua assinatura será tida como válida e garantida como se fosse a minha.

Digne-se V. Em.a aceitar com benevolência as expressões de absoluta submissão e de profunda veneração com as quais, beijando-lhe a sagrada púrpura, tenho a honra de me subscrever nos S. Corações de J. e M.



De V. Em.a Rev.ma

Hum.mo, obed.mo e devot.mo filho

P.e Daniel Comboni

Pró-vigário apost. da África Central



P. S. Chega-me neste momento a sua estimada carta de 15 de Abril, a n.o 4. Dentro de três dias receberá o pequeno relatório sobre o vicariato.






563
Card. Alexandre Franchi
0
Cartum
2. 6.1874
N.o 563 (534) - AO CARD. ALEXANDRE FRANCHI

AP SOCG, v. 1003, ff. 770-784



N.º 6

Informação à S. C. da Propaganda Fide

sobre o vicariato ap. da África Central



Cartum, 2 de Junho de 1874



Em.o e Rev.mo Príncipe,



[3584]
Cumprindo o desejo que V. Em.a se dignou exprimir-me na sua venerada carta n.o 4 do passado dia 15 de Abril, apresso-me a redigir-lhe sucintamente uma breve informação sobre o estado actual da missão que me foi confiada, a qual, unida ao relatório que já lhe terá apresentado o P.e Carcereri, meu vigário-geral, poderá dar-lhe uma justa ideia da importante obra que a Divina Providência me pôs nas mãos. E antes de tudo, creio oportuno antepor algumas noções gerais sobre as condições deste laborioso e imenso campo da vinha do Senhor.


[3585]
O vicariato ap. da África Central é, sem dúvida, o mais extenso e populoso do universo.

Tem como limites:

A norte, o vicariato do Egipto e a prefeitura de Trípoli.

A este, o mar Vermelho, os vicariatos da Abissínia e dos Gallas e a prefeitura de Zanguebar.

A sul, os 10o de latitude austral, onde geralmente se situam as supostas montanhas da Lua.

A oeste, a Guiné Meridional e a prefeitura do deserto do Sara.


[3586]
Disto se deduz claramente que o vicariato da África Central abrange uma extensão territorial superior à de toda a Europa. A sua população, segundo os cálculos do meu doutíssimo predecessor, o pró-vigário Knoblecher, ascende a noventa milhões de almas (1). Porém, segundo a minha humilde opinião, baseada em sérias indagações e diligentes estudos, os habitantes do vicariato são mais de cem milhões.


[3587]
Esta população imensa, carenciada em absoluto de toda a civilização, está dividida, na sua maior parte, em tribos independentes. Algumas delas são nómadas. Contudo, não faltam vastíssimos reinos e impérios governados despoticamente em todo o rigor da palavra. Pelo contrário, as tribos apresentam só uma sombra de governo, que geralmente é patriarcal: o chefe de família tem uma grande autoridade; e nos assuntos de interesse público, especialmente a guerra, o chefe da tribo, que, geralmente, é o chefe da família mais rica e poderosa, tem uma autoridade absoluta que todos reconhecem e respeitam.


[3588]
As línguas do vicariato (não os dialectos) são mais de cem e totalmente diferentes umas das outras: diferem em maior medida que o italiano do alemão. Em nenhuma delas se encontram as palavras escrever e ler, porque se desconhecem por completo as letras. Todas as normas de governo, as leis e a história são transmitidas pela tradição. O falecido pró-vigário Knoblecher recolheu os nomes dos números de quarenta e cinco línguas faladas na parte oriental do vicariato, trabalhos que eu mesmo vi e li. Agora, esses preciosos escritos andam extraviados. Em 1859 conseguimos compor um volumoso dicionário e uma gramática das línguas dos Dincas e dos Bari e, no ano passado, no Cordofão, comecei a recolher muitíssimos vocábulos da língua dos Nuba.


[3589]
Todas as línguas da África Central, pelo que até agora pude averiguar, são monossilábicas e de natureza semítica. A língua predominante nos países muçulmanos submetidos à coroa do Egipto é o árabe que, com os séculos, se introduziu em toda a Núbia Inferior e Superior, desde Assuão até Cartum; porém, os séculos de opressão muçulmana não puderam fazer desaparecer a língua original, chamada berberina, que é falada exclusivamente pelos Barabra.


[3590]
Os povos do vicariato são, em geral, de raça negra, excepto os de raça árabe que citarei mais adiante. Há representantes de todas as tonalidades, desde o tipo abexim até à pura cor de ébano e de negro carvão. Existem também tribos de cor ruiva e de cor de sangue, como os Dor, no Centro, e os Abugerid, no Nilo Azul e no Branco. Há, além disso, raças de todas as estaturas, desde as anãs às gigantes. Mas todos eles são guerreiros e desde a infância se adestram no uso das armas, que geralmente consistem em lanças e flechas envenenadas, hastes agudíssimas e paus de ébano e de sunt muito bem trabalhados. Muito frugais, estes povos não são tão libidinosos como se pensa e como costumam ser os que, arrancados das suas terras da Nigrícia, são condenados a viver no meio da corrupção muçulmana. As suas casas são, geralmente, toscas cabanas, cujas portas são como a boca de um forno; a sua cama é o chão nu ou uma pele ou o angareb O clima é, em geral, muito quente.


[3591]
No centro há chuvas regulares por seis ou sete meses todos os anos. Em Berber, Dôngola, Cartum e no Cordofão as chuvas caem por três a quatro meses; quer dizer, nos três ou quatro meses da chuva, o karif, chove oito ou dez vezes abundantemente. Todo o resto do ano o céu está descoberto e sereno. Esta é razão pela qual as casas da missão devem ser sólidas e amplas: doutro modo lá nos vai a vida. O vicariato tem muitos desertos de areia ardentíssima. Porém, a maior parte da África Central está semeada de terrenos muito férteis, que, regados e com a arte humana, poderiam produzir imensas riquezas. Os montes que se erguem em alguns lugares são bastante pequenos em comparação com os da Europa: quase todo o solo do vicariato se estende em imensas planuras abundantes em férteis pastos e cheias de gado de toda a espécie. Há também nelas, em grande número, elefantes, hienas, leões, tigres, panteras, serpentes de enorme tamanho e outros animais ferozes. Os caminhos são escassos; os mais notáveis e para nós mais cómodos são sempre os dos jilabas, ou seja, aqueles por onde passam os traficantes de escravos com os inumeráveis grupos das suas vítimas: são essas as estradas utilizáveis pelos missionários.


[3592]
Quanto à religião, o predominante no vicariato é o feiticismo e a idolatria, nas suas mais estranhas versões. Porém, o Islamismo impera em toda a parte setentrional do vicariato, na Núbia, no Waday, no Cordofão, numa parte do império de Bornu e entre as tribos árabes nómadas, as quais têm a sua origem nas famosas migrações dos séculos vii e xvi, que, procedentes da Arábia, se estenderam gradualmente até muitas tribos do interior. Porém, os seguidores do Alcorão que povoam tão considerável parte do Vicariato, não são tão fanáticos como os do Egipto e da Ásia.


[3593]
Os coptas heréticos, estabelecidos no vicariato desde a época das conquistas egípcias, como escrivães do Governo ou como comerciantes e aventureiros, são cerca de cinco mil e têm uma sede episcopal em Cartum, que hoje se encontra vacante pelos motivos a que aludi em minha carta de 20 de Outubro do ano passado ao em.o cardeal-prefeito (d. p. m.).


[3594]
Também há uns dois mil gregos cismáticos, mais um pequeno número de protestantes luteranos e anglicanos, e alguns judeus atraídos pelo comércio.

Os católicos de todos os ritos apenas chegam a trezentos em todo o vicariato. Mas quando as missões do mesmo estiverem organizadas e todas as obras do apostolado católico, estou profundamente convencido de que, então, a nossa santa fé fará progressos extraordinários. Os prussianos (perdoe-me V. Em.a este exemplo dos modernos perseguidores da Igreja e do papado) trabalham há cinco meses seguidos a prepararem as suas obras de estratégia militar para apertarem o cerco à inexpugnável Paris. Depois do que, com uns poucos dias de bombardeamentos, entram vitoriosos na soberba capital da França. Quando nós tivermos preparado as bombas e as metralhadoras de bem organizados institutos missionários e de irmãs e de colégios, e tivermos organizado bem as escolas, os jardins-de-infância, os hospitais e as outras obras católicas, abriremos fogo, e o colosso da idolatria cairá por obra da cruz, como a mística pedrinha da Escritura e aí reinará só Jesus Cristo.


[3595]
É indubitável que, sabiamente estabelecidas as obras do apostolado católico nas tribos interiores do vicariato, a pregação do Evangelho produzirá assinaláveis frutos, até ver inteiras povoações convertidas em massa à nossa santa religião. O Islamismo não pode ganhar raízes entre os negros da África Central. As tribos árabes nómadas, desde há muitos séculos, e o Governo, desde há quarenta anos, realizaram esforços inauditos no sentido de ganharem para Maomé as tribos dos negros; e até hoje em dia os governadores do Sudão egípcio, como pude verificar com os meus olhos, têm a prática de enviar os mais fanáticos dos seus muftis e ulemas e mestres de religião com o fim de preparar, mediante a pregação do Alcorão, aqueles povos para a sua sujeição à coroa do Egipto. Porém, foi sempre em vão: os negros detestam o Islamismo.


[3596]
Além disso, eu sou da opinião de que, bem organizadas as nossas santas missões nas zonas muçulmanas do vicariato, como Cartum, o Cordofão, Berber, Sennar, etc., com o volver de algumas gerações e graças ao culto externo, à vida exemplar dos missionários, das irmãs e dos membros da missão e ao estabelecimento das obras de caridade, também estas imensas províncias, dominadas pelo Islamismo dobrarão a fronte perante a cruz. A influência que hoje exerce a missão católica, tanto no Governo local como nas populações cristãs de todo o género e sobre os infiéis, é muito grande. Pode-se dizer com toda a verdade que a missão constitui a primeira força moral do Sudão. Mas é necessário que o seu chefe e os seus missionários mostrem muita prudência e circunspecção, juntamente com uma grande firmeza, para se manterem sólidos perante os golpes das potências do mal, sobretudo no respeitante aos atropelos da mais horrível escravidão e do tráfico de negros, chaga funesta, da qual é triste cenário o vicariato. O maior obstáculo para a conversão destes povos muçulmanos é a opressão brutal que exerce sobre eles o Governo dominante, bem como a crueldade e os excessos arbitrários dos satélites do Divã do Egipto.


[3597]
O Governo egípcio tem tais possessões no vicariato, que, se estivessem bem organizadas e governadas, poderiam formar em poucos lustros um império muito florescente. De facto ocupa uma boa porção da parte oriental, e alguns pontos da parte central, ao longo do imenso espaço que se estende desde o Trópico do Câncer até ao equador. E sem contar a Núbia Inferior desde Schellal até Wadi Halfa e boa parte do deserto de Atmur, que obedece ao governador de Esneh, no Alto Egipto, as possessões de S. A. o Quedive no vicariato estão divididas em catorze muderias ou vastas províncias governadas cada uma por um mudir, que sempre é um paxá ou um bei e equipadas com mais de trinta mil soldados egípcios e indígenas, armados de fuzis e artilharia de campanha. Estas catorze províncias encontram-se reunidas sob a jurisdição de três hokondares, ou governadores gerais, dotados de grandes poderes e que residem em Taka, em Cartum e em Gondokoro.


[3598]
Sua excelência o paxá Munziger, católico suíço e actual hokondar ou governador-geral do departamento oriental, ou do mar Vermelho, que compreende as províncias de Taka, Suakin, Cadaref e Ghalabat, no meu vicariato e também a de Massaua, no vicariato da Abissínia, depende do vice-rei do Egipto.


[3599]
Sua excelência Ismail Paxá Ayub, turco de origem e temível muçulmano (ainda que muito cortês e generoso comigo) é o hokondar ou governador-geral das províncias de Cartum, Sennar, Fazoglo, Berber, Dôngola, Cordofão, Fashoda (a vasta tribo dos Schelluk na margem esquerda do Nilo Branco) e Schiaka, em Bahr-el-Ghazal, no 9o de lat. N.


[3600]
Sua Excelência o coronel Gordon, inglês anglicano, que domou os rebeldes da China e é um distinto cavalheiro, é o governador-geral do Nilo Branco e do equador, tem sob a sua jurisdição as províncias de Gondokoro e de Fatico, e recebeu do quedive o encargo de implantar o Governo egípcio nas férteis e povoadíssimas terras situadas em redor das nascentes do Nilo.


[3601]
A acção dos primeiros missionários desde a erecção do vicariato em 1846 até 1861, dos quais eu mesmo fazia parte, desenvolveu-se na parte oriental do vicariato, onde se fundaram estas quatro estações: Schellal, no trópico do Câncer; Cartum, entre os 15o e os 16o; Santa Cruz, entre os 6o e 7o, e Gondokoro, entre os 4o e 5o (sempre de lat. norte), no Nilo Branco.

De 1861 a 1872, sob a direcção franciscana, abandonaram-se todas as referidas estações, com excepção de Cartum.

A obra do Instituto das Missões da Nigrícia, de Verona, nos dois anos da sua administração estendeu a acção católica ao Centro do vicariato, fundando a missão do Cordofão e levando a cabo uma eficaz exploração entre os Nuba.


[3602]
O clima de Cartum já não é letal como nos tempos passados, em que foram vítimas do mesmo mais de trinta missionários e eu mesmo estive repetidas vezes à beira da morte. Pelas plantações e por outras causas melhorou a atmosfera desta capital, destinada a converter-se num grande centro de poder e de comércio, logo que esteja construída a via férrea do Sudão, a qual eliminará a barreira do grande deserto, que agora torna tão penosa e difícil a comunicação entre a África Central e o Egipto. Hoje, em Cartum, pode-se viver quase como no Cairo. Por outro lado, o clima do Cordofão, como o das terras dos Nuba e o das nascentes do Nilo, no equador – onde não tardaremos a estabelecer a nossa santa religião – é do mais saudável que existe. Parece que Deus, na sua misericórdia, tirou o maior obstáculo que impedia a redenção destes povos: o clima mortífero. Este facto, unido à circunstância não menos importante de que agora se vão abrindo na África Central as vias de comunicação, é um novo indício indubitável de que soou a hora da redenção da Nigrícia.


[3603]
Há, contudo, um gravíssimo inconveniente que afecta de forma viva e directa o apostolado católico e é a existência em pleno vigor da mais cruel escravatura, em que caem todos os anos centenas de milhares de vítimas; é o horrível tráfico de negros, que levam a cabo em pleno dia inúmeros tratantes, apoiados pelo Governo egípcio, e que até os seus próprios agentes e governadores realizam. Mas Deus suscitará meios para a eliminar em breve e para isso contribuirá grandemente a força e o poder moral da nossa santa missão, que não recuará perante nenhum obstáculo. É a verdadeira missão de Jesus Cristo, que veio ao mundo libertar os escravos, dar a todos a liberdade e fazer de nós todos seus irmãos e filhos de um mesmo Pai que está nos céus. A luta gloriosa da missão contra a horrível chaga da escravidão e o comércio de escravos facilitará poderosamente a conquista da África Central para a Igreja Católica.


[3604]
Após estas noções gerais, que julguei oportuno expor a Vossa Eminência, passo a assinalar brevemente o estado actual deste tão importante vicariato. A dizer a verdade, os meios utilizados para produzir os resultados obtidos são muito fracos; o que nos serve de grande satisfação, porque tal é a regra ordinária da Providência divina, que nos indica que só Ele é o autor de todo o bem.


[3605]
O maior fruto que o apostolado católico pode alcançar eficazmente no vicariato é a conversão dos negros pertencentes às tribos idólatras e feiticistas do interior. Porém, também podemos ganhar almas em terras muçulmanas, onde actualmente estamos estabelecidos, nas quais mais de quatro quintos dos habitantes são escravos idólatras que gemem sob o jugo das famílias maometanas.


[3606]
Para conseguir organizar as obras católicas nas regiões idólatras do interior a fim de converter aquelas tribos à fé, importa muitíssimo que os estabelecimentos nelas erguidos tenham um grande apoio e estejam submetidos, por assim dizer, às casas-mães; ou seja, às missões fundamentais estabelecidas em território seguro, sob um governo regular, onde haja também consulados de potências europeias que protejam a sua existência e a sua estabilidade.

Tais são precisamente as duas missões fundamentais e centrais estabelecidas nas capitais Cartum e El-Obeid, cidades muito importantes, a primeira com 48.000 habitantes e a segunda com 100 000, que se prestam maravilhosamente para este fim.


[3607]
Cartum é o centro de comunicação e a base de operações para levar gradualmente a fé às grandes tribos e reinos que constituem a parte oriental do vicariato até para lá das nascentes do Nilo Branco, nos 10o de latitude meridional.

El-Obeid é o centro de comunicação e a base de operações para plantar pouco a pouco o estandarte da cruz nas imensas tribos, reinos e impérios que formam as partes central e ocidental do vicariato.


[3608]
Este é o motivo pelo qual desde que tomei posse da missão na qualidade de pró-vigário apostólico pus um cuidado especial em fortalecer e consolidar as Missões principais e fundamentais de Cartum e de El-Obeid, como várias vezes indiquei nas minhas cartas à S. C. Com esta intenção, adiei, por agora, a grande tarefa de ir à caça de almas, considerando mais útil estabelecer primeiro, convenientemente, as obras de apostolado. Pois bem, eis o que existe e o que penso fazer nestes dois estabelecimentos primários.


[3609]
Em Cartum, o departamento masculino conta com a mais grandiosa e perfeita construção (em pedra) que há em todo o Sudão, de 127 metros de comprimento, e, portanto, mais longa que o Palácio da Propaganda, com um vasto jardim anexo que se estende até às margens do Nilo Azul: é uma obra do meu predecessor, o pró-vigário Knoblecher, que gastou nela quase um milhão de francos. Trata-se da residência do pró-vigário apostólico e dos missionários. É dotada de locais adequados a escolas de artes e ofícios, com armazéns para guardar provisões e os objectos necessários para todas as estações do vicariato apostólico. Dispõe de uma elegante capela, que serve de paróquia para os católicos desta capital.


[3610]
Ao lado deste colossal edifício comecei, a partir de Janeiro do presente ano, a construção com tijolo vermelho de um estabelecimento absolutamente igual ao grandioso edifício masculino, para as obras femininas, que deve ficar, à excepção das arcadas, idêntico ao anterior em dimensões, desenho e capacidade. Presentemente, as obras estão num quarto do total, porque todos os dias trabalham nelas cerca de cinquenta operários; e no próximo Julho, nas fracções já construídas, instalar-se-ão as irmãs, o jardim de infância e, em parte, a escola. Todo o estabelecimento estará pronto, espero, antes de um ano; para isso, além dos recursos das sociedades benfeitoras da Europa, ajudar-me-ão as esmolas recebidas de benfeitores especiais, entre os quais se destacam suas majestades o imperador Fernando I e a imperatriz Maria Ana Pia de Áustria, irmã da venerável rainha Maria Cristina, de Nápoles, e seu sereníssimo sobrinho, o duque de Módena.


[3611]
Uma bela e espaçosa igreja, circundada de árvores, frente a um amplo largo aberto, rodeado também de árvores, separará os dois grandes estabelecimentos dos missionários e das irmãs. Para esta obra já fiz alguns preparativos, contratei e paguei em parte um milhão de tijolos vermelhos, contando para o efeito com firmes promessas de importantes ajudas. Espero que este complexo esteja pronto dentro de quatro anos. Para a extracção e preparação das pedras, preciso algum artesão, que farei vir da Europa. Deste modo, dentro de não muito tempo, além da igreja, necessária quando estiver aberto o caminho de ferro do Sudão, teremos dois enormes estabelecimentos, masculino e feminino (coisa muito útil nestes países tão materialistas para manter o prestígio da missão), dotados de um vasto quintal-jardim que produzirá grande parte do que consumirmos e providos dos respectivos locais de ensino, jardins-de-infância e enfermarias de ambos os sexos, e as respectivas dependências para os escravos.


[3612]
O que estou a fazer em Cartum realiza-se em parte em El-Obeid, mas em proporções mais modestas e menos dispendiosas, por não haver aí cal nem pedra.

Em El-Obeid temos uma casa bastante espaçosa para os missionários, com locais para escola e aulas de arte e ofícios e com um pouco de jardim. Há lá uma capela que serve de paróquia e um cómodo conjunto separado de locais, onde abri um colégio de negros, onde se seleccionarão aqueles que, distinguindo-se por sua piedade e inteligência, forem chamados à carreira eclesiástica. Se bem que este colégio se encontre ainda no princípio, funciona muito bem e promete muito. Já há nele quatro jovens, de que espero fazer bons missionários. Temos também, anexo, um local destinado a recolher os doentes expulsos; quer dizer, os negros que, estando doentes, são lançados fora de casa pelos amos. Até agora só morreram três destes e já tinham recebido a preparação e o baptismo.


[3613]
Separado pela alameda imperial, o Derb-el-Sultanie, está o instituto das irmãs, com creche e dependências para as escravas e capela privada. Este estabelecimento, que tem capacidade para setenta pessoas, será restaurado e ampliado depois do karif, isto é, quando terminarem as chuvas no próximo Outubro, e será rodeado de um grosso muro de areia vermelha (porque agora cerca-o uma sebe de espinheiros). Também em El-Obeid estou a preparar madeira e areia para a construção de uma casa mais ampla. Espero que tudo isso se encontre pronto em 1875.


[3614]
Tanto em Cartum como em El-Obeid não abri ainda as respectivas escolas públicas masculinas, apesar das petições de muitos, até de entre católicos: até agora não julguei prudente aceder a isso pela falta de suficiente pessoal docente. A escola feminina de Cartum está aberta; porém, tive de limitar a admissão de alunas por não ter ainda prontos os locais. Também em El-Obeid se abriu uma escola pública por parte das irmãs; mas também neste caso ordenei que se proceda com lentidão, por ser ainda escasso o número das irmãs e das mestras negras, que prefiro, por agora, no ensino do catecismo às dezassete catecúmenas que agora há aí. É preciso medir cada passo, pois, uma vez dado, já se não pode retroceder.


[3615]
Cartum tem 74 pessoas que vivem completamente a expensas da missão, incluídos os missionários e as irmãs. Em El-Obeid há cinquenta e oito.

Como a obra que tenho entre as mãos é toda de Deus, é com Deus especialmente com quem há que tratar todos os assuntos, grandes ou pequenos da missão; por isso é da máxima importância que entre os seus membros abundem sobremaneira a piedade e o espírito de oração.


[3616]
Graças ao Sacratíssimo Coração de Jesus reina verdadeiramente este Espírito do Senhor. Todas as manhãs, logo que nos levantamos às quatro e meia e às cinco no Inverno, os missionários fazem em comum três quartos de hora de meditação, para além das orações ordinárias da manhã; e à noite reúnem-se igualmente na capela para rezar juntos o santo terço, fazer os exames, etc. O ofício divino, a leitura espiritual, a visita do Santíssimo Sacramento, etc. cada um os faz em particular. Diga-se o mesmo dos leigos, das irmãs e das mestras negras de ambas as missões. Às quarta-feiras de manhã há uma hora de adoração ao Santíssimo Sacramento, que termina, exposto o mesmo, com a benção pro conversione Nigritiae, por mim instituída em 1868 nas nossas casas do Cairo com o devoto exercício da Guarda de Honra do Sagrado Coração.


[3617]
Todas as sextas-feiras, pela manhã, na igreja, os membros de ambos os institutos rezam em comum o terço do Sag.do Coração e às quatro da tarde fazem também aí a via crucis. Além disso, todas as primeiras sextas-feiras do mês há retiro e prática da adoração ao Ss.mo Sacramento, com o mesmo exposto, em honra do Sagdo. Coração de Jesus, onde se renova a consagração do vicariato ao Sag.do Coração de Jesus, padroeiro da Nigrícia. Também temos feito sempre publicamente na igreja o mês de Março em honra de S. José e o de Maio em honra da Virgem Imaculada, Rainha da Nigrícia, com sermão diário e bênção, com o Ss.mo exposto, para além de todas as novenas e tríduos na preparação para as principais festas de Nosso Senhor, da Virgem Maria e dos santos protectores do vicariato.

Estas práticas ordinárias de piedade realizadas em comum mantém muito bem o espírito dos membros da missão, fortalecendo-os e tornando-os capazes de suportar com ânimo alegre os grandes sofrimentos, os incómodos, as difíceis e perigosas viagens e as cruzes inevitáveis em tão árduo e laborioso apostolado.


[3618]
Os baptismos de adultos infiéis até 15 de Maio passado foram 73, além da firme conversão de um rico comerciante albanês, que, diante de mim, abjurou do cisma grego, tornando-se um benfeitor da missão; e de outro rico comerciante grego cismático de El-Obeid, que abjurou com a esposa perante o P.e Carcereri. Porém, como disse, estas conversões são insignificantes, porque ainda não chegou o tempo de abrir fogo com os canhões e metralhadoras que agora se estão a preparar nas missões do vicariato.

O pessoal masculino e feminino é ainda muito escasso; mas tenho razões para esperar que dentro de pouco recebamos poderosos reforços.


[3619]
Estabelecimentos masculinos



1.o P.e Daniel Comboni, nascido em Limone, diocese de Bréscia, a 15 de Março de 1831, membro do Insto. das Missões para a Nigrícia de Verona, pró-vigário apostólico.

2.o P.e Estanislau Carcereri, veronês, dos MM. dos II, de 34 anos, vigário-geral.

3.º P.e Pascoal Fiore, cónego, membro do Instituto de Verona, de 33 anos, superior e pároco da missão de Cartum, confessor ordinário das irmãs.

4.o P.e Salvador Mauro, de Barletta, membro do Instituto de Verona, de 39 anos, superior e pároco da missão de El-Obeid e confessor extraordinário das irmãs em El-Obeid.

5.o P.e João Losi, de Placência, membro do insto. de Verona, de 35 anos, confessor ordinário das irmãs em El-Obeid.

6.o P.e José Franceschini, de 28 anos, dos MM. dos II, chanceler da minha cúria.

7.o P.e Estêvão Vanni, do insto. de Verona, de 39 anos, piedoso e excelente sacerdote missionário.

8.o P.e Vicente Jermolinski, polaco, piedoso e douto missionário, de 29 anos.

9.o P.e José Khuri, de 23 anos, piedoso e bem instruído maronita de Trípoli, da Síria, mestre de língua árabe e aspirante ao estado eclesiástico no estabelecimento de Cartum.


[3620]
Há, além disso, cinco bons e distintos mestres de artes e ofícios, três em Cartum e dois em El-Obeid, que são também exemplares e de conduta inatacável. Entre os dezassete alunos negros há quatro que aspiram ao estado clerical. Do insto. do Cairo, dirigido pelo meu excelente e mui piedoso missionário aluno do insto. de Verona, P.e Bartolomeu Rolleri, e do pessoal que há aí, informá-lo-á melhor o P.e Carcereri.


[3621]
Quanto ao insto. feminino, dirigido pelas Irmãs de S. José da Aparição, há quatro irmãs em Cartum e três em El-Obeid, assistidas por uma prima minha – que é já uma religiosa experimentada, com a qual abri a casa feminina no Cordofão por falta de irmãs – e por nove boas mestras negras. Para as necessidades das duas missões principais precisar-se-iam, pelo menos, vinte e quatro Irmãs de S. José, as quais, em minha opinião, são umas missionárias excelentes e de suma utilidade para as missões estrangeiras; mas é uma congregação que não tem muitos membros. Sabendo eu isto desde há uns anos, fundei em Verona o instituto das Pias Madres da Nigrícia, e dotei-o de alguns rendimentos, com o fim de preparar missionárias para a África Central. Elas têm agora uma escola e um pensionato, sobretudo para filhas de grandes famílias decaídas e há aí bastantes noviças a preparar-se para o apostolado da Nigrícia.


[3622]
Penso arranjar em Berber, dependente dos camilianos, a primeira casa africana das minhas irmãs de Verona, que dão muitas esperanças. Na África Central há lugar para todos. Estou contente com as Irmãs de S. José e gostaria que a madre geral me desse muitas delas, especialmente árabes que, com menos exigências, são de grande utilidade.


[3623]
Em El-Obeid, além de ter em propriedade absoluta dois estabelecimentos isentos de impostos, adquiri dois armazéns que rendem mil francos anualmente.

Em Cartum, a missão é proprietária dos estabelecimentos e também possui um amplo e fértil quintal, no qual fiz grandes despesas para o melhorar. Mas dentro de dois anos renderá dois mil escudos anuais limpos, ou seja, mais de dez mil francos.


[3624]
As receitas obtidas desde 26 de Maio de 1872, época da minha nomeação como pró-vigário, até 26 de Maio de 1874, são 202 521 (duzentos e dois mil quinhentos e vinte e um) francos em dinheiro efectivo e mais de dez mil francos em géneros e objectos. Enquanto aqui em Cartum disponho de um pequeno fundo para continuar a construção do estabelecimento feminino, graças à Providência e ao meu ecónomo S. José, nem eu nem a missão temos um único cêntimo de dívida nem no Egipto nem na Europa, à excepção de três mil francos que devo à madre geral de S. José, Sóror Emilie Julien, por obrigação voluntária e que pagarei quando receber o contributo da Propagação da Fé, correspondente ao exercício de 1873.


[3625]
As viagens entre o Egipto e a África Central, além de serem custosíssimas, são tremendamente fadigosas. Na primeira expedição, de trinta e uma pessoas, guiada por mim nos inícios de 1873 e que me custou 22 000 francos, incluídas algumas provisões, demorei noventa e nove dias para ir do Cairo até Cartum. P.e Losi, que veio com quatro irmãs e três irmãos leigos, empregou só sessenta e oito dias; mas o P.e Estanislau, com outro missionário, demorou de Cartum ao Cairo setenta e cinco dias e a actual superiora, que chegou faz agora seis meses, empregou oitenta e dois. De Cartum a El-Obeid são doze dias; de Cartum a Berber, oito dias; de Berber a Suakin, treze dias; de Cartum a Gondokoro, dois meses, etc. Além disso, até que ponto são fadigosas as viagens para o Sudão di-lo-á a V. Em.a o ilustre senhor Trémaux, membro de várias academias de ciências e do Instituto de França, o qual, vindo do Egipto a Cartum a expensas de S. A. o vice-rei do Egipto e, por isso, com todas as comodidades imagináveis, que um missionário nunca pode ter, deixou escrito na sua esplêndida obra Egipte et Ethiopie, segunda edição, págs. 357-358, estas palavras verdadeiras:


[3626]
«A viagem de barco, sobretudo por via marítima, não é nada em comparação com a viagem por terra nestas regiões (entre o Egipto e Cartum). Com efeito, por mar, por ex., fazem-se cem léguas por dia, jogando às cartas no vapor; mas, pelo deserto, a camelo, não se fazem mais que seis ou sete léguas no mesmo espaço de tempo, suportando um inaudito calor e toda a sorte de privações. Deste ponto de vista, o Sudão está dez vezes mais longe que a China, dez vezes mais longe que os antípodas» (2).


[3627]
Quanto à missão entre os Nuba, o P.e Carcereri terá exposto tudo a V. Em.a com precisão. Creio que na missão dos Nuba e noutras da mesma espécie será muito conveniente adoptar mais ou menos o sistema das famosas reduções do Paraguai, ideadas pelos valorosos padres da Companhia de Jesus, que fizeram daquele país uma escola de perfeição cristã, modelo das missões católicas. O chefe dos Nuba, o cojur Kakum, continua a mandar-me embaixadas e ultimamente enviou-me como oferta uma quantidade de mel maravilhoso. Depois do karif começarei a mandar para Gebel Nuba os materiais para erguer o estabelecimento missionário.


[3628]
Resta agora o importantíssimo assunto da escravidão e do comércio de negros, deprimente espectáculo de que é teatro o vicariato da África Central.

Espero que o P.e Carcereri lhe tenha feito uma completa exposição sobre esse assunto, sendo essa a razão principal pela qual o enviei a Roma e a Viena. Pela minha parte, far-lhe-ei saber epistolarmente, pouco a pouco, as fases de tão grande desgraça da humanidade. Espero que o divino Coração de Jesus, a quem consagrei solenemente o vicariato, elimine, com a sua infinita caridade, esta terrível chaga da infeliz Nigrícia.


[3629]
Além do mais, dispus tudo para a correcta administração de todas as paróquias. Mediante uma circular ordenei expressamente a adopção do catecismo de mons. Valerga como texto original para o vicariato, tendo-o encontrado muito adequado para estes países.


[3630]
Portanto aqui tem um breve quadro do estado da missão da África Central. Nós esperamos todas as bênçãos do Sacratíssimo Coração de Jesus, especialmente depois de o Santo Padre se ter dignado enriquecer com trezentos anos de indulgência uma oração que compus em latim pro conversione chamitarum Africae Centralis ad Ecclesiam Catholicam e conceder Indulgência Plenária a quem a rezar um mês.

Suplico de V. Em.a a maior solicitude para com a infeliz Nigrícia e um acolhimento benévolo às expressões da minha mais profunda reverência e veneração, com as quais lhe beijo a sagrada púrpura subscrevendo-me nos SS. CC. de J. e M.



De V. Em.a Rev.ma

Hum.mo, devot.mo filho

P.e Daniel Comboni

Pró-oigv. ap da África Central



(1) Dr. Inácio Knoblecher Apostolischer Provikar der Katholischen Mission in Central-Afrika, Eine Lebensskizze von Dr. J. C. Mitterrutzner, pág.10. Brixen 1869.

(2) Trémaux, Egipte et Ethiopie, déuxième edition. Paris. Librairie de L. Hachette e Cie., Boulevard St. Germain 77.






564
Eustáquio e Hermínia Comboni
0
Cartum
2. 6.1874

N.o 564 (535) - A EUSTÁQUIO E HERMÍNIA COMBONI

AFC

J. M. J.

Cartum, na África Central

2 de Junho de 1874

Meus caríssimos primos Eustáquio e Hermínia,


 

[3631]
Teria esperado qualquer coisa: desgraças de doenças, reveses da sorte, tribulações de todo o género, mas que um jovem cheio de energia e de vida, na flor dos anos e da esperança, como Emílio, fosse morrer tão cedo, deixando inconsoláveis uns ternos e incomparáveis pais como vós, e a uma fiel e angelical esposa como a nossa boa Teresita, nunca o teria imaginado! Eu não estava preparado para este choque. Era muito, demasiado, o que queria ao Emílio, para pensar numa desgraça; e mais tratando-se do melhor, já que era ele o que vivia com seus pais e constituía a sua alegria e conforto. Participo da vossa imensa pena em toda a sua dimensão e identifico-me convosco, que, quanto ao amor paterno e materno não ficais atrás de ninguém no mundo. Por isso sinto em mim toda a vossa amargura e compreendo que profunda desolação vos deve ter causado a perda do vosso bom Emílio.


[3632]
Agora, que fazer? Há que ter coragem: considerar a vida e o mundo como o que são realmente e persuadirmo-nos de que somos de Deus, que d’Ele viemos e para Ele teremos de voltar. Numa palavra, se desejais obter verdadeiro conforto, este só se encontra na religião; e como, graças a Deus, sempre vivestes e praticastes a vossa santa religião, espero que ela vos sirva de lenitivo; um lenitivo real, que conforta e alivia o espírito cristão e católico e o torna capaz, à semelhança de Jesus Cristo, de suportar todas as penas e adversidades desta vida que não é senão o meio para alcançar a eternidade. Embora sinta toda a dor pela perda do Emílio, conforta-me pensar que era um bom jovem, de vida boa e bom comportamento moral e que praticava a religião, que amava o próximo e respeitava de facto e de verdade os seus pais, que sempre encontraram nele puro amor e submissão. Quereria que todos os jovens de hoje em dia fossem como o Emílio: a sociedade moderna seria mais feliz.


[3633]
Em suma, o Emílio era bom filho, excelente marido, bom cristão e bom cidadão e tenho a mais sólida e firme esperança de que a sua alma se salvou. Estou certo disso. Portanto, com o vosso olhar iluminado pela fé, vede nele o vosso conforto, um grande alívio para o vosso ânimo abatido; e pensai que estamos unidos a ele pelo vínculo da fé e do amor e que depois de uns poucos anos de vida iremos juntos com ele e com Deus viver eternamente. Ânimo pois! Rezai por ele, confortai-vos na sua honestidade e boa vida, e pensai em Deus e na Virgem Maria, que vos consolarão grandemente.


[3634]
No primeiro dia do rito semiduplo, teremos aqui em Cartum, na minha catedral, um ofício solene com a missa solene; celebrá-lo-ei eu, e farei celebrar cem missas. Esta manhã, apenas dei a notícia à comunidade feminina, as minhas irmãs começaram a chorar. Vão rezar e fazer muitas comunhões pelo Emílio, que sem dúvida notará os salutares efeitos.

Assim, pois, armai-vos de coragem, levantai o vosso ânimo, levantai o olhar e aprendei com a perda do Emílio a assegurar-vos como ele o porro unum est necessarium, isto é, a assegurar-vos a salvação da vossa alma, que vale muito mais que os insignificantes e caducos bens desta vida.

Lembrai-vos, meus caríssimos Eustáquio e Hermínia (sabeis o afecto que sempre vos tive aos dois), do vosso sempre afectuosíssimo primo



P.e Daniel Comboni

Pró-vig. ap. da A. Central






565
Cón. Cristóvão Milone
0
Cartum
6. 6.1874
N.o 565 (536) - AO CÓN. CRISTÓVÃO MILÃO

«La Libertà Cattolica» 160 (1874), pp.637-638



Cartum (África Central), 6 de Junho de 1874



Meu caro amigo, director da «Libertà Cattolica»:



[3635]
Prometi escrever-lhe o mais amiúde que me fosse possível. Mas tenho-lhe escrito pouco, embora espere poder fazê-lo mais no futuro. Tenho muitas coisas que lhe contar, em particular sobre as bênçãos que Deus derrama sobre o meu vicariato da África Central, que é o maior e o mais povoado do universo. Desde que com a aprovação do Sumo Pontífice e da Santa Sé Apostólica consagrei solenemente o vicariato ao Sacratíssimo Coração de Jesus, parece que se vão aplanando muitos obstáculos nesta terra abrasada, onde desde há mais de quarenta séculos pesa a terrível maldição de Cam. Tenho muito que lhe contar, repito: mas os numerosos e pesados afazeres do meu mui complexo cargo e a terrível queda do camelo no deserto entre o Cordofão e Cartum impediram-me de escrever até agora.


[3636]
Começo por lhe pedir que corrija um erro involuntário aparecido na sua esplêndida publicação La Libertà Cattolica, no dia 1 de Março, no número 96 da Informação Religiosa, em que se lhe escapou da pluma que o Santo Padre me tinha concedido 300 dias de indulgência a uma oração que eu compus pela conversão da Nigrícia. Não são 300 dias, mas trezentos anos que o Santo Padre concedeu à minha oração cada vez que se reze. Por isso envio-lhe impresso o precioso decreto, tal como me foi expedido pela S. C. da Propaganda. Se quero que se rectifique este erro, é para que quando os piedosos e devotos leitores da sua magnífica publicação e sobretudo os membros do glorioso clero napolitano leiam tão ampla e generosa indulgência, compreendendo o grande interesse que a Sé Apostólica e o nosso adorado Santo Padre Pio IX têm pela minha árdua e laboriosa missão, a rezem todos os dias e a façam rezar aos outros; assim, pela poderosa razão do petite et accipietis, a Nigrícia será convertida.


[3637]
Das suas dioceses napolitanas continuam a acorrer a alistar-se não poucos na minha sagrada milícia, vindo compartilhar connosco as fadigas e suores do apostolado africano. Envio-lhe também a minha pastoral sobre o tráfico de negros, que ainda aflige a minha missão.


[3638]
A missão de Cartum está dotado de dois importantes institutos, o dos missionários e o das Irmãs de S. José, com as respectivas escolas e jardins de infância.

Igualmente a nova missão do Cordofão dispõe de um colégio de negros, alguns dos quais se orientam para o estado eclesiástico e de um Instituto das Irmãs de S. José, com dependências para alojamento das escravas, colégio de negras e creche, além de uma enfermaria para os escravos lançados fora. Quando um escravo está doente e se prevê que já não vai ser suficientemente útil, expulsam-no, muitas vezes para pasto das hienas e dos cães.


[3639]
Depois das chuvas irei fundar a missão entre os povos Nuba, a sudoeste do Cordofão, onde jamais os europeus puseram os pés. O meu valoroso vigário-geral, o P.e Estanislau Carcereri (que se encontra na Europa e por ordem minha irá fazer-lhe uma visita aí a Nápoles) esteve, de acordo com as minhas ordens, a fazer explorações prévias naquelas regiões e espero que, dentro de pouco, todo este povo idólatra inclinará a fronte perante a cruz de Cristo e se converterá em seu fervoroso adorador. Espero também, dentro de dois anos, poder arvorar o estandarte da cruz entre os povos que habitam as nascentes (até ontem misteriosas) do Nilo. Sua Alteza o quedive do Egipto enviou como governador-geral do Nilo Branco e do Equador S. E. o coronel Gordon, inglês, já glorioso por ter reprimido os rebeldes da China e da Mongólia. É protestante, mas um verdadeiro cavalheiro, um nobilíssimo senhor, um valoroso soldado e um homem sensato, que tem em grande estima os bispos e prelados católicos, porque pôde admirar a sua virtude na China e na Mongólia. Irá favorecer muito o nosso apostolado. Convidou-me a acompanhá-lo ao equador, mas agora tenho ainda muita falta de missionários. Logo que me seja possível, certamente que erigirei uma missão também lá.


[3640]
Os seus napolitanos dão muitas satisfações. P.e Salvador Mauro, a quem nomeei superior e pároco no Cordofão, exerce com muita diligência e piedade o seu difícil papel. Tira toda a sua força da fervorosa devoção que sente por S. Judas Tadeu. Ao nomeá-lo superior e pároco daquela longínqua missão, escrevi-lhe a dizer que o verdadeiro superior por mim escolhido era S. Judas Tadeu e que ele não era mais que vice-superior e pro-curador do santo. Bastou isto para reavivar o seu ânimo e, como lhe disse, dá-me muitas satisfações.


[3641]
O cónego P.e Pascoal Fiore, de Corato, é superior e pároco de Cartum. Parece nascido para este cargo e a um zelo proeminente une uma rara e fina prudência. Que o Senhor me mande muitos destes missionários.


[3642]
Adeus, meu caro amigo e solícito dessa Libertà Cattolica, que com atraso por causa da distância me chega sempre agradabilíssima e confortadora. Aqui não tenho nem vontade nem tempo para atender à política que aflige a sua Europa. Aqui encontro-me num mundo novo, que espera a sua civilização por meio da fé. Sem dúvida é um motivo de honra para as dioceses napolitanas terem a trabalhar aqui, nestes terrenos difíceis, alguns dos seus representantes. Estimule o trabalho de outros, que aqui a messe é incomensurável.



Seu totalmente devoto amigo

P.e Daniel Comboni

Pró-vig. ap. da Af. Central






566
Ir. Verónica Pettinati
0
Cartum
1. 7.1874
N.o 566 (537) - À IR. VERÓNICA PETTINATI

AP SC Afr. C., v. 8, ff. 267-268



Cartum, 1 de Julho de 1874



Minha excelente Ir. Verónica,



[3643]
Recebo a sua carta de 30 de Maio e com dor tomo conhecimento de que foi comunicado às irmãs destinadas a África Central que devem ir para o hospital. Tinham-me dito anteriormente que o P.e Estanislau e a madre geral tinham acordado isso. Mas já escrevi a P.e Bartolo há tempos a comunicar a minha desaprovação desse projecto.


[3644]
As duas pequenas casas do Cairo fundei-as eu e só eu as devo suprimir. Mas nunca as suprimirei, excepto se for obrigado a obedecer a uma força superior. P.e Bartolo faz o que lhe dizem de Roma; e embora a irmã esteja obrigada a obedecer a P.e Bartolo como meu representante no Egipto, na presente ocasião dou-lhe esta ordem: «Não saia do seu sítio sem uma ordem minha concreta ou sem uma ordem da S. C. da Propaganda que lhe seja manifestada directamente ou por meio de P.e Bartolo, da madre geral ou do delegado apostólico. Se qualquer um outro a mandar ir para o hospital, responda que se porventura a destinam à casa do hospital ou se ela serve a África Central; e, nesta hipótese, responda humildemente e com toda a submissão que é conveniente esperar as minhas disposições.


[3645]
Ainda não consigo convencer-me de que se tenha tomado tão grave decisão sem me consultarem. Por isso, espero ainda uma vinda do correio e se não houver mudança no disposto, enviarei um telegrama a P.e Bartolo, ordenando-lhe que suspenda tudo até novas ordens.

A madre geral confiou-me as irmãs para servirem a África Central e para eu as conduzir à missão, não para ficarem num hospital; para mim seria agravo e não o admito. Tenho inúmeras razões para não aceitar esta decisão que o P.e Estanislau terá tomado com bom fim e com santas intenções, que, contudo, não me cabe na cabeça. Repito: permaneça no seu lugar. Recomendando-lhe suma prudência, dou-lhe a minha bênção. Saúde a todas da minha parte e considere-me



Seu af.mo

P.e Daniel Comboni

Pró-vig. ap.






567
M. Eufrasia Maraval
0
Cartum
3. 7.1874

N.o 567 (538) - À MADRE EUFRÁSIA MARAVAL

ASSGM, Afrique Central Dossier

J. M. J.

Cartum, 3 de Julho de 1874

Minha rev.da madre assistente,


 

[3646]
Perdoe-me se lhe dirijo estas duas linhas. É que não tenho coragem de escrever à madre geral, a qual não se mostra à altura da sua posição em relação ao meu vicariato, que hoje é o mais importante do mundo. No mês de Abril, o P.e Estanislau escrevia-me de Roma: «Acertei com a madre geral todos os artigos do acordo relativo às irmãs: quantas estão no Cairo ou as que vão da Europa para o Cairo, para depois se transferirem para a África Central, irão para o hospital durante todo o tempo em que estiverem no Cairo e o senhor pagará um tanto por dia por cada irmã, etc.». Eu não quis acreditar que isso fosse a sério e abstive-me de responder. Ao cabo de uma semana, chega-me outra carta do P.e Estanislau, na qual me diz: «Sobre o acordo, combinei com a Propaganda e com a madre geral que nos primeiros de Julho todas as irmãs passem para o hospital, etc.»


[3647]
Tão-pouco fiz caso desta vez, porque a Propaganda não se imiscui nestes assuntos e deixa tudo aos responsáveis das missões; mas escrevi ao superior do Cairo, P.e Bartolo, dizendo-lhe que não aceito esta decisão e que, se a Propaganda ordena a ida das irmãs para o hospital, apresentarei umas alegações tais que terá de atender a meus rogos de deixar as minhas irmãs na minha casa do Cairo. Já mons. o delegado me tinha dito muitas vezes no Cairo que, para evitar enormes gastos, eu devia instalar as irmãs em dois quartos do Bom Pastor e Scubra, a dois francos ao dia, respondendo-lhe eu que as minhas irmãs não eram penitentes, etc. Parece que foi o mesmo delegado o que teve – é possível – a ideia do hospital.


[3648]
Depois, passado algum tempo, o P.e Estanislau escreve-me em duas cartas: «O acordo com a madre geral foi realizado e estipulado com pleno consenso. As irmãs do Cairo passarão para o hospital em princípios de Julho.» Entretanto a Propaganda não escreveu nada sobre o assunto. Portanto o assunto depende da madre geral e do P.e Estanislau, a quem dei instruções claras para que me livre dessas dez ou doze negras que não são de nenhuma utilidade ao meu vicariato, mas que deixe intactos os institutos para a aclimatação dos missionários e das irmãs procedentes da Europa, até vir outro delegado que permita fazer no Egipto o bem aos negros, porque mons. Ciurcia e os franciscanos nos põem entraves e proibiram-nos de nos ocuparmos dos negros no Egipto.


[3649]
Domingo passado, P.e Bartolo escreveu-me: «Vendo que a madre geral já não escreve, nem dá as ordens oportunas para que as irmãs passem para o hospital (coisa que não é do meu agrado), eu, após as ordens e convénios entre a Propaganda, a madre geral e o P.e Estanislau, manifestei a Sóror Verónica as decisões de Roma e que em princípios de Julho devem mudar-se para o hospital, etc.» Eu, minha madre, fiquei petrificado. Depois chega-me uma carta da Ir. Verónica, a anunciar-me com pesar o que P.e Bartolo lhe tinha comunicado.


[3650]
Então o sangue subiu-me à cabeça e enviei um telegrama a P.e Bartolo, ordenando-lhe que não realize a louca determinação (porque penso que a Propaganda não tem nada a ver com este projecto, uma vez que, de contrário, ter-me-ia escrito a dizer que alugasse as minhas irmãs ao hospital, em vez de as preparar para a África Central) de colocar as minhas irmãs no hospital e que espere as minhas ordens.

Depois dirigi-me por carta à Ir. Verónica e ordenei-lhe que não se mova do seu lugar sem que eu o disponha.


[3651]
Depois de tudo isto, rogo-lhe, minha madre, que comunique à madre geral a minha recusa em aceitar esta determinação. E que as Irmãs, destinadas à África Central, devem ir para minha casa e passar aí o tempo de preparação e aclimatação e não no hospital ou no Bom Pastor. Posto que ela me confia a mim as suas irmãs para que trabalhem na minha missão, deve estar plenamente convencida de que posso guardá-las, mantê-las e dirigi-las bem. Graças a Deus, nunca faltou o pão às irmãs que ela deixou a meu cargo.


[3652]
Então, por que razão quer meter no hospital as irmãs que estão destinadas à África Central? Não o permitirei nunca, enquanto tiver uma casa no Cairo; e a casa no Cairo tê-la-ei sempre, seja arrendada, seja própria. Os motivos desta negativa são inúmeros e graves e se o delegado continua a procurar impor-se, espero obter justiça da Propaganda. Tenho razões de sobra para rejeitar a pretensão da Madre Geral de meter no hospital as irmãs (parece-me impossível que ela tenha chegado a isto), etc.

Sirva-se receber, minha boa madre, etc. Que Deus a abençoe.



Seu dev.mo, etc.

P.e Daniel Comboni

Pró-vig. ap. da A. C.



Original francês

Tradução do italiano






568
Domingas Comboni
1
Cartum
7.1874
N.o 568 (539) - A DOMINGAS COMBONI

ACR, sez. fotografie



Cartum, Julho de 1874



Autógrafo numa foto.





569
Convenzione coi Camilliani
0
Cartum
24. 8.1874

N.o 569 (540) - ACORDO COM OS CAMILIANOS

AP SC Afr. C., v. 8, ff 227-230v.

Roma, 24 de Agosto de 1874

ACORDO

ENTRE OS REV.MOS PRÓ-VIGÁRIO APOSTÓLICO

DA ÁFRICA CENTRAL

E O P.e VIGÁRIO-GERAL DOS MINISTROS DOS ENFERMOS



----------


 

[3653]
Com o objectivo de contribuir para a difusão do Evangelho entre os povos infiéis da Nigrícia, foi estipulado entre os rev. mos pró-vigário apostólico da África Central e o P.e vigário-geral dos Ministros dos Enfermos o seguinte acordo para ser submetido à S. Congregação da Propaganda.

I. O rev.mo P.e geral dos Ministros dos Enfermos, seguindo o impulso da sua caridade para com os povos da Nigrícia, que são os mais necessitados e abandonados do universo, põe à disposição da Propaganda para o vicariato apostólico da África Central, além dos padres Carcereri e Franceschini, outros dos seus religiosos que se sintam inclinados ao árduo e laborioso apostolado da Nigrícia e que sejam de provada virtude e tenham já feito a profissão dos quatro votos solenes próprios da ordem de S. Camilo de Lelis, sem que, por isso, deixem de atender ao exercício próprio do seu santo instituto em benefício dos pobres enfermos e agonizantes; de modo que não só se dedicarão com todo o fervor à assistência espiritual daqueles povos, mas também procurarão com o tempo e com empenho criar um pequeno hospital em favor dos mesmos, tanto para a assistência espiritual como para a corporal, por ser tal a finalidade primária do seu instituto.


[3654]
II. O P.e geral apresentará à Propaganda os ditos religiosos, que, depois de serem aprovados mediante o habitual exame e munidos da patente de missionários apostólicos, se transferirão para o seu lugar de destino.


[3655]
III. Todos e cada um destes religiosos, chegados à missão, ficam à disposição do pró-vigário apostólico e para ajuda dos seus missionários, podendo ele utilizá-los como melhor entender na assistência às diversas missões do vicariato e atribuir-lhes, pelo tempo que julgar oportuno, qualquer cargo, desde o mais humilde ao mais elevado, como o de mestre coadjutor, pároco, confessor de freiras, superior local, vigário-geral, etc., etc. Porém, isto entende-se dentro dos limites seguintes e com as seguintes condições: 1.o, que os religiosos destinados a África dependam do P.e geral, do modo e maneira como se efectua em todas as outras religiões que têm missões no estrangeiro; 2.o, que o pró-vigário e seus sucessores possam dispor dos religiosos segundo as necessidades da missão, como se disse, porém, pondo-se de total acordo com o superior e dirigindo-se sempre a ele, nunca simplesmente aos indivíduos; 3.o, finalmente, que isto se entende no relacionado com o exercício externo dos ministérios próprios da missão e não no concernente à disciplina interna e estritamente religiosa, para o que deverão depender exclusivamente do superior.


[3656]
IV. Todos e cada um dos religiosos, durante o tempo que permanecerem distribuídos nas missões do vicariato, estarão sujeitos à obediência ao superior local e à observância do regulamento da casa para a qual tenham sido temporariamente transferidos.

V. O rev.mo P.e geral atribuirá ao conjunto dos seus religiosos destinados à África Central um superior que os represente, o qual terá em especial o encargo de os vigiar, a fim de que todos e cada um conservem o espírito religioso do instituto de S. Camilo de Lelis e desenvolvam os seus benéficos efeitos em prol da conversão da Nigrícia.


[3657]
VI. O rev.mo pró-vigário apostólico proporcionará quanto antes, equipada com o necessário, uma boa casa com capela, farmácia e um pequeno quintal ou jardim na salubre cidade de Berber, na Núbia Superior, onde se poderão reunir os religiosos, quando não estiverem ocupados na assistência das missões centrais, para viverem a vida religiosa, fazerem os exercícios espirituais e fortalecerem o espírito eminentemente sublime do seu santo instituto.


[3658]
VII. A casa de Berber será exclusivamente casa camiliana, promoverá na medida do possível o bem espiritual por meio da escola e da assistência aos enfermos e terá a jurisdição ordinária paroquial não só da cidade e província deste nome, mas também da província de Suakin, no mar Vermelho, e da de Taka, na fronteira nordeste com a Abissínia, como também a jurisdição provisório da província ou antigo reino de Dôngola, até terminar o caminho de ferro do Sudão, ocupando-se dos cristãos de qualquer nação ou rito.


[3659]
VIII. O superior camiliano, quando se encontrar à disposição do Pró-vigário apostólico ou prestando serviço noutra missão do vicariato, far-se-á representar na casa camiliana de Berber por outro religioso da sua confiança e que conte com a aprovação do pró-vigário apostólico para o desempenho da direcção espiritual e temporal da obra camiliana, em tudo e por tudo, segundo as normas estabelecidas nas constituições da própria ordem.


[3660]
IX. A escolha do religioso que vai exercer o cargo de pároco fá-la-á o pró-vigário em entendimento e de acordo com o P.e geral, procurando, se possível, que para esse cargo se nomeie uma pessoa diferente do superior da casa religiosa.


[3661]
X. O pró-vigário apostólico atribuirá anualmente à casa camiliana de Berber a importância de 5000 (cinco mil) francos dos rendimentos que o vicariato recebe das sociedades benfeitoras europeias, a qual se entregará antecipadamente ao superior, numa ou duas entregas, no início de cada ano. Tal atribuição começará a partir do dia em que estejam lá instalados religiosos em número adequado, o que sucederá logo que estejam equipadas a casa e a capela dedicadas a S. Camilo de Lelis. Este contributo anual durará cinco anos, tempo necessário para conhecer na prática a acção camiliana, o número aproximado de religiosos que a ordem pode fornecer, o custo dos víveres e os gastos necessários para a manutenção da casa e das obras camilianas. Transcorridos cinco anos, o pró-vigário apostólico e o superior Camiliano estipularão um novo acordo, que submeterão a Roma, baseado em noções práticas e seguras acerca de tudo, para estabelecer, de maneira definitiva e correcta, o necessário contributo e dotação da casa camiliana, que se efectuará, tanto quanto possível, em bens imóveis e em conformidade com o que se considerar melhor para ambas as partes.


[3662]
XI. Esta atribuição anual destina-se à alimentação e ao vestuário dos religiosos, enquanto viverem em Berber, à visita das localidades dependentes da jurisdição camiliana, à conservação ou melhoramentos na casa de Berber e à manutenção da igreja anexa ou capela, quer dizer, para os gastos do culto. Por outro lado, os religiosos que se encontram a prestar serviço noutras missões do vicariato vivem a expensas da casa à qual estão temporariamente destinados.


[3663]
Todas as viagens dos religiosos camilianos desde a Europa ao Egipto e à estação da ordem em Berber e desta às diversas missões interiores do vicariato, como também as viagens de volta das missões centrais até Berber, ficam a cargo do pró-vigário apostólico.


[3664]
XIII. O superior camiliano, de acordo com pró-vigário apostólico, deverá reunir, uma vez por ano, todos os seus religiosos por um período pelo menos de vinte dias, a fim de verificar se conservam o espírito religioso do Instituto e para reavivar o seu zelo apostólico, por meio de especiais exercícios espirituais e das devotas práticas da ordem.


[3665]
XIV. No caso de o superior camiliano, de acordo com o pró-vigário apostólico, julgar conveniente visitar os seus religiosos nas diversas missões centrais, todos os gastos da viagem e do sustento serão por conta do pró-vigário apostólico.


[3666]
XV. Enquanto viverem na casa camiliana e suas dependências, os religiosos aplicam a santa missa segundo a intenção do seu superior. Em troca, enquanto viverem a prestar assistência nas missões do interior, aplicam-na segundo a intenção do pró-vigário apostólico ou do superior da casa onde se encontram instalados, com excepção de duas missas ao mês, que o religioso pode aplicar por si mesmo, ou como desejar, mais as obrigações de missas impostas especificamente aos camilianos pela sua ordem, segundo os seus estatutos e disposições generalícias.


[3667]
XVI. Todos os anos, dentro do mês de Setembro, o superior da casa camiliana apresentará ao pró-vigário apostólico uma exacta informação sobre o andamento, desenvolvimento e administração da casa e da obra camiliana, que ele, depois, transmitirá à S. C. da Propaganda, acompanhada das suas observações. E outro tanto fará o superior com o rev.mo P.e geral, sobretudo no que diz respeito à actuação e conduta de cada um dos religiosos.


[3668]
Tudo para a maior glória de Deus e para a salvação da infeliz Nigrícia, «in unitate spiritus et vinculo charitatis», sem prejuízo da autoridade da mencionada S. Congregação da Propaganda Fide, nem dos decretos e regras vigentes para o governo das santas missões. Ámen.



† Luís bispo de Verona representante de

P.e Daniel Comboni, pró-vig. ap. da Áfr. central

e Camilo Guardi, vig.o-g. de RR. RR. Ministros dos Enfermos

concordam no que ficou exarado e, assinando, expressam a sua aprovação.



Por parte da S. Congregação da Propaganda, nada obsta para que o presente acordo seja levado à prática.

Roma, sede da Propaganda, aos 24 de Agosto de 1874



Card. Alex. Franchi, pref.






570
Card. Alexandre Franchi
0
Cartum
14. 9.1874

N.o 570 (541) - AO CARDEAL ALEXANDRE FRANCHI

AP SC Afr. C. v. 8, ff. 286-287

N.º 10

Cartum, 14 de Setembro de 1874

Em.º e Rev.mo Príncipe,


 

[3669]
Embora tenha tido a honra de lhe ter escrito há apenas alguns dias, agora, ao receber do P.e Carcereri uma cópia assinada do acordo feito entre a rev.ma madre geral das Irmãs de S. José e entre mim, para regular o desenvolvimento desse venerável instituto no meu vicariato, eu não posso, pelo menos, deixar de expressar a V. Em.a a minha sincera satisfação e assegurar-lhe ao mesmo tempo que para mim será sempre especialíssima preocupação não somente fomentar e manter viva de toda a maneira nestas excelentes filhas africanas de S. José o espírito da sua vocação e dirigi-las sabiamente para o maior bem espiritual desta vasta e trabalhosa missão mas também tomar cuidado para que nunca falte nada do necessário a cada uma delas, ainda que, se a tal se chegasse, me fosse necessário dobrar os gastos e a atribuição estabelecida no acordo. Estas boas irmãs expõem a vida como nós, consagrando-se por completo a si mesmas para glória de Deus e a salvação da infeliz Nigrícia e, portanto, têm direito a todo o amparo que lhes pode oferecer uma paternal solicitude, que não faltará nunca pela nossa parte com a ajuda do Senhor.


[3670]
Tenho grande interesse, como fica expresso no acordo, em que a madre geral designe uma irmã sensata e de valia que a represente neste remotíssimo vicariato e com a qual eu possa tratar sobre os destinos e mudanças e os interesses das irmãs da África Central. Esta irmã deve ser sempre a superiora da casa de Cartum, cidade onde se encontra a sede ordinária do pró-vigário apostólico. Portanto, suplico fervorosamente da exímia bondade de V. Em.a que se digne instar vivamente a referida madre geral, profunda conhecedora das missões estrangeiras, a que escolha para tão importantíssima função uma de entre as melhores das suas irmãs, que esteja verdadeiramente à altura da sua missão e que ma mande quanto antes. Eu estou a preparar-lhe uma residência que será digna do seu cargo.


[3671]
Concluo a presente declarando sinceramente a V. Em.ª Rev.ma a alta estima e veneração que professo a estas irmãs, enquanto missionárias em terras dos infiéis e a preferência que entre elas tenho pelas irmãs árabes no que respeita à minha missão. Sem possuírem essa viril e profunda formação ascética nem toda essa amplíssima instrução que admiramos nas santas filhas das Escolásticas, das Chantal, das Merici e das Damas do Sagrado Coração, contudo estas Irmãs de S. José são muito recomendáveis pela sua simplicidade, zelo incansável e aptidão para todas as tarefas missionárias, bem como pela sua heróica valentia ao enfrentarem toda a espécie de riscos, longas e perigosas viagens e até a morte, para desempenharem bem todo o seu ministério.


[3672]
Além disso, todas (falando das que eu conheci) são de imaculados costumes, inatacáveis quanto à moralidade, até ao ponto de poderem enfrentar a pé firme, com a ajuda de Deus, até os perigos da corrupção humana entre os infiéis, para corrigir os seus excessos, triunfar das almas mais depravadas, derramar entre elas o bom odor de Cristo e fazer respeitar a pureza da moral cristã. Para estes bons efeitos contribuem grandemente a protecção providencial de S. José e o amor e confiança que as irmãs sentem vivamente por este querido santo, seu pai, como também as frequentes práticas de piedade e os contínuos ensinamentos dos missionários e o manter sempre acesa entre elas a chama do altíssimo fim da sua missão, ou seja, a glória de Deus e a salvação das almas, que não se podem obter sem se ocupar seriamente da própria santificação.


[3673]
Na próxima carta falar-lhe-ei da viagem tão desastrosa, recentemente finalizada pelo prussiano dr. Nactigal, que agora está aqui em Cartum, e que, em cinco anos e meio, veio desde Trípoli até Cartum, passando pelos impérios de Bornu, Waday e Darfur, submetidos à minha jurisdição. Contar-lhe-ei também as interessantes notícias que me deu desses povos e dos milhões de escravos que ainda gemem sob o império de Satanás. O nosso governador-geral, Ismail Paxá, que me escreveu um bom elogio das nossas casas do Cordofão, agora está a atacar o sultão de Darfur.

Beija-lhe a sagrada púrpura



O seu hum.mo e obed.mo filho

P.e Daniel Comboni

Pró-vig. apostólico da África C.