N.o 1081; (1036) - NOTA DE CRÓNICA
ACR, A, c. 20/49
Maio de 1881
N.o 1082; (1037) - A ESTANISLAU LAVERRIERE
«Les Missions Catholiques» 643 (1881), pp. 458-459
El-Obeid, Maio de 1881
Prestes a partir para Gebel Nuba, apresso-me a enviar-lhe um desenho que representa o interior da Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, Rainha da Nigrícia. Esse templo, que construímos nesta capital, é o de maiores dimensões elevado em honra de Deus e de Sua divina mãe no centro da África. Custou-nos enormes fadigas, porque nestes países não se encontram os materiais necessários para a construção regular europeia.
Mas o que nos permitiu poupar muito nos gastos foi que, para levantar este monumento da fé e da civilização cristãs, não tivemos que pagar mais que um único trabalhador indígena; praticamente tudo é obra dos nossos missionários, catequistas e irmãos leigos, assim como dos nossos alunos originários de diversas tribos do equador. O arquitecto foi o coadjutor da paróquia, P.e Vicente Marzano, a quem, não há muito, ordenei sacerdote em Cartum.
Dar-lhe-ei dados sobre as minhas missões quando regressar de Gebel Nuba. Sua Alteza o quedive do Egipto, desde a sua chegada ao trono dos faraós, tomou muito a sério o importante assunto da abolição da escravatura e faz todos os esforços e até os maiores sacrifícios para combater esta chaga secular que destruiu três quartas partes da população negra. A humanidade deverá estar-lhe reconhecida se, como espero, ele continuar por este caminho. Do mesmo modo que repetidamente lhe descrevi os horrores da escravatura que existia nesta capital ao fundar aqui a missão católica, tê-lo-ei a par da notável diminuição desta chaga.
Depois, S. E. Gordon Paxá, o governador-geral actual, Rauf Paxá, consagra todo o seu talento a esta grande empresa humanitária, da qual S. M. Leopoldo II, rei da Bélgica, terá o principal mérito.
Limito-me hoje a transcrever uma carta que o governador-geral do Sudão – quer dizer, de um território cinco vezes maior que a França – me escreveu de Cartum. Ela dará a conhecer aos nossos caros benfeitores da Propagação da Fé até que ponto o Catolicismo e as missões católicas recebem protecção dos turcos e dos muçulmanos.
[Segue a carta de Rauf Paxá: veja-se o n.o 1069, § 6731 – 6733]
Já tivemos este ano uma boa chuva. Durou meia hora e chegou com um mês de avanço em relação à primeira dos anos anteriores. Durante três dias comprámos muito pouca água. Mas actualmente gastamos cada dia mais de 60 francos numa água lodosa e amarela, e acontece com frequência que, chegada a noite, das oitenta e sete pessoas que formam a missão, muitas ainda não beberam.
† Daniel Comboni
Original francês
Tradução do italiano
N.o 1083; (1038) - AO CÓN. JOÃO M. MITTERRUTZNER
ACR, A, c. 15/84
Nama (montes de Golfan, Gebel Nuba)
4 de Junho de 1881
Dulcissime rerum,
Estou em exploração com os bons missionários P.e Bonomi, P.e Henriot e P.e Marzano, e o excelente leigo José Regnotto, para estudar as populações Nuba nas quais o açoite da escravidão, ao longo de muitos anos, causou tais estragos, que foram dizimadas nove sobre dez, id est, de meio milhão que eram ficaram reduzidas a 50 ou 60 mil. O árabes nómadas Bagara quase acabaram com eles, ajudados pelos antigos governadores do Cordofão. Mas depois de eu expor as coisas claras e a verdade ao Governo, o governador Rauf Paxá, secundando as nobres intenções do actual quedive do Egipto, encarregou-me de examinar sobre o terreno os inconvenientes e os horrores que se dão aqui e propor um meio eficaz para a total abolição do tráfico de escravos nestes montes. Os que vivem neles andam todos nus, homens e mulheres, como os Kich; mas a gente daqui é mais vigorosa e mais capaz, com o tempo, de ser civilizada, graças ao Evangelho. Depois desta exploração voltarei a Delen, a primeira estação, e pôr-nos-emos a caminho para explorar Fanda e Carco, lugar de origem de Bajit Miniscalchi; depois, pelos Nyuma, iremos ao Pequeno Golfan.
Trata-se de montes como os da Toscana, onde estes africanos vivem fortificados, fazem cultivos, e se defendem dos Bagara. Já tenho idealizado o plano para propor ao Governo. Vou acompanhado de seis guardas a cavalo e eu levo o próprio cavalo do paxá do Cordofão, que quis dar-me esta escolta de honra e de protecção. Depois escrever-lhe-ei outras notícias com mais comodidade, porque agora me falta o alento. Estamos sem sal e sem possibilidade de o arranjar, porque aqui não há. Toma-se aqui um alimento que não o leva. Para nos mostrar cortesia, o cojur matou um galo e, em dez minutos, foi passado pelas brasas e, sem sal, posto à disposição dos nossos dentes; e já o tragámos. Aqui estabeleceremos uma estação.
Uma coisa que já lhe posso dizer é que, graças a P.e João Losi (antes trabalhei eu nele e P.e Bonomi ainda mais) compôs-se um dicionário de mais de três mil palavras da língua dos Nuba, traduzindo para ela as principais orações da Igreja. E como se experimentou quão trabalhoso e difícil é tirar uma língua das tribos do centro da África, e dado que nós dispomos dos meios para entrar a dominar as línguas dinca e bari – trabalho dos nossos antigos missionários, pelo senhor providencialmente recolhido – pôs-se a questão de se, utrum nec ne necessarium sit, devemos estabelecer missões nos lugares mais propícios das regiões onde se fala o dinca e o bari; e a resposta de todos, especialmente a de P.e Losi, foi totalmente afirmativa, para utilizar do melhor modo possível os valiosos trabalhos do senhor.
O senhor é o único a quem manifestei até agora este firme propósito nosso e meu, que, peço-lhe, não torne público até eu lhe escrever sobre o assunto de Cartum, quando me dispuser a partir para os territórios dinca e bari, o que será depois do kharif, nos próximos Outubro ou Novembro. Actualmente, por outro lado, ser-me-á mais fácil vigiar e dirigir as missões entre os Dincas e os Bari, tendo em Cartum os vapores do Governo à minha disposição. Gondokoro e Santa Cruz estão completamente destruídas; mas nós escolheremos sítios ainda melhores que os dessas estações. Assim, com as três novas línguas – a nuba, a dinca e a bari – podemos estender a nossa acção apostólica até muito longe.
Aqui encontrei feita uma bela igreja, que dedicarei a S. José; mas a de N.a S.a do S. Coração, de El-Obeid, é toda coberta com pranchas de ferro galvanizado e de zinco e é a maior e a mais formosa da África Central. Parece que em Cartum faremos uma ainda maior. Reze, bata às portas e socorra quanto puder P.e Sembianti e lembre-se que o senhor é a mais firme coluna da África Central. Chegou a Berber o busto de mármore de Knoblecher que mandei fazer em Roma. Mil saudações ao ilustríssimo bispo e aos caros benfeitores.
Tuissimus
† Daniel ep.pus et vic. ap.
Rogo-lhe que dê notícias minhas a P.e Sembianti, em Verona. Dichtl e Ohrwalder são dois dos Überbacher e Lanz. Deo gratias.
N.o 1084; (1039) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/124
J. M. J.
Delen, 24 de Junho de 1881
Meu caro reitor,
Há dias recebi o correio e com ele a maior angústia e dor, que superou em muito todas as aflições que Deus me mandou de 1878 para diante e que me reteve na cama durante três dias. Não sei quando poderei recuperar-me de todo. Os missionários crêem que é das costas, porque verdadeiramente estou um pouco cansado pelas explorações que fiz a cavalo. Mas a verdadeira causa só Deus e eu a conhecemos; e é uma pena profunda, tremenda, que me dói mais que todas as humilhações e amarguras por tantas injustiças e desgostos que sofri, que todas as minhas justas aflições por Virgínia quando o seu irmão partiu sem ela saber, etc., etc. Tudo isso é nada.
Tal causa é a imprudência colossal da superiora de Verona (a quem nunca direi nada para a não a perturbar), que teve a ideia – já imagino com que intenção – de escrever uma carta ao meu pai (que lhe mandarei de El-Obeid), em que lhe pinta os modos maternais com que trata Virgínia (esta sempre me falou e escreveu bem da superiora, etc.), na qual lhe solicita orientação sobre o que deve fazer, etc.; mais, a superiora sugeriu a Virgínia que pedisse conselho também a meu pai sobre o que devia fazer, etc., e a parva da Virgínia escreveu-lhe nesse sentido.
O meu pai é um santo homem, recto e muito mais. Nos dezanove dias que permaneceu na minha casa de Limone, quando em 1879 fui consagrar a igreja, viveu sempre com Virgínia, da qual disse que era uma santa e o mesmo disse a minha prima Teresa: isso posso jurá-lo.
Mas quando ele foi para Verona, aquele fala-barato do Tiago, subornado por Grieff ou por impulso da sua cabeça mesquinha, contou em segredo a meu pai a solene mentira de que Virgínia tinha sido a causa de muitos dos meus problemas na África e que a superiora caiu gravemente doente (sic) devido ao enorme desgosto de ver que eu sempre chamava Virgínia quando tomava o pequeno-almoço no convento, etc., etc., etc. E, ao confrontar tais coisas com a aparência, etc., meu pai apanhou uma imensa pena, de modo que chorava como um menino; e em segredo confiou-me o que o idiota do Tiago lhe confiara a ele em segredo; e fez bem, porque é um pai verdadeiramente cristão (e isto, como não lho digo a si em segredo, se considerar oportuno, pode dizê-lo, por sua vez, até ao Tiago, porque é a pura verdade).
O facto foi que, depois de contar isto a Tiago e de ter ouvido Virgínia queixar-se da sua desagradável e anormal situação na casita de Verona, e sobretudo depois de a ter visto em Sestri falar amiúde com Alexandre, o qual chegou até à loucura de ameaçar lançar-se ao mar se não se casasse com ele – e Virgínia sempre o recusou, apesar dos errados conselhos de meu pai, que tentava convencê-la a aceitá-lo –, depois de tudo isto, meu pai deixou de estimar Virgínia e repetia-me sempre as mentiras, etc. que Tiago lhe tinha contado. Este, que acompanhou Virgínia de Cartum até ao Cairo, escreveu-me para Cartum (juro-o), dizendo-me que no Cairo tinha ficado edificado com Virgínia e que, ao invés, tinha ficado escandalizado da outra Irmã, maltesa, que estava sempre a insultar Virgínia, etc., etc.
O problema é que meu pai está muito magoado e, sem dúvida, escreverá a Virgínia e dar-lhe-á o imoral conselho (vai fazer 78 anos no próximo dia 6 de Dezembro) de se casar com um que agora odeia Virgínia pela sua persistente recusa, porque ela nunca sonhou casar-se; pelo que e também por causa de Jorge e dos seus loucos pais hereges, não permitirei nunca que Virgínia vá para a Síria, etc.
Entretanto, eu sofro muitíssimo. Que Jesus, a Virgem e S. José me ajudarão, não o duvido, e dou graças a Jesus pelas cruzes; mas a minha vida é um oceano de angústias proporcionadas por alguém que é bom e que me estima.
Meu Deus! Tudo seja pelo «querido Paraíso», como diz com razão a Ir. Vitória, embora tenha o coração destroçado. Mas a África será convertida, caramba!, e Jesus ajudar-me-á a levar a cruz. Além disso, Deus abençoará Virgínia, à qual, pelos seus sofrimentos suportados pela África e por causa da justiça, Ele porá no caminho de realizar a sua verdadeira vocação de freira e missionária, etc. Mas nós estamos preparados para as cruzes: a minha maior angústia está relacionada com meu pai, que sempre recebeu de mim satisfações e cuja santa vida poderia acabar, por culpa de outros, com a dor e o temor pelo seu filho, que chegam a uma espécie de loucura por causa do estado e posição em que me encontro totalmente consagrado à glória de Deus e a morrer por Cristo. Em suma, o senhor reze por mim, que sou o homem mais desgostoso e abatido do mundo e reze por meu pai. Viva Jesus!
Mas não posso descansar. Um pouco de conforto tenho, isso sim, em ver o meu caro P.e Losi, que reza, e a quem encontro na igreja às três, às cinco da madrugada e que, embora um pouco cabeçudo... é um santo e um autêntico missionário, com zelo pelas almas. Fez um dicionário, que começou com P.e Luís. (Certamente, pediu-me que deixe P.e Luís aqui como superior para dar impulso e desenvolvimento à missão e assegurou-me que, nos três anos que permaneceu aqui com ele, ficou edificado com a sua delicadeza, conduta, etc.). Mas basta. São as quatro da madrugada e o camelo do inspector está preparado para o correio. No Coração de Jesus, encomendo-lhe meu pai e Virgínia. Cumprimentos ao em.mo, ao P.e Vignola, a Tabarelli, a Luciano, etc. O senhor não sofra, nem se doa e aflija por mim: são coisas dispostas por Deus.
† Daniel bispo
N.o 1085; (1040) - A ZENÃO, ROSA E MARIA ANDREIS
APRM
Delen, Dar Nuba, 29 de Junho de 1881
Breve bilhete.
N.o 1086; (1239) - AO P.e BERNARDINO DE PORTOGRUARO
AGOFM: saeculares
J. M. J.
Gebel Delen (Dar Nuba), 29 de Junho de 1881
Rev.mo padre geral,
Recebi a sua veneradíssima carta do passado dia 20 de Abril, pela qual fiquei a saber o que, na sua grande prudência e sabedoria, decidiu a respeito do P.e Boaventura, de Cartum. Eu não posso senão aprovar com plena convicção a sua excelente determinação, que mostra verdadeiramente uma grande caridade para com esse pobre padre africano; e estou convencido de que, pelo que se viu dele no passado e sobretudo pelo seu estado presente, em que ainda não dá provas certas, seguras, de firme e sólido juízo, a negativa de V. P. rev.ma é prudentíssima e providencial.
Para o tranquilizar e fazer com que aceite mais facilmente a sua caritativa e acertada recusa, escrever-lhe-ei de Cartum a dizer-lhe que faremos todo o possível por ajudar espiritualmente o seu pai, o seu irmão e a sua irmã, que são coptas heréticos; que procurarei favorecer espiritualmente e com esmolas a sua mãe, muçulmana; ela é muito pobre (viveu sempre separada do pai, de quem foi apenas concubina, já que ele teve sempre a sua mulher legítima, da sua seita); e que, entretanto, o P.e Boaventura procure tornar-se um bom religioso no seu convento mediante a obediência e a observância da santa regra seráfica.
Fiquei a saber que o excelente redactor-chefe de La Libertà Cattolica, onde vi em 1879 o P.e Boaventura, escreveu com a melhor das intenções ao em.mo card.-prefeito da Propaganda, talvez a rogo do solicitante. Ensinado pela experiência, tenho por máxima tratar pela recta via os assuntos neste mundo. De modo que eu nunca encarreguei nem sugeri a ninguém que recorresse à Propaganda nesta questão, a qual não deve depender senão da vontade e prudência de V. P. rev.ma.
Passo agora a pedir-lhe uma graça, que por pura negligência não lhe pedi na Europa, ainda que me fosse tão necessária.
No Vicariato da África Central erigi quatro casas das Irmãs, a quem eu denominei Pias Madres da Nigrícia. Há uma dessas casas em Cartum, em El-Obeid, capital do Cordofão, em Malbes, e aqui em Gebel Delen; e dentro de pouco levantarei uma outra entre estes africanos, onde impera completamente a moda de Adão e Eva, da época anterior à queda e onde esperamos uma messe abundante. No Cairo tenho outra casa destas Irmãs, e à casa-mãe fundei-a eu mesmo em Verona com a minha própria regra, em S. M. in Organis, onde em 1872 comprei o antigo convento dos olivetanos, que na altura era propriedade das beneditinas Astori. As Irmãs que se encontram na África, pertencentes a esta obra, que consegui instituir com a graça de Deus, são quase todas vénetas.
Pois bem, acontece que, antes de virem para a África Central, elas se aclimatam sempre durante um ano na minha casa do Cairo, onde têm como confessores piedosos franciscanos, que com sumo prazer e grande satisfação das minhas Irmãs, as inscrevem na Ordem Terceira de S. Francisco.
Neste momento tenho nove Irmãs, sete delas veronesas, que os franciscanos admitiram como noviças da Ordem Terceira e agora deviam fazer a profissão, o que me solicitaram insistentemente. Além disso, tenho uma negra freira também da congregação das Pias Madres da Nigrícia e alguma outra, com vários dos meus irmãos leigos, que gostariam de pertencer à ordem terceira. Por isso, suplico humildemente da exímia caridade de V. P. rev.ma que me conceda a faculdade tanto de admitir noviços de ambos os sexos como de receber a profissão, depois do noviciado segundo as regras da Ordem Terceira.
Eu também tenho a honra e a satisfação de pertencer desde há muito tempo à Ordem Terceira de S. Francisco. Admitiu-me como noviço no Cairo o P.e Venâncio de S. Venanzio, quando exercia as funções de prefeito ou era prefeito definitivamente do Alto Egipto; e em 1872 recebeu a minha profissão em Negadeh, no Alto Egipto, o rev.mo P.e Ângelo de St.a Ágata, prefeito de Tripoli, quando desempenhava este cargo na prefeitura apostólica do Alto Egipto. Espero que isto sirva de ajuda para obter o que lhe peço.
Em caso afirmativo, rogo-lhe que tenha por bem mandar-me a implorada faculdade para Cartum, a minha residência ordinária.
Agradeço-lhe imensamente os prezadíssimos votos que me faz sobre o meu árduo e laborioso apostolado; digo prezadíssimos, porque provêm de uma personalidade a quem venero há muitos anos, pelas grandes virtudes que V. P. rev.ma recebeu de Deus e que o tornam uma das colunas mais firmes da Igreja de Cristo, não só como geral da ordem mais colossal do mundo mas também como homem de grande conselho e prudência, que mereceria ser elevado, como devia acontecer em 1877, e como espero que suceda em breve, à sagrada púrpura cardinalícia, para tomar parte activa e directa, além da presidência da insigne ordem seráfica, na direcção dos mais relevantes assuntos da Igreja nas mais importantes congregações romanas. O grande Leão XIII é demasiado sábio e egrégio para não tornar isso realidade.
Perdoe, meu padre rev.mo, mando-lhe um santinho para meter no seu breviário e um para o rev.mo P.e Maurício de Venezia. Beijando-lhe as santas mãos, encomendo-me às suas eficazes orações e declaro-me para sempre em Jesus Cristo
Seu Dev.mo, af.mo, filho e seguro devedor
† Daniel Comboni bispo de Claudiópolis
e vig. ap da África Central
N.o 1087; (1041) - A P.e LOURENÇO MAINARDI
ACR, A, c. 15/55
Delen, Dar Nuba, 30 de Junho de 1881
Meu caro P.e Mainardi,
Aqui, entre estes povos, que, no tocante ao vestir, ainda seguem a moda dos nossos primeiros pais Adão e Eva, mas que, quanto à moralidade, talvez sejam mais dignos de louvor e mais comedidos que certos países da cultura moderna, encontrei a sua fotografia, a qual me provocou um grande remorso por não lhe ter escrito em tanto tempo nem sequer uma linha e isto depois de tanto bem que o senhor me fez a mim e aos meus institutos africanos de Verona, especialmente quando me encontrava aí sem reitor em 1879, etc. Mas o senhor vai-me desculpar, sabendo bem que o meu silêncio não é culpável, por me encontrar sem secretário e ter tido e ter ainda que dirigir a árdua e difícil obra da redenção da Nigrícia, que Deus me confiou. O senhor sabe que nunca o esqueci nem esquecerei nas minhas orações.
Igualmente, na importante exploração que ultimamente realizei a esta interessante tribo, que se irá inclinar perante a cruz e que, antes, nenhum europeu tinha visitado, como agora fiz com o seu incomparável superior P.e Luís Bonomi e com P.e Losi (que é um verdadeiro santo piedoso), P.e Vicente e P.e Leão, lembrámo-nos de si, de quem temos falado muito e com prazer. Mas desejo que me mande também a mim a sua fotografia e que inclua também uma do santo e venerável anjo da diocese de Parma, mons. Villa, a quem fará chegar os meus mais respeitosos e afectuosos cumprimentos, porque o trago sempre no coração, desde os anos em que difundia o odor de santidade, sabedoria e caridade na sua querida Bassano, onde fez um digno e completo noviciado da sua vida episcopal. Faça-lhe chegar também a estampa junta do Sagrado Coração de Jesus, padroeiro da África Central.
Mandar-me-á as fotos para Cartum, a minha residência principal, onde espero estar para a Assunção. Dê-me notícias suas e faça rezar por mim – humilis et inutilis servus afrorum –, pela Nigrícia, pelos meus missionários e pelas minhas admiráveis Irmãs, que enfrentam a morte pelo seu ministério, como quem bebe um copo de água. Apresente os meus respeitos à Irmã Ursulina, correspondente do Em.mo de Canossa, a qual em 1861 me disse que ele chegaria a cardeal, dada a sua nobreza, etc. Abençoo, além disso, os Irmãos das Escolas Cristãs, aos quais quero muito pelo seu grande espírito religioso, prodigiosa preparação, exactidão na observância, etc. e que sempre foram e são os meus melhores amigos. O meu querido ecónomo José continua a portar-se sempre como é devido; é um bom administrador e tem boa cabeça, bom coração e recta consciência. Ultimamente encarreguei-o de me arranjar 100 000 francos e faria uma triste figura se não mos mandasse: seria a primeira vez que falharia.
Mas ele nunca falhará; senão chamá-lo-ia à ordem, recorrendo à sua esposa, que o fez grande e respeitou na Terra e no Céu. A princípio eu pedi-lhe 60 000 francos (digo-lho confidencialmente) para 31 de Agosto do corrente ano e, com o que contribuíram quatro missionários, um comerciante veneziano de Cartum e o cônsul italiano Calisto Legnani, a estas horas já os ultrapassou. Mas a África devora tudo, pelas dificuldades de transporte, os muitos estabelecimentos, etc. e não bastam. Sou e serei sempre
Seu af.mo † Daniel bispob
N.o 1088; (1042) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/125
N.o 26
El-Obeid, 9 de Julho de 1881
Meu caro padre,
Ontem cheguei de Gebel Nuba, depois de ter sofrido imenso calor e ter apanhado, ainda por cima, grandes chuvadas na mesma jornada. Tive febre nos dois últimos dias da minha estada em Delen; e agora não me encontro nada bem, oprimido como estou por cruzes tremendas. Não é a última delas uma carta do em.mo card. bispo de Verona, na qual me recrimina de coisas de que eu não tenho culpa: que fiz contratos importantes sem lhe dizer nada a ele, como o da casa de Sestri (eu não tenho o menor contrato com Tagliaferro, salvo o que assinei com o senhor, depois de o senhor o examinar e copiar de novo; e se este não tem nenhum valor, como dizem os advogados, tão-pouco é válida a cláusula que obriga a pagar-lhe 20 000 francos); que se impõe uma ruptura para sairmos ele e eu dessa falsa situação; que ele se ocupará da sua diocese e eu da minha; que eu faça o que me der na real gana (sic), e ele se ocupará de agora em diante dos seus assuntos, que lhe são suficientes; que não quer ver-se envolvido em empresas que depois venham a ser criticadas ou condenadas ou desaprovadas, etc.; que Tagliaferro não está contente com a situação, etc., etc.
Mas... continua o nosso caro em.mo... é verdade que, dissolvendo a obra e retirando as Irmãs de Sestri, o senhor (eu) obrigou-se em tal caso a dar-lhe 20 000 francos? Céus! Que tipo de contrato é este?... Não, eu não vou contribuir para chupar (sic) e dilapidar o dinheiro dado à missão, etc. (Jamais dilapidei um centésimo e, embora bispo, vivo como os outros missionários e com eles, como qualquer religioso; antes, trabalho dia e noite para ajudar a missão e, enquanto os outros dormem tranquilos, eu velo à secretária por amor a Jesus C., etc. e aos pobres negros, enquanto poderia viver comodamente na Europa, se tivesse querido aceitar esplêndidos lugares diplomáticos ao serviço da Igreja, etc.)
Mas isto não é nada; o que mais me magoou foi o que se segue; eis palavras textuais do nosso em.mo: «Quem empurrou o senhor, com segundas intenções, para fazer esse deplorável negócio de Sestri?... Deixe-me que lhe diga: a Virgínia (sic), etc., etc., etc.»; e aqui descreve essa pobre infeliz de uma maneira desprovida da menor sombra de verdade e totalmente diferente das informações que a superiora me dá, etc. etc.!
Não sei já em que mundo hoje vivemos. De modo que eu, que estou aqui exposto à morte, servindo o meu Jesus no meio de penas e cruzes, contente de morrer para salvar os pobres negros e para ser fiel à minha árdua, difícil e santa missão, ter-me-ia deixado guiar por baixos fins, indignos de um apóstolo da Nigrícia, etc., ao comprar o convento de Sestri? Já não tenho forças nem alento para escrever; estou atónito de me ver assim tratado, de ver que em Verona o meu primeiro benfeitor tem nesta estima D. Comboni. Não, não é Jesus Cristo quem infunde no em.mo estes sentimentos para comigo; agora Sua Em.a não é como sempre foi...
Ainda que esteja ciente de sucumbir em breve com tantas cruzes, que creio em consciência não merecer, seja sempre bendito o meu Jesus, verdadeiro vingador da inocência e protector dos aflitos: a Nigrícia converter-se-á; e se no mundo não encontro consolação, tê-la-ei no Céu. Aí estão Jesus, Maria, José; e se os homens falham, Deus não falha; ele salvará a Nigrícia e a pobre Virgínia, que é uma alma redimida pelo sangue de Jesus Cristo. Viva Jesus.
Seu af.mo † Daniel Bispo
N.o 1089; (1043) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/126
N.o 27
El-Obeid, 11 de Julho 1881
Meu caro padre,
Desde o meu regresso de Nuba, ainda não pude pregar olho, nem sequer um momento, por causa dos grandes desgostos e cruzes que, sem eu dar nunca verdadeiro motivo, como me assegura a minha consciência, o próprio Senhor me enviou. Sobretudo com a última carta de S. Em.a o nosso card. bispo de Verona, o qual se deixa guiar pela mais pura caridade e amor para comigo e para com a minha santa obra, que, sem ele, nem sequer teria chegado a existir e que hoje, através de incríveis dificuldades absolutamente desconhecidas na Europa e até na Propaganda, mas que nós e especialmente a Ir. Teresa Grigolini (a qual recebeu de Deus grandes luzes e graças para esta obra, a mais árdua e talvez a mais importante da África, como, depois da minha morte e porventura antes, verão de modo palpável a Propaganda e quem na Europa se ocupar verdadeiramente da África, porque agora não é possível fazer-se na Europa uma ideia disso) [aqui conclui o período, deixando o pensamento incompleto]. Portanto, guardo a mais sentida gratidão para com Sua Em.a, não só pelo grande bem que fez à África mas pelas repreensões que me dirige, porque é um modelo de rectidão.
Mas, como estou convencido de que esta vez não as mereço, e que calar-me e não me defender representaria um verdadeiro dano para a obra, porque ao rebaixar a estima e a confiança no chefe prejudica a própria obra, talvez me decida a escrever-lhe e a não me calar, como tantas vezes me calei, não me defendendo, deixando tudo nas mãos de Deus, que é o protector da inocência e vingador da justiça. Que Sua Em.a não queira ver-se envolvido nos meus pretensos disparates e loucuras e que queira ocupar-se só da sua diocese de Verona e que eu atenda, como único responsável, à minha África, parece-me muito razoável, e a Santa Sé sempre me pediu contas só a mim sobre o Vicariato da África Central, embora, por motivos da sua alta prudência, tenha às vezes interpelado o valioso e poderoso juízo do bispo de Verona, como necessariamente mais informado da África através dos missionários veroneses.
Mas em Verona continuam os dois institutos africanos; e os cânones da Igreja não só dão ao ordinário o direito de neles meter o nariz, de os vigiar e de os dirigir para o bem, mas até impõem a obrigação de o fazerem por se encontrarem sob a sua jurisdição, e mais dado que o em.mo teve tanto a ver com a sua existência, especialmente nas sábias medidas tomadas ultimamente. Mas bendito seja sempre Jesus e a sua santíssima cruz, cujos mistérios e tesouros inestimáveis explicou tão bem o em.mo príncipe na sua estupenda homilia sobre a transfiguração, pronunciada na catedral no dia de Páscoa deste ano, que eu li no Verona Fidele e da qual desejaria uma cópia à parte (a partir de agora mande-me as cartas, telegramas e jornais não para El-Obeid, mas para Cartum, para onde partirei dentro de umas semanas).
Bendita a santa cruz! «Nós estamos aqui para suar, sofrer e penar – dizia-me a Ir. Teresinha Grigolini. É impossível que, pelo que escrevemos, possam fazer na Europa uma ideia das virtudes que, com a ajuda de Deus, mostram os missionários e as Irmãs no meio de tantos sofrimentos, como é impossível – dizia – que possam conhecer Virgínia em Verona e o que ela sofreu e fez pela África, etc. Mas nós temos a graça da fé, o único conforto que nos sustém. Coragem, pois, monsenhor! – exortava-me a Ir. Teresinha. Nós sofremos aqui oposições e dificuldades de que nenhuma missão, nem da China, nem da Índia, nem de outras partes do mundo, fazem ideia; delas também não faz ideia a própria propaganda: aqui temos de enfrentar os bárbaros. Mas o bem – continuava ela – vai-se fazendo; portanto, monsenhor, coragem: acontecem milagres na África sem que o mundo se aperceba, nem sequer os nossos venerados superiores; mas conhece-os Deus, Jesus e isto basta, porque Jesus é quem nos paga. Alegre-se, monsenhor, etc.» Assim me falava essa boa alma da Ir. Teresinha Grigolini.
E isto era mais ou menos o que sempre me dizia para me confortar Virgínia Mansur, quando em 1875 me via abatido pelos desgostos que me davam os camilianos e os seus partidários. Virgínia, a quem sempre respeitarei e venerarei, mantém ainda, apesar dos defeitos que adquiriu por causa da perseguição, uma fé inamovível (embora os árabes sejam muito volúveis) e uma firmeza inquebrantável (deveria ter-se visto isso no campo de batalha), ao trabalhar como catequista, missionária e em todos os trabalhos fadigosos. Além disso é dócil e obediente às superioras, e mais capaz que todas as nossas Irmãs da África, se se exceptuarem a Ir. Grigolini, a Ir. Vitória e a Ir. Maria José Scandola, que é uma verdadeira santa.
As virtudes e o talento de Virgínia, porque assim o quer o Senhor para seus fins, não são conhecidos em Verona, que não é o seu verdadeiro campo. Mas sou da opinião de que, dentro da ordem da Providência, foi um bem para a sua alma quanto sofreu espiritualmente em Verona e Sestri. Também ela avança nos anos e um dia, quando estiver firme no posto que Deus lhe determinar, compreenderá todos os tesouros da caridade do Senhor para com ela e dará a conhecer a si e à superiora de Verona o que certamente sentirá no coração: um grande respeito e estima por si e pela sua verdadeira caridade. Porque o senhor, caro reitor, sempre lhe fez e quis fazer-lhe bem, e ficaria certamente muito contente se ela, pouco a pouco, se tornasse uma santa; e Virgínia pode chegar a sê-lo, se contar com a graça divina e se puder corresponder a ela no lugar adequado, que não é Verona, dados os precedentes permitidos por Deus. Em suma, viva a cruz!, que para os apóstolos e as missionárias da África será sempre a preciosa companheira, como compete a quem deve salvar almas. Eu glorio-me do que fiz por Virgínia e espero que Deus me dê por isso larga recompensa.
Duas únicas palavras sobre o que o nosso em.mo pai se dignou escrever-me a respeito de Sestri e basta.
O em.mo príncipe diz-me que cometi o erro de Sestri (sic), empurrado por Virgínia, etc. Mas se estivesse neste momento prestes a morrer, juraria sobre o Evangelho que Virgínia não tem absolutamente nada a ver com Sestri; ela nem sequer estava na minha mente. Além disso, nesse assunto de Sestri, com a ajuda de Deus, usei toda a prudência e ponderação, dignas de um bispo. Quando P.e Propércio me escreveu sobre Sestri, eu roguei-lhe que o próprio Tagliaferro se me dirigisse por carta, o que ele fez em 19 de Agosto de 1879, quando Virgínia estava na Síria.
Fui três vezes a Sestri para examinar cada coisa, e nessas três ocasiões aconselhei-me (antes de propor o assunto ao em.mo) com o marquês Negrotto e com o irmão de mons. Negrotto (a quem o em.mo conhece, porque durante 14 anos esteve ao lado de Pio IX), o qual é engenheiro e conhece os locais de Sestri. Para além destes marqueses, que têm lá residência de Verão, consultei o presidente da Câmara de Sestri, o arcipreste de lá e um rico proprietário local, parente da superiora da Apresentação em Sestri; e todos me disseram que era um magnífico negócio, mas que não consideravam Tagliaferro tão generoso a ponto de o levar a cabo.
Não contente com isso, antes de molestar Sua Em.a com projectos ainda no ar, quis experimentar se era viável para nós ter um instituto de Irmãs em Sestri. E resolvi-me a isso movido também pelo gravíssimo motivo da Ir. Matilde, que em Verona não teria podido sobreviver, como dizia o dr. Baschera, mas no Cairo, sim. Mas eu que conheço o Cairo melhor que o dr. Baschera, julguei conveniente prepará-la de modo gradual para suportar o Cairo e, por isso, mandei-a para Sestri, com o que matava dois pássaros com um só tiro, experimentando se era possível um instituto em Sestri e atendendo à saúde da Ir. Matilde. Foram até três os pássaros que matei, ao levar para lá Virgínia e a sua irmã para a tirar da casita, onde sofria não só um isolamento que para ela era duro por ter estado sempre no convento desde a idade dos cinco anos, mas sobretudo para a afastar do seu primo, a quem a delicadíssima honestidade dela não podia suportar, porque Alexandre lhe tinha feito na casita propostas de casamento, as quais Virgínia tinha rejeitado, também na Síria. E a presença de Alexandre foi o seu principal tormento na infausta casita.
O senhor, meu caro reitor, objectar-me-á com o que depois se passou em Sestri com Alexandre; mas eu posso jurar-lhe com pleno conhecimento de causa (são sempre coisas delicadas) que, no final de contas, o que aconteceu em Sestri quando, a pedido de Virgínia, ordenei a partida de Alexandre para Roma, para depois o mandar para o Oriente, só faz resplandecer a virtude de Virgínia, que, embora incitada por meu pai a casar-se com Alexandre, nem mesmo assim o quis aceitar, porque ela consagrou a Deus a sua virgindade, e nisto foi e é mais firme que os cedros do Líbano.
Após obter uma experiência satisfatória sobre a possibilidade de estabelecer um instituto nosso em Sestri, não quis comprometer-me a nada, sem antes terem estudado bem o assunto o senhor e a superiora geral das Pias Madres da Nigrícia; e, por isso, sugeri ao senhor e à superiora que fôssemos a Sestri, depois de lhes ter submetido em Verona as propostas escritas pelo punho e letra de Tagliaferro. Já conhece o resto da história: o senhor e superiora foram comigo a Sestri, onde, juntos, examinámos tudo, discutimos, lutámos, aconselhámo-nos, etc., etc. até que, finalmente, se chegou à assinatura daquele acordo, que o senhor copiou várias vezes, examinou, esmiuçou e voltou a examinar, etc. Esse foi o único documento que eu assinei: nenhum mais. Palavras e cartas empoladas, isso sim, troquei-as com Tagliaferro; e se ele toma como verdadeiras as suas, eu tomo as minhas; mas essas coisas não implicam obrigação, nem perante a lei nem perante a consciência.
Ora bem, o documento que assinei na presença do senhor, meu caro reitor, ou tem validade, como diz P.e Ângelo, ou não tem, como afirma o nosso sapientíssimo conde Teod. Ravignani. Se é válido, trata-se de um bom negócio, como opinava também o senhor; e a lei não pode obrigar-nos a fazer mais do que se fez até agora, quer dizer, destinar três Irmãs, um ou outro catequista, uma casita e acabou... até que estejamos em condições de fazer algo mais. E se o documento não tem nenhuma validade, então estamos livres de retirar as Irmãs, desfazer tudo e mandar Tagliaferro a passear.
Eu aqui não vejo nenhum dislate da minha parte, mas uma medida prudentíssima, orientada para favorecer a missão sobretudo com novas vocações e com a perspectiva de ter oportunidade nas minhas visitas a Sestri de obter grandes recursos, porque em Génova há gente muito rica e caritativa, etc., etc. Eu tive a mais santa das intenções e ainda resta provar se disso não derivarão grandes e boas consequências para o futuro. Além disso, fi-lo também com vistas à saúde da superiora de Verona e de todos os nossos doentes da Europa e da África. E que me diz da saúde da Ir. Matilde? Se tivesse ido o ano passado para o Cairo, teria morrido.
Por outro lado, não exigiu nenhum desembolso mais, porque o que gastei em Sestri teria que o gastar noutra parte para a gente daí. Em suma, viva a cruz, viva Jesus e viva o cardeal Canossa! Só no Paraíso a felicidade será completa, e espero que vamos para lá todos. Vale et salve.
† Daniel bispo
Se o nosso em.mo card. bispo é da opinião que se devem tirar de Sestri as Irmãs, retire-as. Eu escreverei também a P.e Ângelo.
N.o 1090; (1044) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACR, A, c. 15/127
J. M. J.
El-Obeid, 13 de Julho de 1881
Meu caro padre,
Ainda tenho centenas de cartas novas a que responder e ontem sacudiu-me uma boa febre, e continua a inapetência e não sou capaz de dormir (porque agora tenho menos forças para suportar as cruzes, depois de sustentados tantos combates pela glória de Deus e o bem da África), contudo, quero escrever-lhe a si (que é o mais verdadeiro, positivo e sólido amigo da África, sem tantas cerimónias, mas com a eloquência dos factos, e também o mais eficaz promotor da glória de Deus e da salvação da África Central, porque, dentro de dez anos, que passam rápido, ela terá verdadeiros apóstolos de ambos os sexos; assim que eduque e faça tudo à sua maneira para formar os alunos, segundo o seu pensamento e os conselhos do superior dos estigmatinos, e vá para a frente, etc., etc.), quero escrever-lhe a si, dizia, para o informar da missão, responder às suas cartas, etc., etc.
Em Gebel Nuba fiz, com dois companheiros, um trabalho magnífico, não só no tocante à missão, mas também quanto à abolição do tráfico de escravos. A missão salvará a Nuba, como o esperam todos os chefes e cojurs dos mais de quarenta montes que visitei e, como o senhor verá claramente pelos nossos relatórios, que lhe mandarei para o Bom Pastor e pelo mapa que fizemos e que vamos mandar para Roma e a todas as Sociedades geográficas do mundo; a Rauf Paxá já foi mandado.
Antes de dizer duas palavras sobre a Nuba, vem-me à mente falar-lhe de Domingos Polinari, o qual, ainda que piedoso e de bons costumes, anda parvo, não quer obedecer aos superiores locais e faz e desfaz a seu bel-prazer, com pouco proveito para a missão. Deu desgostos a P.e Luís em Cartum, porque, por seu capricho, despediu da horta todos os nossos negros cristãos, até um ou outro que ali trabalhava havia vinte anos, tomando em sua vez muçulmanos e pagando-os bem com os rendimentos da horta, dos quais nunca quis dar conta a P.e Luís. Além disso, leva para a nossa cozinha o refugo do que se produz, gasta e malbarata na horta quando lhe dá na real gana, cortou árvores colossais, etc., etc. E, por cima, era espião do cônsul, que o escutava a ele e tirava a razão a P.e Luís, etc., etc. Chegado eu a Cartum, chamei-o à presença de P.e Bartolo e intimei-o a obedecer em tudo ao superior local e a não fazer gastos sem autorização deste ou a ir-se embora.
Ele disse que sim, mas acabou por me rogar e insistir pela centésima vez que o mandasse para a Europa antes de terminar no cemitério. Eu respondi-lhe que se tentasse submeter-se aos superiores das missões para onde depois fosse enviado, que voltasse e se não, que ficasse em Verona ou em Sestri, na casita ou em sua casa. Eu seria da opinião de que voltasse, dado que, forçando-o a comportar-se devidamente, pode tornar-se-nos muito valioso, porque é um grande trabalhador, de provada e segura moralidade, mesmo no meio das mulheres totalmente nuas dos Nuba, e tendo a esperança de que na Europa, como sucede com todos, se desenganará, porque ele está melhor na África.
Mas a Ir. Teresinha seria da opinião de que não voltasse mais: contribuiu para manter a inimizade entre o cônsul e P.e Luís, diz-me a Irmã. Estando à mesa, P.e Luís, que é divertidíssimo, zombava do cônsul da Áustria pela sua terminologia italiana (é alemão). Comentava, por exemplo, que me tinha escrito a mim: «Rogo a vossa “monsenhoria” que me mande tal coisa, etc.», e a P.e Luís: «Rogo-lhe que dê hospitalidade a estes dois pobres súbditos austríacos; fará o senhor uma grande “carestia” (queria dizer caridade), etc., etc.». e continuava a arremedar o cônsul: «Todo o meu coração e minha vida é para o meu “pimpo” [vocábulo sem significado em italiano, mas engraçado] (por bimbo – criancinha –, porque o cônsul tinha uma concubina que P.e Luís e eu com muitos esforços não conseguimos que ele mandasse embora), etc., etc. Pois bem: de noite, Domingos ia contar tudo ao cônsul e entretanto crescia a inimizade, até que o cônsul denunciou P.e Luís ao Ministério de Viena e à Propaganda, com grave dano pecuniário e moral; de modo que o Em.mo card. Simeoni ordenou-me (também pelo que escreveu para Roma o nosso em.mo bispo) que arranjasse um novo vigário-geral (isto tinha-lho sugerido P.e Losi) e que P.e Bonomi não ocupasse mais esse cargo. Em todo o caso, se Domingos vier para a África, colocá-lo-ei no seu posto.
P.e Bartolo partiu com grande satisfação de todos, porque não serve para nada. Não é capaz de ensinar um pouco o catecismo, e menos ainda de exercer o cargo de superior: apenas sabe semear discórdia e cizânia e é indigno de todas as considerações que usei para com ele. Mas quando me escreveu a dizer abertamente que tinha aceite vir para a África só porque pensava que ia ser vigário-geral e responsável absoluto (porque tem a soberba de pensar que ele teria dirigido bem as coisas) e que na minha ausência me punha como condição ter a seu lado P.e Losi como seu ajudante, etc., então caiu a venda e soubemos que está maluco.
Foi ele quem de viva voz e por escrito me rogou que lhe permitisse voltar para a Europa, espantado pelo medo de morrer. Depois, ao notar que ia recuperando, propôs-me ficar, mas só na condição de ter tudo nas suas mãos. E vendo que não respondo, porque é um indivíduo totalmente incapaz e que ninguém tem a menor confiança nele, escreveu-me que se se for embora, não será por doença, mas porque vê que a missão vai mal; entretanto em Cartum, antes de cair doente, dizia que os camilianos o tinham enganado e que a missão funcionava melhor do que ele pensava. Sobre P.e Bartolo poderia escrever mil páginas; em Cartum conheceram-no. Pois bem, que o Senhor o abençoe e que vá para onde quiser, mas não para o Cairo nem para o Vicariato: pela sua incapacidade e porque aqui não teria as simpatias de ninguém não virá nunca, enquanto eu for vigário apostólico. Entre outras virtudes, carece de humildade e de caridade, como lhe observei a ele mesmo numa carta (mas ele é soberbo e sempre desprezou as minhas admoestações). Mandei-lhe cópia (mas já terá partido) de dois fragmentos da Vida de Santa Ângela Merici, escrita pela Girelli em 1871.
Rogo-lhe, senhor reitor, que a leia, porque é boa para mim, para si e para todos os missionários, dei cópia desses fragmentos também às Irmãs daqui. Peça à superiora a Vida de Santa Ângela e leia na pág. 41, 12, sobre a doçura e misericórdia: «Disse-se com razão que para ganhar uma grande influência sobre os corações não basta só a santidade, mas que convém, segundo a sábia lição do apóstolo, que se revista de vísceras de misericórdia, bondade, humildade, modéstia e paciência. [...] Mas pôs-se (St.a Ângela) a infundir isso na alma das suas virgens e desejava convertê-las quase em ímanes celestiais a fim de ganhar almas para Deus. [...] Longe de nós essa atitude severa e depreciativo (P.e Bártolo), que não sabe aceitar as fraquezas do próximo e se levanta em censor das suas próprias virtudes; longe esse zelo indiscreto que nunca encontra suficientemente perfeitas as obras alheias e procura o bem com soberba e com ira. Honremos a todos com a [...] e mesmo quando devamos exortar e corrigir [...] façamo-lo com aquela santa amabilidade de que St.ª Ângela nos deu contínuo exemplo toda a sua vida».
Leia também (copiei na Nuba muitos fragmentos) este parágrafo 15 da página 48, que também me deixou assombrado e conheço ser zero na caridade. Diz: «Quando J. C. vive espiritualmente num coração, inspira-lhe sentimentos de amor semelhantes aos seus; e esse coração torna-se, segundo a graciosa expressão de S. Francisco de Sales, fonte pública, de onde todos têm direito a alcançar ajuda e conforto. Acudiam a Ângela os pobres, os meninos, os aflitos, os pecadores, procurando nela uns ajuda, outros [...] e ela do tesouro da sua caridade tirava sempre com que satisfazer a todos... Com o seu amor maternal, escreve Cozzano, abraçava toda a criatura e quem era mais pecador, mais carícias encontrava nela; e se o não podia converter (pense nisto, sr. reitor; eu ignorava esta ideia), induzia-o com amorosas palavras a fazer algum bem, ou menos mal, a fim de que, com esse pouco de bem pudesse receber alívio no momento da morte e no inferno menor tormento», etc., etc., etc.
Deveriam ler isto certos sacerdotes veroneses de vista curta e coração fechado, que não são capazes de nada e criticam os outros... porque falta a caridade e a humildade. O senhor conhece o juízo de P.e Squaranti acerca de P.e Bartolo, sobre o qual escrevia que vê tudo escuro mais que no Inferno, fala de tudo e de todos, sonha com catástrofes e concluía que foi D. Bartolo quem fez o maior dano à missão, e que era tão teimoso que nem o Espírito Santo era capaz de o fazer mudar de opinião. Portanto, desejo-lhe todo o bem, mas é melhor que não venha mais para a África. Eu tive para com ele as mais puras e santas intenções; mas todos aqui pensam que será uma bênção que ele não volte a África. As águas de Peio pode tomá-las em casa, mas para as de Recoaro é melhor que vá à nascente.
A missão, apesar das suas imensas dificuldades, vai bastante bem. Passei dias felizes com P.e Losi. É tão casmurro como P.e Bartolo, mas sabe que não tem capacidades para dirigir. Como missionário, vale muito: é do melhor que temos. Todos são do parecer de que bastava estarem juntos dez dias para criarem inimizade. Todos os dias me pediu que nomeasse P.e Luís Bonomi superior de Nuba, porque ele era o único capaz de dar um grande impulso a essa missão e, além disso, conhece um pouco a língua de lá. Disse-me várias vezes que nos três anos que esteve com ele em Nuba ficou edificado pela sua abnegação, pelo seu espírito e sobretudo pela sua pureza e delicadeza quanto à honestidade, e pelo seu comportamento naquele país, onde homens e mulheres andam completamente nus.
E P.e Bartolo escreveu-me várias vezes em 1878 para que o expulsasse por mulherengo e escandaloso (o que também disse de outros e de P.e Gennaro, etc.). Eu não me decidia a pedir a P.e Luís que ficasse em Nuba, porque tinha combinado com ele levá-lo como companheiro em todas as expedições pelo Nilo Branco, etc. E o próprio P.e Losi, sem eu saber, tinha-lhe pedido que ficasse em Nuba. Então P.e Luís veio ter comigo e disse-me: «Não se preocupe; eu fico em Nuba ou vou consigo, como o senhor quiser. Eu não conheço outra voz senão a da obediência e essa é o meu único dever. Também posso ficar aqui de boa vontade às ordens de P.e Losi, etc.». Coloquei-o como superior em Nuba, com grande satisfação de P.e Losi e pouco prazer de P.e Rosignoli, que apesar de tudo não vai mal.
Coisa admirável! P.e Losi não vive senão para Deus e para as almas: tem um zelo para ganhar almas que enternece; está sempre fresco como um jovem quando se trata de fazer oração, falar com Deus, adorar o Santíssimo e ficar noites inteiras de joelhos na igreja. Ordenei-lhe que expusesse o Santíssimo Sacramento (na bonita e espaçosa igreja que dediquei a S. José), porque até agora ainda o não tinham podido fazer por falta de azeite para a lamparina e ele encontrava as suas delícias diante do altar; e eu (que durmo pouco ou nada) estive a fazer de vigia e vi que, à excepção de uma ou duas horas de sono, ele estava, toda a noite (e dia) na igreja. Quando reza o ofício, fá-lo sempre de joelhos e na igreja o seu rosto reflecte que encanta. Eu falei-lhe de Jesus, das coisas que presenciei, dos prodígios que vi em tantas almas de grande oração e caridade, e ele estava feliz.
Não sente as necessidades do corpo, nem sequer as de comer e beber; para ele é o mesmo a horrível comida dos negros que um bom prato de macarrões. Nunca toma carne, ou raramente, mas sim, quando há, sopa, leite e legumes; e nunca se esquece de jejuar às sextas-feiras, o que nunca deixaria de fazer ainda que tivesse febre e estivesse a ponto de morrer, e nunca nesse dia, ainda que não tivesse outra coisa, tomaria caldo de carne. Dormia sempre no chão, mas, desde as minhas repetidas ameaças de há dois anos, agora dorme no angareb nu, ou quando muito numa simples esteira, que sempre cede a algum jovem negro necessitado dela. Tendo ido eu visitá-lo quando ele tinha uma febre de cavalo, e encontrando-o deste modo deitado vestido, roguei-lhe in visceribus Christi que aceitasse uma almofada minha, porque não tem nada, nem quer nada, para recostar a cabeça, que então estava mais baixa que os pés. Recorri às ameaças e à ordem em virtude da santa obediência; mas sorrindo e batendo os dentes pela febre, respondeu-me que aquelas coisas são inúteis, que nós somos missionários, etc. Mas, pela manhã, com febre ou sem ela, é o primeiro a celebrar missa. E está sempre disposto a rezar. Quanto ama ele a oração! Deseja escrever a meu pai, de quem gosta muito, porque em Verona iam os dois rezar juntos.
P.e Losi tem o fervor do mais perfeito monge ao fazer o noviciado; e desde que se fale de Deus, do Coração de Jesus, dos santos, dos jesuítas, da oração, ele estava sempre alegre e contente. Fez um dicionário nuba de mais de três mil vocábulos e agora, com P.e Luís, está a fazer uma cópia desse trabalho para mo mandar, porque para ajuda dos missionários, quero mandá-lo imprimir. Por outro lado, quando lhe ordenei que comprasse meninos e meninas doentes e com pouca esperança de cura (às vezes conseguem-se por dois, três, cinco táleres cada um), foi enorme a sua alegria e sobretudo quando o autorizei a gastar cem táleres, que eu me ofereci a pagar. P.e Losi é capaz de estar frente a frente com mulheres completamente nuas, mesmo só com uma, e manter uma atitude como a que o senhor teria diante de um aluno seu; e isto durante uma hora ou duas, para as exortar a tornarem-se cristãs, a vestirem-se e a não pecar. E está com a mesma indiferença com que o P.e Vignola o recebe a si no salão para uma conversação confidencial; e muitas mulheres daqui não são nada feias. Mas o missionário e missionária da África Central têm que ser assim e são-no, com a graça de Deus. Os homens são mais feios do que as mulheres.
Mas estou-me a alargar demasiado. Acerca desta missão, que faz nascer grandes esperanças, bem como sobre as estupendas explorações que realizámos e sobre a grande influência exercida neste percurso pastoral no espírito de todos os chefes, os quais me consideram o salvador dos Nuba, por lhes ter assegurado que se acabará com o tráfico de escravos e os Bagara serão dominados, etc., terá informações através do relatório geral que, dentro de uns meses, enviarei de Cartum para a Propaganda.
Começo (porque não sei como é que eu sou assim tão longo e palavroso) por responder às suas cartas. Deixaremos a casa de Sestri e a Virgínia sairá de Verona, porque segundo o Em.mo é uma chaga, opinião que eu, nem remotamente, compartilho. S. José, em cujas mãos pus tudo, saberá encontrar os respectivos remédios: a Ir. Teresinha e eu estamos certos disso; na nossa missão é salvar almas, digam o que quiserem. Deus saber-mo-á ter em conta, porque Deus charitas est.
Desprezo-me a mim mesmo quando se trata da caridade e não me preocupo da opinião alheia que se possa fabricar. Presto ouvidos somente à minha consciência, enquanto houver perigo de que uma alma se perca e, por graça de Deus, sigo perfeitamente esta grande norma: «Ama nesciri et pro nihilo reputari». No mundo vi coisas de toda a espécie e aprendi, por experiência, que, antes de tudo, se deve ter um grande amor a Deus, que gera o amor ao próximo, quod universa lex est; e depois aprendi e conheci quão sapiente é a verdade pregada pelo Apóstolo: cupio anathema esse pro fratribus meis.
É o que vem a escrever mons. Mermillod na oração fúnebre do arcebispo de Cambrai, feito card. com o nosso em.mo bispo, a quem sempre estimei e venerei como a um grande homem e primeiro benfeitor da África Central.
Perdoe por me esquecer de uma coisa de P.e Losi sobre o ama nesciri et pro nihilo reputari; quero aqui mencioná-la. P.e Losi, tão virtuoso, santo e admirável como lhe disse, recebeu de P.e Bartolo (que sempre semeou cizânia) a notícia que eu lhe dera – nisto fui proprio de Comuni Confessorum non Pontificum – de que P.e Fraccaro mandou uma carta para Verona a Sua Eminência, a informar de que não estava certo quanto escreveu P.e Losi, a respeito de eu desde há três anos não ter mandado nem uma piastra, ou seja, desde 21 de Outubro de 1877 a 21 de Outubro de 1880, e que isso lhe foi assegurado pelos missionários de El-Obeid (gastei nesses três anos cerca de 5000 napoleões ouro com o Cordofão e Nuba). De modo que encontrei P.e Losi muito perturbado; ele não falou comigo, mas desabafou, lamentando-se, com P.e Vicente Marzano.
Então fui visitá-lo para o tranquilizar e o pobre do P.e Losi estava desoladíssimo e disse-me: «Os de El-Obeid disseram-me verdadeiramente que em três anos o senhor não tinha mandado uma piastra. E tendo negado isto P.e Fraccaro numa carta – explicava-me P.e Losi –, eu perco a credibilidade perante Sua Eminência e já nunca mais vai acreditar em mim.» «Meu filho, disse-lhe, ainda que percas o crédito, por que não dás o assunto por encerrado, pondo assim em prática o ama nesciri et pro nihilo reputari?». «Não, respondeu-me, disseram-mo e eu devo justificar-me perante Sua Eminência e afirmar-lhe que eu disse a verdade», etc. E continuou mais uma semana nesta perturbação e escreveu e reescreveu a carta para o cardeal, que submeteu ao meu juízo. Eu aconselhei-o deste modo: «Meu filho, os de El-Obeid disseram-to ou não to disseram. Se to disseram e eles pensam que não, escreve a Sua Eminência explicando-lhe que tu estás convencido que eles to disseram, mas que reconheces ter escrito a respeito de mim uma coisa que não está certa, porque nesses três anos tu viveste e comeste somente graças ao dinheiro que eu mandei. E se não to disseram, então pede perdão a Sua Eminência por teres escrito com demasiada ligeireza uma coisa que tu agora sabes que não estava certa e humilha-te, etc.»
Mas tudo foi inútil; quis escrever a S. Em.a que os de El-Obeid lhe tinham falado assim com certeza e que ele estava certo disso, etc., etc. Então eu concluí: «Meu filho, escreve a Sua Em.a o que quiseres contra mim; escreve até a Roma, à Propaganda e ao Papa, dizendo que sou um canalha digno da forca, etc.: eu, em todo o caso, perdoar-te-ei e nunca deixarás de ter o meu afecto. Contanto que fiques sempre na missão e me convertas e me salves os meus caros Nuba, tu serás sempre o meu querido filho e abençoar-te-ei até à morte.» Ao que ele respondeu: «Quanto a isso, não tenha dúvidas: eu morrerei na Nigrícia, no lugar para o qual o senhor me destinar, para aí trabalhar pelos negros.» Então abracei-o e disse-lhe: «Moriamur pro Nigritia.»
Ora bem, caro padre, eu estou confuso e não entendo nada. Como se explica este fenómeno, ou seja, esta fraqueza de amor-próprio em P.e Losi, que é tão piedoso, tão devoto, tão mortificado, tão grande desprezador do mundo e das próprias comodidades, que ama tanto a Deus e se sacrifica pela sua glória e que quando está unido a Deus na oração não sente as febres nem a fraqueza do corpo, nem a fome, nem a sede, etc.?... Meu caro padre, o Em.o Barnabó dizia-me: «Quer comamos quer... seremos sempre fracos e homens; quando já não tivermos boca para comer, então estaremos livres das misérias.» Em todo o caso, viva P.e Losi! Ele é uma das minhas alegrias.
Em Delen baptizei oito adultos. O livro dos baptizados (ainda que pelas intrigas dos meus adversários, etc., etc. nos tenhamos visto obrigados a abandoná-lo durante dois anos) regista mais de sessenta, e penso que ainda se não aprendeu a língua, etc. O trabalho virá quando se souber a língua, etc. Aqui há muitos para baptizar, mas eu vou devagar...
Passou o tempo, é a hora do correio e estou já sem forças, etc.; assim que já não escrevo a mais ninguém, embora tenha três cartas da Propaganda para responder. Além disso, a febre não está longe. Dê lembranças a meu pai com uma linha, assim como a P.e Luciano, etc. Mil respeitosas saudações ao rev.mo superior e ao em.mo e igualmente a mons. o reitor, a Ravignani, às Peccati, etc. Abençoo ambos os institutos e os de Sestri e o dr. Baschera. Faça uma visita especial por mim à superiora e a Virgínia, e diga-lhes que as abençoo e lembre a Virgínia que já há tempos que não recebo carta dela (dois meses). Viva Jesus! Viva Maria! Viva S. José! Aqui os missionários e as Irmãs estão bem: todos menos eu e, em parte, P.e Fraccaro. Mas existe o Paraíso. Rogue por
Seu af.mo no Senhor
† Daniel bispo