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N° Escrito
Destinatário
Sinal (*)
Remetente
Data
1001
P.e Nazareno Mazzolini
0
1880

N.o 1001; (959) - A P.e NAZARENO MAZZOLINI

ASC

1880

Autógrafo sobre estampa.

1002
Herminia Comboni
0
1880

N.o 1002; (960) - A HERMÍNIA COMBONI

AFC

1880

Breve bilhete.

1003
Nota
0
1880

N. 1003 (961) – NOTA

ACR, A, c. 20/21 n. 3

1880

1004
Quadro hist. descobrim. afr.
0
1880

N.o 1004; (962) - QUADRO HISTÓRICO DOS DESCOBRIMENTOS NA ÁFRICA

ACR, A, c. 18/13

Verona, 1880


RELAÇÃO DE S. E. D. DANIEL COMBONI AO REITOR DOS INSTITUTOS AFRICANOS DE VERONA

[6214]

Fé católica e civilização cristã na África Central, eis o sublime apostolado da grande obra da redenção da Nigrícia. Sob este sagrado e glorioso estandarte nós lutamos, abençoados pelo Vigário de Cristo e pela Santa Sé Apostólica. Fé e civilização nunca foram inimigas; e, diga o que disser a filosofia terrena, pensem o que pensarem os adoradores dos sentidos e da matéria, insufle o que quiser a soberba incredulidade, fica sempre o facto que fé e civilização andam de mãos dadas: nunca pode avançar uma sem a outra. Pelo que a fé católica, com a pregação dos seus dogmas, das suas máximas, dos seus ensinamentos e da sua moral divina, leva consigo, gera e produz a verdadeira civilização cristã; e esta, por sua vez, aceite e seguida pelos povos infiéis, mediante um irresistível impulso, é levada e empurrada a abraçar-se necessariamente, como a seu centro, à autêntica fé, na qual reconhece a sua inseparável amiga, a sua mestra, a sua mãe.


[6215]

Por isso, nos nossos Anais procuraremos dar a conhecer aos nossos estimados benfeitores, juntamente com as fadigas, as obras e os êxitos do apostolado dos missionários e Irmãs dos nossos institutos africanos de Verona, também os progressos materiais por eles promovidos, os descobrimentos, os trabalhos científicos e os resultados da verdadeira civilização cristã na África Central. Com isso pretendemos glorificar Cristo, que é o único princípio de redenção e de vida, a verdadeira fonte de civilização e salvação dos povos infiéis, o inamovível fundamento da autêntica grandeza e prosperidade das nações civilizadas do mundo.

Não poucos dos nossos leitores, mesmo os suficientemente instruídos e cultos, ignoram as coisas relativas à África: a sua geografia, a sua história, os seus costumes, os seus povos. Assim, carecendo de uma ideia exacta e precisa do campo das nossas fadigas apostólicas, não podem formar um justo juízo sobre a importância, as dificuldades e particularidades das nossas santas missões.


[6216]

É preciso, pois, que informemos com exactidão sobre o terreno, eriçado de tantos espinhos, no qual suamos e trabalhamos; é necessário que dêmos a conhecer bem a África e especialmente a parte central. Razão pela qual, de agora em diante, falaremos às vezes de África, do ponto de vista histórico, físico e social; e no presente número começaremos por oferecer aos nossos caros subscritores uma breve notícia sobre a história dos descobrimentos na África. Dada a sua grande importância, aparecerá radiante o sublime espectáculo do movimento religioso e científico a que assistimos e que atrai todos os olhares da Europa cristã para a África Central.


[6217]

Os avanços científicos e os descobrimentos geográficos determinaram a passagem da Idade Média à Idade Moderna e registaram no decurso de quatro séculos tão continuado crescimento, que a mente considera maravilhada as mudanças já verificadas e as que estão para acontecer na família humana. O génio grego não poderia aspirar a mais luminoso triunfo. Este progresso, que designaria quase violento, fruto, como o da indústria, da divisão e da associação do trabalho, não despertaria admiração, mas espanto, se apenas estivesse destinado a aumentar a comodidade da vida para levar a humanidade a um materialismo mesquinho. Mas se temos de crer que os inventos científicos e o imenso âmbito ocupado pelas ciências positivas, mais que para oprimir os povos, servirão para promover o seu progresso moral, ninguém duvida de que este bem se obtém principalmente com o incremento dos nossos conhecimentos sobre a Terra e os seus habitantes.


[6218]

A geografia, que tem a sua origem e desenvolvimento nas emigrações e no estabelecimento de colónias, no espírito religioso e na sede de conquistas, bem como nas viagens científicas por terra e por mar, pede e fornece um grande número de dados às ciências positivas e morais; tem um carácter variado, como os elementos que a constituem, e os descobrimentos realizados no seu campo são de uma importância não só científica, mas também científica e religiosa.


[6219]

Razão pela qual nas capitais dos principais Estados da Europa e da América vemos surgir sociedades geográficas protegidas pelos governos, assim como academias, publicações e instituições de todo o género, surgidas à sombra dos progressos científicos, nas quais o erudito resolve por vezes questões que mais tarde o olho do viajante confirma. E, entretanto, vemos as sociedades das santas missões apostólicas e esse exército de pregoeiros de Cristo, que levam a cruz e o Evangelho lá onde nem a espada, nem a cupidez do dinheiro, nem o nobre amor à ciência puderam abrir caminho.


[6220]

De todas as partes da terra, a África foi a que deu origem nos tempos antigos às mais arriscadas e longas explorações marítimas e, nos nossos dias, aos maiores e mais interessantes descobrimentos. Mais de três vezes maior que a Europa, é um continente escasso de ilhas e com um litoral pouco acidentado, pelo que não oferece ao navegante oportunas baías, nem portos bem seguros. A quem se atreve a penetrar no seu interior, uniforme como o traçado das suas costas, apresentam-se-lhe dificuldades e perigos como não acontece nem no imenso oceano com os seus escolhos, nem nas savanas e selvas do Novo Mundo, nem nos gelos dos mares polares, nem nos altos cumes dos Andes e do Himalaia, nem nas estepes da Ásia Central com as suas tribos. Os mapas da Ásia e da América estão bastante completos. Quanto aos mares polares, os seus exploradores suportaram temperaturas negativas de 48o, e diz-se que até 55o e 60o Réaumur, e passaram os pólos glaciares e viram nas mais altas latitudes o espectáculo de um mar de gelo; e tudo isto depois de alguns séculos de investigações e também com escassas vítimas da ciência.


[6221]

Na África, ao invés, os próprios rios não constituem, como os dos outros continentes, as grandes vias do comércio e da civilização. A sua navegação torna-se muito difícil e, às vezes, impossível, seja pelas cataratas, pelos bancos de areia e as numerosas ilhas, seja pelas margens baixas ou pela configuração do leito, que às vezes forma como que lagos, que comunicam ao desembocar, mas que ao diminuir a corrente dão lugar a água estagnada e pântanos, seja porque os rios vão lentos, com caudal escasso e delgado tal que, às vezes, ainda longe do mar, se perde debaixo das areias e das dunas salgadas. Mas vença o europeu todos os obstáculos; cruze os imensos e abrasadores desertos de areia que separam a África do resto do mundo e de uma das outras suas regiões bem férteis e povoadas; vença a natureza dos animais ferozes que vagueiam do monte à planície e que infestam as margens não menos que o fundo dos rios e dos lagos; passe incólume entre as tribos de africanos, cujos instintos nenhuma lei civil ou religiosa modera; pois, com tudo isso, sempre ficará ao europeu como inimigo o clima letal, com uma temperatura que à sombra e a norte ascende de 35o a 45o Réaumur e, ao sol, nas escaldantes areias do deserto, pelas quais deve caminhar, ultrapassa, muitas vezes, os 50o, os 55o e mesmo os 60o Réaumur acima de zero.


[6222]

A história dos descobrimentos no continente africano é uma dolorosa enumeração de heróis mortos pela religião e pela ciência. Gumprecht, só desde os finais do passado século até 1848 conta cinquenta e três ilustres exploradores europeus mortos na África: Monatsberichten da Sociedade Geográfica de Berlim 1848. Depois de tantas vítimas generosas, depois de tantas explorações que começaram muitos séculos antes de Cristo, ainda não conhecemos perfeitamente o percurso dos maiores rios de África; e os mapas mais recentes e mais ponderadamente traçados só representam de modo satisfatório para as exigências científicas pouco mais de dois terços da grande superfície africana.


[6223]

Esta luta do zelo apostólico e do génio investigador contra todos os obstáculos que impedem penetrar nas regiões interiores do continente, longe de cessar devido à grandeza dos sacrifícios e à pequenez dos progressos, nunca se empreendeu com tanto ardor e tanta perseverança como nos nossos dias o vêm fazendo a Igreja Católica, a civilização e a ciência.

O movimento dos descobrimentos geográficos, que desde 1840 até hoje se tem dedicado à África com maravilhosa energia e perseverança, é um dos espectáculos mais dignos de admiração e de interesse no século xix. Dir-se-ia que, ao dar-lhe uma extensão e uma actividade tão extraordinárias, as nações da Europa, por acordo tácito, obedeceram a uma mesma preocupação: abrir-se aos esforços, iniciar a conquista para a civilização de um continente, que, sem plausível explicação, teria sido objecto de um sistemático abandono. Parecia, desde há muitos séculos, que a África estava condenada a retroceder mais que a avançar e progredir nesta via. A história recorda, por exemplo, a tomada da capital da Etiópia ocorrida cerca de cem anos antes da saída dos israelitas do Egipto, capital à qual José chama Saba, dizendo dela que é muito forte e está situada junto ao rio Astosabos; e afirma que Cambises, rei da Pérsia, lhe mudou o nome de Saba para o de Meroe, em honra da sua irmã, assim chamada.


[6224]

A história recorda também (Heródoto II, 30 e seg.) a emigração de 240 000 guerreiros egípcios que, sob Psamético, o primeiro monarca egípcio que reinou depois da expulsão final dos reis etíopes do Egipto, se estabeleceram numa ilha a sul de Meroe, isto é, a sul da moderna Cartum, entre os rios Astosabos (o Nilo Azul) e o Astapus (o Nilo Branco até ao Sobat) e a oito dias de viagem a este das Nubae ou Nubatae (talvez as tribos dos Nuba do Sul do Cordofão, então mais disseminados para Este). Igualmente nos lembra a história a viagem à volta da Líbia (África) que os fenícios realizaram, por ordem de Necao em 609 antes de Cristo, como assinala o mesmo Heródoto (IV, 42); e também o périplo do cartaginês Hanão, tentado no ano 500 antes da nossa era, como nos refere a recompilação de geógrafos gregos menores, impressa por Forben em 1533, segundo um manuscrito do século x, conservado na Biblioteca de Heidelberga.


[6225]

Posteriormente, as armas romanas estenderam-se por aqueles lugares. Petrónio, general romano do tempo de Augusto, trinta anos antes da era cristã, tomou e destruiu Napata, a antiga capital de Thiraka, situada na grande curva norte do Nilo, no monte Barkhal, onde ainda se encontram vastas ruínas. Também Meroe, a capital da rainha Cândace, de que se fala no Novo Testamento (Actos dos Apóstolos, 8, 27) caiu em poder dos romanos. Nero, no início do seu império, enviou uma expedição bastante importante, com uma força militar, sob as ordens de dois centuriões, para explorar as nascentes do Nilo e os países do Oeste do Astapo, o Nilo Branco, que naqueles tempos remotos se pensava ser ele o verdadeiro Nilo. Assistidos por um soberano etíope, talvez Cândace, atravessaram a região conhecida com o nome de Núbia Superior, até à distância de 890 milhas romanas de Meroe. Na última parte da sua viagem chegaram a imensos lagos, de que ninguém parecia conhecer o fim e entre os quais havia uns canais com tão pequeno caudal, que a pequena embarcação apenas podia passar por eles com um homem. Contudo, continuaram a sua viagem para sul, até que viram o rio cair ou brotar de entre as rochas (talvez mais para lá de Gondokoro, entre Rejaf e Dufli, perto do Alberto Nyanza); e então empreenderam o regresso, levando consigo, para conhecimento e uso de Nero, o mapa das regiões por onde tinham passado. Depois Plínio, Estrabão e outros autores romanos tomaram conhecimento desta parte da África interior, mas eles nada disseram de novo ou de importante.


[6226]

Ainda que a história nos tenha transmitido estas importantes expedições de tempos remotíssimos, os antigos não tinham um claro conhecimento da configuração da África, nem dos países que o Sara separa da Berbéria. O Egipto, que desde a mais remota antiguidade ocupou um lugar tão eminente no mundo e que se estendeu até Sul e propagou as suas instituições e costumes a distâncias apenas hoje em dia alcançadas, parecia ter conseguido a sua missão. As ricas e industriosas populações, que a Antiguidade viu estabelecerem-se nas costas mediterrâneas em Cartago, na Cirenaica, na Numídia e na Mauritânia tinham desaparecido, deixando apenas alguns rastos da sua passagem. A barbárie apoderou-se novamente destas formosas províncias que a dominação romana tinha levado a tão alto grau de cultura e civilização. Na Idade Média, o Islamismo atravessou como uma torrente o Norte de África de um extremo a outro, chegando nas suas correrias até ao interior; e, embora tenha conseguido modificar profundamente o estado dos espíritos e criar ideias e costumes que resistiram pelos séculos, em parte nenhuma fundou um estabelecimento político importante e duradouro.


[6227]

É preciso chegar ao século xv para entrever a aurora de uma nova era. Até então não se tivera senão uma imperfeitíssima ideia da configuração da África; e depois de Ptolomeu, as noções científicas sobre o assunto tinham-se afastado da verdade mais que aproximado dela. De modo um pouco exacto, conhecia-se somente a parte setentrional e, apesar disso, os antigos mapas geográficos de Sanudo, Bianco e Frei Mauro desfiguravam horrivelmente os contornos. As expedições marítimas dos Portugueses, cuja iniciativa e persistência extraordinárias imortalizaram o nome de um dos seus maiores príncipes, D. Henrique,o Navegador, levaram a descobrir e revelaram um novo mundo. Em 1434 descobriram o cabo Bojador; em 1482 exploraram o golfo da Guiné; em 1487 Bartololmeu Dias tocava e passava o cabo das Tormentas, chamado depois, cabo da Boa Esperança; e antes de findar o século, de 1497 a 1499, Vasco da Gama passava esse promontório e navegava rente à costa oriental da África até às alturas da Arábia.


[6228]

O mapa de Diego Ribera, publicado em Sevilha, Espanha, em 1529, e o de Dapper, que saiu do prelo em 1676, em Amsterdão, deram pela primeira vez o perfil exacto do continente africano. E parece até que este último mapa supera, em bastantes aspectos, os progressos da geografia moderna.

Em seguida, fundaram-se nas costas africanas muitíssimos estabelecimentos comerciais e fizeram-se múltiplas tentativas para aí estabelecer colónias. Mas tais ocupações sempre foram realizadas no litoral e nunca se estenderam muito para o interior. Contudo, os Portugueses muito cedo exploraram uma grande parte da África Central, com o que conseguiram, de certo modo, preparar o caminho, nas margens do Zambeze e bacia do Congo, para os descobrimentos de Livingstone. Depois dos Portugueses, os Franceses na Senegâmbia e os Holandeses no cabo de Boa Esperança tocaram parte do continente africano, mas sem acrescentarem grande coisa aos resultados que os esforços dos Lusitanos tinham conseguido para a ciência. O interior deste imenso planalto, cujos primeiros socalcos se desenham a poucas milhas do mar, permanecia ainda envolto num véu de mistério, tanto pela zelosa política do Governo de Lisboa, que segundo o costume dos Fenícios, ocultava aos outros povos a situação das suas colónias e os resultados das suas empresas comerciais, como pelas notícias demasiado vagas que davam os viajantes e os missionários.


[6229]

O mapa da África D’Anville constitui o fiel reflexo dos conhecimentos geográficos em meados do séc. xviii.

Qualquer que seja o interesse que possam apresentar os dados e notícias de que somos devedores a homens de mérito, como foram Battel, Lencaster, Keeling, Fernandez, Álvares, Boaventura, Schouten, Le Maire, Brue, Barbot, o padre Krump, Kolbe, Atkins, Schaw, Smith, Moore, Norris, Sparman, Patterson, Le Vaillant e cem mais, que desde 1589 até 1790 se dedicaram à exploração do continente africano, os resultados das suas viagens não estão ao nível da ciência geográfica moderna; e, à excepção de raríssimos casos, hoje em dia não se podem tomar em séria consideração.


[6230]

A instituição que deu um carácter científico às viagens em geral e promoveu as da África em particular foi a associação fundada em Londres em 1788 para o fomento dos descobrimentos na África, chamada British African Association ou Associação Britânica Africana. A partir dela, começa este grande movimento de exploração, que só nos nossos dias conseguiu alcançar toda a sua dimensão. As viagens multiplicam-se, organizadas segundo um plano comum. Penetra-se na África por todas as partes e os mistérios do interior do continente começam a sair das trevas.


[6231]

O primeiro viajante do novo período foi o inglês Brown, que de 1793 a 1796 foi do Egipto até Darfur, atravessando o deserto da Líbia pelo lado oriental. Em 1794 Watt e Winterbotton, também ingleses, penetraram no país dos Fulbé. Um ano mais tarde, o escocês Mungo Park chega a Joli-Ba. Em 1799 Frederico Hornemann parte do Cairo, cruza os oásis de Siwa e Augila e chega a Morzuck, onde não tinha estado antes nenhum europeu. Desde 1798 a 1800 Jacotin e Nouët, durante a campanha do general Bonaparte, traçam o mapa do Baixo, Médio e Alto Egipto.


[6232]

No presente séc. xix multiplicam-se as viagens, empreendidas para explorar diferentes pontos da África desde o Nordeste, desde o Noroeste, desde o Norte e desde o Oeste.

Em 1802, Denon percorre o Egipto e recolhe preciosas informações sobre os limites ocidentais do deserto da Líbia. Em 1803, Mohamed Ibn-Omar el-Tunsi, seguindo a mesma rota que Brown, atravessa o deserto da Líbia e, por Darfur, chega até Waday, onde toma importantes dados etnográficos; e em 1811, ao regressar pelo deserto da Líbia, penetra no país dos Tibu e chega a Murzuk. Badia Ali Bei el-Abasi percorre o interior de Teli, em Marrocos, fixando com observações astronómicas a posição das cidades principais. Em 1810, Seetzen explora algumas partes do deserto da Líbia, que, mais tarde, em 1820-1825, foram percorridas, através do Alto Egipto, por Minutoli, Ehrenberg, Hemprich, Scholtz, Gruoc e Soeltner, depois de terem explorado o oásis de Siwa.


[6233]

Em 1817-1820 Caillud explora os oásis de Jarya e de Dâhhel, fixando as suas posições astronómicas. Pacho explora em 1826 os de Marâdé e de Lech Erré, para além da Cirenaica; e Hoskyns em 1832-1833 chega ao grande oásis de Tebe, do qual estabelece a posição exacta. Partindo de Trípoli, Ritchie chega a Murzuk, onde morre. O mesmo caminho percorre em 1819 Lyon, e Beechev traça em 1821 o mapa das costas da grande Syrte e visita a Cirenaica; e também esse ano o sultão Teima atravessa o deserto da Líbia para entrar em Darfur. Em 1823 o paduano Belzoni, o grande descobridor dos monumentos do Egipto e da Núbia, numa viagem por Tombuctu é surpreendido pela morte nas abrasadoras areias do deserto.


[6234]

No golfo da Guiné desagua um rio que, pelo seu longo percurso, pelo seu curso complicado e pelo mistério da sua origem, oferece uma bela semelhança com o rei dos rios, o Nilo: trata-se do Níger. Bem cedo os viajantes orientaram os seus esforços para a solução deste problema hidrográfico. Nos primeiros anos deste século, Mungo Park penetrou pela Gâmbia na bacia do Níger. Entre os incessantes ataques dos indígenas, à custa de enormes sacrifícios e de inauditos sofrimentos, ainda seguiu rio abaixo até Bûssa, onde pereceu, depois de ter visto sucumbir a maior parte dos seus companheiros de viagem. Em 1810, Adams, após um naufrágio na costa ocidental da África, é feito prisioneiro pela tribo dos Mauri e conduzido ao interior. Em 1816-1820, Kurron chega a Kumasi, capital dos Ashanti.


[6235]

Os senhores Peddie, Gray e Dochart, em 1816-1821, exploram o rio Nunes e chegam a Bâkel. Em 1818, um viajante francês, Mollieu, imita a façanha de Mungo Park e explora a bacia do Senegal e dos seus afluentes, o Falemé e o Bà Fing; não chega até ao Níger, mas consegue determinar as nascentes do Senegal, do Gâmbia e do rio Grande. Esse mesmo ano, Bowdich percorre uma parte do território dos Ashanti e da Costa do Ouro. Laing explora o país dos Timami, dos Kuranko e dos Sulimana, a sul de Gâmbia. João Adams em 1823 penetra no Daomé.


[6236]

Em 1824-1825, Grout de Beaufort realiza importantes observações geográficas nos rios Senegal, Falemé e Gâmbia e explora o Bambuk e o Kaarta. Em 1825-1828, Ricardo Lander e Clapperton, a partir do forte William, na Costa dos Escravos, atravessam Daomé e o país dos Yoruba e pela rota de Bussa e Zaria chegam ao território dos Fulbé. Vital reconhece em 1826 a embocadura do Níger e traça a sua carta geográfica. No mesmo ano, Caillié, saindo de Kahandi, na costa ocidental, passa por Timbo, atravessa as bacias do Senegal e do Gâmbia e, depois, cruzando o país dos Mandinga, pela rota de Ginni, chega, o primeiro entre os Europeus, à misteriosa cidade de Tombuctu, junto ao Níger, nos limites meridionais do Sara. Dali, por Arauan, Taodermi, Bel’Abbas e Tafiladet, percorre toda a parte ocidental do deserto do Sara, sendo também o primeiro europeu a realizar essa façanha.


[6237]

Em 1829 Roussin explora e reconhece a costa da Senegâmbia. Em 1830, os irmãos Lander (Ricardo e João) sobem o Níger e chegam até Sokoto; e Ricardo Lander em 1832 procura, pela terceira vez, no Níger a confluência com o Benué, e em companhia de Laird, Allen e Oldfield percorre o curso inferior do Níger, chamado também Cuorra, cuja foz tinha sido objecto de tantas discussões e pesquisas e explora-a em 1833, sendo o primeiro a fazê-lo depois de Vidal. Desde 1836 a 1845, Beecroft sobe três vezes o grande rio, explora no seu delta o braço de Wari, e assinala o percurso do rio Efik, ou Velho Calabar. Em 1839, Freeman visita uma parte do território dos Ashanti, enquanto Duncan faz o mesmo com outras zonas do país em 1846, ano em que entra no reino do Daomé. Em 1841 Trotter, Allen e Thomson exploram mais minuciosamente o curso inferior do Níger; e em 1843-1844 Raffenel, Pereyre-Ferry e Huard-Bessinières percorrem o Bambuk e o Falemé e traçam o itinerário do Senegal à Gâmbia. Em 1846, Denham visita uma parte do Daomé e da Costa do Ouro, enquanto Raffenel empreende uma segunda viagem de exploração do rio Kaarta.


[6238]

São interessantes os trabalhos de Irwing, bem como as explorações de Forbes, que em 1850 viaja pelo Daomé; as de Hornberger e Brutschin, que em 1853 visitam a Costa dos Escravos e o território de Ewé; as de Hutchinson, May, Crowther e Glover, que em 1854 entram pelo braço do Níger chamado Non e seguem o seu curso, bem como o Benué inferior. Igualmente são famosos os trabalhos de Ecquard e de Baikie sobre vários pontos da Guiné e sobre o curso inferior do Níger; e a exploração realizada por este último em 1854, quando, partindo da costa da Guiné, chegou ao lugar onde conflui com o Níger o Benué, rio imponente, que ele subiu até Jola, ponto extremo alcançado por Henrique Barth, descendo do Norte. Traçou um itinerário desde Lukoia a Nupé e a Kanó.


[6239]

Alguns anos depois, sob os auspícios do general Faidherbe, governador provisório de Senegâmbia, vários oficiais da marinha francesa (Lambert, que em 1860 vai de Kakandi a Senu-Debu, atravessando o [maciço] de Futa Jallon, e Mage e Quintin, que de 1863 a 1866 chegam por Kaarta a Segu) reconhecem o curso superior do Níger. Em 1869 Windwood Reade aproxima-se das suas nascentes nas montanhas próximas do mar, que para Este constituem os limites com a colónia de Serra Leoa. Em 1855, Townsend vai à região dos Yoruba; em 1857 Scala chega, a partir de Lagos, a Albeokuta e visita a zona do litoral até ao Velho Calabar; em 1858, Anderson, pela Serra Leoa, chega pelo interior à cidade de Musardu; e Glover e May reconhecem o curso inferior do Níger e percorrem o país dos Yoruba.


[6240]

Em 1859, Vallon vai de Waïda duas vezes a Abomey, a capital do Daomé; Pascal explora em 1860 o Bambuk e as cataratas de Guina no Senegal; e Jariez descreve os rios Siné e Salum. Em 1861, Azan explora Walo, e Braouézec visita o lago Panié Ful e uma parte do país dos Wolof. Vallon percorre em 1862 a região de Casamance, e Martin e Bagay traçam o mapa do país dos Serere. O célebre missionário apostólico P.e Borghero, de Génova, estuda e dá a conhecer o reino de Daomé, depois de uma permanência nele muitos anos, durante a qual avançou muito para o interior; Robins visita Lukogia, junto do rio Benué, e Gerard e Bonnat a embocadura do Níger e o Novo Calabar. Em 1873, Buchholz, Lühder e Reichenov percorrem toda a costa ocidental; e Bonnat, em 1875, explora o rio Volta até Salaga, cidade tributária dos Ashanti.


[6241]

Em 1876, Dumaresq descobre em Wemi uma via fluvial que une Lagos com o interior do Daomé; Crowther viaja desde Lukogia até Lagos, e Grenfell e Ross exploram em 1877 os países banhados pelo curso inferior do rio Kamarun, dos quais desenham a carta geográfica. Apesar das lacunas que ainda há para preencher, estas explorações representam uma conquista importante sobre a África interior. De facto, na bacia do Níger há uma série de grandes tribos e povos que começam a ter ao menos um princípio de organização. A recente expedição dos Ingleses contra os Ashanti serviu, por seu lado, para lançar nova luz sobre as regiões próximas, as quais são de uma fertilidade assombrosa; e até agora só se opõem aos esforços para os civilizar os ardores de um clima abrasador e os miasmas mortíferos dos seus pântanos.


[6242]

A norte e a oeste, a Argélia e o Senegal tornaram-se nas mãos dos Franceses outros tantos pontos de onde pode ser lançada a exploração do grande deserto do Sara, que chega até aos confins das suas possessões. Nesta direcção, eles encontram primeiro a parte mais inóspita, o Sahel, vasta planície arenosa e aridíssima salpicada de alguns oásis raros e habitada em diversos pontos por populações temíveis por causa da sua ferocidade. Leopoldo Panet, viajante francês partido do Senegal, percorre em 1852 a sua borda ocidental, indo de St.-Louis a Mogador por Adrar e Wad Nun. Passo em silêncio as explorações no Sara argelino de Renou, do dr. Cosson, de Letourneux de la Perraudière, do dr. Marès e de De Colomb, levadas a cabo entre 1853 e 1861. Em 1858, um dos mais sábios geógrafos dos nossos tempos, H. Duveyrier, explora com pleno êxito o Sara, esse mar de areia, onde pereceram tantos intrépidos viajantes.


[6243]

Ele percorre o planalto central do Sara, entre Laghouât, Biskra,Gâbes, Ghadamés, Rhât, Murzuk e Trípoli, com as terras montanhosas dos Azgier. São também muito interessantes as viagens e trabalhos científicos dos exploradores que de 1860 a 1879 percorrem a parte setentrional do continente africano, entre os quais têm de ser mencionados aqui os senhores Vincent, Bourrel, Colonieu, Burin, Abu el-Moghdad, Mircher, Vatonne, Joubert (assassinados no deserto), e ainda Tirant e Rebatel, Roudaire, Parisot, Martin, Baudot, o dr. Jaquemet, Le Châtelier, Largeau, Say, Masqueray, Des Portes e François.


[6244]

Também a partir de Marrocos e de Trípoli se empreenderam viagens científicas pela parte sententrional do continente africano. Em 1829, Washington penetra no interior de Marrocos até Marraquexe, cuja posição determina; G. Davidson a partir de Tânger, pelo Marrocos Ocidental, vai a Wad Nun, alcança Wadny Dha’a e morre assassinado em Suekeya, no Sara marroquino, em 1836. Barth explora em 1844-1845 o litoral de Marrocos, da Argélia, da Tunísia, de Trípoli, de Barqa e do Egipto. Em 1845 Richardson penetra, a partir de Trípoli, por Ghadamés, em Rhat. Fresnel em 1846-1849 recolhe importantes dados sobre Waday e Darfur. Prax em 1848 é o primeiro a realizar uma viagem científica de Tunes a Gerid, Soûf e Tugurt, da qual regressa por Biskra. Berbrugger, Dickson e Hamilton percorrem o Sara argelino, bem como as terras da Tunísia, Trípoli e Barqa e uma parte do deserto líbio. De Bonnemain viaja em 1857 de Biskra a Ghadamés.


[6245]

Em 1858 Abû-Derba atravessa a região dos Areg, entre Laghuat e Rhat, e Mardokhai Abi Surrur viaja várias vezes entre 1858 e 1863 no deserto de Akka, em Marrocos, até Tombuctu, passando por Taoudenni e Arauan. Em 1862-1864, Rohlfs percorre em várias direcções Marrocos até Uadi Draá, chega ao Atlas, visita e explora o oásis de Tafilalet, chega a In-Salah, Tuat e Tidikelt e volta por Ghadamés a Trípoli. Também as viagens empreendidas desde 1867 até 1878 por Balansa, De Wimpffen, Hooker (José Dalton), Maw Ball, Fritsch e Rein, Soleillet (foi o primeiro a traçar a carta geográfica do planalto desde Tademait e Warglá a In-Salah) e Von Bary são dignos de ser assinalados, como também é interessante o que em 1869 realizou Nachtigal em Tu, seguindo a rota de Trípoli, Murzuk e o deserto do Sara.


[6246]

Nessa rota sucumbiria em 1869, assassinada pela sua escolta, uma infeliz mulher nossa conhecida, Alexia Tinne, holandesa de Haia, que se tornou famosa pelas suas grandes e múltiplas viagens pela África Central. Mais longe, para este, o Sara muda de aspecto: o solo torna-se pedregoso, os oásis multiplicam-se e os núcleos populacionais tornam-se menos raros até às imediatas proximidades do Egipto, onde o deserto volta a dominar. No Inverno de 1873-1874, Gerardo Rohlfs, já ilustre nessa época por várias e mui relevantes empresas realizadas nos pontos mais opostos da África Setentrional, acompanhado de Jordan empreendeu no deserto da Líbia uma expedição científica, cujos resultados já deu a conhecer. Após explorar os oásis de Khazgié, Dûkhel, Farâfra, Siwa e Bahariye, constatou que o Bahar Bêla Má (rio sem água) indicado nos mapas anteriores não existe.


[6247]

A sul desta região, fica situado o Sudão, que se confunde em muitos pontos com ela, e que foi já nos últimos tempos objecto de notáveis empresas. É aqui onde se encontra o coração e o centro da África; é aqui onde começa a pátria da raça negra ou etíope, que se estende até sul sobre toda a vasta superfície do grande planalto da África.

A Inglaterra e Alemanha, mais que outras nações, contribuíram nos últimos tempos para aumentar os conhecimentos científicos destas regiões quase totalmente desconhecidas até aos dias de hoje. Em 1823 Oudney, Denham e Clapperton cruzam o Sara entre Trípoli e Kuka, e chegam até à fronteira de Adamawa; depois, após avançarem pelo delta de Chari e pela margem sudeste do lago Chade, visitam Wandala e as províncias orientais do império de Sokoto. Nesta memorável viagem, Clapperton e Denham descobrem e exploram o lago Chade, grande bacia interior que recebe as águas de uma vasta depressão, da qual o planalto central e o do Sara constituem as bordas.


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Nas margens deste grande lago agrupam-se os Estados mais avançados e populosos do Sudão, sobretudo os de Bornu, Kanem, Baguermi e Waday. Este último confina com o Darfur, que em 1874 caiu sob o poder do Egipto. Em 1822-1826, a partir de Trípoli e Ghadamés, Laing vai a In-Salah, atravessa Mabruk e chega a Tombuctu. No regresso será assassinado nos arredores de Arauan.


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Em 1849, tem lugar a grande expedição de Richardson, Overweg e Barth, da qual apenas regressou este último, que em 1855 publicou o emocionante relato da mesma. O grupo tinha saído de Trípoli, por Murzuk, e, depois de cruzar o grande deserto do Sara por uma rota completamente nova, chegando a Rhât e explorando antes o país de Air, tinha penetrado no Sudão, o Azben e o território dos Azger e dos Tuareg Kel-Owi, tinha penetrado no Sudão e alcançado o lago Chade. Overweg foi o primeiro entre os Europeus a visitar o reino de Gober e a explorar as ilhas de Yedina no lago Chade, até então desconhecidas. Após a trágica morte dos seus companheiros, Barth virou para oeste até ao Níger e visitou Tombuctu, que, depois dele, nenhum europeu mais pôde ver e pisar. Este grande viajante explorou uma grande parte de Baguermi até Massenya, alcançou o Benué na confluência com o Faro, visitou Yola, atravessou os Estados Haussa, detendo-se em Sokoto, Kanó e Katsena e, por Tombuctu, seguiu no seu regresso o Níger até Sai; e, cruzando de novo o Sara, chegou até Trípoli e daí voltou à Europa.


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As suas investigações pessoais e as preciosas notícias que conseguiu abrangem quase metade de toda a extensão dos Estados muçulmanos na Nigrícia. Caminhando sobre as suas pegadas pelo deserto do Sara e Kuka, Vogel explora uma parte de Ba-Logomé e os pântanos de Tuburi, para chegar em 1856 a Wara, no Waday, onde sofreu a morte por ordem do soberano desse império. Sete expedições saíram sucessivamente à sua procura. Uma delas, mandada por Beurmann, alcançou o objectivo; mas custou a vida ao seu chefe em 1863, depois de, a partir de Bengazi, ter percorrido Augéla, Murzuk, a montanha de Harug, Vao e Kuka. Os outros viajantes, partidos à procura de Vogel, de entre os quais citarei o dr. Von Heugling, bem como Steudner, Kinzelbach e Munziger, seguindo a rota da Núbia, exploraram uma parte do território pantanoso situado a oeste do Alto Nilo.


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Entre 1865 e 1867, Gerardo Rohlfs, que anteriormente tinha sido objecto da atenção pública com o seu perigoso percurso de Marrocos a Trípoli, por Tafilalet, Tuat e Ghadamés, empreende agora e leva a feliz termo a sua grande viagem a Bornu, alcançando Gebes Es-Sôda e Hamada de El-Homra; atravessa com pleno êxito o continente africano desde Trípoli, no Mediterrâneo, até Lagos, no fundo do golfo da Guiné, no oceano Atlântico. Essa memorável expedição, uma das mais ousadas e frutíferas do presente século, é seguida pela do dr. Nachtigal, que em 1870 levou ao sultão de Bornu prendas do rei da Prússia, em reconhecimento pelos serviços que este soberano tinha prestado a Barth, Vogel e Rohlfs.


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Nos anos seguintes, Nachtigal prossegue as suas explorações nos diversos Estados situados nas margens do lago Chade: reconhece as depressões do solo em Batélé e em Egai; visita Borku e Gundi junto ao rio Chari e explora o Ba-Logoné, o Balli e Ba-Batscikam. Graças ao seu contributo avançaram muito os conhecimentos geográficos sobre estes países. Ele foi, além disso, o primeiro europeu que, pela rota de Muzurk a Kuka, penetrou, enfrentando aos maiores perigos e as maiores privações, nas terras dos Tibbu Reschadé e visitou Tibesti. Atravessou o império de Waday, essa terra inóspita na qual sucumbiram Vogel e Beurmann. Depois, pela rota de Darfur, chegou ao Cordofão e a Cartum, onde nós o recebemos festivamente e entrou no Egipto até aos fins de 1874, juntando assim os seus importantes descobrimentos aos dos exploradores do vale do Nilo.


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Esta expedição, que durou cinco anos, foi uma das mais notáveis que se realizaram nos últimos tempos; situou o dr. Nachtigal entre os mais importantes viajantes da África e abriu novas perspectivas àqueles que, doravante, tomarem as possessões egípcias no Sudão como base das suas operações e como ponto de apoio dos seus empreendimentos.

O Egipto, depois do reinado do grande Mehmet Ali, adquiriu uma excepcional posição entre os Estados africanos. Perante a incurável decrepitude do Império Otomano na Europa, este país avança cada vez mais nos caminhos da civilização moderna.


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A espada do general Bonaparte parece ter sido o mágico poder que despertou na sua tumba trinta vezes secular o génio do antigo Egipto. Graças ao impulso e à iniciativa dos seus vice-reis e especialmente do primeiro quedive, Ismail Paxá, e com a colaboração de uma falange de administradores de primeira ordem, escolhidos de todas as nações da Europa, o vale do Nilo adquiriu um aspecto moderno. A navegação a vapor está organizada em todos os pontos do rio, desde o Cairo até à primeira catarata; e os barcos egípcios também percorrem o grande rio desde Berber até Cartum, bem como até ao Nilo Azul e a todos os pontos navegáveis do Nilo Branco e dos seus gigantescos afluentes. As locomotivas passam silvando junto às pirâmides e não tardarão a penetrar no deserto, graças aos planos de Fozler, que empreendeu a construção de uma via férrea desde a segunda catarata de Wady-Halfa a Dôngola e a Dabba, através das estepes de Dayuba, até Muhammad (quase em frente dos Shendi) e Cartum, ao longo de mais de mil quilómetros.


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Este renascimento do Egipto, com as ambições territoriais que o mesmo não podia pelo menos deixar de suscitar e estimular, favoreceu poderosamente as abundantes conquistas da geografia africana. O Governo do primeiro quedive prestou com soberana munificência uma ajuda generosa e eficaz aos intrépidos cultivadores da ciência que escolheram os seus Estados como ponto de partida para as suas explorações.


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A determinação da bacia do Nilo e, em especial, a busca das suas nascentes foram sempre a primordial finalidade de todas as empresas. Estas tomaram as direcções conforme os braços do Nilo, que juntam as suas águas em Ondurman, povoação vizinha de Cartum, capital das possessões egípcias do Sudão, centro do comércio da Nigrícia oriental e nó ou ponto de comunicações entre o Egipto e a África Central. Esses braços são: o oriental, que é o Astosabos dos antigos ou o Abbay dos abissínios ou o Bahar-el-Azrek dos árabes, isto é, o Nilo Azul; e o ocidental, que é o Astapus dos antigos ou Bahar-el-Abiad dos árabes e que nós chamamos Nilo Branco.

Antes de falar do sistema oriental do Nilo, é preciso passar de relance as viagens e as explorações que se empreenderam neste século, para conhecer bem as zonas da Etiópia relacionadas com este sistema.


[6257]

Henrique Salt, entre 1805 e 1809 penetra duas vezes na Etiópia Oriental e volta com valiosos e interessantes dados. De 1814 a 1817, Burckhard percorre a Núbia e o Norte da antiga Etiópia. Callaud descobre em 1819 as ruínas da antiga cidade de Meroe, situada a oriente do Nilo, entre o Atbara (que vem do Tecazze, o Astaboras dos antigos) e o Bahar-el-Azrek e que eu visitei, admirando as suas antigas pirâmides. Ruppel esteve em 1827 na Núbia Oriental pela parte do Abbay, onde fixou as posições astronómicas e realizou descobrimentos. No mesmo ano, o barão de Prokesch Osten explora o curso médio do Nilo.


[6258]

Combes e Tamisier, depois de percorrerem em 1834 as estepes de Bayuda e o território dos Ababda e dos Bisharin, visitam uma parte da Etiópia. Von Katte percorre em 1836 o Norte da Etiópia. Lefebre, em 1838-1839, estuda as minas de Fazoglo, contando com a presença – segundo me asseguraram alguns xeques – do próprio Mehmet Ali, vice-rei do Egipto.

Em 1840-1841, D’Arnaud, Sabatier e Werne realizam a segunda expedição ordenada pelo vice-rei do Egipto e visitam a região do Abbay. Krapf e Isemberg viajam em 1841 pela Etiópia e pelo território dos Afar. Th. Lefevre, Petit e Quartin-Dillon exploram Shiré, Gojam e Shoa de 1839 a 1843. Rochet d’Hericourt entre 1839 e 1844 viaja duas vezes ao reino de Shoa e chega até ao país dos Herer.


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Em 1842, Ferret, Galinier e Rouget percorrem o Tigré e o Simen, onde recolhem interessante informação sobre a história natural e o estado físico e moral e político desses países, com as respectivas posições astronómicas. Pallme visita em 1844 Meroe e os seus arredores. De Jacobis, Sapeto e os irmãos D’Abbadie realizam importantes estudos sobre a moderna Abissínia erigida em prefeitura apostólica, com os quais contribuem com dados para o conhecimento das línguas e dialectos; e Montuory, lazarista napolitano atravessa com outro companheiro Galabat e Cadaref e vai pelo Nilo Azul até Cartum, onde exerce o seu ministério. Penay, como inspector sanitário das possessões egípcias do Sudão, com residência principal em Cartum, percorre em épocas diversas as províncias de Dôngola, Berber, Sennar, Taka e Fazoglo. O P.e Ryllo, Knoblecher, Vinco, Pedemonte e Casolani, por Dôngola e pelo deserto de Bayuda, vão em 1848 até Cartum. Brehm em 1852 sobe o Bahar-el-Azrek até Rosères.


[6260]

Munziger em 1854 vai de Massaua ao país de Bilen. Hamilton e C. Didier viajam em 1864 de Suakin a Kassala e Cadaref. Burton, Speke, Herne e Stroyan exploram o país da Somália em 1854-1855. Beltrame vai em 1855 de Cartum a Benishangol. Em 1857-1866, o P.e Leon des Avancher percorre o país dos Ilorma, a sul de Shoa; e Walkefield em 1870-1873 continua a mesma exploração pela costa oriental.


[6261]

Von Harnier vai em 1859 de Massaua a Rosères; e o barão de Barmin e Hatmann exploram o Sennar e Fazoglo em 1860, enquanto Von Heulin, Steudner e Kinzelbach visitam as terras dos Bilen e os Beni-Amer. Em 1864, De Pruyssenaere cruza por diversos caminhos a região compreendida entre o Nilo e o Abbay. Schweinfurth explora o território banhado pelo Atbara e seus afluentes. Otão Reil percorre em 1868 os territórios dos Hadendoa, dos Beni-Amer e dos Habab. Rohlfs, agregado à expedição inglesa, vai desde o mar Vermelho até Magdala e recolhe dados topográficos. Munzinger explora toda a costa ocidental do mar Vermelho e o território dos Afar. Carlos Piaggia segue várias vezes o curso do Abbay e do Tomat; visita as tribos dos Barta e dos Berta, e a Abissínia, especialmente o Norte, e familiariza-se de modo particular com aquelas gentes, sobretudo com as que habitam nos arredores do lago Dembea ou Tsana, junto às nascentes do Nilo Azul. Miles percorre o país dos somalis, já explorado por Burton; e Haggenmacher vai lá de Barbera a Libaheli.


[6262]

Mokhtar e Fauzi em 1876 traçam diligentemente o mapa de Zeila a Herrer. Marno, de Viena, explora em 1871-1872 todos os países e tribos desde Cartum a Fassadi, sendo o segundo europeu, depois de mons. Massaia, a alcançar este ponto e descreve amplamente num belo livro todos os aspectos interessantes. Antinori, Chiarinie e Martini de Zeila, na baía de Tuyurra, viajam em 1876-1877 até Ankober, no reino de Shoa; exploram diligentemente essas terras e nesse mesmo ano Chiarini morre em Gera, prisioneiro daquele príncipe. Em 1878, Gessi e Matteucci alcançaram Fadassi pela rota de Benishangol e procuravam avançar para se juntarem em Kaffa com a expedição italiana dirigida pelo marquês Antinori; mas tornou-se-lhes impossível ultrapassar Fadassi e tiveram de retroceder até Cartum.


[6263]

Expostas estas noções históricas, passemos a falar dos dois mencionados sistemas do Nilo. Nada diremos das diversas opiniões dos geógrafos, desde Heródoto até Klöden, sobre as nascentes. O nosso objectivo nestas poucas linhas é narrar em duas palavras como foi resolvido nos nossos tempos o grande problema de vinte e cinco séculos, com o positivo descobrimento de toda a imensa bacia do Nilo e das suas famosas nascentes.


[6264]

A origem do sistema oriental deste grande depósito de águas, ou seja, o Nilo Azul, acha-se a 10o 50’ de latitude norte, no monte Giesch, na região de Sakala, a sul do lago Tsana, que depois atravessa. Esse lugar, que os portugueses exploram no século xvii, foi-nos descrito em finais do passado século por Bruce, o qual pensava que constituía as nascentes do Nilo. Esta opinião teve aceitação até aos princípios do nosso século, em que se viu que o Nilo Azul é inferior pelo seu caudal ao Nilo Branco, que antes da primeira expedição egípcia de 1820 só era conhecido de nome.


[6265]

O sistema das águas do Nilo Azul e a configuração do planalto abissínio foram mais tarde explorados de uma maneira completa por dois franceses: Lefebre, que realizou a sua viagem de 1839 a 1843, e Leiean, que percorreu a Abissínia entre 1862 e 1864. A expedição inglesa capitaneada por Sir Napier em 1867-1868, que terminou com a derrota do exército abissínio e com a morte do imperador Teodoro, divulgou os conhecimentos sobre esta espécie de Suíça africana, onde, graças ao heroísmo e à capacidade de resistência dos abissínios contra doze séculos de assaltos repetidos das vagas de fanáticos seguidores do Islão procedentes de Meca, se conservou até aos nossos dias o Cristianismo, embora contaminado e corrompido pela heresia de Dióscoro de Alexandria, a qual invadiu as igrejas do Egipto e da Etiópia de S. Frumêncio.


[6266]

O senhor António d’Abbadie, membro do Instituto da França, foi o primeiro europeu que descobriu e deu a conhecer o vasto território das tribos dos Gallas, que desde o reino de Shoa se estende até ao equador e constitui com a Abissínia o grande planalto etíope. Em 1838, em companhia do seu irmão Arnaud e de Sapeto, penetrou na Abissínia até Gondar; e, daí, cruzando o Nilo Azul, por Gudru e Nonno, chegou a Enerea. Como tinha ganho a amizade daquele príncipe que se ia casar com a filha do rei de Kaffa (país originário do mais precioso café do mundo, até ao ponto de derivar de Kaffa o nome desse produto), aproveitou a favorável ocasião para visitar o dito reino, acompanhando como padrinho de casamento a comissão mandada pelo príncipe de Enerea, que devia ir a Kaffa para tomar a futura esposa.


[6267]

Em Bongo, a capital do reino, permaneceu 15 dias; e, rodeado de todas as atenções por parte da corte, pôde levar a cabo os seus estudos científicos e obter informações exactas sobre a poderosa raça dos Uarata, que habita as regiões de Kullo, Gobbo, Ualamo, etc. pela rota de Gera e Gomma voltou com a comitiva real a Enerea, onde explorou e estudou grande parte do território dos Gallas, do qual realizou uma magnífica carta geográfica. Ele é o mais douto conhecedor daquelas regiões e povos, dos quais deu a conhecer as línguas e os dialectos. Aí executou grande trabalhos de geodésia sobre uma longitude de milhares de quilómetros, desde Massaua, junto do mar Vermelho, até Bongo, a capital de Kaffa; encontrou os primeiros cursos de água tributários do Juba, e efectuou importantes e muito frutíferas investigações sobre a física terrestre e a meteorologia, bem como as raças humanas e a sua história.


[6268]

Em 1844-1845, tendo ido a Quarata, junto ao lago Tsana, escreveu à Sagrada Congregação da Propaganda Fide para lhe propor a fundação de uma missão entre os Gallas. Foi então que Gregório XVI, em 1846, erigiu o vicariato apostólico dos Galas, confiando-o aos capuchinhos e pondo à frente do mesmo mons. Guilherme Massaia, bispo de Cassaia i.p.i. Este, depois de ter visitado a Abissínia para ordenar sacerdotes indígenas e sagrar bispo e vigário apostólico de lá o santo e douto lazarista De Jacobis, andou vários anos pelos arredores da sua missão sem poder nela entrar. Foi o primeiro entre os europeus a visitar os Shangalla, alcançando Fadassi; até que em 1851, através de Gojam chegou ao principado de Enerea e ao reino de Kaffa.


[6269]

Este valoroso apóstolo da África Oriental trabalhou e suou incansavelmente durante mais de trinta anos em prol das nações que a Santa Sé lhe tinha confiado; e depois de ter sofrido com heróica coragem oito vezes o exílio, concluía recentemente a sua laboriosa e árdua missão, após ter implantado o estandarte da fé católica e da civilização cristã entre os povos Gallas.


[6270]

O sistema ocidental do Nilo, ou seja, do Nilo Branco, é muito mais importante que o anterior. A exploração desta grande bacia começa neste século com o viajante suíço Bruckhardt, que desde 1812 a 1814 percorreu a Núbia por conta da Sociedade Africana de Londres e morreu quando tentava alcançar o deserto da Líbia, com o fim de atingir Fezzan. O seu sucessor imediato foi o francês Francisco Caillaud, que se introduziu na Núbia Superior até aos 10o de latitude norte. Esta viagem, que teve lugar de 1819 a 1822, deu um grande impulso aos estudos da arqueologia egípcia. As explorações do Nilo Branco atingiram o auge a partir de 1821, quando Ismail Paxá, filho do grande fundador da dinastia reinante no Egipto, submeteu os Melek e os pequenos reis independentes da Núbia, do Sennar e do Cordofão (Ismail perdeu a vida em 1822, quando os seus inimigos o queimaram vivo na cidade de Shendi).


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Em Junho de 1825, o ilustre geólogo italiano G. B. Brocchi chegou a Cartum, onde morreu a 25 de Setembro de 1826, deixando um diário com abundantes notícias científicas. Em 1827, o francês Linant de Bellefont, que depois foi durante muitos lustros ministro de Mehmet Ali e dos seus sucessores, e nosso generoso benfeitor, explorou o rio El-Ais, a dois graus de Cartum. Não passou desse ponto a expedição científica dirigida pelo ilustre José Russeger, conselheiro ministerial austríaco, que acompanhado por Kotschy chegou ao reino do Cordofão em 1837 e visitou, como primeiro europeu, a região de Takalé e a de Dar-Nuba, onde nós estabelecemos há alguns anos uma missão católica. As suas viagens, realizadas entre 1835 e 1841 e descritas nas suas obras, publicadas em Estugarda, são um rico tesouro para a ciência e fornecem importantes dados sobre questões relativas à geologia e à mineralogia das terras percorridas.


[6272]

Russegger e Kotschi tinham sido precedidos nestas viagens ao Nilo Branco e ao Cordofão por Rüppel, que de 1824 a 1833 determinou aí posições astronómicas e efectuou descobertas geológicas. Estes geógrafos foram seguidos de Carlod Lambert, que em 1839 traçou a rota de Cartum a El-Obeid e realizou a triangulação de todo o Cordofão central, estudando ao mesmo tempo as riquezas minerais. Com os dados destes geógrafos e com a descrição da travessia do deserto de Bayuda entre Dôngola e o Cordofão, que efectuou pela primeira vez o exército egípcio chefiado pelo Defterdar em 1822-1823 e por Holroyd, em 1837, Pallme pôde levar a cabo em 1844 a sua interessante exploração do Cordofão e publicar sobre o assunto importantíssimas e pormenorizadas notícias. Estas, por sua vez, serviram para as viagens de De-Müller e de Brehm em 1848; para a de De-Schiefen, que em 1853 recolheu informação pormenorizada sobre as novas rotas seguidas pelas caravanas entre Dôngola e o Cordofão através das estepes de Bayuda, e para a do conde D’Escayrac de Lauture, que percorreu o Cordofão até às fronteiras de Darfur e passou a Takalé.


[6273]

O reconhecimento do Bahar-el-Abiad nos territórios das tribos negras independentes devia ser realizada sob os auspícios do grande Mehmet Ali, que em 1839 ordenou uma viagem de exploração. Oficiais turcos, sob as ordens do capitão Selim, tendo levantado vela de Cartum a 17 de Novembro de 1839, navegaram até aos 6o 30’ de latitude norte, e no dia 26 de Março de 1840 estavam de regresso. A expedição constava de dezasseis dahhabias, ou veleiros do Nilo dotados de cabina, com dez canhões e vinte e sete lanchas. Nelas iam quatrocentos homens armados, entre eles os franceses M. d’Arnaud e M. Thibaut, os quais elaboraram separadamente um diário de viagem que foram logo conjuntamente publicados. Pouco depois, Mehmet Ali preparou uma segunda expedição, que, partindo a 3 de Novembro de 1840, chegou até Gondokoro, a 4o 42’ de latitude norte, e regressou a Cartum a 18 de Abril de 1841. Chefe científico da mesma foi nomeado o sr. D’Arnaud, que teve como companheiros Sabatier e o prussiano Werne. Fizeram grande número de observações científicas. D’Arnaud publicou o mapa do itinerário e Werne fez um relatório da viagem.


[6274]

De seguida fizeram-se diversas expedições pelo Nilo Branco e, pelo Oeste, até Darfur e aos Fertit. Não vou falar aqui das viagens de Combes e Tamisier, de Tremaux, do conde Fernando de Lesseps, de Penay, de Johnson, de Taylor, de Gobat, de Lafargue, de Vaudy, do dr. Kuny, do duque d’Aumont e do coronel russo Kovalevski, que em 1848 empreendeu uma viagem pelo Sudão, depois de ter percorrido várias vezes as imensas estepes da sua pátria. Mas direi que, após as referidas expedições científicas dos militares egípcios, Brun-Rollet, cônsul sardo, realizou uma série de viagens ao vasto território situado entre Cartum e os 4o graus de latitude norte, e explorou e estudou minuciosamente as várias tribos que se encontram a oeste do Nilo Branco: os Hassanieh, os Habu-Rof, os Scheluk, os Denka, os Yangué, os Nuer, os Kich, os Eliab, os Ghogh, os Arol, os Shir e tantos outros povos.


[6275]

Após percorrer várias vezes o Bahar-el-Ghazal, que ele chamou o Misselad, e o território ocidental do Alto Nilo e de penetrar em Banda, deu importantes notícias dos países visitados e contribuiu para introduzir e tornar viável o comércio europeu com as diferentes tribos do Nilo Branco. O vice-cônsul britânico Petherick empreendeu cinco viagens de Cartum pelo Nilo Branco, nas quais percorreu o Niam-Ait, o Bahar-el-Ghazal e o Bahar-el-Arab e internou-se no país dos Yur, alcançando os 4o de latitude norte. O cav. Martin Hansal, membro desde 1853 da missão católica e desde há quinze anos cônsul austro-húngaro em Cartum, deu muitas e importantes notícias científicas sobre os países situados entre o trópico e o equador, especialmente depois de ter passado uns anos na nossa missão de Gondokoro, onde estudou também a língua dos Bari. Em 1857 os irmãos Poncet (Ambrósio e Júlio) exploram o Alto Nilo até Regaf, internam-se no país do Nuer e no dos Yur até Dar-Fertit, e recolhem informações sobre os lugares que se encontram mais a sul, até Bamburra (Uelle). Alexandrina Tinne, von Heiglin e Steudner exploram o Niam-Aith e grande parte do território situado a ocidente do Alto Nilo, que sobem até Gondokoro.


[6276]

Latif Efendi (o maltês De Bono) fez em 1855-1857 uma longa e fadigosa exploração pelo rio Sobat, um dos mais importantes afluentes do Bahar-el-Abiad. Este comerciante, como ele mesmo me contou e me confirmou quem o acompanhava, passou mais de três anos neste rio. É verdade que nenhum europeu penetrou mais que ele no Sobat; mas como o seu único fim era conseguir marfim e enriquecer com o seu comércio, não deixou escrita nenhuma informação importante, pelo que o verdadeiro curso do Sobat permanece ainda envolto em mistério. Em 1859, o rev.do P.e Beltrame, P.e Melotto e eu, depois de termos penetrado no ano anterior com P.e José Lanz no país dos Ghogh, a oeste do Nilo Branco, entre os 6o e os 7o de lat. norte, avançámos durante oito dias Sobat acima, até onde a nossa embarcação pôde chegar e, diligentemente, traçámos o mapa daquela parte, sobre o que publicámos um relatório. Depois de nós, houve um ou outro que percorreu este misterioso rio, mas só durante algumas jornadas, e já em 1876 Junker explorou o curso inferior até certo ponto e traçou um mapa.


[6277]

Finalmente, a missão católica da África Central, erigida mediante o breve pontifício de 3 de Abril de 1846 por Gregório XVI de s. m., e instalada pela primeira vez em Cartum em Fevereiro de 1848, contribuiu poderosamente para dar a conhecer com as suas obras, estudos e explorações a geografia do sistema ocidental do Nilo. Em 1849 e 1850, o dr. Inácio Knoblecher, de S. Canciano, em Liubliana, chefe da missão católica, e P.e Ângelo Vinco, do Instituto Mazza, de Verona, junto com outros missionários, chegaram ao ponto mais extremo alcançado pela expedição egípcia em 1841. Vinco foi o europeu que mais tempo permaneceu no Nilo Branco naquela latitude, estada durante a qual observou o clima, a natureza do país. Tendo-se afastado alguns dias das margens, visitou os Beri. Além disso, viu novas tribos, cuja língua, costumes e índole foram objecto do seu estudo.


[6278]

Por obra sua, estabeleceu-se a estação missionária de Gondokoro, na qual o pró-vigário Knoblecher, com grande espanto daqueles povos, fez construir segundo o estilo europeu a casa da missão, dotada de um belo jardim e de uma igreja consagrada a Nossa Senhora. Ele forneceu notícias muito importantes sobre o curso inexplorado do Nilo, sobre o dos seus afluentes e sobre os povos que vivem nas regiões equatoriais das suas procuradas nascentes. A esses povos e a essas nascentes estava ele prestes a realizar um viagem, em 1852, acompanhado de nativos, entre os quais gozava de grande estima, mas, atormentado incessantemente pelas febres, não pode levar a cabo a audaz exploração. As suas forças foram menores que o seu coração, e a religião e a ciência perderam-no irreparavelmente em 22 de Janeiro de 1853; foi ele o primeiro mártir da fé e da civilização no Nilo Branco.


[6279]

Maior todavia para os conhecimentos científicos e geográficos do sistema ocidental do Nilo é o contributo prestado por mons. Knoblecher, pró-vigário apostólico da África Central.

Ele percorreu várias vezes o grande rio desde Cartum até Gondokoro, traçou o seu curso, mediu a sua largura e profundidade, calculou a velocidade do seu caudal, descreveu os povos e as tribos que habitam as suas margens. Depois, avançou consideravelmente para sul para descobrir os mistérios dessas terras. A 16 de Janeiro de 1850 alcançou os 4o 9’ de latitude norte; e nos inícios de Junho de 1854 avançou até aos 3o dessa mesma latitude, onde começam as cataratas, mais para lá das quais o grande rio sai da vasta bacia do Alberto Nyanza. Nenhum europeu antes dele tinha alcançado até então um ponto do Alto Nilo tão próximo do equador. Mons. Knoblecher é o primeiro iniciador da verdadeira civilização cristã na África Central.


[6280]

De Alexandria até Gondokoro é conhecido com o nome de abuna Solimán (padre Solimão), que os povos da Núbia e do Nilo Branco pronunciam com grande respeito. As suas obras de apostolado e os trabalhos dos seus missionários – entre os quais é preciso citar Gostner, Kirchner, Überbacher, Lanz e outros, e os missionários do Instituto Mazza, de Verona –, bem como os êxitos e os suores da missão da África Central e os estudos das línguas do Nilo Branco, especialmente sobre o dinca e o bari, estão registados nos Anais da Propagação da Fé, de Lião e Paris, de Viena e de Colónia, nos boletins da Sociedade Geográfica de Viena e nas obras do doutíssimo professor Mitterrutzner, de Bressanone.


[6281]

Estes descobrimentos receberam um impulso extraordinário de outro ponto da África. Os maravilhosos acontecimentos que vou assinalar, e que aconteceram em apenas cinco lustros, revelaram os mais importantes mistérios da geografia africana.

Em 1848 e 1849 os dois viajantes alemães Rebmann e Krapf descobrem a norte de Zanzibar quase alinhadas as montanhas cobertas de neves perpétuas, nas quais crêem reconhecer as montanhas da Lua, de Ptolomeu, e a sede principal das nascentes do Nilo. Este descobrimento estimulou repentinamente e de forma extraordinária o interesse dos exploradores. Entreviu-se desde esse momento a possibilidade de penetrar pela parte sul no vale do Nilo e de chegar por este caminho à solução do grande problema.


[6282]

Dois oficiais ingleses do exército da Índia, os capitães Burton e Speke, recebem da Sociedade Geográfica de Londres a missão de tentar esta grande empresa. Em 1857, partem de Zanzibar, dirigem-se em linha recta para o interior e chegam a 13 de Fevereiro de 1858 às margens do lago de Tanganica. Esta é uma data memorável nos anais das explorações africanas. Depois de cruzarem o lago em toda a sua longitude, os dois viajantes separam-se. Burton é apanhado pelas febras que o deixam maltratado. Speke avança sozinho para o norte e toca nesta direcção a praia meridional de um segundo e extenso lago, que os indígenas chamam Ukerewe, mas ao qual Speke põe o nome da rainha da Inglaterra, convertendo-se em Vitória Nyanza.


[6283]

Convencido de que tinha encontrado desta vez a verdadeira origem do Nilo, em breve Speke organiza uma nova viagem, acompanhado do capitão Grant. Em 1861, os expedicionários encontram-se junto ao lago Vitória, que eles rodeiam pela parte oeste, sem se aperceberem minimamente da existência próxima de outro grande lago; e entram no país do Uganda, cujo rei, Mutesa, os acolhe jubilosamente e com grande mostras de amizade. Na margem setentrional, Speke e Grant descobrem a saída dele, que eles assinalam desde este momento como o ramal original do Nilo. Se bem que não tenham podido percorrer continuamente o seu curso, as afirmações dos dois viajantes ingleses receberam das expedições subsequentes e especialmente da do coronel americano Long, em 1874, e da de Stanley, em 1875, a mais absoluta corroboração. No seu regresso, Speke e Grant encontram em Gondokoro Samuel Baker, que já tinha empreendido com a sua heróica companheira, em sentido inverso, a mesma exploração. A conjunção das duas expedições anuncia evidentemente que a solução do grande problema está próxima.


[6284]

Prosseguindo a sua marcha para sul, à custa de incríveis privações e sacrifícios, Baker retoma o Nilo nas cascatas de Karuma, ponto a partir do qual os dois capitães, seus antecessores, se tinham afastado e descoberto que o rio desagua num segundo e extenso lago, o Mwutan, ao qual dá o nome do augusto consorte da rainha da Inglaterra, convertendo-o em Alberto Nyanza. Era Março de 1864. Embora Baker não tivesse visto mais que uma pequena parte das margens deste lago, e não lhe tenha descoberto a saída, o sistema do Nilo fica, desde então, quase determinado.


[6285]

Estes grandes descobrimentos impulsionam e estimulam o ardor dos viajantes e dos homens da ciência, suscitando ao mesmo tempo ambiciosos planos políticos. A concentração sob o ceptro do vice-rei do Egipto de todos os territórios que formam a imensa bacia do Nilo, torna-se no grande Cairo uma ideia já definida e decretada, cuja realização passa rapidamente ao domínio dos factos consumados. Em 1870, Sir Samuel Baker, elevado ao grau de Ferik Paxá, sai do Cairo à frente de um pequeno corpo de exército, com a missão de estender até aos lagos Nyanza a autoridade do quedive, embora com o pretexto de reprimir o tráfico dos escravos. Esta expedição, que custou ao tesouro egípcio a soma de mais de vinte e seis milhões de francos, não alcançou de modo nenhum o seu objectivo.


[6286]

Em 1874, foi nomeado também Ferik Paxá um militar de origem britânica, o coronel Gordon, que se tinha celebrizado pela sua extraordinária coragem em mais de vinte famosas batalhas na China, onde ao serviço do celeste imperador tinha domado os rebeldes. Um homem capaz de estar à altura da sua missão. Dotado de heróica coragem e de firmeza inquebrantável como soldado, mas também de um coração generoso, com o firme propósito de evitar todo o derramamento de sangue, partiu para levar a cabo a sua empresa. Nela conseguiu brilhantes resultados, implantando a bandeira egípcia a pouca distância da residência do grande rei Mutesa, perto do equador e não longe do Vitória Nyanza.


[6287]

Com a sua coragem perseverante, Gordon Paxá desferiu um grande golpe na horrível chaga do tráfico de escravos. Mas Gordon precisava de um braço forte, alguém que com a sua mesma perspectiva executasse os seus planos e ideias. O homem mais poderoso para o ajudar na árdua tarefa era o capitão Romulo Gessi. Este veronês, muito versado na arte militar e dotado de invicta coragem e sangue-frio, de franzina mas férrea constituição e de uma constância a toda a prova, na guerra da Crimeia tinha seguido o exército britânico como intérprete, sendo bem conhecedor das línguas inglesa, alemã, francesa, turca, grega, arménia e outras.


[6288]

Gessi precisava de Gordon; e Gordon não tinha podido alcançar o êxito em empresa tão árdua sem o braço, a fidelidade e a constância de Gessi, que também foi elevado ao grau de paxá. Falarei noutro lugar destas vitórias de Gessi, o domador do fero Soleiman Ziber e de muitos outros cruéis negreiros, negociantes de carne humana, que ele fez passar pelas armas no Bahar-el-Ghazal, desferindo assim um duro golpe no horrível tráfico de escravos no território meridional do já submetido império de Darfur. Só direi que, com Gordon ajudado por Gessi, a dominação egípcia nas vastíssimas regiões situadas entre o Sobat e o Nyanza adquiriu um carácter de estabilidade e quase de segurança; e a ambição de transportar pelo Nilo um barco a vapor para o Nyanza Alberto, por obra de Gessi, viu-se coroada de êxito. Depois de incríveis dificuldades, conseguiu ir por terra, com o barco dividido em peças, de Rejaf a Duffi, de onde o rio é navegável até ao Mwutan. Ele foi o primeiro explorador a dar a volta a pé ao lago Alberto Nyanza, cujas margens encontrou interrompidas a sul por uma aglomeração de ambag (Aedemonia mirabilis); e as notícias que ele forneceu sobre toda a extensão daquele grande lago confirmaram-nas depois aqueles que o visitaram, por ordem do Governo egípcio.

O curso do Nilo Branco, isto é, de todo o sistema ocidental do rei dos rios, ficou assim estabelecido de forma definitiva.


[6289]

Outro viajante, muito famoso pela ousadia e sorte das suas grandes empresas, é o americano Henrique Stanley, o qual, depois de efectuar a circum-navegação do Vitória Nyanza, que recebe dezasseis rios e mede mais de 1600 quilómetros de perímetro, passou a completar noutro ponto estes brilhantes e importantíssimos descobrimentos.

Por este lado, de facto, apresentava-se outro amplo campo de investigação. Tratava-se de traçar a ocidente a linha das alturas que constituem as demarcações da grande bacia do Nilo e reconhecer o sistema dos seus numerosos afluentes. Deste modo, além disso, seria possível encontrar-se com os viajantes que exploravam a parte central do Sudão e integrar num todo as observações feitas, partindo de partes opostas.


[6290]

Aqui encontramos sucessivamente: os irmãos Poncet, que em 1857-1860 exploram o país dos Yur e Dar-Fertit e recolhem importantes informações sobre as regiões situadas mais a sul até ao rio Uelle; De Malzac e Vayssière, que igualmente em 1857-1860 percorrem Mareb, o Nam-Aith, os territórios dos Ghoth, dos Arol e dos Yur e grande parte do Oeste do Alto Nilo, até ao país dos Runga (eu visitei em 1859 estes dois viajantes nas suas estações comerciais nas terras dos Kich, e De Malzac disse-me que entre os Runga e outras tribos do interior viu centenas e milhares de cabeças humanas de inimigos penduradas nas árvores do caminho por onde passava e que tal era o costume dos vencedores); Antinori, Miani, e Carlos Piaggia, que em 1860 percorrem as margens do Bahar-el-Ghazal e o território dos Yur, e Piaggia só alcança o dos Fertit, Penay e De Bono, que visitam alguns destes países da parte do Nilo Branco em 1861 (Penay morre aí no mesmo ano); o cônsul britânico Petherick, que nas suas repetidas explorações e viagens comerciais, entre 1848 e 1863, avançando para sul até ao país dos Niam-Niam, onde o nosso Carlos Piaggia permanece dois anos, de 1863 a 1865.


[6291]

Dois alemães, Teodoro Heuglin e o botânico Steudner (o qual morreu no decurso das suas explorações), chegam para lá do Bahar-el-Ghazal e do território dos Yur, visitando as tribos negras de Dar-Fertit; e Leiean, que do Cordofão alcança o Bahar-el-Arab, e é o primeiro europeu a traçar o curso do Nam-Aith, afluente do Nilo Branco. Todas estas expedições preparam a grande, notável viagem do dr. Shweinfurth que, partido de Cartum em 1869, chega até aos 3o 35’ de latitude norte, atravessando o país do Niam-Niam e o dos Mombutu. Descreve minuciosamente estes povos até então desconhecidos, toca, de facto, a linha de resto pouco marcada, que separa a bacia do Nilo do lago Chade, e descobre na vertente ocidental um rio ainda misterioso, que ele chama Uelle. Chegado a este ponto, ainda não tinha enfraquecido o ânimo do audaz viajante, mas a falta de recursos pecuniários obrigou-o a retroceder. Caso dispusesse de mais recursos, teria certamente convencido a sua gente de escolta para penetrar até ao coração do Sudão, pois a sua intenção era juntar-se com o dr. Nachtigal em Bornu ou noutros reinos centrais.


[6292]

O corajoso veneziano Miani, que em viagens anteriores se tinha aproximado muito do equador, em 1859, aceitando do ex.mo Jafar Paxá, governador do Sudão egípcio, um ordenado mensal de mil piastras egípcias (260 francos) como viajante científico, juntou-se a uma expedição comercial do senhor Gattasc, homem de negócios copta e saiu de Cartum navegando pelo Nilo Branco até Abukuka. Desembarcou na terra dos Kich e pela dos Ghogh, dos Arol e dos Yur chegou a Bakangoi, junto ao rio Uelle; e alquebrado pelas privações, as fadigas e, ainda mais, pelos vexames da sua escolta, morreu no país dos Mombutu, deixando a herança de uma pequena colecção de objectos etnográficos, e dois jovens Akka, para que fossem enviados ao rei Vítor Emanuel II. Destes dois jovens encarregou-se a nobre família Miniscalchi, que com paternal solicitude os instruiu na religião católica e os recomendou ao excelente maestro Scarabello, de Verona, para o ensino elementar. Por seu lado, em 1875, o senhor Marno efectuou um reconhecimento da margem esquerda do Nilo Branco, em direcção às terras que Schweinfurth tinha visitado seguindo uma outra rota; e explorou, em companhia do coronel americano E. Long o território dos Makraka, que um ano mais tarde foi percorrido por Junker.


[6293]

Os senhores Kemp, Chippendall, Watson, Linant de Bellefond e Long, com os outros membros da expedição mandada por Gordon Paxá, traçaram o verdadeiro Nilo até ao Nyanza Vitória, de Cartum a Rejaf, Makedo, Dufli, Magungo, Shoa-Moru, Foweira e M’ruli. Long, explorado o país dos Makraka, vai a Rubaga, onde reside o rei Mutesa. Parte daí e descobre o lago Kabeki (ou Ibrahim), que depois foi explorado por Carlos Piaggia; e Linant de Bellefond levantou o mapa da rota que ele tinha seguido até à capital do rei Mutesa. O sábio e esforçado Emin Bei (o dr. Schnitzler) explorou diligentemente em 1876-1877 os reinos de Unyoro e Uganda e ofereceu dados interessantíssimos sobre a flora da África Central, desde o Sobat ao equador.


[6294]

Aqui deveria referir-me às rotas que das costas orientais da África os exploradores seguiram até ao interior deste imenso continente. Smee, em 1911, reconhece o curso inferior do Juba; Krapf, Rebmann e Erhard exploram, de 1843 a 1855, o país que se estende ao pé do maciço do Quénia e do Kilimanjaro pela parte do sudeste. Em 1845, Maizan, a partir de Bagamoyo, foi o primeiro a penetrar em Uzaramo, onde o mataram. Rebman explora em 1846 o litoral entre Mombaça e Malindi. Guillain, em 1846-1848, navega ao largo das costas de Zanguebar e do país dos Tuhaeli, realizando interessantes trabalhos hidrográficos. Em 1861 Rigby percorre Juba até Berdera, onde é assassinado com muitos dos seus companheiros. Em 1865-1875, Wakefield e New fazem viagens pela costa oriental e recolhem dados certos sobre caminhos para chegar aos grandes lagos. O P.e Horner avança em 1870 de Bagamoyo até Kinolé, a capital de Ukami.


[6295]

Em 1871 Brenner explora o país dos Ilmorna, entre o curso inferior do Dana e do Juba; enquanto Wakefield continua a sua exploração da costa oriental e New empreende duas viagens ao Kilimanjaro. Em 1876, Hildebrant vai de Mombaça a Kitui; e no mesmo ano Correrit e Price reconhecem a orla de Kilimane e o caminho de Sa’Adani a M’pwapwa. Em 1876-1878 tem lugar a grande expedição anglicana da sociedade de missionários de Londres, chamada Church Missionary Society, que, dotada de grandes meios materiais e de abundante dinheiro e, munida de uma carta autografada da rainha Vitória dirigida ao rei Mutesa do Uganda, segundo li num jornal francês, se dirige, a partir da costa de Zanguebar, para os grandes lagos equatoriais, para aí estabelecer missões anglicanas. São cerca de 20 missionários ingleses, entre os quais se destacam o dr. Wilson e os senhores Shergold, Smith, Mackay, Hartnell, Clark, O’Neil e Robertson, os quais, explorados Wami e Kingami, partem, por Bagamoyo, para o Nyanza, cuja grande bacia atravessam de sul a norte.


[6296]

Fora estes, outros três membros da mesma sociedade, o dr. Felkin e os senhores Pearson e Lichtfield, seguindo a rota de Berber (onde se alojaram na nossa casa da missão) e Cartum, em 1878, dirigem-se pelo Nilo Branco aos Nyanza. Contudo, vários dos missionários anglicanos morreram: uns de febre; e Smith e O’Neil, juntamente com cem homens de escolta, foram massacrados numa ilha do lago Vitória. O dr. Wilson com alguns companheiros permaneceu algum tempo em Rubaga, a capital do rei Mutesa; mas em 1879 viram-se obrigados a abandonar o seu campo de acção e regressaram pela via do Nilo para Inglaterra.


[6297]

Contudo, o zelo apostólico que adquire a sua força do alto dos Céus e ao pé da cruz não perde força pelas dificuldades e pelas desgraças. Esse campo sublime, ainda que semeado de tantos espinhos, devia ser ocupado por uma falange de verdadeiros apóstolos, que receberam de Deus a legítima missão de o cultivar. A ínclita congregação dos missionários de Argel, fundada pelo eminente arcebispo mons. Carlos Marcial Allemand Lavigerie, com o fim de evangelizar as regiões ainda infiéis da Argélia e o deserto do Sara, acorreu, com a bênção do Vigário de Cristo, a pregar a fé aos povos da África Equatorial. Duas expedições de quase 30 pregoeiros do Evangelho reuniram-se em Zanzibar em 1878-1879 e, por diversos caminhos, avançaram, e parte deles estabeleceu-se no lago Tanganica, outra parte no Vitória Nyanza, onde o rei Mutesa lhes dispensou cortês acolhimento, o qual até ao momento os cumula de facilidades e da mais alta protecção.


[6298]

Entretanto, está-se a abrir às investigações científicas sobre a África um campo vastíssimo e totalmente novo. É o próprio centro da África Equatorial que estimula e aviva não menos a curiosidade e a coragem dos viajantes que o zelo apostólico dos missionários.

Estas vastas regiões desconhecidas do planalto central, cujo limite setentrional as expedições do Sudão e do vale do Nilo fizeram deslocar recentemente entre os 2o e os 10o de latitude norte, não raramente foram exploradas à volta das suas altas fronteiras. Em épocas bastantes remotas, as expedições portuguesas tiveram nestes lugares uma importância a que, em geral, não se dá o merecido reconhecimento. Os grandes Estados de Kazembe e de Muata-Yanio, que somente hoje começam a sair da obscuridade, foram explorados e percorridos durante a primeira metade deste século por toda uma série de viajantes portugueses e de outras nações, que, a partir da costa ocidental, alcançaram o limite oriental do imenso planalto.


[6299]

Em 1793-1801, o médico português De Lacerda e Almeida, partindo de Senna, alcança o Zambeze e chega a Lusenda, capital de Kazembe, a leste do lago Moreo. A ciência é devedora a De Lacerda das primeiras determinações astronómicas dessa parte da África. Em 1806-1815, os irmãos Pombeiro cruzam a parte meridional do continente africano, de Luanda, na costa ocidental, a Sofala na oriental, passando pela capital de Kazembe. Owen realiza em 1826 trabalhos hidrográficos no baixo Zambeze. Monteiro e Gamito em 1831-1835 sobem o Zambeze e chegam até ao império de Ulunda. Em 1843-1846, Graça vai de Baguela até às proximidades do lago Moero. Em 1841 Livingstone, Oswell e Murray exploram os territórios situados a oeste da República do Transval, atingem Seckek, junto do Zambeze, e em 1848 descobrem o lago Ngami.


[6300]

Gulton, em 1850-1851, alcança os confins do deserto do Calaári chega ao país de Damara e estabelece as suas posições astronómicas. Em 1851-1853, Anderson cruza o país de Nama-Kwa, chegando até ao curso inferior do Kumené.

Ladislau Anerigo Magyar, cujo casamento com uma princesa indígena de Bié lhe presta e imprime, entre os seus émulos, um carácter singular, explorou uma grande parte do oeste da região de Urua, e chegou a Yah Quilem nos arredores de Kasal. Este grande viajante húngaro percorreu entre 1847 e 1857 o centro da África Austral, desde o oceano Atlântico ao Índico, entre os 4o e os 22o de latitude sul, e explorou vinte e seis rios e muitos países que não se conheciam nem sequer de nome; e, depois de ter percorrido Angola em 1860, morre em 1864 em Kuya, na região de Benguela.

Em 1853-1858, Silva Porto atravessa a África desde Benguela a Cabo Delgado. Green e Wahiberg exploram em 1856 o lago de Ngami, o seu tributário rio Tiogué e os países mais a oeste.


[6301]

Em 1860, Roscher viaja de Kondutshi a Kilwa, de Kilwa e Mesulé a Nusewa, no lago Niassa, e, finalmente, de Nusewa a Kisunguni. Em 1860-1864, Von der Decken, Thornton e Kersten exploram a costa oriental entre Malindi e o rio Rovuma, o caminho de Kilwa a Mesulé, o Zambeze até à confluência com o Kafué e o monte Kilimanjaro, cuja triangulação Thornton efectua. Em 1873-1875, Güssfeldt, Bastian e Pechnel Lösche reconhecem, na região equatorial, o litoral do oceano Atlântico entre o Zaire e o Kuilu. Em 1876 Yung navega pelo lago Niassa, e constata que a bacia do mesmo se estende até aos 9o de latitude sul. Finalmente, nestas explorações participam muito activamente os senhores Von Homeyer, Pogge e Lux, membros da expedição germânica para a exploração da África Ocidental. Von Homeyer toca Kassangi; Pigge e Lux seguem para a frente até Kimbundu e, finalmente, Lux avança sozinho até Lujumba, a capital de Muata-Yanvo.


[6302]

Na costa ocidental da África, o capitão inglês Tuckey sobe, em 1816, o rio Congo, sem conseguir ultrapassar as cataratas de Yellala e sucumbe à influência perniciosa do clima. Junto com Smith explora e reconhece o curso inferior deste grande rio até às mencionadas cataratas. No fundo da baía do Biafra, Burton e Mann efectuam em 1860 a subida do gigantesco pico Mongo-Ma-Loba Camerum, visitam o país dos Fan e sobem o Congo até às cataratas de Yellala. Du Chaillu, em 1856 e em 1864, explora sucessivamente a foz do Gabão, do Muni e do Ogué, e avança, a sul deste rio, mais de duzentos quilómetros para o interior do continente.


[6303]

Em 1859, Braouézec reconhece os rios que desaguam no estuário do Gabão. Serval, Griffon du Bellay, Reade, Abigot e Genoyer e Aymes exploram o curso inferior do Ogowai (Ogué) e os dois primeiros, além disso, os territórios dos arredores e o rio Rhemboé. Depois destes, o inglês Walker e os grandes viajantes franceses Marche e o marquês de Compiegne continuam a exploração do Ogué até ao lugar da sua confluência com o Ivindo. Walker, numa segunda viagem, explora o Ogawai e o território vizinho até Lopé, cuja posição astronómica determina. Estes últimos chegam em 1874 mais além das cataratas de Boué, o ponto extremo alcançado até àquele ano pelos europeus. Em 1875, Lenz, membro da expedição germânica mencionada, sobe o Muni e o Ogué até à confluência com o Shebe.


[6304]

O conde Pedro Sarvognan de Brazzá, patrício romano ao serviço da marinha francesa, e o dr. Ballay e Marche, em 1875-1877, exploram o Ogué, traçando um mapa do seu percurso de Lupé até à confluência com o Bambi. Mas o conde Brazzá, acompanhado de Ballay e de Arche, em 1877-1878, chega mais ao interior que os que o haviam precedido, à custa de muitas privações e sacrifícios, numa dificílima viagem fez jorrar muita luz e deu importantes notícias sobre a geografia da África e que mereceu a medalha de ouro da Sociedade Geográfica Italiana.


[6305]

Da África Austral partem outras expedições interessantíssimas. Em 1803-1806, o dr. Lichtenstein percorre a colónia do cabo de Boa Esperança até aos limites setentrionais. Em 1814, Barrow explora o interior da mesma. Em 1818, partindo do Cabo, o Dr. Kowan alcança o rio Limpopo. Burchell e Thomson atravessam o Cabo em todas as direcções e exploram o Norte. Phillip reconhece algumas partes do Cabo e, em 1820, chega até Natal. Hallbeck explora em 1827 as margens e curso do Nu-Garlep ou rio Orange. Em 1828 Cowie e Green viajam para norte do Cabo para atravessar o Estado Livre de Orange e alcançar a baía de Lagoa. Em 1837, Alezander, a partir da cidade do Cabo, passando pelo Oeste, percorre o país dos grandes Nama-Kwa e toca a baía da Baleia; e Harris, no mesmo ano, visita o Estado Livre de Orange e a República do Transval. Em 1841-1844, Wahlberg explora o Norte do Cabo, entre Natal e o Limpopo, e chega à baía da Baleia e ao lago Ngami. Owselle e Murray exploram os territórios a Ocidente da República do Transval em 1841-1844 e chegam até Schek no Zambeze. Gordon Camming percorre em todos os sentidos os territórios do Transval; e Macabe e Mahar exploram em 1852 os países do Ba-Rolong e visitam as margens setentrionais do Ngami.


[6306]

Em 1854, Moffat e Edwars exploram a parte norte da colónia do Cabo. Chapman, no mesmo ano, percorre em todos os sentidos o vale do rio Zuga, na bacia do grande lago salgado, a noroeste do Transval. Hahn e Rath exploram em 1857 o país dos grandes Nama-Kwa. Em 1861-1863, Baines e Chapman, saindo da baía da Baleia, ao norte da colónia do Cabo, tocam a borda oriental do deserto de Calaári e continuam até ao lago Ngami e às cataratas do Zambeze. São importantes os trabalhos de Moffat sobre a região do Cabo. O zoólogo alemão Fritsch passa três anos, de 1864 a 1866, na República de Orange, e entre os Bechuana e reúne nas sua explorações científicas os elementos do seu sábio trabalho sobre os povos da África Meridional. Em 1869, Ed. Mohr empreende a sua viagem à grande catarata do Zambeze. Ao mesmo tempo Ch. Mauch percorre o Transval e o reino de Mosilikatsé; chega à zona aurífera de Tati, percorre e examina em 1872 toda a região do sudeste e descobre a 20o de latitude sul as importantes ruínas Zimbabe.


[6307]

Nos anos de 1864-1875, Raines põe todo o cuidado, em diversas viagens, para conhecer bem o Transval, os reinos de Matien e de Sekelletu e os territórios situados a norte do deserto de Calaári. Hahn percorre o país de Damara e Krönlein uma parte do dos Nama-Kwa. Em 1868, Erskine viaja pelo país dos Amazulu, na República do Transval, e pelo reino de Ünzila e segue o curso do Limpopo até à sua foz, determinando as posições astronómicas. O dr. Griesbach, em 1870, percorre as colónias do Cabo e do Natal e o país dos Amazulu, cujas posições astronómicas determina e obtém importantes conhecimentos geológicos. Bullo, Hübner e Elton exploram no mesmo ano, em diversas direcções, o Estado Livre de Orange e a República de Transval. Erskine, em 1872, empreende a segunda viagem ao Transval e ao país dos Zulus e percorre o curso inferior do rio Limpopo. Em 1874-1878, o dr. Holub viaja pela parte ocidental da República do Transval, explora o reino de Matabelé, o grande lago salgado nos confins setentrionais do deserto do Calaári e chega até Sechek junto ao Zambeze. Finalmente, a recente expedição militar inglesa contra os Zulus, o Amazulu, contribuiu poderosamente para que se reconhecessem dados abundantes e exactos sobre uma parte dos países que constituem a África Austral.


[6308]

Mas um viajante ilustre sobressai de entre todos os exploradores que o precederam, entre os seus contemporâneos e entre os que lhe sucederam até agora no grande campo das investigações e viagens por terras africanas: trata-se de David Livingstone, que ocupa brilhantemente um lugar muito especial na história dos descobrimentos da África. Durante mais de trinta anos, este homem admirável, com um ardor infatigável e com extraordinária energia exercitou aí o mais esplêndido e sublime apostolado da ciência. Percorreu, ele sozinho, de sul a norte e de oeste a este metade do continente africano, convertido, de certo modo, na sua segunda pátria.


[6309]

As viagens de investigação de Livingstone começam em 1840 na missão anglicana de Kuruman, entre os povos Bechuana. Nesses percursos, chega em 1845 às margens do lago Ngami, o primeiro dos mares interiores descobertos na África. As suas explorações estendem-se nessa época aos territórios situados a norte do cabo de Boa Esperança, onde se fundaria mais tarde a República do Transval e a Sechek, junto ao Zambeze. De 1853 a 1856, Livingstone efectua a primeira das suas grandes viagens. Sobe pelo Norte até ao curso superior do Zambeze, onde descobre a magnífica cascata, mais importante ainda que este rio, e, internando-se em direcção a oeste, chega até Luanda, na costa do oceano Atlântico. Deste ponto, volta atrás, atravessa a África em toda a sua profundidade e vai parar a Quelimane, no oceano Índico, descobrindo o lago Didolo e as nascentes do Liba.


[6310]

De 1858 a 1861, efectua uma série de viagens, que lhe permitem realizar a demarcação da bacia do Zambeze. Explora o curso inferior deste, sobe através de uma série de cataratas o afluente de Shiré e comprova que este rio não é mais que o canal de descarga de um imenso depósito que é o lago Niassa. Com o seu companheiro de viagem, o senhor Kirk, descobre além disso o lago Shirwa, que explora em toda a sua extensão.


[6311]

Após um breve parêntesis em que volta a Inglaterra, Livingstone empreende em 1866 a sua terceira e última expedição. Sai da baía de Mikindami pela foz do Rovuma, rodeia o lago Niassa pelo sul, explora os países de Mazitu, vai à região de Loangwa, ao monte Urungu e, por Itawa, penetra nas terras totalmente desconhecidas que se estendem a oeste do Niassa. Depois, explora Ulunda e visita a capital do Kazembé e as ilhas Mpabala do lago Bangueolo. Junto com este encontra outros lagos, como o Moero e o Kolomondo, formando uma série de depósitos que alimentam um importante curso de água, o Lualaba ou Luapula, que Livingstone acredita erroneamente que é um braço originário do Nilo, mas que os últimos descobrimentos definiram como pertencente ao sistema do rio Congo. Em 1869 chega ao lago Tanganica, que atravessa em parte; depois, continua a viagem até ao Oeste e atinge o Nyangwé, limite setentrional das suas explorações.


[6312]

Esgotadas as suas forças e doente, regressa a Ugigi, onde no Outono de 1871 encontra Henrique Stanley. Este tinha sido enviado a procurá-lo, já que na Europa repetidamente tinha corrido o boato de que tinha morrido. Enquanto Stanley volta a Zanzibar, Livingstone, recuperado da sua doença e munido de novos recursos, percorre a margem oriental do lago Tanganica, interna-se de novo no centro, alcança outra vez, por Ufipa, o lago Moero e completa em diferentes pontos as suas investigações. Mas, em breve, a febre contraída nessas terras pantanosas, sob chuvas torrenciais, apodera-se dele novamente para não mais o deixar. No começo de 1873 passou pelo lago Bangueolo e passou à parte meridional de Chitambo, onde teve que parar. Aí morreu na noite de 1 de Maio, num refúgio que, com ervas, os seus acompanhantes tinham improvisado. Nele foi encontrado pela manhã, ajoelhado ao pé da sua cama. A história das ciências geográficas contém poucas páginas mais comovedoras e de um carácter mais sublime que o simples relato desta morte solitária e silenciosa de um grande homem, mártir de uma grande causa.


[6313]

Nesse mesmo ano, duas expedições partiram de Inglaterra seguindo as suas pisadas. Uma, sob o comando de Grandy, tenente da marinha britânica, tomou as margens do Congo como base de operações; mas não obteve nenhum resultado. A segunda, comandada igualmente por um oficial da marinha, o tenente Cameron, então de vinte e oito anos de idade, alcançou resultados de grande importância. Guiado pelos conselhos de uma personalidade eminente, Sir Bartley Frère, que tinha estado muitos anos na Índia e que era enviado extraordinário da rainha da Inglaterra a Zanzibar, presidente da Sociedade Geográfica de Londres e igualmente presidente da Comissão Inglesa do Cabo de Boa Esperança para a abolição da escravatura; guiado, dizia, pelos conselhos deste homem superior, Cameron partiu de Zanzibar em fins de 1873. A meio caminho do lago Tanganica, em Kaseh, encontrou os ajudantes de Livingstone, que transportavam os restos mortais do seu amo. Depois de tomar todas as medidas para assegurar a trasladação desses restos mortais (que seriam depositados mais tarde no magnífico templo de Westminster, em Londres), bem como a conservação dos mapas e valiosos manuscritos do ilustre viajante, Cameron prosseguiu resolutamente a sua exploração.


[6314]

A 2 de Fevereiro chega ao lago Tanganica, que sulca em toda a sua extensão, e de que levanta o mapa exacto. No curso dos seus trabalhos encontra o emissário do lago, o rio Lukuga, que vira para oeste e se une ao Lualaba. Tal descobrimento levou Cameron a decidir-se a descer este rio e a continuar assim a obra de Livingstone. Chega até Nyangwe, mas nesse ponto a hostilidade de um chefe indígena obriga-o a desviar o seu caminho para sudoeste. Nesta direcção explora a parte oriental do Urua (os lagos Nassali e Mohryal), atravessa as bacias do Kassai, do Kuongoy e do Zambeze e a povoadíssima região de Bulunda e após terminar e traçar o sistema de afluentes da margem esquerda do Congo, em Novembro de 1875, chega ao oceano Atlântico, nas proximidades de Benguela. Esta memorável expedição, que enriqueceu a ciência com 85 demarcações ou determinações astronómicas de posição e com 3718 medições de altitude, era digna de Livingstone, cuja recordação tinha levado a empreendê-la. Tão brilhante êxito foi acolhido na Inglaterra e em toda a Europa com um legítimo sentimento de admiração.


[6315]

Há ainda outro nome que sobressai no campo dos descobrimentos da África. Trata-se de Henrique Stanley, um dos viajantes correspondentes do New York Herald, que em 1871 soube encontrar Livingstone, que todo o mundo julgava perdido. De 1874 a 1877 realizou um verdadeiro milagre, ao atravessar a África Equatorial de leste a oeste, seguindo um itinerário novo e visitando países absolutamente desconhecidos dos Europeus e, em parte, dos Árabes; e foi o primeiro a traçar, tendo-o visto, todo o curso do Lualaba ou Congo uma das maiores artérias fluviais do mundo, que vai desde o lago Tanganica até ao oceano Atlântico e que ele baptizou com o nome de Livingstone. E isto fê-lo no meio de tais dificuldades que só com a ajuda do poder divino pôde superá-las. Todos os dias a fadiga, a fome, as doenças, as flechas envenenadas ou as balas dos africanos faziam baixas nas filas da gente que o acompanhava. Os canibais perseguiam encarniçadamente a expedição, incitando-se mutuamente para o apetitoso e muito especial banquete.


[6316]

Três jovens ingleses, os irmãos Eduardo e Francisco Pocock e Frederico Barker, que ele tinha trazido consigo, pereceram um a seguir ao outro. Unicamente Stanley resiste perante todas as provas e só ele é suficiente para a gigantesca, sublime, oprimente tarefa que se tinha imposto. Enquanto todos os outros exploradores que o tinham precedido, entre eles o heróico Livingstone, viram malograr-se os seus intentos, ele teve a coragem de conduzir a bom termo semelhante empresa. O caminho por onde avança vai ficando semeado de cadáveres. Que importa? Ele continua impávido, com tenacidade indomável, até chegar à meta; e isto apesar de, quase ao alcançá-la, estarem ele e os seus quase a morrer de inanição. Por isso, o realizador desta hercúlea façanha é um homem que fica para a história.


[6317]

Esta memorável expedição é chamada anglo-americana, porque a sua organização e o seu financiamento estiveram a cargo do jornal inglês DailyTelegraph e do americano New York Herald. As instruções dadas ao grande explorador americano eram que completasse os descobrimentos de Speke e de Grant, que circum-navegasse o Vitória Nyanza e o Tanganica e que, igualmente, completasse os descobrimentos de Livingstone.

Partido de Londres com os três jovens antes mencionados, recolheu em Zanzibar o seu grupo de escolta, composto por 315 homens, entre eles alguns valentes que o tinham acompanhado a Ugigi na sua primeira viagem à procura de Livingstone. Deixando Bagamoyo a 17 de Novembro de 1874 foi acampar a Shamba Gonera; e por Mpuapa, região de Usagaru, apartando-se do caminho de Unyamyembé seguido pelas caravanas, avançou para norte entre as solidões de Mgunda Mkali e Ugogo, onde chegou a 31 de Dezembro.


[6318]

Em Mukalala, na região do Ikimbu, os guias desertaram. Ele, pela rota de Uveriveri chegou a Suna, onde encontrou um país bem cultivado, com uma população de surpreendente beleza; e, prosseguindo até Tchuyu, a 400 milhas de Bagamoyo, segundo as indicações do pedómetro, chegou a Mangara. Depois, tendo parado em Vinyata, na margem do Licumbu e, após travar e vencer uma feroz batalha com os Uatuuru, foi acampar com o grupo expedicionário a Mgongo Tombo, em Iramba, e verificou que em menos de três meses tinha perdido 120 homens e Eduardo Pocock. Daí, rodeando pelo ocidente o país dos Massai, chegou em 27 de Fevereiro de 1875 a Kagueyi, distrito de Uclamby, em Usukuma, junto ao Vitória Nyanza.


[6319]

Reunidas e montadas as peças do seu barco, o Lady Alice, construído em Londres, lançou-o à água. Com onze marinheiros e um guia, navegando para leste por um estreito que separa as ilhas de Uruma das de Bugayeya, alcançou a ilha de Kriva; e, depois de uma breve paragem na ilha de Kibiki, por Ukafu foi a Beyal, na baía de Murchison. Aí desembarcou a 4 de Abril no meio de uma multidão de duas mil pessoas e foi recebido solenemente em Usavara por Mutesa, rei do Uganda, por Ksaragvé, Usugo e Usumi. É este um personagem inteligente, valoroso e temido, cujos vastos domínios se estendem desde os 31o aos 34o de longitude este, e desde o 1o de latitude norte até 3o e 30’ de latitude sul, com cerca de dois milhões de habitantes. Ele antes era idólatra, mas um rico e poderoso muçulmano, Khamis Ben Abdullah, em 1871, converteu-o ao Islamismo com toda a sua corte.


[6320]

Em Uragara ou Ulagala, então capital e residência de Mutesa (hoje é Rubaga), Stanley saudou o coronel francês Linant de Bellefond, que era filho do célebre ministro de Mehmet Ali e fundador da actual dinastia egípcia e que tinha sido enviado por Gordon Paxá ao monarca africano, com o pretexto de acordar entre ele e o Governo egípcio um tratado de comércio. Poucos meses depois, Linant de Bellefond morria assassinado.


[6321]

Aqui passo em silêncio a exploração que Stanley efectuou a todo o Alberto Nyanza, e as suas perigosas aventuras neste mar interior, a respeito do qual pôde constatar que se tratava de um único grande lago, como defendia Speke, e não um conjunto de lagos, como pensava Livingstone. Não falo dos obstáculos e dificuldades que teve que ultrapassar, nem do castigo que ele infligiu aos indígenas de Bambireh e os resultados do mesmo. Não descrevo as cadeias de montanhas da África Equatorial que ele avistou; nem a raça dos africanos de pernas longas que habitam as terras situadas a oeste do Uganda, de Karagvé e de Uli, que se mostram inimigos mortais dos estrangeiros; nem da raça branca de Gambaragara, a rainha das montanhas, que tem uma altura de treze a quinze mil pés sobre o nível do mar; nem das águas que brotam quentes em Mtagata, nem dos seus outros muito importantes descobrimentos geográficos. Tocarei de leve pela sua marcha em direcção ao Alberto Nyanza e a sua portentosa peregrinação através do continente negro até ao oceano Atlântico.


[6322]

Realizada a exploração do Vitória Nyanza, Stanley partiu com 2280 homens guiados pelo general Sambuzi, que o rei Mutesa tinha posto à sua disposição para penetrar no país de Unyoro, governado pelo rei Kabba Rega, ao qual se tinha oposto em vão Baker Paxá, contra quem Gordon Paxá lutava ainda. O plano de Stanley consistia em chegar às margens do Alberto Nyanza e, lançando à água o seu barco, o Lady Alice, e as barcas em que deviam ir a maior parte dos seus acompanhantes, realizar a exploração de todo o lago e penetrar na região que se estende a Oeste, com intenção de alcançar Nyangvé e, depois, cumprir o seu ulterior itinerário.


[6323]

De facto, em Janeiro de 1876 chegou ao Alberto Nyanza, cuja latitude, longitude e altitude averiguou e fez os preparativos necessários para o atravessar. Mas não lhe foi possível, porque se dirigiu contra ele uma força tão poderosa, enviada pelo rei de Unyoro, Kabba Rega, inimigo figadal do rei do Uganda, Mutesa, que Stanley teve de se retirar precipitadamente. Regressado ao Uganda, recusou um exército de noventa mil homens, cinquenta mil deles mandados pelo general Sekibobo, e quarenta mil por Mquenda, que o rei lhe tinha oferecido para o escoltar de novo ao lago Alberto; e partiu com a gente da sua expedição para sul, seguindo uma rota paralela à de Speke, mas mais a oeste e chegou a Karagvé. Empregou um mês na exploração daquela grande bacia, que ele baptizou com o nome de Alexandra Nyanza, em honra da esposa do príncipe de Gales, futuro rei da Inglaterra; e avançou para sudoeste para subir o rio até ao seu nascimento. Mas a fome forçou-o a abandonar o prodígio de penetrar no território meridional do Muta n’Zige ou Alberto Nyanza, a norte do lago Tanganica e avançou para Ugigi.


[6324]

Aí soube que Cameron tinha abandonado o Lualaba. Em todo o caso, ele percorreu com o Lady Alice o Tanganica e, desembarcando em Ukangara, pelo caminho de Ugutha, chegou a Kambarré, onde seguindo o Luama até à sua confluência com o Lualaba, chegou por este rio até Nyangvé a quarenta dias de deixar o Tanganica. Era sua intenção penetrar nas regiões do Norte até ao país dos Mombutu e, depois, atravessar a África ao longo da cadeia de montanhas que separa a bacia do Níger da do Congo. Mas em Mayema viu os árabes que tinham escoltado o seu predecessor a Utotera, país do rei Kasongo, dos quais teve provas certas de que Cameron se tinha dirigido para sul na companhia de comerciantes portugueses. Foi então que decidiu resolutamente tentar a grande empresa de atravessar o continente negro seguindo o curso do Lualaba até às costas do oceano Atlântico.


[6325]

Com a escolta de 500 homens, partiu Stanley de Nyangvé a cinco de Novembro de 1876 e, viajando por terra, atravessou Uzimba e Uregga. Não podendo continuar a sua marcha devido à espessa vegetação, e porque as selvas estavam infestadas de gente muito cruel e de animais ferozes, cruzou o Lualaba e continuou a avançar pela margem esquerda através do Noroeste de Usuku. Os indígenas opunham-se à sua passagem, acossando-o dia e noite; e com as suas flechas envenenadas, que são sempre mortais, feriram e mataram a muitos da expedição. Foi uma luta desesperada nesta região de canibais. Stanley tratava de apaziguá-los com suavidade e com prendas; mas eles recusavam-nas e tomavam a sua atitude paciente como uma prova de cobardia. Para tornar a sua situação mais difícil, uma escolta de 140 homens recrutados em Nyanvé, no Mayema, negou-se a seguir em frente.


[6326]

Em tal conjuntura, os indígenas fizeram um grande esforço para o esmagar por completo. Ele defendeu-se heroicamente, mas, para escapar a uma morte certa, não lhe restava senão refugiar-se nas suas embarcações ou voltar para trás e abandonar a empresa. Ainda que na água tivesse indiscutível vantagem sobre aqueles bárbaros, cada jornada de caminho não foi senão a repetição da precedente. Continuou uma luta desesperada ao longo do rio, até que à força de armas e de remos chegou a uma série de cinco grandes cataratas, não muito distantes entre si, situadas a norte e a sul do equador. Para as passar, foi necessário abrir caminho através de treze milhas de espessas florestas, arrastando com a sua gente as dezoito canoas e o barco de exploração Lady Alice, e trocando amiúde o machado pelo fuzil quando eram atacados.


[6327]

Passadas essas cataratas, ele e os seus descansaram vários dias para restaurarem as forças perdidas. A 2o de latitude norte, o grande Lualaba abandona a direcção setentrional que seguiu até então, para virar para noroeste, depois para oeste e depois para sudoeste. É um grande rio de duas a dez milhas de largura, com grande quantidade de ilhas. Para evitar as contínuas lutas com tantas tribos de ferozes canibais, que lhe esgotavam as forças, viu-se obrigado a avançar remando entre ilha e ilha, até que, desesperado pela fome, tendo estado às vezes até três dias sem comer nada, resolveu desembarcar na margem esquerda do rio. Por sorte, encontrou aí uma tribo que tinha algumas ideias sobre comércio. Esses indígenas tinham quatro fuzis procedentes da costa ocidental da África e chamavam o grande rio por onde Stanley navegava Ikitu Ya Congo (rio do Congo). O grande explorador encheu-se de alegria, porque entreviu que já não estava longe da meta. Fez com esses indígenas o pacto de sangue (juntando o sangue de um deles com o de Francisco Pocock, sinal de paz acordada e de amizade entre aqueles povos), comprou certa quantidade de provisões e continuou a viagem pela margem esquerda do rio.


[6328]

Três dias depois chegou ao território de uma poderosa tribo, cujos habitantes estavam armados de fuzis e intuiu que não se encontrava muito longe da costa atlântica. Apenas aqueles indivíduos viram o homem branco, lançaram-se à água com cinquenta e quatro grandes canoas e foram contra ele. Só depois de ver mortos três dos seus homens, Stanley deixou de gritar àqueles negros que era amigo. Então iniciou-se o mais encarniçado combate jamais havido até então naquele terrível rio e que se prolongou pelo espaço de doze milhas. Foi esta a penúltima das trinta e duas batalhas travadas em Lualaba.


[6329]

Este rio, depois de ter mudado com frequência de nome, ao aproximar-se do Atlântico toma o de Zaire ou Kuango. Enquanto atravessa a grande bacia entre os 26o e os 17o de longitude, tem um curso ininterrupto de mais de 1400 milhas, com magníficos afluentes a norte e especialmente na parte do sul; destacam-se a norte, na margem direita, o Riuki, o Liru, o Urindi, o Lovva, o Lulu, o Kandora, o Mbura e o Aruvimi – que correm na região dos canibais –, o Mongala, o Kunga, o Mpaha, o rio Branco e o Yinemba; e a sul, pela margem esquerda, o Rumani, o Yumba, o Sankuru, o Ikilemba ou Uriki e o Nkutu. Daí, ladeando a alta cadeia de montanhas entre a grande bacia e o oceano, precipita-se por mais de trinta cataratas furiosas e rápidas e lança-se o grande rio entre as cataratas de Yellala e o Atlântico.


[6330]

As perdas da expedição anglo-americana foram gravíssimas, incluídas as dos três jovens ingleses, um dos quais, Francisco Pocock, morreu nas cataratas de Massassa. O próprio Stanley, no dia 3 de Junho, viu-se arrastado quase até ao turbilhão das cascatas de Mua e, seis semanas depois, ele e toda a tripulação do Lady Alice se precipitaram do alto das furiosas cascatas de Mbelo e só por um milagre da Divina Providência saíram de lá com vida. Finalmente, após mil horrores e peripécias vividos dentro daquela negra obscuridade nos mistérios do desconhecido, para regressar ao caminho da luz; depois de superar cinquenta e sete cataratas e de travar trinta e dois combates e de percorrer mil e oitocentas milhas de Nyangvé à costa ocidental da África, Stanley, com os intrépidos sobreviventes da sua escolta, no início de Setembro de 1877, chegou, por Emboma e Cabinda, a S. Paulo de Luanda, no oceano Atlântico.


[6331]

Daí, pelo cabo de Boa Esperança, conduziu os seus fiéis campeões a Zanzibar, remunerando-os com uma boa e bem merecida recompensa. E, pelo mar Vermelho, chegou em Janeiro de 1878 ao Cairo, onde tive a dita de estreitar com o grande herói da África a mais sincera e calorosa amizade e de participar com o meu chorado vigário, P.e António Squaranti, no jubiloso banquete que deu em sua honra o ilustre general Stone Paxá, presidente da célebre Sociedade Geográfica Quedival Egípcia. No momento em que escrevo estas linhas estão a levar-se a cabo no continente africano diversas empresas destinadas a acelerar os descobrimentos africanos, de entre as quais me limito a referir apenas a que, organizada pelo rei dos Belgas e dirigida por Stanley, tem por objectivo explorar todo o curso do rio Livingstone. Apraz-me, além disso, assinalar a interessante viagem do jovem príncipe D. João Borghese, patrício romano, acompanhado do dr. Matteucci e do sr. Massari, os quais se aproximaram em Darfur das fronteiras do império de Waday. O extraordinário movimento das explorações de todos os pontos deste grande continente prossegue sempre com o máximo ardor e energia e nele tomam parte quase todas as nações civilizadas da Europa.


[6332]

Esta pequena memória sobre o QUADRO HISTÓRICO DOS DESCOBRIMENTOS DA ÁFRICA não é mais que uma pesquisa e resumo de uma obra mais volumosa e completa que, se Deus quiser, escreverei lá mais para a frente e que será seguida do QUADRO HISTÓRICO DAS MISSÕES CATÓLICAS fundadas pela Santa Sé Apostólica nas ilhas e no grande continente africano.

Os resultados essenciais das expedições e descobrimentos assinalados nesta memória, podem ver-se de um só relance no interessante mapa da África que publicou em 1874 o sábio geógrafo alemão H. Kiepert no volume viii do boletim da Sociedade Geográfica de Berlim.


[6333]

E ainda mais completo é o mapa da África elaborado em 1879 por Keith Johnston e que tem o título: General Map of Africa, constructed from the most recent coast surveys and embodiyng the results of all explorations to the present time, by Keitrh Johnston, F. R. G. S., 1879. Certamente é um mundo novo que se abriu à actividade humana. Sem dúvida, há muitas lacunas a colmatar, pois falta ainda descobrir mais de uma quarta parte da África, que prossegue envolvida no mais profundo mistério. Mas o impulso dado a tais investigações é tão poderoso, que não passará muito tempo sem que se veja levar a termo esta imensa tarefa. A obra imortal idealizada e organizada por Sua Majestade Leopoldo II, rei dos Belgas, com a grande actividade que graças a ele ganharam os descobrimentos da África, pelo seu nobre fim de abolir de facto o infame tráfico de negros (no que tanto e tão eficazmente trabalharam a Inglaterra e a Alemanha) e promover a civilização na África Central, não deixará de produzir os seus frutos.


[6334]

Contudo, a força prodigiosa que difundirá em todo o seu esplendor a luz da verdadeira civilização cristã em todos os pontos do continente africano será a Igreja Católica com a pregação do Evangelho, porque só Jesus Cristo é caminho, verdade e vida; e a fé de Cristo, as suas leis, os seus ensinamentos e a sua moral divina são o princípio da autêntica civilização, a fonte da vida, a base da grandeza e prosperidade de todos os povos e nações do universo.


† Daniel Comboni


1005
Card. Luis de Canossa
0
1880

N.o 1005; (963) - AO CARD. LUÍS DE CANOSSA

ACR, A, c. 18/38

1880

RELATÓRIO SOBRE A CARESTIA E A EPIDEMIA da África Central em 1878-1879


Em.o e Rev.mo Príncipe,

[6335]

Já passaram mais de doze anos desde que Vossa Eminência Rev.ma aceitou do milagroso Pontífice Pio IX (d.s.m.) o grave encargo de apoiar a minha fraqueza e tutelar e dirigir a santa obra da redenção da Nigrícia; e ao magnânimo, constante, fervoroso zelo de V. Eminência, ajudado pela minha insignificância e com a cooperação dos nossos bons missionários – de entre os quais há que destacar, para não mencionar os vivos, os piedosos sacerdotes P.e Alexandre Dalbosco, P.e António Squaranti e P.e Salvador Mauro, de venerada memória – se devem os importantes resultados de que goza a nascente Igreja da África Central.


[6336]

A firmeza, o ânimo de V. Eminência, Rev.mo Príncipe, não titubearam nem se perturbaram perante o formidável aparecimento de tantos obstáculos e dificuldades por que devia passar a obra sublime, nem diminuiu em si a inamovível confiança no indefectível êxito final, apesar da fraqueza dos instrumentos de que se devia servir a Providência e da falta e escassez dos meios pecuniários e materiais necessários para a gigantesca empresa. Ao contrário, confortado pelo espírito do Senhor e pela palavra infalível do seu Vigário, V. Em.a dignou-se dar força ao nosso ânimo, apoiar a nossa fraqueza, mostrar-nos os caminhos e abençoar os nossos pobres esforços. E não satisfeito o seu generoso coração de cobrir com a sua magnífica tutela e patrocínio a santa empresa, pôs em jogo a poderosa e vasta influência do seu gloriosíssimo nome, a fim de que brotassem de muitas partes da Europa e de príncipes muito generosos abundantes recursos e alta protecção. A nossa fraqueza e pequenez bem pouco teriam conseguido sem o seu valioso e constante apoio. E como a sua caridade foi sempre grande na ajuda, apoio e estímulo, permita-me, Eminentíssimo Príncipe, que lhe dedique este brevíssimo apontamento histórico sobre as espantosas calamidades da carestia e da epidemia que afligiram e arruinaram uma vasta, enorme extensão do Vicariato Apostólico da África Central em 1878-1879. Nele verá claramente que a obra por si patrocinada é na verdade obra de Deus; e a sua alma corajosa encontrará nele novos motivos para tutelar cada vez mais esta sublime empresa, para a maior glória de Deus, para mérito da igreja veronesa e para salvação da nossa infeliz mas sempre querida Nigrícia.


[6337]

As obras de Deus devem nascer sempre ao pé do Calvário. A cruz, as oposições, os obstáculos, o sacrifício são a marca ordinária da santidade de uma obra; e é seguindo este caminho, semeado de tribulações e espinhos, que as obras de Deus se desenvolvem, prosperam e alcançam a sua perfeição e triunfo. Esta é a amorosa e sábia economia da Divina Providência, que recebe plena confirmação na história da Igreja e em todas as missões apostólicas da Terra; e deixa demonstrado, como sendo a mais esplêndida verdade, que nunca se pôde implantar em nenhum reino, nem em nenhum lugar, a verdadeira religião de Jesus Cristo, sem os mais duros sacrifícios, as mais ferozes oposições e o martírio. E a razão disso é evidentíssima: como todas as obras de Deus tendem por natureza a destruir no mundo o reino de Satanás e implantar nele a salvífica bandeira da cruz, o príncipe das trevas tem necessariamente que se desencadear, se movimentar, se retorcer e suscitar todos os poderes do abismo e todas as funestas paixões dos seus servidores do mundo, para, por seu lado, irem contra o seu formidável e eterno inimigo, contra Jesus Cristo, redentor do género humano, a fim de lhe resistir, de o combater e calcar.


[6338]

Pois bem, entre as obras do apostolado católico a que a Igreja de Cristo deu vida, uma das mais árduas e laboriosas e das mais sublimes e importantes do universo é, sem dúvida, a nossa missão da África Central, que abrange uma extensão territorial muito superior à de toda a Europa, que é povoada, segundo a estatística de Washington, por mais de cem milhões de infiéis, sobre os quais ainda não brilhou o astro luminoso e vivificante da fé e que a Santa Sé confiou ao nosso humilde Instituto das Missões da Nigrícia, de Verona. De entre as furiosas tempestades que desde o seu nascimento agitaram e sacudiram esta Igreja nascente, da qual, ainda que indigno, sou o primeiro bispo, destaca-se acima de tudo a espantosa calamidade de carestia e da epidemia, que sofreu ainda em tempos recentes, de que continua a ressentir-se, e das quais tem ainda as marcas gravadas e suporta as dolorosas consequências.


[6339]

Mas esta é uma obra de Deus e, filtrada e purificada agora no crisol do sofrimento, da cruz e do martírio, surgirá com maior vigor e força para, animada de nova vida, levar a cabo a sua elevada missão redentora e civilizadora entre as tribos da Nigrícia.


[6340]

A falta ou escassez de chuvas no ano de 1877 foi a causa principal da espantosa seca e concomitante carestia que assolaram boa parte do nosso imenso Vicariato. E as regiões que foram mais gravemente afectadas pelo terrível flagelo foram a Núbia Inferior, a Núbia Superior de Dôngola ao mar Vermelho, as regiões banhadas pelo Nilo Azul e pelo Nilo Branco, a região do Nilo compreendida entre o Egipto e o Sobat, o reino do Cordofão, as províncias do Darfur, as tribos de Gebel-Nuba, a dos Schelluk e todos os países que se estendem desde Bahar-el-Ghazal até aos Nham-Nham e ao lago Alberto Nyanza.


[6341]

As sementeiras e plantações realizadas nessas terras fecundas secaram quase com os primeiros rebentos e as ervas, as flores e os prados queimaram-se com os abrasadores raios do sol, de modo que em breve aquelas pobres populações ficaram privadas do sustento habitual; a falta de alimento fez com que quase todos os animais morressem. Considere, Eminentíssimo Príncipe, a intensidade e o alcance de tanta desgraça que se abateu sobre aquelas pobres gentes, não menos que sobre a nossa missão. A fome sofrida pelos povos que habitavam ao longo dos rios foi sobremaneira espantosa e tremenda foi também a que sofreram os árabes do deserto, grande parte de cujos camelos morreram de inanição. Isto obrigou a que as nossas caravanas que tinham que atravessar esses desertos custassem à missão muito sacrifício e enormes despesas, de facto, o preço do aluguer dos camelos escapados àquela morte maciça quadruplicou, até para os animais fracos e esgotados pela fome, os quais só eram capazes de levar uma terça ou quarta parte da sua carga normal. E assim continuaram as nossas expedições com um gasto quadruplicado, até que prolongando-se a situação por muito tempo e, prostrados ou mortos já pela fome camelos e cameleiros, essas viagens, tão necessárias para levar ajuda às missões afectadas pela carestia, se nos tornaram sumamente difíceis ou de todo impossíveis.


[6342]

Daí derivou que quase todos os alimentos de primeira necessidade chegassem a faltar ou alcançassem preços espantosos, isto é, dez, doze e até vinte vezes mais elevados que o ordinário. Por exemplo, o próprio cônsul austro-húngaro, o cavalheiro Hansal, pagou o trigo à razão de 72 táleres o ardeb (saco de cerca de cem quilos), quando antes custava só 5 táleres. Mais tarde o trigo faltou também em Cartum e não se encontrava a nenhum preço; e no reino do Cordofão ter-se-ia pago até a 500 francos o ardeb, mas não o havia em absoluto. O durra (milho), que é o alimento principal dos habitantes das possessões egípcias no Sudão – as quais abrangem uma superfície cinco vezes maior que toda a Itália – e que constitui também a base de alimentação dos nossos órfãos e dos alunos de ambos os sexos nos estabelecimentos da Núbia, o durra, dizia, chegámos a pagá-lo nos mercados de Cartum até a 108 francos o ardeb, quando antes custava apenas quatro ou cinco francos; e o I. R. cônsul austro-húngaro assegurou-me tê-lo pago até a três táleres o rub, ou seja, à razão de 336 francos o ardeb.


[6343]

O dokhon (Penicillaria), espécie de milho de que se nutrem as populações do Cordofão e do império de Darfur e que constitui o alimento ordinário dos alunos, dos órfãos e dos escravos refugiados, acolhidos nos nossos estabelecimentos do Cordofão, do seu preço normal de uns três táleres subiu para trinta e sete táleres e mais o ardeb; e em Darfur pagou-se até a 140 táleres o ardeb, ou seja, a um preço quarenta e seis vezes superior ao normal. O mesmo aconteceu com as carnes excessivamente magras, fibrosas, repugnantes, de animais consumidos pela fome e transformados quase em esqueletos, cujo preço se tornou dez ou doze vezes mais caro que o costume. E algo semelhante ou pior aconteceu em Gebel Nuba, onde ainda por cima faltou o sal e durante muito tempo tive que tomar alimentos sem nenhuma qualidade e sem condimento de sal.

Dito isto, é fácil compreender que grande parte da população nativa da classe pobre sentiu a total falta de sustento; e eu verifiquei com os meus próprios olhos a extrema miséria reinante em muitas zonas, nas quais povos inteiros, dizimados pela fome viviam de ervas, de sementes de feno e até de excrementos de camelo e de outros animais.


[6344]

Por este breve quadro, Vossa Eminência pode bem imaginar a angústia da minha alma e os graves apertos em que me encontrei para alimentar e sustentar, além dos Institutos de Verona e do Cairo, tantos estabelecimentos que havíamos fundado no Vicariato, constituídos não só por pessoal indígena, mas também por Irmãs, missionários e irmãos coadjutores europeus, que naquele oprimente clima africano necessitavam, no meio dos esforços apostólicos, de uma sólida alimentação. A superiora das Irmãs de S. José no Cordofão, enquanto gemia oprimida pela febre, julgou que se confortaria provando um pouco de pão de trigo molhado em água. Procurou-se inutilmente por toda a cidade de El-Obeid, até que finalmente um generoso comerciante judeu levou um pouco e a superiora o comeu; mas depois morreu devido à sua doença. Para fornecer pão de trigo aos estabelecimentos do Cordofão, o saudoso P.e António Squaranti comprou muito caro vinte ardeb de grão; e uma vez que o conseguiu moer em Cartum, procurou camelos para transportar a farinha ao Cordofão. Eu fui de um lado para outro, rogando aos principais comerciantes e até ao próprio governador-geral do Sudão, para conseguir os camelos.


[6345]

O esforço foi inútil: faltavam quer os camelos quer os cameleiros, porque tinham morrido quase todos ou estavam doentes ou exaustos de fome, ou consumidos pelas febres. A farinha de trigo permaneceu quatro meses em Cartum; e nos nossos três estabelecimentos do Cordofão, os missionários e as Irmãs não puderam durante muitos meses provar pão de trigo, tendo que se alimentar, como todos os indígenas do país, de dokhon.


[6346]

Contudo, tudo isto não é mais que uma sombra da extrema miséria que sofreram essas desgraçadas regiões. A sede, flagelo muito mais terrível que a fome, levou nova desolação a esses imensos países, que, longe dos grandes rios, como o Nilo, o Nilo Branco e o Bahar-el-Ghazal, só são banhados pelas chuvas anuais, que em Julho, Agosto e Setembro caem normalmente naquelas terras. Mas no ano de 1877 tinha sido o mais seco de que havia memória na história da África Central; por isso, os campos apareciam literalmente abrasados pelos ardores da canícula e as planícies queimadas pelo sol; e por isso também todas as cisternas estavam sem água e secos se encontravam igualmente no Cordofão e em Darfur quase todos os poços, os quais têm geralmente uma profundidade de vinte, trinta e até quarenta e mais metros, e entre eles secaram os dois grandes poços dos nossos estabelecimentos do Cordofão. Arrepio-me só ao recordar os horrorosos estragos que a seca e a sede causaram nas populações e nos gados do Cordofão e do império do Darfur. Tocarei só ao de leve o problema da sede em El-Obeid e em Malbes, onde nós temos três importantíssimos estabelecimentos de missão.


[6347]

Ainda que as nossas missões tenham sido ajudadas com frequência pelo nosso procurador, Jorge Papa, bem como por alguns bons católicos, entre eles um excelente senhor sírio, Ibraim Debane, e até por um ou outro muçulmano que apreciava a nossa obra, os quais nos levavam água; apesar de tudo, vimo-nos obrigados a comprá-la a um elevado preço, com grande prejuízo para a nossa fraca economia. Teve que se restringir muito o consumo de água para beber e para cozinhar. Às vezes o missionário encontrava-se na necessidade de guardar a água utilizada de manhã para lavar a cara, a fim de matar a sede durante o dia, mas a água para lavar já tinha sido medida severamente e repartida em pequenas doses. Até se chegou à situação de não poder lavar a cara pela manhã, para dispor de água nos momentos de grande sede da jornada. Além disso, durante mais de quatro meses não se pôde fazer a barrela por falta de água. Finalmente, tendo esta ficado reduzida ao mínimo na capital do Cordofão, tive que deslocar a maior parte do pessoal daqueles dois grandes estabelecimentos para Malbes, a colónia agrícola que tínhamos fundado, onde havendo embora um pouco de água, escasseavam, no entanto, os víveres, assim que, quando pela manhã se encontrava algo para o pequeno almoço, não se comia ao meio-dia; e quando a satisfação chegava ao meio-dia, não se comia à noite.


[6348]

E note-se que para conseguir tão escasso e fraco sustento, não bastaram as generosas esmolas recebidas de tantos benfeitores da Europa. Não me é possível descrever com palavras as grandes privações que suportaram os missionários, as Irmãs e as demais pessoas das nossas missões. Os meninos, os alunos e as alunas acorriam aos missionários e às Irmãs a pedir-lhes um pouco de água, porque ardiam de sede; e como não havia com que saciá-la, os pobrezinhos e as pobrezinhas choravam de tal modo que moviam à compaixão até as pedras. Partilhavam fraternalmente para beber cada um pouco a água suja que tinha ficado no balde, onde o missionário ou a Irmã tinham podido lavar-se. Quereria dizer mais..., mas a caneta cai-me da mão... Deus escreveu no livro da vida os sacrifícios suportados pelos nossos missionários e as nossas Irmãs num clima tão extenuante e abrasador.


[6349]

E o que faziam as nossas Irmãs era admirável diante de Deus. Muitas vezes, às três e meia da manhã, a bretã Ir. Arsénia Le Floch, superiora do estabelecimento feminino partia em companhia de outra jovem e muito aplicada Irmã, com várias bormas (recipientes de barro, de três ou quatro litros de capacidade); e, depois de terem feito três ou quatro horas a pé, chegavam sob um sol de fogo ao lado de um poço e, depois de esperarem pela sua vez, suportando ásperas discussões com os bárbaros guardas do poço e às vezes ameaças, conseguia obter com incrível fadiga água negra, lodosa, suja, salobre e repugnante, que ela pagava a três, quatro e até cinco francos a borma; isto é, a um preço mais caro que o vinho na Itália. Depois, refazendo com grande esforço o caminho, as duas Irmãs voltavam à missão, onde eram esperadas com ânsia para repartir por cada um uma pequena e medida quantidade de água para matar a sede. E, às vezes, às três ou três e meia da tarde refazia-se o mesmo caminho a pé; e, muitas vezes, carregando a água num burro que, pelo cansaço, caía a todo o momento; por isso, retornava-se já noite avançada à missão, às vezes passada a meia-noite.

 


[6350]

A alguma distância da nossa colónia agrícola, os missionários e as Irmãs conseguiram, após muitos esforços, cavar um poço, que dava um pouco de água suja e cheia de lodo. Colocaram como guardas junto dele dois robustos negros catecúmenos, mas em vão: de noite vinham os ladrões, bebiam e com violência levavam água para depois a venderem. Em Malbes, a missão tinha três vacas, às quais se dava um pouco de beber duas vezes por semana; mas consumidas pela sede e muito magras acabaram por não dar mais leite. Claro que quando o davam, a ração de leite para cada um reduzia-se praticamente a nada.


[6351]

Da colónia agrícola de Malbes, que carecia de quase tudo, salvo de um pouco de água, iam com frequência alguns da missão à capital, quer para levar água aos nossos de El-Obeid quer para irem buscar algo de primeira necessidade que faltava em Malbes. A viagem, de sete horas e muito penosa, devia fazer-se com frequência a pé ou sob um sol abrasador ou então de noite, quando o caminho estava infestado de ladrões e de animais ferozes, como as hienas ou como os leões que não raramente rondavam pelos arredores e que com os seus rugidos faziam tremer os viajantes. Aqui poderia citar muitos casos espantosos sucedidos o ano passado. Mas contarei só um.


[6352]

Uma tarde, estando em Malbes quase todos doentes ou extenuados e sem nada para se restabelecerem e, além disso, sabendo que a missão de El-Obeid tinha extrema necessidade de água, uma das nossas esforçadíssimas Irmãs, movida à compaixão por tanto infortúnio, e animada de um heroísmo de caridade, suplicou veementemente e obteve da superiora autorização para ir à procura de água e transportá-la para El-Obeid, onde podia socorrer aqueles sequiosos e depois obter víveres para com eles voltar a Malbes para ajudar os seus companheiros, que careciam de tudo. Tendo chegado aos poços, e depois de lutar animosamente com aqueles africanos, conseguiu, após muito esforço, comprar muito caro dois gherbas (grandes odres) de água; e, carregado o camelo, partiu a pé, com um negro recentemente resgatado, em direcção à capital. Tratava-se de um trajecto de sete horas, dificílimo e cheio de feras, ladrões e assassinos. Mas a caridade pôde mais que todos os obstáculos e, cheia de coragem, embora não sem temor, a Irmã seguiu o seu caminho entre os uivos das feras e dos cães e os rugidos dos leões que a faziam tremer. Percorridas as três quartas partes ou mais do percurso, o camelo, já fraco pela fome, não pôde com o cansaço e caiu pesadamente no solo.


[6353]

A Irmã e o negro tentaram por todos os meios, até com enérgicos golpes de corbac (1), para que o camelo se levantasse e prosseguisse o seu caminho, mas todos os esforços foram em vão. Que fazer em semelhante situação?... Ficar ali toda a noite era expor-se a ser devorados pelas feras ou assaltados pelo ladrões; deixar sozinho o negro e a Irmã seguir só para El-Obeid em busca de ajuda, era expor o negro a ser roubado com os odres da água e correr ela mesma um grave perigo; o medo paralisava-a.


[6354]

Durante um quarto de hora, a Irmã ficou perplexa e temerosa; mas depois, pensando na extrema necessidade dos nossos de Malbes e de El-Obeid e confiando no Deus do amor que consola os aflitos e na Virgem Imaculada, que é o refúgio dos pobres, decidiu o negro deixar a guardar a água e ela pôs-se sozinha a caminho para ir buscar ajuda. Era uma noite escura, iluminada só pelos raios de uma lua de três ou quatro dias. Passado algum tempo, ouve furiosos latidos de cães que lhe indicam a existência de um povoado. Pára atemorizada, porque aproximar-se do povoado era arriscar-se a que os cães a devorassem, que naquelas terras são perigosos, ainda que providenciais. Mas, por outro lado, vê a necessidade de pedir ajuda. Por isso, com todas as suas forças põe-se a gritar em direcção a esse povoado cercado de cães: Ja Nas Taälu! Já Nas Taälu! (Eh, gente, venham! Eh, gente venham!). Ao fim de poucos minutos vê aparecer dois fortes e cabeludos bagara (árabes guardadores dos rebanhos), que acodem àqueles gritos lancinantes. «Mas, senhora, – exclamam – como é que se encontra aqui de noite sozinha, com risco de ser devorada pelas feras ou de ser roubada e assassinada?» E, perante os rogos da Irmã, acompanharam-na com o máximo cuidado até ao lugar onde tinha deixado a água e aí encontraram o camelo caído e o negro a guardá-lo. Depois de enérgicas e repetidas chicotadas e de empurrarem com seus forte braços o camelo, conseguiram pô-lo de pé; e não contentes com isso, aqueles bons africanos acompanharam a Irmã e o negro até El-Obeid, onde chegaram à meia-noite mais mortos que vivos.


[6355]

Não lhe direi nada, eminência reverendíssima, da pena que causou aos missionários não disporem de vinho para celebrar todos os dias a santa missa, inefável consolo das almas aflitas. O vinho faltou de tal maneira que não ficou mais que um pouco, o suficiente apenas para celebrar o divino sacrifício aos domingos e festas. Mas esgotado o vinho para a santa missa na capital do Cordofão, vi-me obrigado a, pelo correio, mandá-lo de Cartum para lá em frasquinhos, para que se pudesse celebrar missa nas festas. De resto, nem os missionários nem as Irmãs tiveram vinho para beber; beberam quase sempre água suja, salobre e repugnante.


[6356]

Mas devo declarar solenemente, ó Eminentíssimo Príncipe, que no meio de tão grande miséria, tanto os missionários como as Irmãs souberam manter o ânimo e o zelo no seu difícil ministério: firmes e sem desanimar na sua árdua e santa vocação, permaneceram impávidos no seu posto; e, alegres e contentes no meio de tantas privações e sacrifícios, trabalharam incansavelmente para ganhar almas para Cristo. E o que mais faz ressaltar a graça do seu santo e penosíssimo apostolado é que os nossos missionários e Irmãs nunca titubearam, nem ficaram sobressaltados, nem desanimaram perante a fúria da tormenta, mesmo no meio das mais terríveis doenças e perante a morte de tantos irmãos e Irmãs do apostolado; ao contrário, permaneceram impávidos no meio da espantosa tempestade, confiando no Deus que derruba e levanta, angustia e consola, e no Divino Salvador que depois da sua penosa paixão e morte ressuscitou glorioso. E a abnegação que mostraram sobressai ainda mais se pensarmos que amiúde sofriam eles mesmos febres e isto num clima tórrido, onde, além disso, sofriam a tortura das picadelas dos mosquitos e de outros insectos, que os martirizavam dia e noite. Em suma, gravitava sobre todos eles o peso da cruz e estavam privados de toda a consolação humana; mas estavam cheios de força, de coragem e de esperança, precisamente pela cruz de Jesus Cristo, que é a marca infalível das obras do Senhor.


[6357]

Mas, para além de todas essas privações e sacrifícios, comuns à totalidade de todos os nossos missionários e Irmãs, eu tinha outra pesadíssima cruz no meu espírito, tal como o nosso piedoso administrador-geral, P.e António Squaranti. E era a enorme dívida de 46 784 francos que tínhamos encontrado e que, junta a outra de 14 000 francos que tínhamos devido contrair nós mesmos para prover às urgentíssimas necessidades de uma carestia sempre em aumento e não deixar morrer a missão, e a outra de 10 000 francos (investidos numa máquina a vapor para regar as nossas hortas de Cartum, a fim de evitar que secassem, com grave prejuízo para a missão, para manter a nossa única fonte de produção estável, fruto de tantas fadigas e do trabalho de anos), perfazem a tremenda dívida de 70 000 francos.


[6358]

Com isto, eminentíssimo príncipe, não preciso de lhe falar de tantas outras cruzes e calamidades que inundaram o meu coração de amargura e angústia, para lhe dar uma ligeira ideia da minha crítica e desoladora situação. Mas tudo isso era ainda pouco: outra calamidade ainda mais espantosa viria destroçar a minha alma com a mais profunda dor.

Nos fins de Julho de 1878, o céu começou a encher-se de nuvens e depois pareceu que os relâmpagos, trovões e raios fossem levar a destruição a essas terras já devastadas. Bem rápido o céu começou a deixar cair torrentes de chuva; e esta foi tão copiosa e abundante durante dois meses, que os habitantes mais velhos do país não tinham lembrança de nada semelhante. Isto deu origem a que os dois grandes braços do Nilo, ou seja, o Nilo Branco e o Nilo Azul, tenham crescido até ao ponto de ameaçar galgar as margens e inundar, junto com a capital das possessões egípcias do Sudão, o nosso grandioso estabelecimento de Cartum. Por isso, enquanto a numerosa guarnição de vários milhares de soldados, dirigida pelos engenheiros militares, levantava à volta de toda a cidade fortes defesas para deter as águas e impedir a inundação, nós, com dispêndio enorme, mediante grandes troncos e centenas de altas palmeiras cortadas no nosso quintal, construímos um dique muito sólido na margem do Nilo Azul, frente à missão; de modo que, depois de três semanas de contínuo trabalho, a cidade e a missão ficaram seguras e a fragorosa corrente não chegou a causar danos consideráveis.


[6359]

Desabaram, isso sim, centenas, milhares de casas no país. Mas os nossos estabelecimentos ficaram intactos; e os diques, barreiras ou defesas construídos, servirão por muitos anos para preservar a missão de futuras inundações.

Então os agricultores e os felá, com as poucas sementes que tinham conservado do calamitoso ano anterior, puseram-se a semear trigo, durra, sésamo, hortaliças e tudo o que podiam. Esses camponeses estavam sem forças, mas ganharam-nas a partir da sua fraqueza, para cultivarem aqueles terrenos antes ressequidos, que a copiosidade das chuvas tinha amolecido. A terra fecundou-se e em muito breve tempo, regada pelas águas torrenciais que continuavam a cair, começou a dar fruto de tudo em tal quantidade como não se tinha visto nunca nos anos anteriores. Vendo isto, todos acreditavam que a espantosa carestia ia cessar e que a abundância das coisas iminentes ia fazer desaparecer até os rastos da tremenda miséria padecida até àqueles dias.


[6360]

Mas não foi assim. O dilúvio continuava e as casas e as cabanas dos pobres indígenas desfaziam-se às centenas e aos milhares, porque eram feitas de barro seco ao sol, ou de palha ou de canas muito frágeis. E os infelizes que as habitavam encontraram-se de repente sem tecto, vivendo dia e noite ao ar livre, quer chovesse a cântaros quer brilhasse o sol com os seus dardos de fogo. Expostos assim à intempérie, uma furiosa série de violentíssimas febres atacou esses infelizes; e eram de tão maligna natureza, que em pouco tempo aqueles países, numa enorme extensão, se viram semeados de cadáveres de todos os sexos e idades, enquanto os poucos sobreviventes, esqueletos ambulantes eles mesmos, vagueavam pelos caminhos e desertos, pálidos e consumidos, pedindo ajuda. O terror e o espanto espalharam-se por toda a parte; e a terrível, imparável epidemia, estendeu-se pelas cidades, pelos grandes povos e pelas aldeias com tal ímpeto e intensidade, que grande parte daquelas regiões se converteu em breve em vastos cemitérios.


[6361]

Nós fomos testemunhas oculares dos danos que aquela tremenda epidemia produziu nos países banhados pelos Nilo Branco e Azul. Numa hora, em meia hora, em dez minutos vimos como a morte ceifava pessoas que antes gozavam de excelente saúde. Também muitos dos nossos católicos caíam quase repentinamente fulminados por esse inexplicável mal, que se manifestava com sintomas de febre nervosa, às vezes tifóide, ou com bolhas vermelhas e apenas nos dava tempo para lhe administrarmos a santa unção e a absolvição in articulo mortis. Em muitas cidades, povos e aldeias, grande número de habitantes, às vezes famílias inteiras, que tinham sofrido a morte no ano anterior, depois de se terem alimentado com as primícias das abundantes colheitas, caíam mortos junto aos novos frutos amontoados nas cabanas ou nos pátios das suas habitações. E pessoas dignas de crédito, que regressavam a Cartum depois de longas viagens pelo Nilo Azul e pelo Nilo Branco, asseguravam-me ter encontrado cidades e povoações quase desabitadas, e as casas, as vias públicas e os campos cheios de cadáveres putrefactos, estendidos junto da aveia, do durra, do trigo e do sésamo que tinham recolhido, por cujas letais exalações a epidemia se tinha estendido por todos os territórios, produzindo vítimas em toda a parte.


[6362]

Eu mesmo com as nossas cinco Irmãs do instituto das Pias Madres da Nigrícia, que fui buscar a Berber para as levar para Cartum num vapor que S. E. Gordon Paxá, governador-geral das possessões egípcias do Sudão, visitei cidades e povoações situadas entre Berber e Cartum, que outrora vira bem povoadas e providas abundantemente de víveres e de tudo, encontrei-as agora vazias e desertas; e os raros habitates escapados à morte, que consumidos e vacilantes pareciam mais cadáveres ambulantes, alimentavam-se de sementes, de erva e folhas, de nadak e até de excrementos de camelo, não tendo já forças para semear e cultivar os campos vizinhos, cujo solo fertilíssimo produzia agora de maneira espontânea ervas e plantas de folha silvestre, com uma exuberância e um verdor realmente assombrosos. As cabanas e as casas estavam quase derrubadas e praticamente tinha desaparecido toda a espécie de gado. A grande cidade de Shendi, antiga capital dos reis da Núbia e do extenso país de Tamaniat, aparecia quase despovoada, destruída, etc., etc. Nós distribuímos aqui e acolá grão e esmolas; e são indizíveis as demonstrações de gratidão e de reconhecimento de que nos fizeram objecto aqueles infelizes.


[6363]

É inútil, Eminentíssimo Príncipe, que lhe dê mais pormenores sobre o quadro desolador da espantosa carestia e mortandade nesta parte importantíssima do nosso Vicariato: seriam precisos para isso muitos volumes. Bastará assinalar de passagem os seguintes quatro pontos, de cuja veracidade e exactidão me declaro totalmente responsável e que lhe exponho muito moderadamente, muito aquém da terrível realidade.


[6364]

1.o Uma grande parte das abundantes colheitas de trigo e de outros cereais, de sésamo, etc., e uma boa quantidade de durra que aqueles férteis terrenos produziram após as chuvas extraordinárias de que falámos, não se puderam colher dos campos por falta de braços e de agricultores que ou tinham morrido ou estavam incapacitados para o trabalho. Por isso, após a nova colheita, continua ainda, embora com menores dimensões, a carestia nesses países. Muitos grandes proprietários da região do Nilo Azul dirigiram-se ao Governo para que mandasse homens e soldados recolher tão abundante produção de grão e, além do mais, oferecendo como compensação metade e mais do que recolhessem. Mas o Governo, embora mergulhado na miséria por não ter podido arrecadar naquele ano nem uma quarta parte dos impostos fundiários e pessoais, embora não tivesse pago aos empregados e às tropas de serviço (pelo que muitíssimos foram obrigados a roubar e a saquear para comer), teve que rejeitar tão generosa oferta pela falta de braços e pelas infaustas consequências da fome e da pestilência, que tinham produzido baixas em grande escala nos funcionários da administração e do pessoal militar.


[6365]

2.o Numa parte do nosso Vicariato, maior que toda a Itália, partindo de Cartum em todas as direcções, pela carestia e pela epidemia, morreram não só metade de todos os habitantes de ambos os sexos e mais de metade dos animais.

3.o Em muitas outras zonas do Vicariato pereceram as três quartas partes da população e animais.

4.o Em numerosos povoados e vastas comarcas do Sudeste de Cartum, como repetidamente me contou o farmacêutico do Governo, o senhor Fahmi, que durante muito tempo foi médico fixo da missão católica, o qual é habilíssimo em curar o tifo e as febres predominantes no Sudão e, segundo o que me afirmaram testemunhas oculares, morreu não só toda a população de ambos os sexos mas também todo o gado, os camelos e demais animais, incluindo os cães, que são a providencial guarda de segurança pública nessas desgraçadas regiões.


[6366]

Vossa Eminência Rev.ma pode bem compreender, pelo pouco que de passagem lhe é aqui assinalado, quão grande foi o desastre causado à economia de toda a obra por este tremendo, prolongado período de carestia e epidemia que arruinou o ano passado o nosso dilectíssimo Vicariato e quantas privações e angústias trouxe aos nossos missionários, às nossas Irmãs e às numerosas pessoas acolhidas nos nossos estabelecimentos de missão.


[6367]

Mas isto é ainda pouco. O que ainda em maior medida inundou a minha alma de dor e pesar, até quase morrer de consternação e pena, foram os estragos, as mortes que as privações e as doenças produziram entre o pessoal activo da missão e as consequências funestas, que, querendo-o a amorosa e sempre adorável Providência divina, disso derivaram. Mas estas tremendas calamidades não beliscaram, pela graça de Deus, a nossa coragem nem diminuíram a força do nosso espírito; antes pelo contrário, provas tão duríssimas contribuíram fortemente para que o nosso ânimo se fortalecesse, pondo toda a nossa confiança nesse Deus das misericórdias que nos precedeu no caminho da cruz e do martírio e mantendo-nos firmes e constantes na nossa árdua e santa vocação.


[6368]

Em fins de Setembro, ao declinar das chuvas, ardentíssimas febres, que degeneraram em tifóides, doenças atrozes de carácter mortal e sofrimentos das mais variadas espécies, atacaram quase todos os membros da missão e uma varíola maligna e um tifo com bolhas acabaram com a vida de muitos. Todas as Irmãs de Cartum caíram gravemente doentes e até a laboriosa e infatigável normanda Ir. Severina, que nos três anos em que já vivia no clima mortífero de Cartum, nunca tinha padecido sombra de doença, foi atacada de fortíssima febre que a atirou para a beira do túmulo. Quase todas as alunas e órfãs do instituto de feminino caíram doentes e a morte ceifou a vida de muitas delas. Todos os sacerdotes, menos um, com a totalidade dos irmãos coadjutores europeus e quase todos os elementos do estabelecimento masculino sofreram intermináveis, altíssimas febres e outros tremendos males e muitos estiveram nas últimas.


[6369]

P.e Policarpo Genoud, atacado por tifo fulminante, em menos de vinte minutos exalou o último suspiro; e a francesa Ir. Henriqueta, flor de angelicais costumes e autêntica heroína da caridade, caiu na primavera da vida vítima de um terrível tifo com bolhas, convertendo-se assim na última das nove Irmãs da benemérita congregação de S. José da Aparição que, levadas pelo amor ao próximo, ofereceram os seus suores e a sua vida pela infeliz Nigrícia. E seis piedosos e bons irmãos coadjutores europeus, entre eles o excelente Fernando Bassanetti, da diocese de Placência, e António Iseppi, da de Verona, sucumbiram um atrás do outro em poucos dias. Igualmente morreram treze dos nossos melhores alunos indígenas de ambos os sexos, bem formados e instruídos na nossa santíssima religião e nas artes e ofícios. Estando assim as coisas, em pouco tempo os dois grandiosos estabelecimentos de Cartum converteram-se noutras tantas enfermarias, que não tardaram a tornar-se vastos hospitais.


[6370]

Tendo-se restabelecido alguns membros do instituto masculino, embora fracos ainda pela violência e o dano das doenças sofridas, para que mudassem de ares mandei-os pelo Nilo numa grande barca até Temaniat e Gebel Taieb, acompanhados do único sacerdote que tinha permanecido imune à epidemia. Então fiquei eu só na capital do Sudão para administrar os sacramentos e assistir às extremas necessidades, tanto do numeroso pessoal interno da missão como dos externos da cidade de Cartum; de modo que tive que desempenhar ao mesmo tempo as múltiplas funções de bispo, pároco, vigário, superior, administrador, médico e enfermeiro. Mas Deus tinha-me reservada uma poderosa ajuda em duas habilíssimas Irmãs, a Ir. Severina e a Ir. Germana, as quais também estavam alquebradas por terríveis febres. A primeira, que quase sempre estava doente na cama ou sem poder sair do quarto, era consultada a cada momento sobre as doenças, como muito perita e conhecedora das febres e do tifo e competentíssima no governo dos enfermos.


[6371]

A outra, Ir. Germana Assuad, natural de Alepo e muito versada em árabe, a sua língua materna, logo que eu me encontrei no meio de tanta calamidade e quando eu pensava que devia assisti-la no transe de morte, quase por milagre, animada de um espírito de sublime caridade, saltou do seu leito de dor e durante quatro meses suportou indizíveis fadigas dia e noite a assistir os enfermos, a curá-los e a preparar para bem morrer os que falavam o árabe, o italiano ou o francês. Com esta animosa e incansável filha da caridade partilhei enormes fadigas, tremendas penas e trabalhos incríveis. Ela dava-se por completo a todos e esquecendo-se dos seus próprios males, corria de um lado para outro, lá onde a requeria a necessidade do próximo.


[6372]

E não só estava pronta a curar as chagas e enxugar as lágrimas daqueles infelizes, bem como a assistir os moribundos como habilíssima enfermeira. Procurava, além disso, com zelo apostólico curar as doenças da alma, estimulando para a confissão e a penitência aqueles que se encontravam até então no caminho da perdição; instruía os catecúmenos, conduzia pelas vias da salvação toda a sorte de extraviados, catequizava os ignorantes e acendia a chama da fé e do amor a Deus em quem estava prestes a comparecer perante o Juiz Supremo. Ah, quanto bem não fez a Ir. Germana Assuad, de Alepo! Quantas lágrimas enxugou, quanto bálsamo de consolação derramou no coração dos infelizes! Que vigorosa assistência me prestou naquela desoladora calamidade! E que angústias passámos juntos quando não podíamos proporcionar aos nossos missionários, Irmãs e irmãos coadjutores gravemente doentes nem sequer o alívio de um pouco de caldo, porque nos era impossível encontrar até a alto preço com que prepará-lo! Que angústia, que afã! Só Deus conhece a dimensão e a intensidade da nossa dor!


[6373]

Mas a aflição mais desoladora e o golpe mais feroz que me feriu mais vivamente, lançando-me num oceano de pena e de amargura, foi a perda irreparável que sobreveio para a missão quando Deus, nos seus imperscrutáveis mas sempre amorosos desígnios, quis privar-me do incomparável P.e António Squaranti, braço direito da obra santa e meu verdadeiro anjo de conselho e consolo, para lhe cingir a coroa reservada às almas justas. Este homem de absoluta lealdade, de rectidão e fidelidade sem par, piedoso, douto, prudente, de carácter doce, humilíssimo, obediente, com muito zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas e todo fogo pela redenção da Nigrícia; este digno sacerdote, a quem Verona, e sobretudo a paróquia de S. Paulo, não esqueceu, pelo grande fruto que recolheram graças ao seu zelo sacerdotal, tinha-me sido generosamente concedido pelo fervorosíssimo zelo de Vossa Eminência para suceder ao piedoso P.e Alexandre Dalbosco na direcção dos Institutos Africanos de Verona; e num posto tão importante e delicado, durante seis anos ininterruptos, mostrou-me quanta capacidade de trabalho e quantas belíssimas virtudes possuía essa alma grande, essa flor de sacerdote.


[6374]

Em 1877, depois da minha sagração episcopal, por muitos e graves motivos que não vêm ao caso referir, decidi levá-lo comigo para a África Central na qualidade de administrador-geral dos bens temporais do Vicariato, com a intenção de depois o fazer meu vigário-geral e, mais tarde, se se cumprissem todas as condições requeridas, fazer com que a Santa Sé o nomeasse meu bispo auxiliar, com futura sucessão no governo da nossa árdua, laboriosa e querida missão. Ainda que durante a viagem P.e António Squaranti tenha trabalhado muito e tenha passado grandes fadigas, conservou sempre uma saúde sólida e provou que podia manter-se firme e sem desfalecer no seu novo ministério.


[6375]

Nos tórridos meses de Junho e Julho foi surpreendido pela fraqueza e o cansaço que afecta todos os europeus na estação canicular, especialmente no primeiro ano da sua estada em Cartum, mas ao chegarem as chuvas tropicais começou a recuperar as forças.

E eis senão quando, chegado o novo kharif e com as chuvas torrenciais a precipitarem-se sobre a terra anormalmente ressequida pelo sol e pela tremenda seca do ano anterior, vi com toda a clareza que íamos ao encontro de uma estação extraordinariamente mortífera e abundante em terríveis consequências e atrozes calamidades. Então, para preservar tão importante membro da missão das perniciosas doenças que o podiam afectar, por ser a primeira vez que respirava aqueles ares, por estar já algo fraco por causa das fadigosas viagens realizadas e pela sua inclinação para as afecções gastrointestinais, que o obrigavam a ser muito sóbrio e frugal, resolvi fazê-lo mudar de ares e pô-lo a salvo em Berber, mandando-o visitar aquela estação, onde já se encontravam desde havia seis meses as primeiras cinco Irmãs do instituto veronês que ele, ajudado pela sábia superiora, tinha formado no espírito e na vida apostólica da África Central.


[6376]

Obedeceu prontamente à minha sugestão e, sem dar absolutamente conta de que eu o afastava da praga iminente, para o salvar da mesma, partiu numa embarcação fluvial em companhia de um comerciante sírio e, treze dias depois, na festividade de S. Miguel Arcanjo, chegou à missão de Berber, onde devia permanecer até que eu o chamasse a Cartum. Lá, em poucos dias, restabeleceu-se por completo. De facto, em meados de Outubro comunicava-me por carta que se sentia tão forte e vigoroso, que nunca tinha gozado na Europa de tão perfeita saúde.


[6377]

Entretanto, em Cartum, fazia estragos o tremendo flagelo da epidemia, a que já me referi nestas páginas; aos ouvidos de P.e Squaranti chegaram as notícias das doenças e mortes na missão; igualmente o contristou a notícia de que eu me encontrava, no meio daquela desolação, sozinho para administrar os sacramentos e assistir os moribundos, embora, depois do regresso dos convalescentes a Cartum, prestasse ajuda P.e Carmino Loreto, jovem sacerdote de Nápoles, que depois regressou à pátria.


[6378]

Quando o nosso caro P.e Squaranti tomou conhecimento da minha crítica e tremenda posição e de que na capital das possessões egípcias do Sudão havia tantos infelizes que requeriam a presença do sacerdote, sem demora tomou com o sacerdote Vanni a primeira embarcação árabe que saía para Cartum. O barco ia repleto de pobre gente, até ao ponto de que os dois missionários se mexiam com dificuldade. Para não falar de todas as dificuldades desta viagem, que durou 15 dias, só direi que ao décimo primeiro dia sofreu um ataque de altíssima febre: com o nervosismo de uma precipitada viagem, tinha-se esquecido de levar consigo, como costumava fazer sempre, quinino e outros medicamentos. A febre veio ainda com maior violência nos dias décimo primeiro e terceiro. Mas no último dia o ataque foi tão forte e terrível que o levou às últimas; e já tenha feito ao Senhor a oferta e absoluta da sua vida e preparava-se para a grande viagem, quando chegou a Cartum.


[6379]

Ao vê-lo tão definhado e consumido pelo letal processo e enfraquecimento de só quatro dias de febre, fiquei espantado. Contudo, embora muito fraca, ainda me sorria no coração a esperança de o salvar e desdobrámos toda a solicitude para o rodear de amorosos cuidados, consultando médicos, utilizando os mais eficazes medicamentos e não poupando nada para lhe proporcionar alívio e lhe prolongar a existência. Mas todos os cuidados e atenções foram inúteis: aos doze dias da sua chegada a Cartum, confortado com toda a ajuda da nossa santa religião, totalmente tranquilo e resignado, com semblante feliz e consumido de amor divino, às 7 da manhã do dia 16 de Novembro de 1878 voou para o seio do Criador, a receber o galardão das suas sublimes virtudes. O heroísmo da sua caridade, ao querer acorrer em minha ajuda no cenário das mais tremendas calamidades para se sacrificar por inteiro pela salvação das almas, foi o que o colocou na terrível situação que o levou à morte; e o seu desaparecimento lançou-nos a todos num mar de desolação e de pesar.


[6380]

Esta gravíssima e lamentável perda do braço direito da missão, unida às enormes fadigas sofridas e à espantosa precipitação de tantas aflições, desgraças e angústias, para cuja descrição seriam precisas muitas páginas, acabaram por atacar e ferir seriamente a minha robusta compleição e saúde. Assim, depois de ter passado muitos meses sob o tremendo peso de tantas cruzes e angústias, sem nunca dormir, nem de dia nem de noite, uma única hora em vinte e quatro, na tarde de 16 de Janeiro de 1879, após ter acorrido à cabeceira de um infeliz e rico comerciante heterodoxo, que, pela manhã, forte e são, tinha atendido normalmente ao seu negócio e pela tarde exalava o último suspiro, atacou-me uma fortíssima febre que enfraqueceu grandemente as minhas forças e me reduziu a um deplorável estado.


[6381]

Ora bem, ante tão espantosas calamidades, sob o peso de tantas desditas, o ânimo do missionário terá de se encolher e desfalecer?... Nunca! A cruz é o caminho real que conduz ao triunfo. O Coração Sacratíssimo de Jesus palpitou também pelo pobres negros.


[6382]

O verdadeiro apóstolo não retrocede nunca perante os mais fortes obstáculos, perante as mais violentas oposições e aguenta a pé firme o temporal das tribulações, os embates das desventuras: ele marcha para o triunfo pelo caminho do martírio. Semelhantes aos nossos irmãos missionários da China, que não se calam perante a morte, nem perante os mais cruéis suplícios, nós enfrentaremos impávidos as enormes fadigas, as perigosas viagens, as espantosas privações, o lento martírio de um clima sufocante e de abrasadoras febres, os mais duros sacrifícios e até a própria morte, para ganharmos para a fé os habitantes da África Central, a fim de os reunir a todos à sombra pacífica do único redil de Cristo.


[6383]

Mas enquanto como humildes operários da infeliz Nigrícia estivermos a suportar com firmeza a vaga impetuosa de cruzes e calamidades do nosso difícil e laborioso vicariato, também devemos imitar os nossos veneráveis irmãos os vigários apostólicos da China, da Mongólia e da Índia, fazendo um apelo aos generosos benfeitores das missões para implorar socorro em prol dos nossos infelizes e sempre queridos africanos, que gemem ainda sob o peso de tantas desventuras. Clamat penuria pauperum, clamant nudi, clamant famelici (S. Bern. Epist. XLII).


[6384]

Carestia, epidemia, fome, sede… tremendas palavras! Terríveis males, penosíssimos flagelos!... Desde David que empalidece e treme perante a ameaça do profeta Gad: veniet tibi fames in terra tua... erit pestilentia in terra tua (II Reis 24,13), creio que poucas vezes alguém, de alma naturalmente cristã, só ao ouvir pronunciar uma de tais palavras temperet a lacrymis (Virg.) e sentindo a violência do calafrio pelas veias e nos pulsos, tenha deixado de gritar: libera nos, Domine! Pois o que é que não haverá de suceder quando a fome, a sede e a epidemia, atrozmente combinadas, se juntam num furioso turbilhão para semear a miséria, a desolação e a morte na já mísera e desolada terra do amaldiçoado Cam?


[6385]

Então ter-se-á o pandetur malum super omnes habitatores (Jeremias 1,14). O meu coração, pouco impressionável, ainda se me encolhe ao lembrar, como o faço nestas páginas, tanta ruína e tanto estrago como a carestia e a epidemia causaram no meu enorme Vicariato, do que em parte fui testemunha ocular. Mas, ainda que com tudo isso aquela dor se desperte em mim e só de o recordar me espante, trouxe aqui tão amarga história, digna de mover à compaixão e pranto, porque quod non audeo ego, audet et charitas, et cum fiducia charitas pulsat ad ostium amici, nequaquam putans pari se debere repulsam (S. Bern. Epist. XI). Se falo, é pelos pobres negros; pelos nus, famintos filhos da África interior; e é propter nomen Domini Dei nostri quaesivi bona tibi. Cheio de confiança nessa caridade bona mater charitas... diversis diversas exhibens, sicut filios diligit universos (S. Bern. Epist. II), chorarei ao mesmo tempo pelos pobres negros e pelo sublime apostolado da África Central.


[6386]

As nações civilizadas da Europa e da América e de modo especial o episcopado e os generosos e fervorosos católicos da França, do império austro-húngaro, da Alemanha, Itália, Inglaterra, Bélgica, etc., comoveram-se intensamente com a notícia do terrível flagelo da fome e da carestia que de há vários anos a esta parte açoitava muitas províncias da China, das Índias Orientais, da Mongólia, da África e de outras missões da Terra; e levados pela mais requintada caridade e pela mais terna compaixão para com tantos infelizes, rivalizaram em socorrer eficazmente os desolados irmãos. Todos nós os bispos e vigários apostólicos das missões estrangeiras em terras infiéis guardaremos eterna gratidão para com o venerando episcopado católico e para com os generosos benfeitores da Europa, que nos prodigalizaram tantas ajudas; e das nossas missões subirá diariamente ao Céu, atravessando as nuvens, o fragrante incenso das fervorosas orações que rezarão os nossos queridos filhos regenerados pela purificação salvífica do baptismo. Sim; os nossos neófitos rogarão sempre pelos nossos magnânimos benfeitores.


[6387]

Contudo, sem tirar nada àquele espantoso quadro da fome e das calamidades que se abateram nas remotas regiões asiáticas que mencionámos, prejuízos que foram exactamente descritos pelos nossos veneráveis irmãos os pastores daquelas importantes missões e até pelos cônsules e representantes das nações civilizadas da Europa acreditados perante aqueles governos estrangeiros, não tenho dúvida de emitir o meu humilde parecer e atrevo-me a dizer, depois de madura e ponderada reflexão, a grave afirmação seguinte:

A carestia e a epidemia na África Central foram muito mais terríveis e espantosas que as da China, que as da Índia e que as das outras missões apostólicas do universo.

Eis os principais motivos:


[6388]

I. Na Índia e na China, ainda que com a fome e a epidemia, havia um clima moderado e suportável, que em muitas daquelas províncias é mais saudável que o da Europa. Além disso, lá respira-se um ar geralmente tonificante e puro e bebe-se água limpa, de sabor agradável e fresca. A suavidade do clima e a pureza e frescura do ar e da água são um delicioso alívio e um grande remédio para os pobres famintos.


[6389]

Pelo contrário, na maior parte dos países da África Central, à fome e à mais desoladora penúria junta-se um clima pesado e insuportável, com um calor excessivo e sufocante, mesmo quando se está metido nas casas e cabanas. E nos intermináveis desertos, onde o missionário não encontra refúgio algum, nem rasto de sombra, enquanto viaja sofrendo sob os abrasadores dardos da canícula, desde as onze da manhã até às quatro da tarde, sem ver mais que árida areia e um céu em brasa sob quarenta, cinquenta e até sessenta graus de calor, é inútil procurar alívio e torna-se absolutamente impossível encontrar algum dos mencionados remédios que confortam o pobre faminto da Índia e da China.


[6390]

Além do mais, nas imensas regiões que estão longe dos grandes rios, como é o caso do Cordofão, Darfur e Gebel Nuba ou nas tribos interiores dos negros, ao flagelo da fome associa-se o ainda mais terrível da sede. Em tão terrível situação, a água suja, lodosa, salobre e repugnante, tirada de poços de trinta e quarenta metros de profundidade, pagou-se mais cara que o vinho na Itália; e houve dias em que foi impossível obtê-la a preço algum, porque faltava absolutamente. Quem teria podido medir aquela minha angústia e os horrores de tantas privações?!

E não é de passar em silêncio o não menos grave caso da falta de sal para condimentar os alimentos, que às vezes nós sofremos. Ponderem-se todas estas críticas situações, que na África interior agravam a situação dos famintos e brilhará resplandecente a verdade desse primeiro ponto da minha afirmação que assinala e faz ressaltar a gravidade das desgraças da fome e da carestia da África Central, muito mais severas e espantosas que as sofridas nas outras missões do mundo.


[6391]

II. Nunca ouvi, vi ou tive ocasião de ler na história nem nos relatórios sobre a carestia da Índia, da China e doutros lugares da Terra, que os artigos de primeira necessidade faltassem aos missionários, às Irmãs e aos irmãos coadjutores idos da Europa para aquelas regiões; ou que, faltando-lhes, tivessem que os comprar a preços exorbitantes e fabulosos de dez, vinte, trinta vezes o seu preço normal, como indiquei anteriormente. Contudo, tudo isto ocorreu na África Central. Os nossos missionários, as nossas Irmãs e os nossos irmãos coadjutores veroneses no Cordofão e em Gebel Nuba, como também alguns comerciantes e funcionários em Darfur, na região do Nilo Branco e na do Bahar-el-Ghazal, tiveram por completo falta de pão; e, durante longo tempo, viram-se obrigados, com não pequeno desagrado e repugnância, a alimentar-se de dokkon, que é uma espécie de milho, conhecido em botânica com o nome de Penicillaria e que se pagou em Darfur até a 140 táleres megidi por um ardeb, ou seja 636 francos ouro, quando o seu preço ordinário era antes de uns 3 táleres megidi por ardeb, equivalente a pouco menos de 15 francos ouro; quer dizer, o preço era agora quarenta e seis vezes maior. Oh, que grande a angústia a do meu coração, ao ver-me na absoluta impossibilidade de pôr cobro a tão duras calamidades! Quanto me afligiu a preocupação pela extrema penúria do Cordofão, que privou a generosa Ir. Arsénia Le Floch, superiora de El-Obeid, do modesto alívio de um pouco de pão de trigo molhado em água, enquanto gemia no seu leito de morte e se dispunha a empreender a viagem para o Paraíso! E, ainda por cima, entre a maior parte dos pobres indígenas, a escassez ultrapassou todo o cálculo e toda a medida; é que não há nenhuma região do mundo tão mísera como uma grande parte da Nigrícia.


[6392]

III. Tão-pouco nunca ouvi, nem li nos jornais e nos anais das missões da Índia, da China e das outras partes do mundo que a fome, a sede e a epidemia produzissem como consequência nada comparável à espantosa e terrível mortandade de que falei neste sucinto relatório, a qual, nalgumas zonas consideráveis do Sudão, acabou com grande parte daquelas míseras populações; e nalguns lugares não muito distantes da capital das possessões egípcias na Nigrícia morreram metade, três quartas partes ou até a totalidade da população, perecendo igualmente a metade, as três quartas partes ou até todos os animais, mesmo os cães, que dotados de uma enorme resistência e de uma enorme vitalidade, geralmente constituem nesses países uma providencial guarda de segurança pública contra os ladrões, os assassinos e os animais ferozes.


[6393]

IV. Na Índia e na China, a indústria está muito avançada e a cultura e a civilização são antiquíssimas. Provam-no, entre outras coisas, as grandes Exposições universais e mundiais, que desde há mais de cinco lustros vimos admirando em Londres, Paris, Filadélfia, Viena... e que nos dão uma ideia dos grandes progressos da indústria e da cultura nesses impérios do Extremo Oriente. E, quanto à mecânica e construção, pode dizer-se que, de alguma maneira e em determinados aspectos, a Índia e a China competem com a Europa civilizada. Lá, apesar da fome e da carestia, conta-se não só com a moderação do clima e a salubridade e frescura da água, mas também com cómodas casas engenhosamente construídas, para se resguardarem das intempéries e dos marcados fenómenos estacionais, como as chuvas torrenciais e os excessivos calores.

Não ocorre o mesmo nas inóspitas e remotas regiões da Nigrícia, onde a indústria humana, a cultura e a civilização são incipientes; pode até dizer-se com toda a verdade que estes países são ainda primitivos e muitos deles encontram-se mais atrasados quanto à cultura e civilização que os nossos primeiros pais Adão e Eva, depois da sua queda...


[6394]

Em todo o Vicariato da África Central, à excepção da cidade de Cartum, que desde a fundação da missão católica possui algumas casas de alvenaria e tijolo cozido, por exemplo o estabelecimento da missão e a nossa residência, que foram os primeiros edifícios que se construíram à europeia; em toda a África Central, dizia, não há nenhuma casa de pedra ou de tijolo cozido como as nossas da Europa. Com efeito, até as casas dos poderosos e ricos são feitas de areia ou de barro ou de adobe e, assim, são tão frágeis, que duram pouco tempo e caem e desfazem-se por si mesmas com as chuvas torrenciais, passadas muito poucas estações de kharif. E estas casas, como digo, pertencem às famílias privilegiadas e opulentas das principais cidades, onde tem a sua sede um paxá ou um governador provincial.


[6395]

Mas a maior parte das habitações da África Central, pertencentes à classe média, são construídas de palha ou de barro; e grande parte da população pobre ou apenas tem umas toscas cabanas para nelas se refugiar de noite ou no tempo do kharif (chuvas anuais) ou se mete em cavernas ou debaixo da árvores; e até muitos, à falta de tudo o que referi, vêem-se obrigados a viver ao ar livre, expostos ao calor escaldante e aos dilúvios da estação chuvosa. A isto há que acrescentar o gravíssimo facto de que quase todos os habitantes da África interior dormem sempre no chão nu, à excepção dos chefes e dos ricos, que se deitam sobre uma pele de vaca, de tigre ou de outros animais. Além disso, muitos deles andam sem nada vestido, completamente nus e estão assim sempre, tanto debaixo dos abrasadores raios do sol como nas noites, às vezes desagradáveis e frias e também no meio dos ventos impetuosos, nas estações húmidas e chuvosas; pelo que, são por vezes afectados de febres muito perigosas e de doenças funestas.


[6396]

E não é só a classe pobre que está sem tecto naquelas terras remotas, mas até outras pessoas mais abastadas, no tempo do kharif, porque, ao caírem as chuvas torrenciais anuais, muitas casas de ramagem, palha, areia, barro ou adobe entram em derrocada, desfazendo-se como o açúcar ou o chocolate quando a água as empapa. Deste modo, a maior parte da população da África Central vê-se privada de refúgio na época das chuvas e exposta à intempérie, suportando o frio da noite e o calor do dia; daí que grande número desses infelizes se ressinta na saúde, seja contagiado por graves doenças e ponha fim a uma mísera vida com uma morte ainda mais mísera e infeliz.


[6397]

Considere, eminentíssimo príncipe, a grandeza das desgraças de populações africanas tão infelizes açoitadas pela fome, sede, o calor, o frio, expostas a todas as inclemências de tão variadas e perigosas estações, sem refúgio nem tecto e sujeitas a tão grandes e tão graves doenças. Compare todas estas desgraçadas condições e circunstâncias com essas outras bastante menos rigorosas e mais favoráveis dos povos da Índia e do extremo Oriente e brilhará de forma clara a verdade da minha reiterada afirmação de que a carestia e a epidemia da África Central foram muito mais terríveis e espantosas que as da Índia, da China, da Mongólia e das outras missões apostólicas do universo.


[6398]

V. Finalmente, o erro pernicioso e funesto do fatalismo próprio da seita islâmica, mais a ignorância dos pobres negros que gemem sob o jogo da mais cruel e horrível escravidão, agravam excessivamente a situação dos famintos da África Central, com respeito aos da Índia, China e às outras missões da Terra. O fatalismo islâmico, junto com a extrema ignorância dos pobres negros embrutecidos sob o peso da escravidão, é uma das principais razões pelas quais o próprio faminto se não preocupa nada com a sua desgraça, as suas misérias, a sua fome, a sua sede, as suas privações, as suas doenças, nem com os perigos da sua vida; e mais indiferente se torna ainda a sociedade dos seus irmãos africanos dominados pela superstição do fatalismo, no meio dos quais vive. O maometano faminto que não tem ou que não encontra com que se satisfazer e manter a sua vida (e ainda mais o negro escravo assim instruído por seu amo), convencido como está da feroz lei e do fatalismo, segundo a qual deve sofrer o destino que Deus lhe tiver marcado, ou seja, que deve morrer necessariamente, uma vez que Deus assim o quer, ele, sem a menor perturbação e desconcerto, sem nenhum ruído nem queixa, mas absolutamente resignado à sua sorte, permanece calmo e sereno, alheado de tudo, e sem fazer o menor esforço para procurar um remédio e afastar de si aquela tremenda desgraça. Frequentemente – sempre presa do seu fatalismo – coloca-se parado junto à porta, ou a um lado da sua habitação, ou por detrás de uma cabana ou debaixo de uma árvore; e aí, impassível e a sangue-frio, espera impávido a morte, exclamando com o seu profeta: Allah kerim (Deus é digno de honra!).


[6399]

Pelo mesmo princípio e pelo mesmo motivo, a sua família, os seus amigos, os seus compatriotas, perante uma desgraça que, com base nesse fatalismo, consideram desígnio e vontade de Deus, não se comovem, nem fazem nenhum ruído, nem procuram grande coisa afastar tal infortúnio; daí que, não raramente, numa mesma cidade, num mesmo povo, sucedem graves desgraças sem que o público se aperceba ou se dê por achado ou se esforce por as esconjurar ou pôr-lhes remédio. Mas na Índia, na China e nas outras missões do mundo, os habitantes são, no geral, mais sociáveis, cultos, civilizados e industriosos. O faminto ou o afectado por qualquer outra miséria, move-se, luta, põe mãos à obra para sair da situação difícil. Com ele colabora a sua família, pais, amigos, e os seus concidadãos; o sentimento de humanidade e filantropia inflama-se e impõe-se e o desafortunado tira alívio dos seus próprios esforços e da ajuda dos demais.


[6400]

Por isso, é consideravelmente melhor e mais suportável a situação dos famintos e dos desventurados nos ditos reinos e impérios.

Além disso, aqueles governos, que em certo modo se podem considerar regulares, porque mantêm relações diplomáticas com as grandes potências da Europa e da América, fizeram grandes sacrifícios para acudir em ajuda dos seus famintos. Até os príncipes e princesas da Índia e os mandarins da China foram pródigos em ajuda e sobretudo o Governo da rainha da Inglaterra e imperatriz das Índias concedeu-lhes ingentes auxílios; também se moveram e trabalharam activamente em favor deles os ministros plenipotenciários, os cônsules e os representantes das nações civilizadas acreditados perante os governos desses países.


[6401]

Mas na África Central os governos locais não se preocuparam o mínimo com as desgraças e calamidades dos povos dependentes deles. A única coisa que lhes importa, em geral, é explorar os que estão sob a sua jurisdição e arrancar-lhes os impostos como lhes apetece, por vezes até com toda a sorte de violência. A única personalidade dotada de nobres sentimentos, cheio de boa vontade e capaz de intervir eficazmente em alívio de tanta calamidade, teria podido ser o Excelentíssimo Gordon Paxá, governador-geral das possessões egípcias do Sudão; mas ele estava ausente na época em que o flagelo da fome e da carestia fazia maiores estragos. E quando voltou ao seu posto a Cartum, encontrou-se na impossibilidade absoluta de dispor para o efeito de importantes ajudas: ao não ter podido aquele ano cobrar nas várias províncias os múltiplos impostos com que estavam tributadas, carecia até dos fundos e do dinheiro necessários para manter o exército e as diversas administrações naquelas vastas e remotas regiões. Até no meio de tanta penúria se viu na necessidade de mandar para casa muitos dos seus funcionários e de reduzir consideravelmente os efectivos do exército egípcio indígena, por não ter com que pagar. Disso resultou que muitos dos despedidos e não pagos se entregaram ao roubo e à violência, com o pretexto de sobreviverem e não morrerem de fome.


[6402]

Finalmente, na Índia, na China, na Mongólia e noutras missões, tão depressa como apareceu o horrível flagelo da carestia, os bispos e vigários apostólicos, bem como os missionários, assim levantaram a sua voz cheia de autoridade, que ressoou nos ouvidos dos generosos benfeitores da Europa e, graças à bondade divina, puderam receber abundantes socorros. Ao invés, na África Central, sou eu o único bispo e vigário apostólico; e, ainda por cima, só demasiado tarde pude lançar o meu apelo, quando todos os pensamentos e espíritos estavam absorvidos pelos famintos da Índia e todos os olhares se dirigiam para a China, a Mongólia e as outras desoladas missões do mundo.


[6403]

A minha voz era fraca e solitária, e o meu grito de angústia soou demasiado tarde. E ainda que muitos e oportunos donativos de generosos e piedosos benfeitores viessem logo aliviar a angústia da minha alma e mitigar extremas e grandes misérias, não conseguiram fazer frente às mais urgentes necessidades. Mas a misericórdia divina, graças à exímia caridade dos benfeitores, manteve ainda de pé as árduas e importantes missões do Vicariato e salvou muitas almas atendendo às mais extremas necessidades. Os missionários, as Irmãs, os irmãos coadjutores e as pessoas acolhidas na missão suportaram a pé firme, com inamovível constância, coragem e resignação, as maiores privações e sacrifícios. Sofremos muitíssimo, mas alegramo-nos disso, porque o Senhor se dignou fazer-nos participantes da sua paixão e nos ajudou poderosamente a levar a sua cruz divina, símbolo de ressurreição e de vida.


[6404]

E embora o Vicariato da África Central note ainda as consequências daquelas tremendas calamidades, mantemos no coração a mais firme esperança de que, ajudados ainda mais eficazmente com as orações e as ajudas dos nossos piedosos, generosos, caríssimos benfeitores da Europa, a nossa árdua e santa missão sairá completamente recuperada e fortalecida dos ditos desastres e mortandade, de que não há exemplo na história da África Central e que, sem ponto de comparação, superam todos os males sofridos pelo Vicariato desde a sua primeira fundação, em 3 de Abril de 1848.


[6405]

Tal é a minha humilde e subordinada opinião sobre a carestia e a epidemia da África Central em 1878-1879, que foram mais espantosas e tremendas que as da Índia, da China, da Mongólia e de todas as outras missões apostólicas do universo.

Este simples quadro sobre o grande desastre da carestia e da epidemia no nosso Vicariato, revela bem às claras que a nossa missão da África Central é obra divina, porque tem a marca do adorável selo da cruz, como as mais santas obras de Deus que desde os primeiros séculos da Igreja surgiram para alegrar e embelezar a veneranda esposa de Cristo.


[6406]

Merece, pois, eminentíssimo príncipe, o alto e piedoso patrocínio que V. Em.a lhe outorgou e é digna dos magnânimos benfeitores, que contribuíram eficazmente para a sua fundação, o seu desenvolvimento e o seu sustentado crescimento até hoje. Nesta grande obra viu-se claramente o dedo de Cristo: soou, portanto, a hora para a redenção dos desditosos povos da África Central, que ainda hoje jazem sepultados nas trevas e sombras da morte. É certo que, por se tratar da obra mais difícil e laboriosa de quantas existem, somente o zelo apostólico, suscitado e coadjuvado pela graça e vontade divinas, conseguiu até hoje tornar possível este difícil e laborioso apostolado, que exige as mais viris virtudes, os mais duros sacrifícios, o martírio.


[6407]

Mas certo é também que no seio da Igreja ferve ainda o zelo e abunda a caridade para empreender, manter e fazer prosperar as obras divinas que têm como fim a maior glória de Deus e a salvação das almas mais necessitadas e abandonadas do mundo, apesar de todos os esforços das potências infernais, que com diabólica intenção se dedicam a abater e aniquilar a religião católica e o seu maravilhoso apostolado no mundo. Não; as forças do abismo não conseguirão destruir as obras de Deus nem apagar nos peitos católicos a generosa chama da caridade que lhes infunde vida, as sustenta e lhes dá pujança e prosperidade.


[6408]

Trata-se de arrancar à barbárie e à infidelidade cem milhões de homens, sobre os quais ainda pesa tremendo o anátema de Cam. Trata-se de ganhar este mundo de negros, que gemem sob o peso da mais horrível escravidão. Para conseguir esta grande regeneração da Nigrícia, tenho o sagrado dever, como primeiro pastor, bispo e vigário apostólico da África Central, de fazer um apelo à fé e à caridade de todos os católicos do mundo, a fim de que, confiados nas indefectíveis promessas d’Aquele que disse: petite et accipietis; quaerite et invenietis; pulsate et aperietur vobis, todos elevem a Deus uma oração diária com este duplo objectivo:


[6409]

1.o Que Deus suscite no seio da Igreja entusiastas e santos obreiros evangélicos, e generosas e pias irmãs da caridade madres da Nigrícia, que, unidos sob a bandeira do vigário apostólico da África Central, o assistam e ajudem a conquistar almas para Cristo e para a sua divina Igreja.


[6410]

2.o Que o Senhor faça surgir também na Igreja e na civilização cristã generosos benfeitores, que com santas e abundantes esmolas coadjuvem esta grande obra do apostolado da África Central, para que possa realizar a sua importante tarefa e se estabeleçam, naqueles remotos lugares, todas as obras católicas necessárias para manter a fé e o culto divino, a fim de que aquelas gentes passem a formar parte do grande rebanho de Cristo.


[6411]

Quantos méritos adquiriram e adquirirão perante Deus os que prestaram e prestarão o seu valioso apoio a esta obra divina! É certamente o importante negócio da salvação eterna o que com isso se assegura.

Nós imploramos do Sacratíssimo Coração de Jesus, de Nossa Senhora do Sagrado Coração e do ínclito patriarca S. José, padroeiro da Igreja, aos quais tenho consagrado o Vicariato Apostólico da África Central, todas as graças e bênçãos espirituais e temporais sobre os nossos estimados benfeitores, firmes e inamovíveis no nosso grito de guerra: Nigrícia ou morte!, por Jesus Cristo e pela África Central.



† Daniel Comboni


(1) O corbac é na África Central uma espécie de açoite feito de pele de hipopótomo, com que se dão golpes aos escravos e se incita os animais a moverem-se.


1006
Nota
0
1880

N.o 1006; (1225) - NOTA A UMA CARTA

ACR, A, c. 47/5 n.10

1880

1007
Autógrafo em missal
0
1880

N.o 1007; (1175) - AUTÓGRAFO NUM MISSAL

MPMV

1880

1008
Mgr. Joseph De Girardin
0
Suakin
07. 01. 1881

N.o 1008; (964) - A MGR. JOSEPH DE GIRARDIN

AOSIP, Afrique Centrale

Suakin (mar Vermelho), 7 de Janeiro de 1881

Senhor presidente,

[6412]

Apresso-me a enviar-lhe o resumo correspondente à Santa Infância, seguindo os conselhos recebidos do meu superior da missão de Cartum. Farei tudo o que for possível para organizar bem esta obra no meu fadigoso Vicariato, mas rogo-lhe insistentemente, senhor director, que acorra em minha ajuda. É preciso conquistar para o Menino Jesus a África Central, que nunca gozou dos benefícios da fé.


[6413]

Em anos passados, roguei-lhe que me mandasse o subsídio a Santa Infância por meio do banqueiro católico sr. Brown e Filho para Roma. Mas, infelizmente, esse homem entrou em falência e muitos eclesiásticos (até monsenhores e cardeais) perderam o dinheiro. Por isso, já não mande nada ao sr. Brown, que desapareceu de Roma.


[6414]

Como em Paris não tenho um meio, peço-lhe que envie o dinheiro destinado à África Central ao superior dos meus Institutos do Cairo, no Egipto, a saber:

Ao Rev. P.e Francisco Giulianelli

Superior do Instituto dos Negros para a África Central

Cairo (Egipto)


[6415]

Recebi a magnífica encíclica do Papa para a Santa Infância. Será meu dever dirigir-me a todos os bispos, cardeais, etc. (sobretudo aos da Itália) de meu particular conhecimento, para os levar a que escrevam cartas pastorais, etc. e façam o possível para desenvolver a Santa Infância. Esta encíclica é providencial, e a si, senhor director, se deve em grande parte, por ter induzido directamente o Santo Padre Leão XIII à publicação da mesma, que salvará muitos milhões de crianças. Há que aproveitar agora: é preciso martelar o ferro em quente. Os bispos agem com coragem, apesar dos maus tempos. Subscreve-se, etc.



† Daniel Comboni

Bispo e vig. ap. da África Central

Amanhã entro no deserto (15 dias até Berber) com 16 pessoas, entre missionários e Irmãs.

Original francês; tradução do italiano.


1009
Mgr. Joseph de Girardin
0
07. 01. 1881

N.o 1009; (965) - A MGR. JOSEPH DE GIRARDIN

AOSIP, Afrique Centrale

Suakin, 7 de Janeiro de 1881


Estatísticas e notas administrativas.

1010
Jean François des Garets
0
Suakin
09. 01. 1881

N.o 1010; (966) - A MR. JEAN FRANÇOIS DES GARETS

APFL. Afrique Centrale, 7

Suakin (mar Vermelho), 9 de Janeiro de 1881


Senhor presidente,

[6416]

Chegado aqui, à primeira cidade oriental do meu Vicariato, envio-lhe os dois pequenos quadros estatísticos para a próxima divisão de recursos. Falta a minha informação anual, que julgo conveniente não preparar por agora, enquanto não tiver efectuado uma parte da minha visita pastoral. Enquanto esperar, escrever-lhe-ei o mais frequente que puder, para dar informações da natureza e circunstâncias do laborioso apostolado da África Central, tão pouco conhecido dos nossos caros benfeitores e sócios.


[6417]

E como é difícil fazer uma ideia exacta do nosso campo de trabalho, sem conhecer bem o que a ciência e a geografia fizeram por esta parte do mundo chamada África, a mais vizinha da Europa e, ao invés, a mais desconhecida (com o que também a Igreja e as suas missões católicas têm muito a ver), propus-me enviar-lhe a si um relatório intitulado Quadro Histórico sobre os Descobrimentos na África, que servirá de sólida base para conhecer não somente o alcance e a importância das missões católicas da África Central, mas também de todas as nossas missões da África inteira.


[6418]

Mas estender-me-ei em pormenores sobretudo a respeito das missões do interior e sobre os trabalhos que são mais necessários para estabelecer bem uma missão entre as tribos primitivas, atendendo à experiência. O trabalho apostólico na África interior é muito mais difícil e árduo que nas outras missões do mundo; e isto é o que é necessário explicar. Em Roma, o digno e venerável mons. Masotti (que é um homem eminente e superior) instou-me a escrever muito e a informar sobre a África Central; fá-lo-ei nos momentos das horas vagas e na medida que me for possível.


[6419]

Mas o que agora me preocupa é a falta de recursos, muito inferiores ao estritamente imprescindível para as obras que temos no Vicariato e para as que é absolutamente preciso fundar, com o objectivo de dar o desenvolvimento necessário a esta difícil missão.

Por isso, senhor presidente, peço-lhe a sua ajuda. Especialmente as últimas estações da missão precisam ser ajudadas. Ah, eu farei todo o possível para conseguir que estas missões avancem!


[6420]

Acabo de receber a magnífica carta encíclica de Leão XIII sobre a Propagação da Fé. É um monumento de caridade por parte deste grande Pontífice, que tem no seu coração as missões apostólicas; mas o senhor tem um grande mérito por ter suscitado este acto do Soberano Pontífice. E a sua caridade, a sua entrega e o seu zelo são admiráveis. Nós somos pequenos pigmeus em comparação com os dignos membros dos conselhos centrais da Propagação da Fé.


[6421]

Será meu dever escrever a todos os bispos e cardeais que conheço pessoalmente, em particular aos das dioceses da Itália, que têm mais meios, a fim de movê-los a escreverem cartas pastorais, pedir orações e falar nas igrejas em favor da Propagação da Fé, a qual é a condição imprescindível para que possam existir e desenvolver-se as missões do mundo inteiro e sobretudo as do Centro e do interior da África.


[6422]

Amanhã à tarde partirei de Suakin para Berber com a minha caravana de cinquenta camelos. Atravessando em quinze dias o deserto que separa o Nilo do mar Vermelho e pela rota de Cartum, penso chegar ao Cordofão e a Gebel Nuba em meados de Março. Levo comigo um grupo de dezasseis membros da missão, cujos nomes escrevo nesta folhita para Les Missions Catholiques.

Sem deixar nunca de rogar e fazer rogar por si e pela Obra da Propagação da Fé, fica sempre seu reconhecidíssimo



† Daniel Comboni

Original francês

Tradução do italiano