N.o 1121; (1075) - À IR. MATILDE CORSI
APMR / F / 1 / 2812
Cartum, 13 de Setembro de 1881
Recebi as tuas estimadas cartas de Sestri e de Verona e partilho da tua pena por aquela retirada. Mas é disposição de Deus e o reitor não podia agir de outro modo, dada a atitude daquele vil usurário, que desprezou talvez a última e mais poderosa graça que Deus lhe oferecera para se reconciliar com Ele e de melhorar a sua imagem perante o mundo, fazendo uma generosa doação à Nigrícia. Disse-me por carta que o convento continua à minha disposição; mas eu respondi-lhe censurando-o por me ter enganado e ter procurado enganar o mundo. Não sei como conciliar tão repugnante avareza com algum rasto de generosidade, de que também tu foste testemunha. A verdade é que, se não me doar, com todos os requisitos legais, o convento e os jardins, sem nenhum encargo e sem a condição de ser ele o administrador, não conte comigo para nada. Ânimo: fundaremos outros institutos.
Tu, por agora, ajuda a superiora. Na próxima Primavera, dará uma volta pela Europa a madre Teresa Grigolini, que levará um pouco de vitalidade ao instituto. Verás como irás ficar contente. É uma verdadeira pérola da África Central, o meu granadeiro mais poderoso para converter a mulher africana. Também a Ir. Vitória é uma mulher superior; e, em geral, estou contente de todas e de cada uma das nossas irmãs, que desprezam a morte, calcam aos pés o mundo e seguem a direito o seu caminho. Tu põe-te bem forte. Diz à Ir. Constança que quero que me escreva dando-me notícias do seu irmão. Abençoo a todas. Saúda da minha parte a superiora e Virgínia.
Teu af.mo † Daniel bispo
N.o 1122; (1076) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 203-208v, 208-208v
N.o 18
Cartum, 17 de Setembro de 1881
Em.mo e Rev.mo Príncipe,
Ontem recebi uma carta do P.e Sembianti, que lhe incluo como Anexo V, da qual resulta que o dito padre me justifica perante o Em.mo de Canossa a respeito de algo falso que o mesmo em.mo escreveu ao fazer-me uma censura sobre Sestri.
Por outro lado, eu, do Cordofão, tinha transcrito ao P.e Sembianti um pedaço de uma carta recebida do mencionado cardeal, ou seja, o Anexo III, na qual o em.mo expunha o seu negativo e falso juízo sobre Virgínia, isto é, copiei-lhe desde as palavras da segunda página: «Paixão. Sim, permita-me falar claro, etc. que o empurrou a si com segundas intenções, etc. Virgínia... é uma chaga para a missão, etc.» até esta frase da página terceira: «Quantos desgostos não produziu a parcialidade do santo Jacob pelo seu santo José». Agora o P.e Sembianti, a quem transcrevi este fragmento, que tanto denigre Virgínia, responde-me que ele nunca insinuou ao em.mo estas lamentáveis ideias sobre Virgínia. Até, ao ler tais palavras sobre Virgínia, sentiu nojo; e anima-me a levar com ele, que ficou pesaroso, a cruz que nos conduzirá aos dois ao Céu; e exorta-me a perseverar na santa obra.
Como V. Em.a terá dificuldade em ler a má letra do P.e Sembianti, transcrevo-lhe aqui a carta de modo mais claro.
«N.o 39
Verona, 17 de Agosto de 1881
Excelência rev.ma,
A sua última de El-Obeid, de 9 de Julho, causou-me grande dor. Oh, que desgraça estar neste mundo! Quantas aflições nascem, crescem e oprimem por causa, muitas vezes, de um mal-entendido sem que ninguém tenha culpa. Isto me dizia também o distinto advogado Brasca; quer dizer, a vida do homem está cheia de desgostos e amarguras, que, por mais que tratem de se evitar, acabam por se encontrar involuntariamente, sem se ter culpa. Tudo isto não é mais que a cruz, essa estimada cruz, como costuma escrever V. E. Rev.ma, que devemos carregar no nosso intento de seguir Jesus. Mas falemos de nós.
A minha dor, causada pela dor e aflição que, como V. E. me escreve, lhe produziu a carta de S. Em.a de Canossa, provocou-nos uma nova dor a ambos, sem querer, por um mal-entendido. De facto, eu encontrava-me no palácio episcopal com S. Em.a quando ele me perguntou: «É verdade que, retirando as Irmãs de Sestri, D. Comboni tem de pagar 20 000 liras? E dizia isso bastante agitado. Então, devido à sua agitação e à falsidade daquilo, respondi-lhe com assombro e com energia: “Oh, não, eminência! Não tem que pagar nada, já que estão escritas estas precisas palavras: D. Comboni pagará outras tantas (20 000 liras) se viesse a utilizar o imóvel doado para usos alheios à obra a que preside”. Com isto acalmou-se; mas não mencionou quem lho tinha dito [foi esse impostor do Tagliferro, com cujas palavras o em.mo de Canossa formou – como escreve ele mesmo no Anexo III – o adverso e negativo juízo sobre a pobre Virgínia], nem me falou de que o tinha escrito a V. Em.a rev.ma.
Na sua última carta, V. E. culpa outros da indisposição e enfado com que lhe escreve Sua Eminência: de quem suspeita é algo que sei adivinhar [eu suspeitava do próprio P.e Sembianti; seria feliz de me enganar]. Só lhe direi que eu não inculquei no em.mo as ideias que exprimo a V. E. Rev.ma a respeito de si e Virgínia. Antes, para lhe dizer a verdade, ao ler transcritas, como V. E. faz tais ideias, senti nojo; e poderá testemunhá-lo P.e Lu-ciano, a quem não fui capaz de não ler toda a carta.
Ah, quantas aflições, sem culpa de ninguém! [Aqui a culpa é do em.mo de Canossa, que escreve sem reflectir e ao deus-dará]. Que desgraça estar neste mundo! Ânimo, monsenhor, levemos juntos a cruz e esta levar-nos-á a nós ao Céu. Diz V. E. que vai sucumbir: nada disso! Ainda lhe estão reservadas outras empresas, outras obras e outras coroas mais preciosas.
Seu devot.mo J. Sembianti»
Beija-lhe a sagrada púrpura
Seu indig.mo filho
† Daniel Comboni bispo e vig. ap.
Anexo V
Carta autografada do P.e Sembianti, na qual me justifica a mim perante o em.mo de Canossa sobre o que este chama infeliz negócio de Sestri.
Depois declara ter-se enojado do juízo do dito em.mo sobre Virgínia, e anima-me a mim a levar junto com ele, que fica magoado e enojado, a cruz, que nos conduzirá ambos ao Céu e exorta-me a perseverar na obra.
N.o 1123; (1077) - AO P.e JOSÉ SEMBIANTI
ACVV, XVII, 5, B
J. M. J.
Cartum, 17 de Setembro 1881
Meu caro reitor,
Começo a tranquilizar-me quanto a P.e Francisco, a quem fiz aplicar um sinapismo, etc., e agora respira, dorme e está alegre. Embora virtuosíssimo, todos nos apercebemos que era noviço no padecer e sofrer por Jesus Cristo e em não temer a morte. No Juízo Universal os missionários da África Central, tão desprezados por alguns, como P.e Bartolo – pelo que seria loucura ter em conta certos juízos seus sobre eles – e até não bem conhecidos pela Propaganda, pelo facto de nós lhe escrevermos pouco, farão certamente boa figura, porque, com a graça de Deus, souberam padecer muito por Jesus Cristo. Falo daqueles que aguentaram três anos no centro da África. Dos outros não se pode dizer nada com certeza, ainda que haja motivos para esperar muito deles. Confio em que todos os que o senhor formar correspondam à altíssima vocação.
Estou muito satisfeito com o meu camareiro José Fortini. Nunca, nem uma única vez, tive que o repreender, enquanto antes passava a vida a berrar ao americano Domingos pelo seu descaramento em mentir e por ter a cabeça vazia. Este trabalha sempre para a casa, obedece a todos e muito mais e, por cima, sente-se feliz e diz que finalmente alcançou a sua meta, o que desejava.
E mais contente estou ainda de P.e Giulianelli. Provei-o de todas as maneiras, tentei-o, ameacei-o e até lhe restringi os poderes. É um santo. Por isso nomeei-o administrador-geral e também porque quase todo o dinheiro passa por suas mãos e é ele quem o distribui. A questão do lugar onde deve ficar o administrador-geral é algo em que ando a pensar há três anos. Provisoriamente vou agora experimentar com o Cairo. A seu devido tempo farei com que Giulianelli dê uma volta por todo o Vicariato para que conheça as necessidades de cada estação, e depois voltará para o Cairo.
Em Cartum não é segura a vida de um administrador e todos os missionários que tenho devo empregá-los no ministério. Já enviei a Giulianelli informação das receitas recebidas no Vicariato que não passaram por suas mãos. O senhor, em todo o caso, mande-mo todo a mim, porque a Propaganda, ao sugerir-me que escolhesse um administrador de confiança, disse-me que tudo ficava à minha responsabilidade, como é natural. Se isto é assim com todos os vigários apostólicos, com maior razão no meu caso, sendo eu entre todos quem obtém pessoalmente mais recursos.
Recomendo-lhe P.e Bartolo: depois de Recoaro poderia tomar as águas acídulas catulianas em casa. Noutro ano mande-se a Recoaro em princípios de Julho para lá ficar até fins de Agosto, do modo que direi.
Abençoo a todos/as.
† Daniel bispo
Em duas palavras: a cura da Ir. Vitória é um milagre, segundo a minha subordinada opinião, ou ao menos uma graça portentosa de N.a S.a do Sag. Coração, a esposa do meu José. Desculpe em confidência: aqui também sopra o ar de Montebaldo. Aqui gastávamos três táleres diários em água; ontem e hoje gastaram-se quatro táleres, e, a partir de agora, será ainda mais. Mas José paga.
Para o meu caro amigo P.e Luciano: saúdo-te e abençoo-te desde o Cordofão, assim como à tua irmã Angelina, a quem escreverei, bem como à tua família.
Teu af.mo † Daniel bispo
N.o 1124; (1078) - AO CARDEAL JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 209-209v;
220-223v; 229-241v; 85-90v
N.o 19
Cartum, 24 de Setembro de 1881
Festa da Virgem das Mercês
Em.mo Príncipe,
Sob os auspícios de Nossa Senhora das Mercês, espero que Deus me dê a graça de tratar dignamente a causa da Nigrícia e de adquirir perante Ele não pouco mérito, defendendo a causa sacrossanta de Virgínia, injustamente e contra todas as regras da caridade, oprimida em Verona. E confio, com a ajuda de Nossa Senhora, poder consegui-lo, tanto porque tal causa se trata na Propaganda, no tribunal da justiça e da caridade, como porque estou profundamente convencido de que, tal como eu ajo por dever de consciência e pelo mais santo fim do duplo imenso benefício da minha missão e da santificação da excelente e atribulada Virgínia, também são santos os fins pelos quais agem o em.mo de Canossa e o meu caro P.e Sembianti.
Encontramo-nos nos campos mais opostos por culpa de ninguém, talvez apenas pela involuntária imperícia do digníssimo P.e Sembianti, o qual, dispondo assim Deus para os seus amorosos projectos, saiu do seu convento sem nunca ter conhecido o mundo e encontrou-se no meu instituto tão deploravelmente sobreavisado, como disse, pelo pérfido de P.e Grieff e o camponês Tiago, contra Virgínia, a qual, desde aquele dia, se tornou uma verdadeira vítima, a mais inocente. Continuo a narração.
Virgínia, apesar de todas as contrariedades mencionadas, e especialmente a de ter sido separada da vida em comum com as demais e confinada a uma casita minha, depois de ter estado habituada desde os seis anos de idade e por quase vinte anos a viver em comunidade religiosa, comportou-se como uma verdadeira cristã e mostrou edificante resignação tanto em Verona como em Sestri, como se vê claramente pelos escritos das superioras de Verona e de Sestri, que são os dois primeiros anexos que enviei a V. Em.a no dia 3 do corrente, com a carta n.o 15. Agora trata-se de ver como se comportou Virgínia enquanto postulante em Verona, desde que entrou no meu Instituto em Novembro passado até Maio deste ano, quando Sua Eminência declarou que ela não tinha vocação religiosa e deixou de ser chamada a participar com as outras nas práticas do postulantado, até hoje. As superioras e especialmente a madre geral exultaram quando Virgínia foi admitida ao postulantado. Não se passou o mesmo com o P.e Sembianti, que declarou, sem nunca a ter visto na obra, que não acreditava que desse resultado. E o campónio Tiago, que tem grande influência, disse no dia antes da minha partida para a África: «Agora que o monsenhor vai para a África, vamo-nos livrar rápido dos árabes, irmão e irmã.»
Virgínia, por seu lado, exprimiu-me o seu receio: «Eu fico aqui para ser freira e estou disposta até a morrer; mas verá, monsenhor, como, uma vez que já esteja na missão, terá o desgosto de ouvir dizer que me mandaram embora, porque nem Sua Eminência, nem o P.e Sembianti, querem saber de mim. Mas eu, por amor de Deus e pela sua querida missão, farei também esta tentativa: o senhor não terá queixa de mim, pois, com a ajuda de Deus, cumprirei o meu dever.»
Depois da minha partida, foi-lhe dito que nunca falasse em árabe com o seu irmão que, de quando em vez, ia visitá-la e ao qual a maior parte das vezes não recebia; e entenda-se que, como é regra, ela nunca se apresentou no locutório sem a superiora. As cartas em árabe que lhe chegavam da sua mãe e da sua família de Beirute, como o Superior dos Jesuítas me fez ver no Cairo, eram enviadas para o Cairo para tradução e, depois, efectuava-se a sua entrega. De resto, Virgínia escrevia-me para África dizendo-me que a superiora era muito bondosa com ela, bem como todas as outras e nunca lhe fazia nenhuma repreensão; mas que via claramente que nunca contaria com a aprovação do P.e Sembianti e de Sua Eminência, porque nunca era admitida à conferência como as outras.
Apresentou-se oito vezes à superiora para que lhe fosse permitido vestir o hábito; e a superiora dizia-lhe que, embora estivesse contente com ela, vestir o hábito dependia do reitor e este respondia ora que não a conhecia o suficiente ora que para esse assunto tinha que se dirigir a Sua Eminência. Por isso, Virgínia, que é muito perspicaz e tem um bom conhecimento das coisas, escrevia-me a dizer que era infeliz, a mais desditosa das criaturas, porque via claro que nem o em.mo, nem o reitor a queriam como religiosa. E isso concordava, mais ou menos, com o que me escrevia o P.e Sembianti, o qual me dizia que ainda não conhecia bem Virgínia e não estava persuadido da sua vocação; mas nunca me expôs uma razão, um motivo do seu severo e muito injusto juízo.
O P.e Sembianti exprimiu-me uma única vez um juízo pormenorizado sobre Virgínia, abandonando o seu modo de escrever unicamente: não tem espírito religioso, não tem vocação. E foi quando a 16 de Fevereiro deste ano me deu a notícia de ter comunicado a Virgínia que, em Trieste, tinha feito embarcar o seu irmão para a Síria.
A 9 de Fevereiro escrevia-me para Cartum e notificava-me que o irmão de Virgínia, Jorge (o mesmo por cuja abjuração advogou o P.e Sembianti perante o em.mo, por se manter firme na nossa fé e ser de edificante conduta) se portava mal e que, por isso, depois de se aconselhar com Sua Em.a, o tinha conduzido a Trieste, onde lhe disse que tinha de partir imediatamente para Beirute num barco da companhia Lloyd. Jorge recusava-se a partir, porque, ao menos, queria despedir-se da sua irmã; mas finalmente viu-se obrigado a fazê-lo. Explicava-me também o P.e Sembianti que, por medidas de prudência e para o bem do insto. tinha julgado conveniente não avisar a irmã, a qual pensava que Jorge estava em Verona. Terminava a carta dizendo-me que quando regressasse de Trieste a Verona comunicaria o assunto a Virgínia e me informaria do resultado.
De facto, a 16 de Fevereiro escreveu-me a dizer que no dia 13, na presença da superiora, tinha feito saber a Virgínia que o seu irmão já não estava em Verona e que teve que o mandar para a Síria sem lhe ter podido permitir, por ordem de Sua Eminência, que antes se despedisse dela. «Contei a Virgínia – escreve o P.e Sembianti – o assunto da partida do Jorge com todos os pormenores. Ela escutou toda a narração, sem dar mostras de surpresa e, quando terminei, disse-me em tom resoluto e com lágrimas que lhe fosse dado o dote prometido por V. E. (quando estava na casita afastada da comunidade e me explicava chorando que não podia apresentar-se em nenhum instituto porque não tinha dote, etc.; ao que eu lhe disse que, caso Deus a chamasse para algum outro instituto, eu me sentia na obrigação de lho proporcionar, por meio de tantos benfeitores como tenho; e o P.e Sembianti escreveu-me que isso era justo), pois queria juntar-se às religiosas da Bélgica, que também vão para a África (Virgínia sempre suspirou e suspira pela África, e eu seria um louco se a deixasse fugir, conhecendo como conheço os seus eminentes dotes e virtudes).
«Juntamente com a madre procurei acalmá-la [depois de lhe dar o golpe de misericórdia, quis reanimá-la] e aconselhei-a a que pensasse devagar, que uma decisão tomada num momento de tanta emoção poderia não ser acertada. Ela respondeu-me que tinha decidido desde há tempo e acrescentou: ou o dote para entrar nas religiosas da Bélgica, ou o hábito e a mudança para a África quanto antes. Hoje, dia 15 [dois dias depois], voltou ao mesmo: que se lhe dê o dote ou que se mande para a África, porque, em consciência, não pode continuar aqui. Diz que quer ir ao cardeal com a mesma petição; mas como Sua Eminência nestes dias anda de visita, terá que o deixar para mais adiante. O que mais lhe dói é ter sido afastada de Jorge sem ser avisada [e tem razão, e mil razões], porque, diz ela, tê-lo-ia corrigido e, caso se não emendasse, teria encontrado um bom pretexto para o remeter para sua casa [e também aqui Virgínia tem toda a razão]. Eu respondi-lhe que também tinha pensado nisso, e que, se não ordenei que se lhe deixasse Jorge para que ela o corrigisse, foi pelo receio de que, pela correcção, pudesse aperceber-se de que as suas faltas se tinham revelado e que fizesse alguma cena desagradável; o que teria sido error peior priore.
Assim o pensaram todos aqueles a quem solicitei conselhos. A respeito da petição de que se lhe desse o hábito e se mandasse quanto antes para a África, procurei fazer compreender a Virgínia que era preciso passar aqui o tempo estabelecido [Virgínia pediu oito vezes à superiora e ao P.e Sembianti que lhe permitissem vestir o hábito e dizia: “Se querem que eu faça algo, digam-mo, que estou disposta a tudo; se os molesta que eu escreva ao monsenhor, não escreverei mais. Mas falem”]. E ela: “Quanto tempo tenho que ficar aqui? [Isto diz o P.e Sembianti, mas... há que considerar e ter em conta a angústia do seu coração nesse 15 de Fevereiro, ou seja, dois dias depois de o P.e Sembianti lhe comunicar a partida do irmão... sem o ver... e daquele modo!]. Eu estou aqui já há dois anos [e agora vem o grande ‘delito’ que levou o P.e Sembianti a acreditar que Virgínia não tem vocação] e mesmo que permaneça aqui trinta anos serei sempre a mesma: eu não mudarei”. [Se Virgínia continua a ser a descrita pelas superioras de Verona e de Sestri, haveria tão grave inconveniente em que mudasse? Porque acontece que aquelas superioras me escreveram a mim, e a S. Em.a de Canossa a si, em Agosto do ano passado, manifestando que Virgínia era boa e digna de ser admitida no meu Instituto.]
Eu considero que, se Virgínia disse alguma vez algo atinado e verdadeiro, foi precisamente isto: que não mudará. Na sua idade não é possível [tem 27 anos ou menos] e tal como é hoje será sempre, confessa-o ela mesma. [O argumento não é justo, especialmente porque Virgínia se expressou assim num momento de exaltação. Além disso, quando ela afirmou não mudará, foi com a convicção, como precisamente diz a superiora, de ter cumprido o seu dever; e quem cumpriu o seu dever durante vinte anos nas Irmãs de S. José pode dizer que agirá assim sempre e que não mudará. Mas Sembianti falseia o sentido dessa afirmação, partindo da sua ideia errónea, expressa outras vezes, de que Virgínia nunca teve vocação religiosa – o que é uma afronta à Congregação de S. José, à qual pertenceu durante vinte anos –, que não a tem agora – isso está por provar – e que nunca a terá – e isto já é demasiado, porque nem o P.e Sembianti nem o em.mo de Canossa podem medir a magnitude dos tesouros da graça divina, que faz os santos]. E Virgínia tal como é hoje [16 de Fevereiro, ou seja, três dias depois do golpe tremendo da partida do irmão sem lhe poder dizer adeus] será sempre: confessa-o ela mesma.
«Ela não é feita para se juntar às nossa Irmãs, nem, acrescento, às irmãs de nenhuma religião [sic] que sejam verdadeiras irmãs. [De modo que, segundo o P.e Sembianti, as Irmãs de S. José, aprovadas pela Igreja, que servem tão bem as missões e das quais V. Em.a é card. protector, não são verdadeiras Irmãs; são Irmãs que não têm espírito. Isto é uma injúria à Santa Igreja, que aprovou a Congregação de S. José, onde com muitos elogios esteve Virgínia durante vinte anos; é um agravo à Propaganda, da qual dependem mais de trinta casas dessas Irmãs e é uma afronta a V. Em.a, que é o seu protector]. Ela não é feita para pertencer a nenhuma congregação religiosa de verdadeiras Irmãs. [As Pias Madres da Nigrícia, por mim fundadas, são excelentes e fazem todas, sem excepção, todas, muito bem na África; mas ficaria muito contente e orgulhoso se pudesse formar uma congregação aprovada pela Igreja, como a de S. José da Aparição. Espero-o, mas ainda tenho de progredir antes de alcançar esse ponto].
«Os defeitos de que parece afectada [na mente do P.e Sembianti], ou diria melhor, aos quais parece habituada [mas ele é seu reitor só há três meses, isto é, desde 15 de Novembro de 1880 até 16 de Fevereiro, altura em que escreve esta carta], não me permitem esperar nada bom, mas fazem-me prever muitos males.
«Petulante [sic], falsa [sic, etc.], mentirosa, totalmente inclinada a interpretar mal e a supor mal até as coisas mais indiferentes [o P.e Sembianti deveria comprovar-mo com factos, não com palavreado, a mim, fundador, bispo e superior geral dos meus institutos; mas tudo aquilo em que se baseia – nunca me mencionou outras circunstâncias – é essa conversa que teve com Virgínia ao notificá-la de que mandara embora seu irmão sem a avisar previamente. E mandou-o não de Roma para Frascati, mas de Verona para Beirute, para o meio dos cismáticos, com perigo de se perder eternamente]; de espírito inquieto e turbulento, mostra-se privada daquela franqueza [sic, sic, sic, etc. in omnibus et quoad omnia] e sinceridade que nas outras Irmãs permite ver até ao fundo do seu coração; carece de simplicidade e rectidão de ânimo, de docilidade espontânea, de capacidade de abandono nas mãos dos superiores. [Mas como pode Virgínia abandonar-se nas mãos de um homem como Sembianti, que não quis ser reitor no meu instituto, sem que antes Virgínia fosse afastada da comunidade, depois de vinte anos de comunidade religiosa, que sempre a viu com maus olhos – as mulheres são finas e apercebem-se facilmente –, e que em todos os encontros mostrou não querer saber dela? Porventura Virgínia não tem todos os motivos para ser desconfiada e não se abandonar nas mãos do P.e Sembianti, ainda que por muito tempo se tenha abandonado?
Confiança nasce de confiança] e do respeito às regras [Virgínia observou, de boa vontade, todas as regras], tão necessárias para que uma irmã possa viver contente ela mesma e não servir de carga e de tropeço às demais; ausência do bom critério [sic] que dá o justo valor às coisas e leva a falar e actuar com sensatez [parece-me que é o P.e Sembianti quem não dá o justo valor às coisas, não tendo calculado o momento crítico da repentina partida do irmão, que lhe custou a ela tantas lágrimas]; volúvel [pergunto eu se Virgínia é volúvel, quando suportou tantas provas para ser religiosa, até ao ponto de, aos quinze anos, fugir da sua família, que lhe tinha preparado um marido, para se tornar religiosa, etc., etc., e que depois de tantas provas insiste ainda agora e insistirá até à morte em ser religiosa missionária]. Em suma, repito, não a considero feita para conviver com as nossas Irmãs, nem para estar em nenhuma comunidade religiosa bem regulada.
José Sembianti»
Este juízo negativo sobre Virgínia escreveu-mo o P.e Sembianti três dias depois de ele ter contado a Virgínia que tinha expulso seu irmão do instituto e o tinha mandado para a Síria, para o meio dos cismáticos, com perigo de se perder eternamente. Assim se expressou depois de ter visto Virgínia na mais crítica situação em que se possa encontrar uma Irmã, uma missionária, uma virgem cristã, que nunca pensou senão na salvação das almas; numa situação da mais justa dor... Eu não sei que pensar perante este juízo injusto e irracional, procedente de santos... que comem, como o meu caro P.e Sembianti, e que mostram carecer por completo da rainha das virtudes, a caridade, sem a qual, segundo a linguagem das Escrituras, de nada servem nem a vida santa, nem as profecias, nem os milagres, nem todas as boas obras.
Porém, não pretendo aqui, em.mo príncipe, discutir as razões pelas quais o em.mo de Canossa e o P.e Sembianti expulsaram Jorge do instituto e o mandaram para a Síria sem avisar a sua irmã (nisto não vejo de nenhum modo a caridade, porque, pela decisão do em.mo e do P.e Sembianti, o irmão de Virgínia está certamente exposto a perder-se eternamente); até admito que tenham tido justos motivos e agido perfeitamente. De facto, respondi ao P.e Sembianti (recebi a comunicação ao meio-dia e respondi esse mesmo dia às três da tarde) que tinham feito bem e que eu lhe agradecia de coração; embora tenha escrito assim não por convicção, mas in verba magistri, ofuscado nesse momento pela autoridade do em.mo e pela estima que dedico ao P.e Sembianti e aos dois conselheiros.
Mas pretender que Virgínia escutasse sem pestanejar tão dolorosa e inesperada notícia como a da expulsão e possível perdição eterna de um irmão que lhe tinha custado tantas lágrimas e sacrifícios; pretender que não abrisse a boca e que até se mostrasse contente e agradecesse aos autores de tão estranha e até injusta determinação, e inferir da perturbação e comoção de Virgínia por essa tão grande desgraça sua que não teve, nem tem, nem terá nunca vocação, isso é demasiado e não o entendo. Não, o juízo do em.mo de Canossa e do P.e Sembianti sobre a Virgínia não é um juízo recto, mas contrário à justiça e à caridade.
Desde 16 de Fevereiro até hoje o P.e Sembianti escreveu-me sempre no mesmo sentido, mas não o provando com factos e com razões consistentes, mas limitando-se a repetir o seu irrevogável juízo. E desde aquele dia, sem que se dissesse nada à infeliz Virgínia (com três meses de postulantado), ela foi excluída dos exercícios e práticas das postulantes e isolada; pelo que não faz mais que chorar e chegou a escrever-me que prefere a morte a continuar nessa dolorosa e insuportável situação.
Vossa Eminência rev.ma já conhece o juízo do em.mo de Canossa e do P.e Sembianti a respeito de Virgínia.
Ora bem, qual é a opinião que formou sobre ela a madre Maria Bollezzoli, superiora geral das Pias Madres da Nigrícia e superiora local da casa-mãe de Verona, a quem o em.mo de Canossa não consultou nem escutou em absoluto, segundo me assegura ele mesmo no Anexo III?... Desde o passado Novembro, altura em que Virgínia foi admitida ao postulantado, até hoje a m. superiora geral escreveu-me dezasseis cartas, em nove das quais cita Virgínia ou fala dela. Nessas nove cartas, a superiora não se alarga em elogios sobre Virgínia; até se mostra muito parca e reservada, porque sabe muito bem o que dela pensam o em.mo de Canossa e o P.e Sembianti.
A M. Bollezzoli é uma mulher piedosa, dotada de critério e perspicácia, mas tímida, muito humilde, com muita falta de confiança em si mesma e sobremaneira respeitosa para com os seus superiores imediatos e especialmente para com o Em.mo card. bispo, até ao ponto de renunciar em muitas circunstâncias à sua própria opinião para se curvar à dos mesmos. Pois bem, pelo conjunto destas poucas e breves cartas da m. superiora geral de Verona, que eu mando como anexos a V. Em.a, o senhor convencer-se-á de que o juízo da superiora geral sobre Virgínia é diametralmente oposto ao do em.mo de Canossa e ao do P.e Sembianti. Citar-lhe-ei brevíssimos fragmentos para não aborrecer V. Em.a rev.ma.
A 16 de Novembro de 1880, a madre superiora escrevia-me assim:
Anexo VII
«Estas caras filhas são todas boas, saudáveis e alegres, incluída a Virgínia, que conta algumas histórias divertidas. Todas rezam muito de coração pela saúde e conservação do seu excelentíssimo pai e procuram apressar o momento de se poderem reunir com as suas Irmãs que já estão no seu grande campo de trabalho». Do que resulta claramente que Virgínia é bondosa, que reza com as outras e que procura apressar o momento de se juntar às suas Irmãs da África, que já se encontram no campo de batalha».
A 25 de Janeiro deste ano a madre superiora escrevia-me:
Anexo VIII
«Virgínia mostra-se alegre, fala até amavelmente com o P.e reitor, o que me causa muita satisfação. Desde o dia 3 do corrente começaram as aulas de árabe; as estudantes são sete e todas educadas, pelo que espero que farão honra à mestra.»
Aqui segue o Anexo IX, carta em que a madre superiora me fala de quando o P.e reitor anunciou a Virgínia que seu irmão Jorge tinha partido para a Síria, sem que lhe fosse permitido vê-la. E esta é a primeira e a única queixa que a superiora me apresentou de Virgínia desde que ela está em Itália.
E qual é essa queixa? A superiora diz que naquela terrível circunstância Virgínia se portou pouco bem com o reitor, dando-lhe algumas respostas pouco respeitosas e mostrando desconfiança para com ele mesmo. E conta-me em segredo que se manifesta obstinada também com ela, que procurava persuadi-la a que afastasse certos preconceitos contra o reitor (é impossível que Virgínia afaste as sinistras prevenções para com o P.e Sembianti, que desde o primeiro dia que a viu se mostrou sempre contrário a ela com as palavras e com a eloquência dos factos, como contei mais acima). Mas a superiora tem o máximo interesse por Virgínia e roga-me que lhe escreva para que com as minhas palavras a ajude a fazer-lhe ver que está enganada. Eis a carta:
«Verona, 16 de Fevereiro de 1881. Com pesar escrevo a presente, porque devo ser mensageira de notícias pouco agradáveis; mas exige-o o meu dever, a que tenho de obedecer.
Nestes dias, Virgínia portou-se pouco bem com o reitor e deu-lhe algumas respostas pouco respeitosas, mostrando até desconfiança [meu Deus! Pode Virgínia ter confiança no P.e Sembianti?]; e digo-lhe em segredo que se mostra um pouco teimosinha também comigo, porque procuro que afaste certos preconceitos que tem contra o mesmo reitor, de quem não fala muito favoravelmente. Disto nenhuma sabe nem uma palavra; mas creio que devo avisar disso V. E. rev.ma, a fim de que com a sua inata caridade tenha por bem fazer ver a Virgínia que está enganada. Eu não deixo de a exortar a humilhar-se, mas... não se dobra muito. [Verá V. Em.a no próximo anexo que poucos dias depois se humilhou e dobrou efectivamente e que pediu perdão]. Sirva-se V. E. il.ma e rev.ma rogar por esta intenção, o que eu não deixo de fazer. Termino manifestando a minha grande confiança nas suas fervorosíssimas preces. Não faltam as cruzes, mas também não faltará a assistência divina.
Sua hum. serv. Maria Bollezzoli»
No dia 14 de Março, a madre superiora escrevia-me (Anexo X) que Virgínia, ainda que angustiada pela partida do seu irmão, se humilhou e, de joelhos, pediu perdão ao reitor, com total satisfação da mesma superiora, que mostra o maior interessa e afecto por Virgínia.
«Por estes dias, Virgínia pediu-me para falar com o reitor, o qual de bom grado veio vê-la e ela recebeu-o com boas maneiras; depois, voltou a chamá-lo e então pediu-lhe perdão por tudo, do que ele se mostrou contente. Eu confesso-lhe de verdade que tal humilhação me agradou muito, porque pode redundar em benefício da própria Virgínia. Agora ela está de bom humor e alegre com todas.»
A 19 de Abril, a madre superiora escrevia-me de novo (Anexo XI):
«Demorei alguns dias a decidir-me a escrever-lhe a presente, porque tinha esperança de poder dar a V. E. alguma notícia consoladora; e não me enganava, pois o bom Deus escutou a minha humilde prece. Ontem Virgínia e eu estivemos algum tempo com o reitor, o qual falou a Virgínia com uma afabilidade verdadeiramente paternal e ela correspondeu-lhe com amabilidade e gentileza. Isto causou-me grande satisfação, porque me magoava muito vê-la um pouco áspera. Tenho a esperança, mesmo a certeza, de que continuará a mostrar-se como agora e de que estará sempre contente. Esteja tranquilo, monsenhor, e tenha por bem animá-la a perseverar na sua serenidade e alegria, o que redundará em bem. Eu posso bem pouco, mas dentro desse pouco, não me pouparei a esforços, porque me interessa mais o bem-estar de Virgínia do que o meu, ela que é ainda jovem e pode ainda trabalhar muito na vinha do Senhor.»
Deste esplêndido testemunho pode deduzir V. Em.a que se a minha superiora geral (que é tão reservada e reflectida) chega a declarar que o bem-estar de Virgínia lhe interessa mais que o próprio, porque Virgínia pode trabalhar ainda muito na vinha do Senhor, é sinal evidente de que ela formou um grande conceito e opinião de Virgínia e tem-lhe verdadeira estima, ao que se deve que o juízo da superiora geral seja diametralmente oposto ao do em.mo de Canossa e do P.e Sembianti. E é precisamente pelo interesse e bem da África Central que eu defendo a causa desta excelente colaboradora, que pode trabalhar ainda muito na vinha do Senhor; e creio que eu cometeria uma estupidez se agisse de outro modo, porque em Virgínia há capacidade, docilidade, saúde, abnegação e coragem heróica para morrer por Cristo e pela África, como pude verificar com os meus próprios olhos durante os seis anos que ela permaneceu na África sob a minha jurisdição.
Quando o P.e Sembianti com a carta de 16 de Fevereiro (Anexo VI) me comunicou a conversa tida com Virgínia sobre a repentina partida do Jorge para a Síria e o juízo sinistro e horrível que ele então formou dela, afirmando que ela não tinha vocação para nenhuma comunidade religiosa de bom espírito, que esteja bem regulada (e Virgínia esteve vinte anos na congregação das Irmãs de S. José com plena satisfação de todas as suas superioras, ou seja, geral, provincial e locais), eu escrevi a Virgínia dizendo-lhe que se preparasse para partir de Verona, porque aí, sob o peso de tão negativos juízos do em.mo de Canossa e do P.e Sembianti, não podia estar tranquila (isto não lho disse a ela, entende-se) e que com o próximo correio lhe indicaria o lugar para onde, entretanto, se poderia dirigir.
No dia de correio, querendo escrever o que lhe tinha prometido, pus-me a pensar onde mandá-la, mas encontrei-me em grande dificuldade para decidir. Uma vez que tinha grande receio de a pôr em perigo de se perder se a mandasse para Beirute, à sua família cismática, devido à contínua pressão desta, e dado que o irmão, por ter sido expulso sem contemplações e de improviso, não terá falado da caridade dos católicos de Verona. Quanto a mandá-la para outro instituto, com que coragem podia eu a partir da África recomendá-la, tendo sido despachada de Verona e tendo pertencido a outra congregação religiosa? E nem pensar em mandá-la para uma casa de beatas para morrer de melancolia, como queria o P.e Sembianti: não é essa a sua vocação...
Confesso-lhe, em.mo príncipe, que passei dias de purgatório; e, contudo, não soube tomar nenhuma resolução. Tendo-me eu aberto confidencialmente com a minha superiora principal, ou provincial da África Central, a madre Teresa Grigolini, mulher superior em todos os aspectos e de eminente virtude, que nunca viu Virgínia mas que conhece todas as suas virtudes, qualidades, coragem e abnegação, e quanto sofreu, e que sabe que as superioras a apreciavam grandemente e sobretudo a sua bondade, ela disse-me: «Acalme-se, monsenhor! Todos estes conflitos são coisas dispostas por Deus para o bem dessa grande alma, que tanto sofreu aqui na África e em Verona, e para o bem da nossa santa missão, que deste modo poderá ter antes Virgínia. Eu mesma escreverei ao em.mo bispo e ao P.e reitor para que mandem sem mais Virgínia para o Vicariato; e eu fico totalmente responsável por ela: pelo seu comportamento, pelo seu noviciado, por tudo. E farei com que também a Ir. Vitória escreva a Sua Eminência e ao reitor [a Ir. Vitória Paganini é a superiora da casa de Cartum e mulher de eminente virtude e talento, autêntica missionária e habilíssima superiora], ela que tanto deseja ter Virgínia. Eu estou certa de que Virgínia se tornará uma boa religiosa, porque aqui estará no seu elemento e terá em que empregar a sua grande actividade.
«E se acaso não desse resultado entre nós, quer por, devido a tantas contrariedades, ter perdido o espírito quer por qualquer outro motivo, eu falar-lhe-ei francamente e rogarei a V. E. que a mande para outro lado, fora da nossa missão. Às vezes, sob o peso de tantas calamidades e cruzes, especialmente quando falta um anjo que conforte, como seria V. E., que anime quem sempre sofre, perde-se o norte e o primitivo fervor, enfraquece-se e desmoraliza-se; mas espero que tal coisa não tenha acontecido com Virgínia. Rezemos e confiemos no Coração de Jesus, em Nossa Senhora e em S. José, que nunca nos abandonaram.»
Tal linguagem serviu-me de alívio, porque esta é a solução mais prática e conforme a vocação de Virgínia. Por isso mostrei-me satisfeito e respondi que escreveria também; e, de facto, escrevi sobre isso ao Em.mo. A resposta recebida tanto de Sua Eminência como do P.e Sembianti convenceu estas duas principais superioras minhas de que em Verona se procede contra Virgínia com paixão violenta e que, boa ou má, querem pô-la fora, quer da missão quer da obra. E agora estão mais que nunca persuadidas de que se não se livra Virgínia rapidamente da sua crítica situação em Verona e se não faz vir para o Vicariato, para a submeter a uma prova sobre a supervisão delas, Virgínia poderia chegar a transtornar-se mentalmente e ser até à morte uma mulher desgraçada, sem proveito para si mesma nem para nada. As minhas superioras de África leram e reflectiram sobre toda a correspondência a respeito de Virgínia do em.mo, do P.e Sembianti e da própria Virgínia; e a superiora de Cartum, Ir. Vitória Paganini, ao ler algumas cartas de Virgínia, disse-me: «Virgínia deve ser uma alma grande, franca, aberta e vê-se claramente que só suspira pela África. Por isso, seria uma crueldade e um erro se fosse abandonada; mas é preciso encontrar remédio rápido.»
E a proposta das minhas duas superioras da África e especialmente a da principal, a madre Grigolini, será a que humildemente, com lágrimas e suspiros, submeterei a V. Eminência ao fim deste relatório, e isso em nome da justiça e da caridade. Que deus escute a minha humilde súplica! Da minha superiora principal da África Central, a madre Teresa Grigolini (que agora está no Cordofão), não vou fazer eu o elogio a V. Em.a. mas deixarei falar a minha superiora de Verona, com as palavras que há pouco me escreveu (Anexo VII).
A minha superiora geral dizia-me, a 21 de Maio, de Verona:
«A sua venerada do passado 13 de Abril encheu-me de satisfação ao comunicar-me o bom comportamento as Ir. Teresa Grigolini. Sim, excelência il.ma e rev.ma, a Ir. Teresa é uma alma verdadeiramente grande, modelada pela própria graça divina e que compreende bem a sublimidade da sua vocação. Confesso-lhe deveras que, desde o primeiro instante em que a vi, me inspirou tal sentimento de veneração que até me teria oferecido de boa vontade a servi-la... Agora, porém, que se encontra no meio do campo de acção que a Providência lhe destinou, e que pode desenvolver em toda a extensão o seu zelo, imagino o que terá chegado a ser. Oh, alma generosa! Se eu pudesse, pelo menos, imitá-la de longe! Mas já passou o tempo e não me resta senão um estéril arrependimento.» Mas a minha superiora geral, que assim fala, só tem 54 anos.
Logo que regresse a Cartum em Novembro da sua visita ao Cordofão e a Gebel Nuba, a madre Teresa Grigolini irá ao Cairo para organizar bem aquela casa segundo o critério e os desejos do novo delegado apostólico do Egipto, mons. Anacleto, e para trocar impressões com ele. Depois partirá para Verona para resolver certos assuntos e para acompanhar, no regresso ao Cairo, a superiora Matilde Corsi, que está destinada a essa capital e que foi retida em Verona para assistir no seu trabalho a madre geral. Se isso se realizar, conforme previsto, mandarei à madre Teresa que passe por Roma, a fim de que tenha o prazer de beijar os pés ao Santo Padre e de conversar com V. Em.a sobre o árduo mas importantíssimo e mesmo necessário contributo das irmãs para o apostolado da África Central, e para dar a esta excelente superiora a oportunidade de escutar as prudentíssimas opiniões e instruções de V. Em.a sobre o modo de se conduzir em cada caso. Além disso, poderá V. Em.a dar à superiora principal da África Central todas as ordens sobre Virgínia que houver por bem. Os de Verona escandalizam-se cada vez mais porque mostro tanto interesse por ela; mas faria o mesmo por qualquer outra Irmã, mesmo a mais insignificante, se fosse atacada e perseguida injustamente como Virgínia, porque tal é o meu dever de justiça e de caridade.
Vejo que fiz uma digressão demasiado longa; mas volto ao que estava a dizer a V. Em.a. E era que, depois da conversa do P.e Sembianti com Virgínia, em que lhe comunicou a partida do seu irmão para a Síria e depois da sentença irrevogável do P.e Sembianti de que Virgínia não podia ficar numa comunidade religiosa bem regulada [sic], eu escrevi-lhe a dizer-lhe que se dispusesse para sair de Verona. Ao mesmo tempo que o P.e Sembianti enviava a carta de 16 de Fevereiro (Anexo VI), Virgínia escrevia-me que estava infeliz e desolada, porque o em.mo e o P.e Sembianti não queriam que ela fosse religiosa nossa e que chorava dia e noite. Então informei de tudo isto a superiora geral, que, consternada pelo que eu lhe contava, o dia 26 de Abril dirigiu-me a seguinte carta (Anexo III), que lhe junto:
«A sua venerada de 15 de Março passado produziu em mim surpresa e consternação; por ela tive conhecimento da sua angústia a respeito de Virgínia, bem como da sua decisão.
«É bem certo que Virgínia esteve magoada pela partida do seu irmão; mas não houve meio a que eu não recorresse para a acalmar [muito bem; entretanto, contudo, o irmão está em perigo de se perder eternamente e Virgínia teve motivo para chorar]; e como saberá por outra carta minha, falou depois com o reitor, mostrando-se desenvolta e afável, e assim continua actualmente.
«Ontem teve uma conversa de uma hora com o reitor, e quando ele foi embora vi-a contente [sic]. [O reitor faz tudo isto para agradar à superiora; mas ele, de acordo com o em.mo, condenou Virgínia para sempre]. Portanto, rogo encarecidamente a V. E. que se tranquilize, que as coisas não são como as imagina. [Mas, entretanto, eles enganaram a superiora e Virgínia, e o em.mo escreveu a V. Em.a o que escreveu; e, por parte deles, Virgínia não tem nada que fazer. Mas eu nunca suportarei estas injustiças e crueldades: nem que me custasse a vida! O Coração de Jesus ajudará essa vítima infeliz e inocente, que não merece esse tratamento iníquo!]
«Aqui todos a respeitam e eu, no pouco que posso... etc., etc. O reitor quer que dentro de uns dias eu faça uma viagem a Trento e deseja que leve comigo Virgínia, o que farei com agrado. Console-a, pois, com algumas das suas cartas e assegure-lhe que aqui todas lhe têm afecto.»
Tudo isto está muito bem. Mas como a respeitarão e estimarão, quando virem que as outras, que entraram depois dela, são admitidas ao hábito religioso, e Virgínia não, porque o em.mo e o P.e Sembianti lho negam? Querem-na fora.
A superiora, consternada porque avisei Virgínia que se preparasse para deixar Verona, escreveu uma carta até ao meu pai (isso deve ter sido uma jogada do P.e Sembianti com o fim de dar maior alcance ao assunto e ter mais argumentos para suster que Virgínia carece de vocação), na qual lhe comunicou também que eu escrevi à superiora a dizer que Virgínia é desgraçada e chora dia e noite. Eis a carta (Anexo XIV), escrita em 25 de Abril:
«Digníssimo senhor,
Não sei que terá escrito Virgínia ao monsenhor, que lhe causou tanta consternação. Ele escreveu-me que ela é desgraçada, que chora dia e noite, que se sente observada [sim, porque lhe não permitem ir à reunião com as outras e, quando virem que não é admitida ao hábito religioso, mais a observarão]; e por isso decidi ordenar que vá embora.
«Certamente Virgínia esteve bastante amargurada pela partida do seu irmão; mas eu, em todo o momento, fiz quanto pude para a tranquilizar e, de facto, ao cabo de uns dias, ela mostrou-se desenvolta e alegre e assim continua agora; e todos a respeitam. [Virgínia também me escreve dizendo que está muito contente com a superiora e com todas e que todos a olham como Irmã. Mas o em.mo e o reitor não a querem nem religiosa nem missionária: não tem razão para chorar?] Ontem, vendo-a consternada pela carta recebida do excelentíssimo seu filho, na qual lhe comunica o projecto da saída de Verona [E Virgínia ignora para onde lhe vou dizer que vá], exortei-a a escrever-lhe a si pedindo-lhe conselho; e creio oportuno acrescentar também eu uma palavra para rogar da sua bondade que tenha por bem dizer-lhe rapidamente o que a sua caridade e prudência lhe sugerirem, porque é urgente, etc.». Como o reitor sabe muito bem que meu pai, enganado, como lhe disse, pelas mentiras do campónio Tiago – ou pelo que inimicus homo lhe fez crer – não quer que Virgínia venha para a África, e conhecendo que meu pai tem a superiora e o reitor no conceito de santos – o que é verdade – sabe que a resposta e o conselho de meu pai a Virgínia será que fique sempre, toda a vida, em Verona, para se santificar sob a direcção dessas duas almas santas: a superiora e o P.e Sembianti.
Mas eu não fundei o instituto para que as Irmãs fiquem em Verona e muito menos as que têm coragem, saúde e zelo, e que conhecem bem a língua, como Virgínia, mas sim para que venham para a África converter estes pobres infiéis, que não conhecem Deus.
E aqui desejo voltar a assinalar-lhe que tanto o meu pai, a quem escreveu o P.e Sembianti, como o próprio P.e Sembianti me comunicaram que este e o em.mo perguntaram a Virgínia se estava disposta a permanecer por toda a vida no instituto de Verona e que ela respondeu que não. O que fez com que meu pai se escandalizasse e que o P.e Sembianti se convencesse ainda mais que portanto ela não tem vocação.
Mas se Virgínia é uma chaga, é turbulenta, desconfiada, etc., porque propor-lhe que fique para sempre em Verona, na casa-mãe e modelo, onde não deve haver nem chagas, nem turbulentos, nem desconfiados, etc.? Portanto, Virgínia fez bem em responder com um não rotundo. Como pretender que ela seja feliz estando subordinada ao P.e Sembianti, que desde o princípio se negou a entrar no meu instituto como reitor, se antes Virgínia não saísse da comunidade e que sempre foi contra ela e inimigo da sua vocação religiosa?
Tenho, além disso, Eminência, quatro cartas recentes da superiora, nas quais me diz que Virgínia é boa, está alegre, tem o respeito e o afecto de todas, e que ela mesma gosta dela e a estima muito, e que olha mais por Virgínia do que por ela própria, porque ainda pode fazer um grande bem e trabalhar muito na vinha do Senhor, e que tem todo o interesse por ela, etc., etc.; mas temo aumentar ainda mais o aborrecimento que V. Em.a teve de acumular até agora.
Contudo, tenho que lhe mandar o resumo da minha resposta ao em.mo de Canossa, à carta que ele mandou em 26 de Maio, e fá-lo-ei.
Estou disposto a responder a qualquer animadversionem que Vossa Eminência creia fazer-me sobre o assunto ou que fizessem o em.mo ou o P.e Sembianti.
Mas parece-me ter-lhe exposto nestas folhas, documentado com provas e testemunhos, o necessário para que V. Em.a possa estar bem informado do assunto de Virgínia. Por isso, ponho ponto final por agora e concluo:
O juízo do em.mo de Canossa e do P.e Sembianti sobre Virgínia (que é completamente diferente do da minha superiora geral de Verona e diametralmente oposto ao meu) não tem como base a verdade dos factos, mas foi concebido e pronunciado sem as devidas provas – que, por certo, se me deviam dar a conhecer – e sem razoáveis motivos. Por exemplo: o em.mo e Sembianti dizem que Virgínia é inquieta. Que fez ela para ser assim julgada? Alterou o instituto, a comunidade, a tranquilidade das outras? Mas, ao contrário, a superiora afirma que é alegre e está contente e que todas a respeitam, estimam e amam. Os mesmos dizem que Virgínia é volúvel; mas a história da sua vida, que lhe mencionei resumidamente, mostra que desde os 14 anos, quando, tendo sido tirada do convento de Saida por sua família, com a qual esteve seis meses, e que a queria casar com um jovem que a visitava todos os dias, ela fugiu de noite para se fazer religiosa, perseverou na mesma ideia até hoje e é desditosa precisamente porque procuram impedi-la de seguir esse caminho.
O P.e Sembianti diz que é mentirosa; mas não menciona que mentiras disse, onde, quando, a quem e em que circunstâncias. Disse que é desconfiada; sim, mas só o é para com ele, que desde o princípio e sempre lhe deu motivos não só para desconfiar, como também para ter a certeza de que está contra ela e que não a quer nem no instituto nem na missão, opondo-se assim ao desejo e aspiração capital da sua vida. Diz que Virgínia não se abandona plenamente nas mãos dos superiores. Nas mãos dele, claro que não. Ela sabe bem que o seu destino não depende da superiora, em cujas mãos se abandonaria por completo, mas de Sembianti; e nas mãos deste não tem nenhum motivo para se abandonar, porque até antes de a ver se opôs aos seus desejos, às mais fervorosas aspirações do seu coração, como a de se consagrar a Deus nas missões da Nigrícia. Sembianti diz que é falsa.
Quando li isto aos meus missionários, que a conhecem, começaram a rir, porque, disseram, Virgínia tem os seus defeitos, mas em caso algum o da falsidade; e aquele que eu trouxe do Cordofão, onde era superior desde a época em que estava aí Virgínia, disse em dialecto paduano: «Sembianti precisa de uns óculos.» Este é P.e João Baptista Fraccaro, homem de consciência, maduro e muito habituado no ministério, a quem trouxe comigo para Cartum do Cordofão para o fazer meu vigário-geral. Sembianti diz que Virgínia é inquieta e agitada; e expressa este juízo ao vê-la a chorar e ao ouvir dos seus lábios que expulsara o irmão daquele modo. Mas a superiora diz precisamente o contrário; e é certo, porque doutro modo Virgínia não contaria com o respeito e o afecto das suas companheiras, como escreve a superiora geral nos anexos que mandei.
O em.mo de Canossa diz que Virgínia é uma chaga para a missão; e fala assim em Verona, sem aduzir a menor prova. Ao invés, as minhas superioras de África, que estão no lugar dos acontecimentos e conhecem o heroísmo de Virgínia, mostrado nas mais críticas circunstâncias de mortes, doenças, carestia, etc., dizem que Virgínia seria uma verdadeira bênção para a missão; e por isso escreveram várias vezes ao em.mo e ao P.e Sembianti, rogando-lhes que mandassem para aqui Virgínia e comprometendo-se elas a assumir a responsabilidade de tudo. Porventura é a madre Teresa Grigolini uma mulher a quem se deva negar com desprezo o envio de Virgínia, como fizeram o em.mo e Sembianti? Estas superioras minhas queriam repetir a petição sobre Virgínia a V. Eminência; mas eu disse-lhes que não o fizessem, mas que rezassem e deixassem fazer a Deus e a Roma, que tem a luz do Espírito Santo.
E assim poderia refutar todas as outras acusações que, por disposição de Deus, gerou a fantasia do P.e Sembianti, homem desconfiado por natureza, como comprovei em muitas circunstâncias, o qual tende a ver as coisas negras (como resulta claro do Anexo VI), tira consequências ilógicas, etc.; e isto apesar de ser um sacerdote de vida santa e de trabalhar para os meus institutos com um zelo e diligência que me comovem e me consolam. Só no assunto de Virgínia nos não entenderemos nunca: para me acomodar ao seu juízo nisso, eu teria que violentar a minha consciência e chamar negro ao branco, mentira à verdade e virtude ao pecado. E eu sou um juiz mais competente que ele. Pela teimosia do P.e Sembianti dever-se-á arruinar Virgínia? Não, in aeterno.
Eu sempre salvei almas e nunca perdi nem uma. Virgínia deve fazer-se santa na sua vocação, salvando ainda muitas almas. Portanto deve ser separada do P.e Sembianti e da sua jurisdição e ser posta à prova sob outro qualquer, que não o P.e Sembianti, para comprovar a sua vocação.
Finalmente o em.mo de Canossa, como se vê pela sua carta (Anexo III), depois de ter declarado que não tinha falado com o P.e Sembianti (sic: é uma absoluta mentira) nem com a madre superiora para emitir o seu negro e sinistro juízo sobre Virgínia enunciado no referido Anexo III, afirma que é ele (o em.mo) quem julga, por si mesmo, depois do que observou. Pois bem, em que bases fundamenta o em.mo o seu estranho e negativo juízo? Abra V. Em.a a sua carta (Anexo III) e veja. O em.mo funda todo o seu juízo no seguinte:
1.o Em meias palavras de outros, recolhidas aqui e ali.
2.o Em P.e Tagliaferro, que, segundo o em.mo, é “pouco reverendo” e que não via com bons olhos Virgínia, porque ela, com bons modos e como verdadeira missionária, o exortou a andar vestido de sacerdote e não à lavrador, como faz e a ir à igreja como os outros sacerdotes, dado que mais tarde não o poderia fazer, por ter já 74 anos.
E sobre estes dois fundamentos o em.mo de Canossa, com inconcebível ligeireza, escrevia-me a mim, que sou bispo, tenho cinquenta anos, e conheço o mundo e que durante seis anos observei Virgínia na África Central (seis anos de África Central numa jovem Irmã, que exerce o mais difícil apostolado, entre doenças, fome, sede, etc. é um prodígio: para estar seis anos a trabalhar nesta vinha tão árdua, precisa-se de uma virtude maior que para estar vinte anos como missionária no Oriente, no Egipto ou na Europa); sobre estes dois fragilíssimos fundamentos, dizia, o em.mo de Canossa baseia o seu juízo negativo sobre Virgínia; e diz-mo a mim que por, com a graça de Deus, ter feito o que fiz, não devo ser completamente louco. Ando, em.mo príncipe, há dois meses a reflectir sobre este estranho modo de proceder do em.mo de Canossa em prejuízo de uma alma que custou o sangue de Cristo, de uma virgem cristã que tem tantos...
[aqui há quatro linhas apagadas]
...méritos em relação à África Central, em que, para permanecer seis anos no meio daquelas extraordinárias calamidades, sofrendo por causa da epidemia e da carestia, não só se precisa de uma extraordinária virtude mas até do heroísmo da virtude; e vocações tão sólidas, generosas e sublimes são bem raras. Perante tal procedimento do em.mo, fico confuso e estupefacto. Não é a primeira vez que age de semelhante maneira. Mas basta.
Pelo que, depois de ter rezado muito e de me ter aconselhado com um prudentíssimo frade bispo (porque como frade defende com seus conselhos os direitos e os interesses da ordem ou congregação religiosa e, como bispo, tutela os direitos da Igreja e o interesse das almas), aceitei há dois anos Virgínia na minha missão da África Central e avisei disso a superiora, que se alegrou muitíssimo. Fiz isso com todo o conhecimento e por um santo fim; e, além disso, com pleno direito e poder, porque sou vigário apostólico da dita missão e porque sou fundador e chefe supremo dos institutos que servem a África Central.
Admitida na missão, que conhece a fundo, Virgínia preparava-se para se dedicar a ela com toda a sua alma, sob a direcção das minhas Irmãs da África, das quais tinha ouvido falar tão favoravelmente às suas mesmas companheiras da congregação de S. José, que tinham tido ocasião de as conhecer bem, por uma convivência de três meses no Cairo e de um mês em Cartum. Só per accidens Virgínia foi temporariamente para Verona, para ensinar aí o árabe, a fim de prover de mestras estáveis aquele instituto. Ela estava destinada a fazer o noviciado da minha congregação não em Verona, porque já se tinha tostado com o abrasador sol de África, mas em Cartum ou no Cordofão, sob a direcção das minhas boas e capazes superioras Teresa Grigolini e Vitória Paganini, onde, enquanto era formada por elas no espírito da minha congregação, podia, pelo seu domínio do árabe, ser de grande utilidade para a missão.
Pois bem, em.mo príncipe, terei de renunciar aos meus direitos e deveres de vigário apostólico e de fundador dos meus institutos? Terei de faltar às minhas obrigações e às sagradas promessas feitas a quem, confiando absolutamente em mim e na minha obra se entregou a ela com toda a alma? Terei de ceder perante um P.e Sembianti, que até antes de ver Virgínia, antes de examinar as suas qualidades, antes de entrar como reitor nos meus institutos, quis que Virgínia fosse afastada da comunidade das minhas Irmãs e só tomou posse do cargo quando Virgínia já estava há dezassete dias na casita, fora da comunidade? Terei que abdicar dos meus sacrossantos deveres e direitos, pela teimosia de um homem que não aprovaria a vocação de Virgínia nem que a visse fazer milagres?
Oh, não! Não cederei jamais, porque não se deve ceder ante tais injustiças com detrimento das almas: antes prefiro a morte. Só a obediência poderá fazer-me ceder. E obedecerei certamente, mas custar-me-á a vida, porque é verdadeiro e real o desprezo que o P.e Sembianti e o em.mo card. de Canossa mostram para com a minha dignidade e carácter de bispo e de vigário apostólico e chefe dos meus institutos de Verona; e eu não fiz nada para merecer isto. Antes, espero que Deus me premeie pelo que fiz por Virgínia tanto ou mais que pelos méritos que eu possa ter ganho, esforçando-me toda a vida e morrendo para salvar a Nigrícia.
Vivo unicamente e sempre vivi para salvar almas e não para as perder, como talvez tenham feito eles, expulsando daquele modo de Verona o irmão de Virgínia e pondo-o em perigo de se perder eternamente.
Além disso, se eu cedesse às injustas pretensões dos de Verona, Virgínia teria direito de me lançar em rosto que a tinha atraiçoado, como já (crendo que eu estou de acordo com o P.e Sembianti e que até é ordem minha que não seja admitida como Irmã) começou a dizer-me nas suas cartas. Mas eu, sabendo quanta confiança Virgínia pôs em mim, no meu carácter de bispo, de fundador e de pai, não posso nem devo defraudá-la. E não sendo possível tornar-se religiosa em Verona, pela absoluta oposição do P.e Sembianti, tenho o dever e o direito de a submeter às necessárias provas da sua sublime vocação aqui no Vicariato, sob pessoas da minha confiança e não de antemão contra ela, como o P.e Sembianti. Pessoas que conheçam a missão e sejam juízes competentes, como são as minhas superioras Teresa Grigolini e Vitória Paganini e o rev.mo P.e João Baptista Fraccaro, superior e meu futuro vigário-geral, homem devoto, prudente, justo, recto, como mostrou ser nos quatro anos que esteve como superior no Cordofão e como sempre foi tanto em Verona, onde, por duas vezes, exerceu a função de reitor e na sua diocese de Pádua, onde esteve sete anos como coadjutor, e como consta das informações que recebemos do bispo de Pádua.
E se depois de ao menos um ano de prova, sob a direcção imediata das pessoas mencionadas, Virgínia não resultasse apta para se integrar definitivamente na minha congregação (e estou certo de que será apta), quer porque os enormes sofrimentos e aflições lhe tivessem feito perder a fé quer por outra causa – porque às vezes as contrariedades e as cruzes fazem perder o norte –, em tal caso, como, por ser o fundador e iniciador dos meus institutos, ninguém pode ter mais interesse do que eu que eles e a minha obra vão bem, consideraria um dever absoluto mandar Virgínia embora do Vicariato e da obra, porque então, não tendo ela superado a razoável prova na missão, cessariam todas as minhas obrigações a respeito de Virgínia e só a título de caridade poderia ajudá-la a encontrar um sítio onde lhe fosse possível assegurar o negócio da sua eterna salvação.
Por isso, tendo eu agora que defender os seus direitos não só por dever de consciência mas também por dívida de gratidão, pelos imensos serviços prestados durante seis anos seguidos na África Central, nas circunstâncias mais difíceis e duras de fome e sede, doenças e epidemias, de mortes, circunstâncias em que realizou actos heróicos de caridade e de constância, superiores aos que eram de esperar da sua idade e da sua condição de mulher, nos quais esteve por três vezes à beira da morte, eu, ajoelhado aos pés de V. Em.a, com lágrimas e suspiros, imploro humildemente a graça de que V. Eminência dê quanto antes as ordens oportunas a Verona para que Virgínia seja posta à disposição da minha superiora principal da África Central, a madre Teresa Grigolini e à minha disposição e que tais veneradas ordens se comuniquem imediatamente a Virgínia para a tranquilizar e para a tirar dessa desoladora aflição e incerteza que a oprimem e que, exacerbada, poderiam provocar-lhe tristes e deploráveis consequências. E informo V. Em.a de que a minha superiora e eu tomaríamos imediatamente as medidas necessárias, a fim de que, antes de vir para a África, pudesse ir bem e com segurança a Beirute ver a sua mãe e demais familiares, para que lhe fosse possível procurar a salvação eterna dos seus e especialmente do seu irmão doente crónico, Abdalla, como ela deseja.
Elevo a V. Em.a esta humilde e fervente súplica, enquanto me encontro aqui, no campo de batalha, exposto a perder a cada instante a vida por Jesus e pelos infiéis e enquanto estou mergulhado num oceano de perturbações e calamidades, que me oprimem e dilaceram a alma.
Anteontem chegou-me a notícia da morte do meu bom P.e Matias Moron, tão piedoso, a quem tinha ordenado titulo missionis e que tinha um princípio de pneumonia. Celebrámos o ofício e a missa de requiem pelo descanso da sua alma.
Não se tinha retirado ainda o catafalco, quando recebi notícia da morte de P.e António Dobale, aluno do Colégio Urb. da Propaganda, afectado em El-Obeid por uma intensíssima febre tifóide; de modo que, ontem, pela manhã, celebrámos o ofício e a missa de requiem por sua alma.
Depois, a meio da manhã, estando ainda montado o catafalco, chegava-me um telegrama do Cordofão a anunciar-me a desaparição, com uma morte edificante e invejável, da Ir. Maria Colpo, das Pias Madres da Nigrícia, a quem uma febre tifóide com disenteria tinha arrebatado a uma multidão de negras, que ela formava na piedade e no fervor cristão. Pelo que esta manhã celebrámos o habitual serviço fúnebre; e ordenei que se deixasse por desmontar o catafalco no meio da igreja.
Temos aqui um irmão leigo, habilíssimo ferreiro e mestre deste ofício para os negros, o qual contraiu o tifo e ainda não está fora de perigo.
Este ano, pela primeira vez, ab immemorabili, depois de tantas chuvas, não se vê uma gota de água nos poços, pelo que, como nos vem acontecendo há dez meses, teremos que gastar até ao ano que vem oito ou dez escudos diariamente na compra de água para beber e preparar a comida. Desde há dois anos que me estou a aperceber que o clima no Cordofão está a piorar muito; por isso, ando muito preocupado procurando tomar as medidas necessárias em tal circunstância.
Em suma, a cruz que temos que levar é pesadíssima. Um consolo para nós é que as grandes cruzes vêm a dar verdadeira firmeza e consolidação às obras de Deus. Por outro lado, devo confessar que nunca tive tanta abundância como agora de verdadeiros e provados missionários e Irmãs; todos se mantêm firmes, sólidos e persistentes nas dificuldades. Precisamos de uma bênção especial do Santo Padre e de V. Em.a, a quem beijo a sagrada púrpura.
Seu devot.mo filho
† Daniel Comboni bispo e vigário ap.
Seguem os vários Anexos (v. vol. viii, pp. 3155ss).
N.o 1125; (1079) - ÀS IRMÃS GIRELLI
ACR, A, c. 14/136 n.º 1
Cartum, 26 de Setembro de 1881
Veneradíssimas irmãs,
Desejaria rogar-lhes que me dessem a conhecer o actual paradeiro de uma tal Delfina Vercelino, que foi postulante no meu Instituto das Pias Madres da Nigrícia de Verona e que, depois, partiu para Bréscia, parece-me que em 1876, recomendada à vossa caridade. A minha superiora de Cartum suplicaria às senhoras que fizessem chegar a Delfina a carta aqui incluída, porque deseja ardentemente ter notícias dela.
Eu quereria escrever à senhora Bettina muitas coisas acerca dos escritos sobre S. José, o Sag. Coração e a Vida de J. C., que todos os dias se lêem e são objecto de meditação por parte dos missionários e das Irmãs da África Central. Mas agora não tenho tempo e estou no meio de grandes tribulações, porque assim o quer Jesus, que, como dizem os veroneses, fez as hastes das cerejas. Outro dia celebrámos ofício e missa de requiem por um dos meus missionários, muito piedoso, falecido recentemente, que eu tinha ordenado sacerdote: o polaco P.e Matias Moron. Antes ainda de desmontar o catafalco, chega-me a notícia da morte de outro missionário meu, P.e António Dobale, aluno da Propaganda (a quem eu resgatei nas Índias Orientais em 1861 e levei para Verona), falecido de febre tifóide em El-Obeid, capital do Cordofão; e ontem pela manhã celebrámos por ele o ofício e missa de requiem.
Apenas terminada a cerimónia fúnebre, recebo um telegrama: sóror Maria Colpo, do meu insto., morreu em Malbes, no Cordofão, como santa e heroína, mais contente e alegre que uns noivos no dia do seu casamento e foi enterrada ao pé de um baobá (Adansonia digitata), árvore de uma grossura de 27 a 30 metros. Que fazer? Esta manhã, depois de celebrar os serviços fúnebres por esta feliz Irmã de Vicenza, ordenei que deixassem armado o catafalco, porque espero outras carícias das mãos amorosas de Jesus, que mostrou mais talento (em certo aspecto e por assim dizer) e prudência ao fabricar a cruz que ao criar os Céus. No Cordofão ando a gastar há dez meses de 40 a 50 francos diários em água suja, para não morrermos de sede. E este ano é o primeiro, desde que o mundo é mundo, em que depois de três meses de chuva não há ainda uma gota de água nos poços. Ah, meu Jesus, que cruz para um bispo missionário! Mas, caro Jesus, nós somos muito obtusos e, por cima, curtos de vista: se esta alcançasse o suficiente e pudéssemos ver por que razão Deus age deste modo, teríamos que o louvar e bendizer, porque as coisas estão bem assim em todos os aspectos.
Nas tribos dos Nuba, onde impera ainda a moda de Adão e Eva, antes de caírem no pecado original, gozei verdadeiramente com a leitura e meditação da vida de Santa Ângela, publicada em 1871, e mandei-a ler às minhas Irmãs daquela missão. Nunca, em todos os meus anos, tinha desfrutado tanto com a vida da nossa grande santa. Que caridade tão generosa, sublime! E como a põe em relevo a autora! Santa Ângela Merici é um excelso modelo de caridade para os bispos missionários, para os missionários e para as Irmãs da caridade; e eu queria que todos os vigários apostólicos e todas as missões a tivessem, para que aprendessem a envolver-se nesse santo fogo em que ardia St.a Ângela.
Oh, quanto mérito as senhoras contraíram com St.a Ângela! Eh, cedam-me umas migalhas e rezem por mim e pela minha árdua missão! A monsenhor o bispo, ao secret. Carmin, a Capretri, ao P.e Rodolfo e ao santo P.e Chiarini mil respeitosas saudações. E as senhoras recebam a minha bênção; encomendo-me às vossas orações.
† Daniel bispo e vig. apostólico da A. C.
N.o 1126; (1080) - A P.e FRANCISCO GIULIANELLI
ACR, A, c. 15/33
Cartum, 27 de Setembro de 1881
Meu caro Giulianelli,
Jesus bate-nos e dá-nos a cruz. Este dia houve que utilizar o catafalco três vezes, sem o mover, para o ofício e a missa de requiem.
Anteontem por P.e Matias Moron, ontem por P.e António Dobale e hoje pela Ir. Maria Colpo. Bendito seja sempre Jesus. Na cruz tem um sólido fundamento a nossa santa obra. Não mande para aqui nenhuma Irmã, nem leigos recém-chegados (excepto Domingos Polinari), a não ser apenas Baptista Felici.
Comunique estas notícias em meu nome a P.e Vicente Marzano, em Nápoles, porque eu não tenho tempo e saúde-o cordialmente em meu nome.
Rogue sempre a Jesus e ao Seu Ss.mo Coração por mim, que estou crucificado, a fim de que ame verdadeiramente cada vez mais a cruz e os espinhos, que converterão a Nigrícia.
Ao P.e Pedro, ao P.e Germano, aos frères e aos jesuítas, mil respeitosos cumprimentos.
† Daniel bispo e vig. ap. da África C.
N.o 1127; (1081) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. ff. 91-95v
N.o 20
Cartum, 29 de Setembro 1881
Em.mo e Rev.mo Príncipe,
Envio-lhe aqui as últimas três folhas, com as quais termino de expor o assunto de Virgínia e formulo a minha humilde petição. Pus fim à minha narração para não terminar por aborrecer V. Em.a, que bastante enfadado deve estar já e porque me parece ter-lhe dado uma ideia suficientemente completa do caso, para que V. Em.a possa emitir o seu autorizado juízo e resolução. Ainda teria muita coisa a dizer sobre o assunto, mas estou cansado e mais que cansado da questão. Contudo, se V. Em.a quisesse interrogar-me sobre qualquer tipo de animadversiones, estou disposto a responder na volta do correio.
Far-lhe-ei chegar também o resumo da resposta que dei ao em.mo de Canossa, em seguida à sua multiforme carta de 26 e 27 de Maio, que lhe enviei como Anexo III; mas tenho que esperar uns dias, porque estou fraco e porque me tenho de ocupar a examinar 26 adultos, a quem os meus missionários e Irmãs prepararam para o baptismo, que lhes administrarei solenemente no dia do Santo Rosário. Até agora só aprovei 13, talvez 14 deles, entre os quais há uma fervorosa rapariga muçulmana. Esta está há dois anos com as nossas Irmãs, desde que morreu seu pai, que era miralai (chefe ou general do exército), por causa de cujo falecimento a mãe no-la entregou a nós para a educar, mas proibindo que se tornasse católica. A moça, de uns treze anos, ao ver a vida das Irmãs – ainda que avessa a conviver com negras, que aqui são sempre olhadas como escravas –, enamorou-se tanto da nossa santa fé, que depois de uns meses manifestou a sua mãe o desejo de se tornar cristã; mas obteve um «não», sobretudo porque a mãe teme o Governo, que lhe paga a pensão. Em suma, esta rapariga não só se quer tornar cristã mas também religiosa como as nossas Irmãs (veremos); e tanto insistiu com a mãe, que esta lhe deu o consentimento; de modo que a rapariga não cabe em si de alegria. Eu não tenho nenhum medo do Governo turco e estou disposto até a travar batalha com o grande sultão; mas, por precaução, e também para reclamar do Governo (que é turco e, portanto, ladrão) uma boa soma de dinheiro que o falecido deixou à sua filha, que ainda não lhe deram, chamei ao meu gabinete o I. R. cônsul austro-húngaro e também a mãe e filha, bem como a superiora, e fiz-lhe passar um documento legal com seis testemunhas, no qual se declara que a filha, depois de dois anos de reflexão, por sua própria vontade, se quer tornar católica, para o que a mãe, de boa vontade, lhe dá permissão. E mãe e filha assinaram; e a mãe, muçulmana (ainda que não esteja longe de se tornar católica), pôs como assinatura o sinal da cruz.
Com tal documento, para além de fazer valer as nossas razões aqui no Sudão, podemos provar que a moça, fazendo-se católica, passa a ser não só uma protegida da missão (que é o primeiro e mais forte poder moral do Sudão) mas também uma protegida da Áustria. O baptismo de um muçulmano na Igreja, abertamente e em público, é algo a que ainda se não atreveram os vigários apostólicos do Egipto, porque nunca foi eliminada e abolida a pena de morte contra o muçulmano que se fizesse cristão e contra quem lhe administrasse o baptismo; por isso, os Irmãos das Escolas Cristãs do Cairo já me mandaram cinco jovens muçulmanos que estavam ao seu serviço e que se converteram; baptizei-os a todos em Cartum. Também o ano passado o coadjutor franciscano e os jesuítas do Cairo mandaram-me para Verona um jovem de Alepo, de 22 anos e de boa família, o qual se tinha refugiado no Egipto, para o baptismo.
É oportuno fazer referência a Bescir, a cuja chegada a Verona o campónio Tiago, Estêvão e outros disseram que não tinha intenção de se tornar cristão e a quem eu me vi obrigado a enviar com Alexandre, primo de Virgínia, para Roma, recomendado ao P.e Dionísio Sauaya, Via Frattina, 17; aí entrou no Colégio de Catecúmenos e, ao cabo de um mês, era baptizado e, depois, conduzido à presença do Santo Padre Leão XIII. Agora está aqui em Cartum, é muito piedoso e um excelente catequista na missão.
Esta jovem tem muito fervor e julgo que, com a graça de Deus, chegará a ser como Branca Lemuna, a moça que tenho na missão de El-Obeid, que, ainda que nascida de pais negros, é de uma cor totalmente branca rosada e que eu descrevi não há muito num artigo publicado no Bom Pastor de Verona e no Osservatore Romano. Essa jovem, sem dúvida a mais bela flor de virtude, fé e pureza que temos em todo o Vicariato, foi convertida, instruída e preparada para o santo baptismo em El-Obeid por essa chaga da missão, por essa petulante, mentirosa, inquieta, caprichosa e turbulenta Virgínia Mansur, de quem o em.mo de Canossa e o P.e Sembianti declararam não ter a menor vocação religiosa e que nunca poderá conviver numa comunidade bem regulada e dotada de espírito religioso.
Termino esta carta mandando-lhe um cartão-de-visita do em.mo de Canossa, pelo qual poderá ver como o dito em.mo trata os assuntos e que junto como Anexo XV.
Recordará Vossa Eminência que o ano passado, em Agosto, se dignou ordenar-me que me dirigisse ao em.mo de Canossa para obter um vigário-geral que me ajudasse no governo do meu Vicariato; mais, sei que por sua extraordinária caridade, V. Em.a se dirigiu ao em.mo bispo de Verona para que me ajudasse nesta obra. Resumindo: esse vigário-geral encontrou-se na pessoa de P.e Francisco Grego, arcipreste de Montório, com plena satisfação minha e do em.mo de Canossa, e, tanto eu como o em.mo, informámos V. Em.a da conclusão do assunto.
Mas durante os três meses que passaram entre a relação feita por mim e pelo em.mo a V. Em.a e a minha partida para a África, alguns sacerdotes veroneses, meu amigos, confidenciaram-me que esse P.e Grego se encontrava bastante mal nas relações com a paróquia, que estava em litígio com algumas autoridades e mesmo com o em.mo bispo, o qual estava prestes a substituir P.e Grego por outro para arcipreste de Montório. Entretanto, aconteceu o assunto do meu vigário e então o em.mo houve por bem ceder-mo. Eu não sabia nada desses assuntos secretos; mas quando fui comunicar a P.e Grego que se preparasse para partir dentro de três semanas, e ele me pôs como condição que, para poder deixar sua mãe, sua irmã e seu tio, eu devia obrigar-me a pagar-lhes durante a vida três liras diárias e facultar-lhes uma residência, por isso e pelo que tinha ouvido dizer dele, que referi acima, decidi não o aceitar e escrevi ao em.mo dizendo-lhe que não via clara a vocação para a África de P.e Grego, e que não estava disposto a pagar três liras diárias à mãe, à irmã e ao tio, etc.
Ao que o em.mo me respondeu no Anexo XV nestes termos: «Não lhe disse eu sempre [menos quando escreveu a V. Em.a] que P.e Grego não tinha verdadeira vocação? A mesma não era senão um meio de se beneficiar. Que fique aqui: eu, com a ida dele, já pouco perdia; agora pouco ganho.
O card. de Canossa, bispo de Verona»
O comentário fica para V. Eminência. Esta era a maneira que o nosso caro em.mo de Canossa tinha de atender e corresponder gentilmente à confiança de V. Em.a e ao meu humilde pedido: concedendo para a África Central como vigário-geral um pároco veronês, com cuja partida pouco perdia para a sua diocese e, reavendo-o, pouco ganhava. Sic itur ad astra.
Beijo-lhe a sagrada púrpura.
Seu hum. e obed.mo filho
† Daniel Comboni bispo e vig. ap.
ANEXO XV
Documento autógrafo importante do em.mo card. de Canossa, cuja explicação está na p. 27.
«Não lhe disse eu sempre que P.e Grego não tinha verdadeira vocação? A mesma era só uma maneira de se beneficiar. Que fique, pois, aqui: pouco perdia eu antes e pouco ganho agora.
No próximo domingo, dia 14, se Deus quiser, farei serviço em Verona e assim terei o prazer de o ver e de lhe falar.
Saúdo-o a si e a todos e, ao mesmo tempo, envio-lhe as expressões obsequiosas e atentas de todos os meus, os quais estão prestes a concluir o veraneio. Ontem, na grande igreja de Valeggio, cheia de gente e no meio de grande solenidade, administrei o baptismo, a confirmação e a comunhão a uma evangélica de uns quarenta anos, com grande edificação, etc.
Grezzano, 9 de Novembro de 1880».
P. Scriptum
Como é que o em.mo de Canossa e o P.e Sembianti (os quais, repito, creio que agem com um fim bom) são tão rigorosos com Virgínia?... Eu estive a pensar e, finalmente, encontrei a verdadeira origem disso.
Há que notar que, quando as Irmãs de S. José foram chamadas de África, partiram em primeiro lugar a Ir. Ana, ou seja, Virgínia Mansur e a Ir. Maria Josefa Azzapardi, maltesa, inimiga acérrima de Virgínia. De acordo com as outras quatro Irmãs que estavam em Cartum, eu confiei estas duas ao irmão leigo Tiago, que já estava doente em Cartum e a quem, pela saúde, mandava para o Cairo.
Durante a viagem de dois meses, a Ir. Azzapardi insultava a todo o momento Virgínia e maltratava-a, ela que cozinhava e servia a todos. E Virgínia, cansada, respondia-lhe e, uma vez, disse-lhe que caso encontrasse outra caravana, abandonaria a sua, porque a companhia dela era insuportável.
Assim me escreveu e disse, depois, Tiago, o qual afirmava que Virgínia tinha uma paciência de Job. Mas, ao mesmo tempo, a Ir. M. J. Azzapardi contou a Tiago tantas coisas más de Virgínia, que ele, acreditando só em parte no que Azzapardi dizia, ficou escandalizado com as duas e disse que isso era uma chaga das Irmãs de S. José, que ambas estavam sempre a discutir e não havia entre elas concórdia e paz, como tinha observado nas de Cartum. Isto, em certo modo, é verdade, a respeito das antigas Irmãs de Cartum.
Com tão má impressão das Irmãs de S. José, em geral, e das duas em particular, Tiago foi para Verona; e, quando viu que Virgínia tinha chegado aí com os árabes, contou tudo aos membros do insto. e, depois, ao P.e Sembianti, etc., afirmando que onde houvesse uma Irmã de S. José se perdia a paz e contou aos mesmos todas as calúnias que tinha ouvido à Ir. Maria J. Azzapardi, pelo que o P.e Sembianti não quis tornar-se reitor nos meus institutos enquanto Virgínia não estivesse afastada da comunidade, situação na qual ela continua hoje.
Mas qual é, ao invés, a pura verdade? Virgínia e sóror Maria J. Azzapardi estiveram juntas dois meses no Cairo, dependendo da superiora que tenho aí há dez anos, Ir. Verónica Pettinati, de Empoli, a qual foi todos os dias testemunha das injúrias e insultos que Virgínia recebia da sua companheira M.a Josefa, com a qual tinha estado dois anos no Cordofão. Eis o que me declarou a dita superiora do Cairo, o que digo a V. Em.a sob juramento, e V. Em.a pode comprová-lo, porque a Ir. Verónica Pettinati, que é uma valorosa mulher, está em Itália: «Há dois meses, monsenhor, que tenho aqui a Ir. Ana (Virgínia). Examinei-a, estudei-a e encontro-a uma Irmã excelente. Presenciei como a Ir. M.a J. Azzapardi a insulta e injuria a cada momento e declaro que é um verdadeiro milagre que Virgínia tenha podido estar dois anos com essa Irmã. Eu não teria aguentado nem cinco minutos.»
N.o 1128; (1082) - A MGR. HENRI TETU
Mgr. Henri Tetu, «Le R. P. Bouchard», Quebéc 1897, pp.66-68
Cartum, 30 de Setembro de 1881
...Teria muitas coisas para escrever desta missão da África Central; mas não disponho de tempo para isso e, além disso, estou agora a passar cruéis provas. Há uns dias celebrámos a missa e o ofício de defuntos por um dos meus missionários, Matias Moron, polaco, a quem eu mesmo tinha elevado ao sacerdócio. Ainda não se tinha tirado o catafalco, quando fui informado da morte de outro missionário meu, António Dobale, a quem eu tinha comprado no Oriente em 1861 e que tinha sido educado na Propaganda. Morreu de febre tifóide na capital do Cordofão. Ontem, pela manhã, tínhamos celebrado de novo o ofício e a missa de requiem, quando chegou um telegrama a anunciar a morte da Ir. Maria Colpo, do meu insto., de Malta [lapsus calami: Verona], um pouco mais para lá do Cordofão. Morreu como uma santa e heroína, partindo com alegria e felicidade para as bodas do Cordeiro. Que havemos de fazer?
Por isso, esta manhã ordenei que deixassem o catafalco na igreja, porque espero novas provas do amor de Jesus, que mostra maior sabedoria ao mandar-me cruzes que a fazer os Céus.
No Cordofão, há dez meses que gasto de quarenta a cinquenta francos por dia na compra de água suja para impedir que a gente morra de sede. Este ano, pela primeira vez desde a criação do mundo, depois de três meses de chuva, não há uma única gota de água no nosso poço. Oh, meu Jesus, que cruz para um bispo missionário! Nós, meu doce Jesus, não temos suficiente sabedoria para compreender estas coisas. Oxalá pudéssemos compreender a razão pela qual Deus age assim connosco! Porém, devemos bendizê-l’O e louvá-l’O, porque tudo o que Ele faz é verdadeiramente bom.
No meio das primitivas tribos de Nuba, que, quanto ao vestir, não conhecem outro modo senão a dos nossos primeiros pais antes da queda, li e meditei com grande prazer a vida de Santa Ângela, publicada em 1881, e fi-la ler e reler às Irmãs que se encontram nessa missão. Nunca a vida de uma santa me tinha causado tão feliz impressão. Que generosa e sublime caridade! Santa Ângela Merici é um sublime modelo de caridade para as Irmãs da caridade. Eu gostaria que todos os vigários apostólicos e que todos os missionários pudessem ler esta vida admirável, a fim de que aprendessem a encher os seus corações daquele fogo sagrado em que ardia o coração de Santa Ângela Merici...
† Daniel Comboni
Bispo e vig. ap. da África C.
Original francês
Tradução do italiano
N. B. No livro aparece a data de 30 de Agosto de 1881; mas esta não pode ser a verdadeira, entre outras coisas porque a notícia da morte da sóror Maria Colpo chegou a Cartum a 27 de Setembro.
N.o 1129; (1083) - AO CARD. JOÃO SIMEONI
AP SC Afr. C., v. 9, ff. 156-159; 193-202
N.o 17
Cartum, Setembro de 1881
Em.mo e Rev.mo Príncipe,
Por causa da doença, não pude escrever, como lhe tinha prometido na minha última carta, a n.o 16, para continuar com o primeiro correio a narração sobre Virgínia postulante no meu insto. de Verona. Agora, encontrando-me um pouco menos mal, retomo o trabalho, não sem uma grande dor, por me ver obrigado a causar incómodos e aborrecimentos a V. Em.a, já bastante ocupado em negócios da mais alta importância. Porém, conforta-me o pensamento de que se trata de fazer justiça e caridade a uma alma consagrada a Deus, à qual, sem fundamento, se queria afastar da sua vocação, com perigo de se perder eternamente. O sublime espectáculo, bem conhecido de V. Em.a, que deu ao mundo, com o seu extraordinário zelo e caridade, o grande Pio IX, de santa memória, quando, em Roma, em 1864, teve a coragem de recusar com desdém ao poderosíssimo imperador Napoleão III a entrega ao próprio pai, um sapateiro judeu, de um filho, um menino de onze anos, que se tornara católico, e a quem eu mesmo levei do Colégio de Catecúmenos (do qual era director mons. Jacobini, hoje card.-secretário de Estado) à audiência pontifícia, estou certo de que dará ânimo a V. Em.a, para que com a sua exímia caridade se ocupe em tutelar a vocação de uma virgem cristã que, segundo o meu subordinado parecer, é muito digna disso em todos os aspectos.
Desde havia muitos anos que, por meio de mons. Darauni, em Roma, do patriarca dos maronitas e dos bispos e superiores orientais, cujo favor tinha procurado, eu tratava de dotar os meus institutos africanos de Verona de um professor e de uma professora de árabe. Todos me prometiam, mas sempre me obrigavam a uma despesa de, pelo menos, 15 francos diários, tudo incluído, pelo que não pude combinar nada: tal gasto era-me demasiado gravoso.
Foi então que escrevi para Beirute, a Virgínia, como escrevi a Vossa Em.a na minha carta n.o 15, respondendo-lhe que a aceitava como Irmã na minha obra e que admitia também o seu irmão Jorge, a sua irmã Khatum e o seu primo Alexandre num dos meus estabelecimentos, a fim de fazer com que fossem instruídos e se preparassem para abjurar da heresia grega. Pedi-lhe que me procurasse um professor e uma professora árabes para os meus institutos de Verona; ao não consegui-lo, respondeu-me que, se eu próprio fosse à Síria, encontraria não só professores e professoras, mas também vocações árabes (também mo asseguraram os jesuítas do Cairo, que tinham vindo todos da Síria). Mas ela acrescentou: «Até ser possível V. E. vir à Síria com essa finalidade, pode colocar como professor de árabe o meu primo Alexandre que o domina bem. Como professora de árabe iria eu provisoriamente para Verona, levando comigo o meu irmão e a minha irmã, a fim de aí os preparar para a abjuração; deste modo poderão imbuir-se das máximas da nossa santa fé melhor que no Cairo e assim V. E. não terá outros gastos senão o sustento do professor».
Depois de tantos anos de inúteis buscas, custava-me acreditar que as coisas saíssem tão bem, podendo dotar de mestre e mestra de árabe os meus institutos veroneses e, ainda por cima, preparar os três cismáticos para abjuração. Com lágrimas nos olhos, dei graças a Deus de coração e dei ordens a Virgínia que partisse com todos para Verona. Ela chegou lá em Setembro de 1879.
A superiora e o insto. feminino encheram-se de alegria por possuírem Virgínia e a irmã para converter à nossa fé. Não assim o vice-reitor do insto. masculino, o luxemburguês Grieff (que, depois, o P.e Sembianti me pediu para expulsar e que agora está na América) e o irmão leigo Tiago Cavallini (homem de bons costumes, mas de poucas luzes), os quais tinham regressado de África e feito crer que sabiam o árabe; mas, com a chegada do mestre Alexandre ao insto., todos se aperceberam que Grieff e Tiago não sabiam nada. Ambos acolheram com o maior desprezo os árabes e trataram-nos tão mal, que se eles se não tivessem mantido firmes e inamovíveis (por mérito de Virgínia, que os convenceu da verdade da fé) no seu desejo de abraçar o Catolicismo, teriam regressado à Síria e à sua heresia.
Em vão tratou P.e Mainardi, reitor septuagenário, que durante dezassete anos tinha sido jesuíta, que se comportassem como deviam. Às escondidas, eles já tinham feito os seus planos para conseguir expulsar os árabes, homens e mulheres. E como entre todos os nossos eu era o único que conhecia a língua árabe, reunia-me frequentemente com os dois árabes e todos os dias ia passar uns momentos do recreio ao insto. feminino, onde chamava ao quintal as árabes (mas sempre com a superiora e nunca sem ela, mesmo sendo eu o fundador e superior geral); por isso Grieff e Tiago, sem que eu me apercebesse de nada, puseram-se de acordo com o camponês que servia no convento feminino, um tal Estêvão, e fizeram-me uma acusação perante o cardeal bispo, dizendo que eu só tinha olhos para os árabes e que tinha excessivo trato no insto. feminino (eu o fundador e superior do mesmo) com Virgínia, pela qual mostrava parcialidade, etc.
O em.mo escutou, mas nunca me disse nada. Por seu lado, o leigo Tiago chegou ao extremo de amargurar a velhice de meu pai, homem de setenta e oito anos, temente a Deus, que jamais durante a sua longa vida deixou de se confessar uma vez por semana, nem de comungar mais vezes, dizendo-lhe em segredo (sem me avisar nunca de nada a mim) que eu tinha demasiada familiaridade com Virgínia, o que podia ser-me prejudicial. Meu pai, um autêntico santo, nos dezassete dias em que Virgínia esteve na sua casa de Limone com a minha devotíssima prima, disse – no que também minha prima estava de acordo – que Virgínia era uma verdadeira santa; e por tal a teve até Março de 1880, quando o leigo Tiago lhe falou contra ela. Desde então aconselha-me a que me livre de Virgínia e, citando-me Santo Hilarião, St.o António Abade, os santos e as Escrituras, diz-me que com as mulheres é preciso ter muita e toda a cautela (e nisto tem razão); mas eu sempre a tive; apesar disso não deixei de atrair muitas à fé e à piedade, quer fossem protestantes, infiéis, cristãs, etc., e dou-me por satisfeito ter realizado a minha vocação de missionário em Verona, Viena, Dresden, Berlim, Paris, Londres, Sampetersburgo e em Roma, tal como no Egipto e na África Central.
Em Roma há duas antigas protestantes que vivem como santas católicas e que Deus ganhou para a fé por meio de mim: Maria Kessler e Ernestina Talkenberg, ambas saxónicas.
Mas há mais. O mencionado P.e Grieff (que se pensava ser um santo, mas que era um hipócrita, um matreiro e manhoso) suspirava por ser reitor dos meus institutos, como pôde aperceber-se o P.e Sembianti quando me suplicou que o deixasse ir embora do instituto. Mas como Grieff (a quem eu mesmo descrevi ao P.e Sembianti como sendo óptimo, baseando-me no autorizado juízo de um pio padre filipino de Verona, seu confessor, o c.de António Perez) sabia que eu andava em negociações com o superior geral dos bertonianos para pôr o P.e Sembianti como reitor dos meus institutos, a fim de o desanimar e o dissuadir de aceitar o cargo foi em segredo com os mencionados leigos Tiago e Estêvão visitar o geral e o P.e Sembianti e descreveu-lhes com tinta negra os árabes e sobretudo a minha pretensa parcialidade com Virgínia. Então os bertonianos foram aconselhar-se com o Em.mo de Canossa (que, enquanto nunca se dignou consultar-me ou escutar-me sobre o assunto a mim, bispo, fundador e chefe dos institutos, teve agora por bem – segundo me disseram – chamar os dois campónios leigos, Tiago e Estêvão, e ouvir o seu juízo); Canossa decidiu (sem sequer ter consultado a superiora, a qual, como me contou, sofreu muito por Virgínia e por mim, pois eu, deste modo, ficava demasiado humilhado) que o P.e Sembianti aceitasse ser reitor, na condição de que fossem enviados para fora da comunidade tanto Virgínia como a sua irmã, o seu irmão e primo: exactamente o que queriam conseguir os dois camponeses.
Eu encontrava-me em Roma quando tive informação certa desta decisão e para me assegurar o P.e Sembianti como reitor definitivo dos meus institutos e para o bem da obra, fiz este grande sacrifício ao Senhor, submetendo-me à grande humilhação de ver o meu juízo desprezado, etc. E, ainda que soubesse a dor e a humilhação que ia causar aos árabes e especialmente a Virgínia, ordenei de Roma aos quatro que saíssem dos institutos, para irem viver numa casita da minha propriedade anexa ao convento feminino, mas sem comunicação com este; que os dois elementos masculinos se instalassem no primeiro andar e as mulheres no segundo, esperando eu depois dispor as coisas de modo mais caritativo para esses quatro infelizes.
É indescritível a desolação que causou a Virgínia tal medida. Habituada desde há quase vinte anos a viver em comunidade religiosa com freiras e freira ela própria durante dez anos e numa comunidade tão alegre como a das Irmãs de S. José, no Oriente, o ver-se confinada sozinha com a sua irmã a um quarto, onde não via senão uma vez por dia a superiora, fê-la chorar dia e noite, ainda que confiante em Deus, seu único consolo, para além de Nossa Senhora e S. José, de quem sempre foi e é devotíssima.
Eu, de Roma, roguei ao arcipreste de S. Lucas, decano dos párocos de Verona, com os seus 37 anos à frente da paróquia e tio do meu ex-vigário-geral P.e Bonomi (hoje superior da missão de Dar-Nuba), que fosse visitar e consolar Virgínia e que mandasse as suas três sobrinhas, irmãs de P.e Bonomi, fazerem-lhe companhia.
Lá foi o velho pároco e lá foram indo as sobrinhas durante quatro meses. E, depois de ter conhecido Virgínia, disse-me que é uma mulher de eminentes virtudes, de critério e de mente recta e perspicaz, uma verdadeira santa. Ele falou muitas vezes com Virgínia e longamente, enquanto o em.mo de Canossa falou com ela apenas em quatro ocasiões e pouco. Mas Sua Eminência prestou ouvidos a dois camponeses, sem perguntar àquele venerável pároco, que há trinta anos tem dois conventos de freiras na sua paróquia, que dirige, e que, dos pregadores de Verona, é talvez o que melhor prega sobre Jesus crucificado.
Ao fim de uns quarenta dias, cheguei a Verona; e como encontrei aqueles quatro árabes aflitos e sem nunca falarem com ninguém, eu, que sei o árabe, ia visitá-los amiúde, procurando proporcionar-lhes conforto e instrução e reforçar-lhes a sua decisão de se converterem. Isto deu azo a que eu, que era sempre espiado pelos dois campónios, talvez por encargo do P.e Sembianti e de Sua Eminência (que coisa tão reprovável!), fosse acusado perante o cardeal do mesmo que antes, isto é, que mostrava preferência e parcialidade para com os árabes e especialmente para com Virgínia: ficavam todos alegres e parecia que reviviam quando me viam. O que, por outro lado, fazem também na África os meus missionários, as minhas Irmãs e os meus convertidos, que exultam quando me vêem; e é natural, pois sabem que eu sou seu pai, que me sacrifico pelo seu bem.
Quando de Roma cheguei a Verona e visitei Virgínia, que sofria um tremendo purgatório naquele tremendo isolamento em relação à comunidade, à qual apenas ia cinco horas por semana para ensinar o árabe, ela dirigiu-me estas palavras, que é a pura expressão da verdade, às quais apenas pude responder que confiasse em Deus, vingador da inocência e da justiça.
«Monsenhor, o senhor admitiu-me na sua missão da África Central, a qual amo até ao ponto de ter abandonado por ela a minha cara Congregação de S. José; e, confiada em si, que é chefe e fundador do Instituto das Pias Madres da Nigrícia, fiz todos os sacrifícios para ser religiosa da África Central e consagrar o meu modesto trabalho à salvação daquelas pobres almas, que são das mais desditosas e abandonadas do mundo. O senhor aceitou-me e chamou-me para Verona para que ensinasse o árabe, ao que eu obedeci. Mas aqui puseram-me fora da comunidade e não me querem para nada. Eu julgava que o senhor era o superior e fundador do seu instituto e que tinha autoridade para mandar.
Mas vejo tudo ao contrário. O senhor, monsenhor, não tem nenhuma autoridade nem mando no seu instituto ou não me quer ter no seu instituto nem na sua obra. Se eu fiz alguma coisa má, que mo digam, que estou disposta a fazer penitência. Mas se não fiz nada de mal, porque me afastam do instituto? Ah, sinto-me a pessoa mais desgraçada do mundo. E fui atraiçoada por si: eu julgava-o um pai e pensei que me aceitava verdadeiramente na sua obra. Mas não importa: o Senhor há-de ajudar-me, como sempre me ajudou. Irei servir e sofrer por toda a vida, mas espero salvar a minha alma. E como vejo que aqui não só estão contra mim mas também contra meu irmão, minha irmã e meu primo, a quem nem o reitor, nem o cardeal, nem Tiago, nem Estêvão podem ver, e aos quais até a saudação se nega, rogo-lhe que nos ajude para que possamos voltar os quatro para Beirute, que Deus e Maria nos assistirá também a nós.»
A este discurso, no qual a Virgínia dizia a verdade, respondi que não considerava conveniente que voltassem à Síria antes de os três cismáticos terem abjurado: na Síria, no meio dos cismáticos, talvez o não pudessem fazer, donde adviria novo sofrimento para Virgínia. Por isso decidi mandar o irmão e o primo para Roma, e Virgínia e a irmã para Sestri, aonde pensava enviar as três Irmãs que estavam destinadas a África, mesmo antes de vir para reitor o P.e Sembianti. Depois eu pensaria o que se havia de fazer.
É natural, Em.mo Príncipe, que Virgínia tivesse certa antipatia e olhasse com maus olhos o P.e Sembianti, sabendo e crendo que era o autor do seu afastamento do instituto. E Virgínia tinha muita razão na sua atitude, embora o P.e Sembianti seja um digno religioso, que terei sempre com prazer à frente dos meus institutos, porque é um homem de Deus e uma excelente pessoa; e, ainda que careça de prática, seja teimoso e cabeçudo como todos os santos que comem e, além disso, tímido e muito falto de confiança em si mesmo, apesar de tudo, estou certo que formará para a África Central pessoal capaz e de excelente espírito, que fará muito bem à missão. Mas o P.e Sembianti desde o princípio que ganhou uma má predisposição para com Virgínia, por arte diabólica de Grieff, coadjuvado por dois bons mas estúpidos camponeses. V. Em.a sabe bem quão poderosas são, mesmo sobre almas boas, as primeiras impressões negativas; e disto vi, às vezes, exemplos muito deploráveis em frades e mesmo em excelentes prelados romanos, porque conheço bem o mundo e a anatomia do espírito humano. O P.e Sembianti age em consciência; mas Virgínia tem razão em olhar – e assim o olhou sempre – o P.e Sembianti com maus olhos, como claramente demonstrarei mais abaixo.
Fui visitar o em.mo de Canossa para que se melhorasse a situação dos árabes e fiz-lhe grandes elogios sobre Virgínia, da qual eu fui ordinário durante seis anos, e director, a quem conhecia a fundo. Mas ele respondeu-me que se ordenasse que os árabes fossem readmitidos no instituto, o P.e Sembianti se retiraria. Em todos os institutos religiosos da Alta Itália há pias mestras que vivem em comunidades religiosas; este podia ser também o caso de Virgínia, de quem a superiora se tinha declarado sempre contente pela sua modéstia, humildade, obediência e caridade, até ao ponto de Virgínia ser servente de todas.
Eu estimarei e venerarei sempre o em.mo de Canossa, porque moralmente me ajudou muito na implantação da minha obra. Mas causou-me e fez-me sofrer tais humilhações de há vinte anos a esta parte, que teriam bastado para matar um homem, embora não esteja nada ressentido por elas, porque estou disposto ad plura et maiora tolleranda por amor a Cristo e à África. O Anexo III, que agora lhe mando, está cheio de falsas imputações totalmente alheias à verdade, como demonstrarei ao apresentar-lhe a resposta que dei a Sua Eminência (a essa desagradável carta, o Anexo III, que lhe mando), a fim de que V. E. conheça tudo – incluído o que o em.mo de Canossa não lhe terá escrito –, na certeza de que a verdade brilhará e de que V. Em.a poderá julgar com certeza. Mas a humilhação mais terrível de todas provocou-ma o em.mo de Canossa ao escrever-me que se arrependia de ter gasto 600 liras na viagem para Roma, para me fazer bispo, como figura no Anexo IV, que por brevidade e, para não aborrecer V. Em.a, inseri antes do Anexo III, escrito pelo punho e letra do próprio em.mo. E eu, com delicadeza, procurarei um modo para lhe devolver as 600 liras, que diz ter gasto para me fazer bispo (meu Deus!), para que fique satisfeito.
Ele nunca deu nem um único cêntimo à África, como não dá nada a ninguém, porque o seu copioso património deixou-o à sua nobre família quando se tornou jesuíta, e hoje vive dos rendimentos episcopais; o que sobra do necessário para a alimentação e vestido reparte-o muito sabiamente entre os pobres ou dá-o a obras da diocese veronesa. Mas para a obra de África nunca deu um cêntimo (Pio IX e alguns cardeais pensaram em tempos que o em.mo dava muito dinheiro para a África). Até as cartas para Roma, que ele me escreveu a mim ou à obra, ou a algum alto benfeitor (que, por consideração a Sua Em.a, me deu milhares de francos) paguei-as sempre eu ou os meus representantes, e diga-se o mesmo das que ele escreveu a V. Em.a contra Virgínia e contra mim. Até ao ponto de há um mês, tendo o bispo de Placência mandado para mim (como resultado das cartas que escrevi a uma benfeitora de Placência) 2240 liras ao Em.mo de Canossa, o P.e Sembianti escreveu-me que o em.mo lhe havia entregue 2239 liras com 80 cêntimos, porque os 20 cêntimos restantes tinha ficado ele com eles para o selo da carta de agradecimento ao bispo de Placência.
Sinto vergonha de escrever estas coisas; mas sinto-me muito ofendido por o em.mo de Canossa ter intervindo ultimamente no meu instituto, sem me pedir a mim a menor opinião, que, para além de ter dado a regra ao instituto, o mantenho totalmente mediante os milhares de escudos que todos os anos consigo para ele com tantos sacrifícios e com o suor da minha fronte. Mas eu dou tudo ao Senhor, porque tudo é disposição divina para o bem da obra e para a nossa perfeição.
Virgínia estava há três meses na casita, separada da comunidade, quando, vendo eu como dia a dia se ia deteriorando sensivelmente a sua saúde, segui o conselho de a tirar da triste atmosfera que a rodeava e mandei-a para Sestri Levante, onde já se encontravam as minhas Irmãs.
Não vou falar da heróica virtude e paciência que mostrou Virgínia com a sua irmã Khatum (a quem ela converteu ao Cristianismo e nele a instruiu), a qual sofria de grave depressão:
1.o Porque ainda vivia sob a impressão do horror vivido quando, em 1860, com os seus próprios olhos, viu, tal como Virgínia, o seu pai e a irmã mais velha degolados.
2.o Porque na idade de 8 anos tinha caído em Beirute de um terceiro piso, tendo-lhe saltado miolos a um metro de distância. Talvez por isso, quando encontrava a porta aberta, saía do convento e Virgínia via-se obrigada a correr atrás dela pela via pública. Por vezes ia para o quintal de P.e Tagliaferro e, de forma parva, arrancava um pêssego ou um figo ou outro fruto, e P.e Tagliaferro repreendia Virgínia de não guardar bem a irmã, etc., etc.
O certo é que Virgínia em Sestri se portou bem, como se pode ver no testemunho da superiora local (Anexo II, que enviei a V. Eminência). Mas isso não valeu nada para o obstinado do meu caro P.e Sembianti, o qual, vindo comigo a Sestri para a reunião em que se decidiria aquele assunto, estava sempre com as Irmãs, a quem deu lembranças, e nunca dirigiu uma palavra a Virgínia, o que eu próprio verifiquei; pelo que Virgínia me disse: «Verá, monsenhor, que, quando eu for para Verona e o senhor tiver partido para a África, este seu caro amigo [eu disse a Virgínia que o P.e Sembianti era meu verdadeiro amigo, não de palavras mas de factos, por se ter dedicado com tanto zelo e amor de Deus a desempenhar a função de reitor dos meus institutos] me mandará embora, porque ele nem me pode ver; eu sou-lhe antipática. O senhor, monsenhor, é demasiado bom, mas eu sou desta opinião. Eu vou para Verona e lá morrerei.»
Como o ano passado o em.mo escreveu a V. Em.a, Virgínia pediu e obteve a admissão no Instituto das Pias Madres da Nigrícia de Verona. E em Novembro do ano passado, poucos dias depois da minha partida para a África, ela foi de Sestri para Verona e entrou no insto. como postulante.
O que aconteceu lá, e como se comportou Virgínia, será objecto da minha próxima carta.
Entretanto beijo-lhe a sagrada púrpura e sou de V. Eminência
Indig.mo e crucificado filho
† Daniel Comboni bispo e vig. ap.
Anexo III
Carta autografada do em.mo de Canossa, na qual lança paternalmente muitas acusações não justas contra D. Comboni (a todas as quais ele respondeu ao em.mo e transcreverá o resumo ao cardeal-prefeito).
Descreve Virgínia com as cores mais negras e, ao emitir o seu juízo perverso, não consultou nem escutou o reitor e nem sequer a madre superiora do insto., mas formou-o a partir de:
1.o Meias palavras, ouvidas aqui e acolá.
2.o P.e Tagliaferro (padre de 74 anos, ex-frade), que não se confessa há mais de 30 anos, a quem Virgínia incitou a que se vestisse e vivesse como padre, também por consideração a quem ajudou o convento para lá meter as Irmãs, isto é, D. Comboni.
Anexo IV
Escrito autografado do em.mo de Canossa em que atira à cara de D. Comboni estar arrependido da despesa de 600 liras para ir a Roma a fim de o fazer bispo (meu bom Jesus!). D. Comboni ficará sempre grato pelos benefícios que o em.mo de Verona lhe prestou.
N. B. A carta n.o 15 ao card. Simeoni é de 3-09-1881 (N.o 1114). Não temos a carta n.o 16; a carta n.o 18 é de 17-09-1881 (N.o 1122). É portanto de supor que esta carta n.o 17 tenha sido escrita entre 3 e 17 de Setembro de 1881.
N.o 1130; (1176) - A STONE PAXÁ
Bulletin de la Société Khediviale de Géographie
Serie II. N.6, Fevereiro de 1885, pp. 287-288
Cartum, Setembro de 1881
Excelência,
Permito-me oferecer a V. E. um pequeno mapa de Dar-Nuba, que tracei após uma exploração realizada por mim e pelos meus missionários àqueles montes. O nosso fim era estudar, sob pedido de S. E. Rauf Paxá, o digno governador-geral do Sudão, a questão muito importante da escravidão e de lhe propor remédios práticos e eficazes: coisa que fiz com plena satisfação de S. E.
O Dar-Nuba tornar-se-á um país muito importante para o Governo egípcio e será, ao mesmo tempo, uma posição estratégica que facilitará a introdução da civilização numa boa extensão de outras terras da África Central.
Este mapa foi traçado com toda a diligência possível, depois de ter visitado, passo a passo, mais de cinquenta montes habitados por uma das mais interessantes e simpáticas raças da África Central.
Nós, além disso, escrevemos um dicionário de 3500 palavras na língua nuba.
Nas imediações dos Nuba existe um povo que habita nove montes e se chama Gnuma, cuja língua é totalmente diferente. Esse povo, ainda inacessível ao Governo egípcio, recebe-nos sempre de braços abertos, porque, dizem eles, os missionários não fazem nada de mal, mas sempre bem. Mas, depois de os Nuba terem experimentado os benefícios do Governo que os libertará dos velhacos Bagara, estou certo que também os Gnuma abrirão as suas portas, até agora fechadas a S. E. o quedive....
[† Daniel Comboni]
Original francês
Tradução do italiano