[3040]
Antes de tudo, peço-lhe desculpa por tardar demasiado a escrever-lhe, desde a minha partida de Roma. O cuidado que tive para organizar as coisas em favor da Nigrícia e as ocupações, surgidas no Cairo após ausência de mais de dois anos, não me permitiram cumprir esse dever.
[3041]
Já de Roma temia eu que o escândalo causado pelo Governo da Sublime Porta ao expulsar de Constantinopla o legítimo patriarca dos arménios, mons. Assun, influiria no espírito do Governo e dos muçulmanos do Egipto e que, portanto, poderia repercutir-se de algum modo, agora ou mais tarde, no apostolado da África Central. Não me enganei no tocante ao Egipto, porque no Cairo pude verificar que os muçulmanos prestaram atenção ao acontecido em Constantinopla, embora não tenham aqui cometido nenhum acto de hostilidade contra a Igreja Católica.
[3042]
Sua Alteza o quedive, que antes tinha em torno de si franceses, agora começa a rodear-se de prussianos e move-se conforme o vento que hoje sopra na Europa. Por isso é que, pelo bem da Nigrícia, eu considerei oportuno ir à Europa visitar S. M. o imperador da Áustria para lhe recomendar ardentemente o vicariato da A. C., do qual é protector desde 1851, na firme convicção de que, dada a sua grande influência pessoal sobre o quedive – a qual se tornou mais considerável quando S. M. veio ao Egipto para a inauguração do canal de Suez – poderia ajudar-me a alcançar o meu objectivo de favorecer o mais possível a Nigrícia. Sua Majestade apostólica recebeu-me numa longa audiência privada, na qual me mostrou ter vivo interesse e me prometeu a mais ampla protecção. Isto, unido às comunicações oficiais do núncio apostólico a respeito do vicariato, influiu poderosamente a meu favor no Ministério dos Negócios Estrangeiros: daí escreveram ao I. R. Consulado Geral austro-húngaro do Egipto, onde encontrei os ânimos bem-dispostos para obter do Governo egípcio um documento assinado de protecção para utilizar em todas as possessões egípcias da África Central.
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O segundo fim pelo qual empreendi a viagem a Viena foi pôr-me em contacto com o Alto Comité da Sociedade de Viena, chamada Mariana, para lhe expor com bons modos o seu especial mandato de que ajude com todas as suas forças a missão católica apostólica romana da África Central e animá-lo a satisfazer plenamente os justos e rectos desejos da Propaganda e do pró-vigário apostólico. Tive a sorte de encontrar o ilustre vice-presidente, o barão de Spens, alma da Sociedade Mariana, totalmente romano e papista, que deixou de ser cesáreo (mas foi sempre bom católico) desde a época em que o Governo austríaco abandonou o rumo seguido até então para cair vítima do moderno liberalismo. Além disso vi todos os membros do alto comité bem animados de verdadeiro zelo para fazer prosperar a sociedade em benefício da santa missão.
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A Sociedade Mariana, cujo maior colaborador foi o velho barão de Spens, deu, desde 1851 a 1867, para a África Central mais de um milhão de florins, ou seja, a bonita soma de quinhentos mil escudos romanos. Hoje em dia encontra-se reduzida à mínima expressão.
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Por outro lado, aqui no Cairo, encontrei em bastante bom estado os institutos de negros, de cujo regulamento darei conta exacta a V. Em.a Rev.ma. Ainda não pude saudar o veneradíssimo delegado apostólico, o qual estava na Síria e agora se encontra nas estações do canal de Suez.
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Estou a preparar as coisas para a partida para a África Central e, com o próximo vapor, enviar-lhe-ei, para submetê-lo ao seu critério, o plano desta viagem e da visita pastoral ao vicariato que me recomendou a sabedoria e solicitude de V. Em.a rev.ma.
Agradecendo-lhe profundamente tudo quanto se dignou fazer pela pobre Nigrícia, renovo-lhe os meus protestos de perfeita obediência e devoção, com os quais tenho a honra de me subscrever
De V. Em.a rev.ma
Hum.mo, obed.mo e devot.mo filho
P.e Daniel Comboni
Pró-vigário apost. da África Central