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Passaram 26 dias desde que tive a alegria de ver a tua querida família e já me parece que há cem anos que não ouço notícias vossas. Posso assegurar-te que não passa uma hora que não me venha à mente a vossa grata lembrança. E devo confessar com rubor que quem teve tanta força para abandonar para sempre uns pais amorosos, de quem era filho único, a fim de voar a juntar-se com africanas gentes em lugares remotos e em regiões curvadas sob o domínio de satanás, mergulhadas nas trevas e sombras da morte, no passado dia 15 partiu de Roma com o coração oprimido pela mais profunda dor, ao separar-se de ti e da nobre família Carpegna, que trarei eternamente gravada na minha alma e escrita com caracteres indeléveis no mais íntimo do meu espírito.
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Para não falar de muitas outras coisas, ainda hoje me impressiona a recordação das observações feitas a teu respeito pelo prefeito de Roma dois dias antes da minha partida e suspiro pelo agradável momento em que me dirijas umas linhas. Sim, meu dilecto amigo, todos vós estais gravados no meu coração. Estimo a todos com ternura, embora deva lamentar não ser digno de vós. O vosso querido nome é pronunciado com afecto e veneração pelos meus mais íntimos amigos, repetem-no os lábios inocentes de alguns dos meus jovens negros e, sobretudo, está nos lábios de meus irmãos sacerdotes do Instituto que o pronunciam com carinho, gratidão e respeito. Vejo-te a ti e ao singelo Pippo com efusão do coração e com orgulho, como queridos irmãos.
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Sei que não devia dizê-lo, dada a minha obscura e humilde condição comparada com a nobreza da vossa linhagem, mas sois de ânimo tão nobre, que sabereis conceder-me um generoso perdão. Ao conde de Carpegna considero-o como meu pai; e a essa alma sublime e generosa que é a flor das heroínas polacas, a quem vi cheia de nobres sentimentos e pletórica de ideias magnânimas, essa alma angelical que vos deu à luz com o coração e que vos traz dentro de si com afecto mais que maternal, a essa alma contemplo-a como minha mãe.
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Eu tinha uma mãe amorosa, mas perdi-a em 1858, enquanto deambulava pelos ardentes desertos da África Central; e agora, que conheço quão precioso era o tesouro perdido, atrever-me-ia a escolher como mãe aquela que vos gerou também a vós não já quanto ao corpo, mas num modo mais nobre e elevado com o espírito, de tal modo que também eu convosco possa olhá-la como mãe com o coração. Depois, o professor, o meu caro P.e Luís, vejo-o também como um irmão e gosto muito dele, porque sei que foi, é e será o verdadeiro amigo da casa Carpegna e ficou a vosso lado só para, de algum modo, vos ser útil, porque vos ama com afecto sincero. Desculpai estas expressões que não são dignas na boca e no coração de um missionário apostólico; porém, são as mais contidas de uma alma que vos professa um ardente carinho.
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Alegra-se-me o espírito quando, ao contemplar no meu álbum os vossos retratos, reconheço neles os amigos mais queridos do meu coração. E quando, cada manhã, no sacrifício do altar, tenho ocasião no Memento de rezar uma oração por vós, oh, então sinto uma alegria inefável e parece-me que nesses felizes instantes o meu espírito se enche totalmente da mais plena devoção, porque vejo em Deus o centro de comunicação entre vós e mim, porque, ainda que afastados fisicamente, estais unidos a mim na religião, na fé e no coração. Agora que eu vos conheço bem e vós me conheceis bem a mim, não me hei-de atrever a esperar vossas cartas? E vós ousareis deixar que passe um mês sem me escrever, falando-me de vós, um por um, mantendo assim entre nós uma comunicação epistolar? Ah, espero que não deixareis penar uma alma que por vós suspira e que não deixa de recordar-vos nem um momento.
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Apresentai meus respeitosos cumprimentos a mons. Besi, a mons. Nardi, ao extraordinário professor Massoni da clínica ocular, a Giovanelli, a Macchi e a todos os que frequentam a vossa casa e que sabeis que eu conheço e que não nomeio por serem muitos.
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Depois de sair de Roma, detive-me em Pisa e depois em Turim, onde fui duas vezes ao Parlamento; isto é, uma vez à Câmara dos Deputados e outra à dos Senadores e isto graças a Ricasoli. Já em Verona, encontrei uma graciosa carta de Pélagie, que me dava notícias dos vossos que foram nossos companheiros de viagem do Egipto até Trieste. Pélagie é uma dessas almas polacas que abrigam nobres sentimentos e com seu critério sabe conjugar, como ainda em maior medida o faria mamã, religião e pátria, fé e progresso. Permiti que vos transcreva um fragmento acerca da Polónia, que é digno de uma alma polaca: «Não esqueça tão-pouco a Polónia em suas orações. Se viu Guido, ele ter-lhe-á contado aquilo de que foi testemunha em Varsóvia no dia 8 de Abril e recentemente quando lá esteve. Os jornais não contam nem metade. Isto clama por vingança e, apesar disso, toda a Europa fecha os olhos e tapa os ouvidos! Pode ser que Deus tenha piedade deste infeliz país, dividido entre três poderosos e cruéis inimigos, que matam os seus filhos ou mandam-nos para a prisão como castigo por desejarem a liberdade. Onde estão, portanto, os campeões da justiça? Este sangue não será derramado em vão: Deus terá piedade dos que sofrem, porque esperam n’Ele.»
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Oh, que grande é a minha veneração por estas almas polacas! Mas basta, meu caro Guido. A meu superior contei tantas coisas de vós e dessa bela alma de mamã, cuja generosidade de coração lhe valeu ser libertada das trevas do cepticismo grego e entrar na união católica. Ele manda as suas expressões de gratidão e as suas saudações. Mostrou-me vontade de querer possuir o belo crucifixo que me ofereceu a querida família Carpegna; mas teve de mim uma solene negativa, porque vai ser um precioso talismã que me dará força nas dificuldades e nos extremos perigos e um monumento do meu afecto por vós.
Mas basta, repito. Já estarás aborrecido de ler. Compendio numa só frase o que vos desejaria escrever: Estimo-vos, lembrai-vos de mim. Transmite as minhas mais afectuosas saudações ao papá, a mamã, a Pippo, a P.e Luís, enquanto me declaro nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria
Teu af.mo irmão
Daniel Comb. m. ap.