Com os dois últimos domingos do tempo pascal, entramos na preparação imediata para as festas da Ascensão e do Pentecostes. Estes são os domingos da despedida. O evangelho deste domingo e do próximo oferece-nos excertos do discurso de despedida de Jesus aos seus discípulos na última ceia. É o seu testamento, antes da sua paixão e morte. Porquê retomar estes textos precisamente no tempo pascal? A Igreja segue a antiga tradição de ler durante este tempo os cinco capítulos de João relativos à Última Ceia, de 13 a 17, nos quais Jesus apresenta o sentido da sua "Páscoa".

No Evangelho de João (15, 1-8), deste 5° domingo de Páscoa, escutamos a metáfora da videira e dos ramos. É evidente que não se está a falar de uma relação emocional ou sentimental, mas de uma relação profundamente vital, de uma comunhão de vida. É muito claro o que nos diz Jesus: «Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. (…) Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. (…) Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos.»

 

A quem estou unido:
à Videira verdadeira ou a uma videira bastarda?

“Eu sou a videira, vós sois os ramos!”
João 15, 1-8

Evangelho de João 15, 1-8.

Com os dois últimos domingos do tempo pascal, entramos na preparação imediata para as festas da Ascensão e do Pentecostes. Estes são os domingos da despedida. O evangelho deste domingo e do próximo oferece-nos excertos do discurso de despedida de Jesus aos seus discípulos na última ceia. É o seu testamento, antes da sua paixão e morte. Porquê retomar estes textos precisamente no tempo pascal? A Igreja segue a antiga tradição de ler durante este tempo os cinco capítulos de João relativos à Última Ceia, de 13 a 17, nos quais Jesus apresenta o sentido da sua "Páscoa". 

Vinha excelente ou vinha bastarda?

Na tradição profética, o povo de Deus é muitas vezes apresentado como uma vinha escolhida: “O meu amado tinha uma vinha numa colina fértil.... Por que razão, enquanto eu esperava que produzisse uvas, produziu bagas verdes?” (Isaías 5,1-7); “Eu tinha-te plantado como uma vinha excelente, toda de videiras genuínas; como é que te transformaste em rebentos degenerados de videiras bastardas?” (Jeremias 2,21). Deus sente-se desiludido porque, depois do cuidado e do amor pela sua vinha, esperava frutos, mas a vinha degenerada produz uvas verdes. Como não ver aqui o lamento do Senhor pelas nossas situações de infidelidade?

O Senhor, porém, não abandona a sua vinha e responde à oração do salmista: “Deus dos exércitos, voltai! Olhai do céu e vede e visitai esta vinha.” (Salmo 80,9-17). E eis a promessa messiânica: “Nos tempos vindouros, Jacob criará raízes, Israel florescerá e brotará, ele encherá o mundo de frutos.” (Isaías 27,2-5). A visita de Deus e o cumprimento da sua promessa realizam-se com Jesus. Ele é a videira, o verdadeiro Israel fiel que oferecerá ao Pai “o vinho novo” (João 2,10).

1. A videira, os sarmentos e o agricultor: a nossa relação com o PAI

Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor”. O Pai é o agricultor. O que é que ele faz? “Ele corta todo o ramo que em mim não dá fruto e poda todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto”. A poda é essencial para a fecundidade da vinha e é uma arte, porque é preciso saber o que, onde e como cortar. Por um lado, é necessário cortar os sarmentos que não vão dar fruto e que enfraquecem a planta. Por outro lado, é necessário podar os rebentos que vão dar frutos para favorecer a quantidade e a qualidade. Isto é feito no início do inverno. Depois, quando os rebentos brotam, retiram-se os mais fracos e, mais tarde, também as folhas que não favorecem o crescimento do cacho. 

Da imagem à realidade: Deus efectua uma poda ou uma purificação contínua na nossa vida. As tesouras de poda que utiliza são, antes de mais, a sua Palavra, mas também os acontecimentos da vida, a correção fraterna e até a crítica dos não crentes, por vezes mordaz e impiedosa. Da nossa parte, é necessária uma atenção permanente para cortar o que está a enfraquecer a nossa vida cristã. 

2. Permanecer em Cristo para dar fruto: a nossa relação com o FILHO

Permanecei em mim e eu permanecerei em vós”. Para exprimir a união dos ramos à videira, Jesus emprega o verbo "permanecer", um verbo muito caro a São João. Aqui, na passagem de hoje, ele aparece sete vezes e cerca de quarenta vezes em todo o seu evangelho. Literalmente, o verbo significa " habitar ". A nossa relação com Cristo é a de uma morada mútua: eu nele e ele em mim. São Paulo exprime esta mesma realidade com a expressão "estar em Cristo", que encontramos inúmeras vezes (164) nas suas cartas. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!” (Gálatas 2,20). Permanecer, habitar, estar em Cristo significa estar inserido em Jesus, deixar-se guiar pela sua Palavra, ter a sua maneira de pensar, de sentir e de agir. Este é o fruto de um longo processo de frequentação do Senhor: “Mestre, onde moras? - Vinde e vereis.” (João 1,38).

Passando à concretude da vida, temos de admitir que, infelizmente, perder esta sintonia de coração e de vida com Cristo não é assim tão difícil. Isso pode acontecer de forma quase impercetível e sub-reptícia, e então a adaptação a uma "mentalidade mundana"instala-se. É necessária uma atenção constante aos nossos pensamentos, desejos e interesses. É preciso fazer periodicamente um exame de consciência para ver onde está o nosso coração, pois “onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração.” (Mateus 6,21).

Se alguém permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto”. “A glória de meu Pai é que deis muito fruto”. A expressão "dar fruto" aparece seis vezes nesta passagem do Evangelho. Que fruto é esse? O amor! “É este o seu mandamento: acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como ele nos mandou.” (segunda leitura, 1 João 3,18-24). Só o amor permanecerá, quando a nossa vida for submetida ao fogo da verdade: “A obra de cada um será bem visível, pois aquele dia a tornará conhecida, porque será manifestada pelo fogo, e o fogo provará a qualidade da obra de cada um.” (1 Coríntios 3,13).

Pensemos bem: o Senhor investiu tudo na nossa vida, correndo grandes riscos. Há como que uma simbiose entre a videira e os ramos. Sem a videira, os ramos secam e são queimados, mas sem os ramos, a videira permanece estéril. “Em cada momento da vida, constituímos um argumento a favor ou contra Jesus Cristo” (René Bazin, 1853-1932).

3. A seiva da videira: a nossa relação com o ESPÍRITO SANTO

É o Espírito a seiva da videira. “Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. E sabemos que permanece em nós pelo Espírito que nos concedeu.” (segunda leitura). Cultivar, alimentar a nossa relação com o Espírito é a condição indispensável para levar uma vida cristã fecunda e viçosa. Além disso, uma vez que vivemos numa condição de "diáspora", num contexto de secularismo crescente e de marginalização da fé, não podemos sobreviver sem “a assistência do Espírito Santo.” (primeira leitura, Actos 9,26-31).

Para uma reflexão semanal

Muitas vezes deixamos crescer tantos rebentos que só produzem folhagem. Cultivamos demasiados interesses que absorvem a nossa energia e comprometem a qualidade dos frutos. Há tanta futilidade, trivialidade, interesses efémeros e duplicidade que nos distraem das coisas importantes! Num momento de intimidade com o Senhor, peçamos a coragem de cortar e podar o que está a debilitar a nossa fecundidade

P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, Abril de 2024