Neste Domingo de Páscoa a liturgia celebra a ressurreição de Jesus Cristo e garante-nos que a vida em plenitude resulta de uma existência feita dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto. Deus coloca-nos diante de duas atitudes face à ressurreição: a do discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida não podem, nunca, ser geradores de vida nova; e a do discípulo ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta, a esse não o escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a vida verdadeira.

Páscoa, o Dia sem ocaso

Vigília Pascal - Marcos 16,1-7: “Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou: não está aqui.”
Domingo de Páscoa - João 20,1-9: “Entrou também o outro discípulo: viu e acreditou.”
Missa vespertina - Lucas 24,13-35: “Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite.”

“Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria”, diz o salmo do dia de Páscoa (Salmo 117). Este dia foi desejado, esperado, preparado, mas não fomos nós que o fizemos! É o dia que o Senhor fez! Há coisas, as coisas que realmente importam, que a nossa mão não pode fazer. Este dia é a obra de Deus, a sua obra-prima. Na primeira “semana santa”, a semana da criação, Deus tinha posto ordem no caos, criando o tempo e o espaço, “e eis que era uma coisa muito boa” (Génesis 1,31). Nesta nova semana, a Semana Santa, Deus libertou a sua criação da corrupção da morte, trazendo a eternidade para o tempo. “Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos”, continua o salmista. Sim, uma maravilha com que nunca sonhámos. Cristo, “a Porta”, pôs a terra em comunicação com o céu. A morte já não é a “porta de não retorno”, mas a porta de entrada para o Dia sem ocaso. 

Finalmente, uma coisa nova debaixo do céu!

O que foi será
e o que foi feito será feito de novo;
não há nada de novo debaixo do sol.
Talvez haja algo a dizer:
"Eis que isto é novo"? 
Isso mesmo já aconteceu
nos séculos que nos precederam”. 

(Qoèlet 1,9-10)

Eis, Qoèlet, uma verdadeira NOVIDADE! Um homem, Jesus de Nazaré, que a morte tinha engolido e o túmulo tinha encerrado, saiu vivo, vencedor da morte. Foi no dia 9 de abril do ano 30. Questiona os tempos passados. Nunca tinha acontecido nada assim! O inacreditável aconteceu! E nós somos testemunhas disso! Corremos, pois, com o coração a rebentar no peito, com lágrimas de alegria, depois de lágrimas de desespero, desejosos de dizer a toda a gente: Cristo ressuscitou!

A partir de agora tudo muda. Nada será como dantes! Qoèlet, não odeies mais a vida (2,17)! Não digas mais “Felizes os mortos, que já partiram, mais do que os vivos que ainda vivem” (4,2)! Porque...

A morte e a vida
travaram um admirável combate:
Depois de morto,
vive e reina o Autor da vida...
Sabemos e acreditamos:
Cristo ressuscitou dos mortos!”

(Sequência Pascal)

A partir desse 9 de abril, começou a corrida missionária. “Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Marcos 16,1-7, evangelho da Vigília). E os seguidores do “Caminho” (Actos dos Apóstolos 9,2, etc.), incansáveis - porque o coração feliz nunca se cansa! - continuam a percorrer os caminhos e estradas das “Galileias”, das periferias do mundo, desejosos de comunicar a todos esta Boa Nova: Cristo ressuscitou! 

O Ressuscitado deve ser procurado onde há vida! 

“Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou: não está aqui”. Se “não está aqui”, onde é que o devemos procurar? Onde a vida fervilha! Onde se respira ar novo! Não onde a vida apodrece!...

É de perguntar se o ar novo e primaveril do Ressuscitado é respirado nas nossas igrejas e assembleias. Infelizmente, há que reconhecer que, por vezes, respiramos mal, há um ar viciado nos nossos ambientes eclesiais. Tornámo-nos alérgicos à novidade, não queremos ser desafiados pelo novo, por aquilo que não se enquadra nos nossos velhos padrões de vida e de pensamento. Por vezes, temos a impressão de que as portas e janelas abertas pelo Concílio Vaticano II se fecharam de novo. Não admira, pois, que pessoas inquietas, insatisfeitas com a sociedade atual e à procura de um mundo diferente, vão para outros lugares onde a vida fermenta.

Dizemos que amamos a novidade, mas à nossa maneira. Na realidade, tememos a novidade, porque ela nos inquieta e perturba os nossos ritmos habituais. Preferimos os verbos de repetição: tornar novo o velho. Foi por isso que os dois discípulos de Emaús ficaram desiludidos: “Nós esperávamos que fosse ele quem havia de libertar Israel” (Lucas 24,13-35, evangelho da missa vespertina de Páscoa): Os apóstolos esperavam o mesmo antes da ascensão: “Senhor, será este o tempo em que restaurarás o reino para Israel?” (Actos dos Apóstolos 1,6). O Senhor, porém, não é um “restaurador”, mas um inovador: “Não vos lembreis mais das coisas passadas, não penseis mais nas coisas antigas! Eis que estou a fazer uma coisa nova, que já está a brotar, não a vedes?” (Isaías 43,18-19). 

Oração e votos de Boa Páscoa

“Que a Páscoa vença o nosso pecado, desfaça os nossos medos e nos faça ver a tristeza, a doença, os maus tratos e até a morte, do lado certo: o do "terceiro dia". Desse lado, Calvário aparecer-nos-á como o Tabor. As cruzes parecerão antenas, colocadas ali para ouvirmos a música do Céu. Os sofrimentos do mundo não serão para nós os gemidos da agonia, mas as dores do parto.
E os estigmas deixados pelos pregos nas nossas mãos crucificadas, serão as brechas através das quais já vislumbraremos as luzes de um mundo novo!” (Don Tonino Bello).

Desejo a todos uma boa Páscoa!

P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, Março de 2024

Domingo de Páscoa
João 20,1-9

Aprender a acreditar

José Tolentino Mendonça

Queridos irmãs e irmãos,
Aleluia! Esta palavra hebraica que significa “adorai, louvai, enchei de glória, enchei de louvor” é aquela palavra que habita hoje o nosso coração. Hoje é mais verdade que cada um de nós foi criado para adorar, foi criado para louvar, foi criado para dançar. Tudo o que existe bate palmas, tudo o que respira louva. Porque a vida que nós vimos tão ameaçada, tão retida pelos laços da morte, essa vida soltou-se.

A ressurreição é a reviravolta de Deus. A história escreve-se de outra maneira, não há uma fatalidade. Na Sexta-feira Santa nós sentimos o peso da fatalidade, que tantas vezes é a palavra que nós temos de mastigar devagar ao longo do tempo. Tem de ser, temos de nos conformar, temos de aceitar, temos de viver o vazio, temos de viver essa redução a cinzas, a nada, temos de ver o fogo apagar-se e compreender que é assim, que não há mais nada a fazer. E, quando os discípulos rolaram a pedra sobre o sepulcro, era como se um ponto final tivesse de ser colocado naquela história.

A espiritualidade de Sexta-feira Santa é a espiritualidade de uma vida adulta como a nossa. De uma vida inacabada, de uma vida dilacerada, presa nos seus conflitos, nas coisas irresolúveis da nossa história, sentindo que aquilo que temos de fazer ou que teríamos de fazer é tão superior às nossas possibilidades. Então, o que nós sentimos é as mãos vazias, o que nós sentimos é a conformação de abanar os ombros e dizer “é assim”, de encolher a vida e de aceitar que no fundo a morte ganha sempre. A morte e o que ela significa, porque a morte significa muitas coisas, não é apenas o fim desta vida terrena, é também a pequena morte que nos insinua a morte que é o egoísmo, a morte que é a maldade, a morte que é a violência, a morte que é a indiferença. No fundo, olhamos para o mundo, olhamos para nós próprios e dizemos: tarde ou cedo a morte ganha sempre. E a nossa vida torna-se uma vida ferida, uma vida marcada cada vez mais por uma nudez, vamos ficando cada vez mais vazios, cada vez mais ocos, se calhar cada vez mais conformados com a nudez de Cristo que está pregada naquela cruz.

E há a manhã de Páscoa, três dias depois, quando as coisas são levadas ao limite, quando já não há mais esperança alguma, quando tudo começa a entrar num processo de decomposição e de fim, aquela Madalena vai ao sepulcro e descobre que ele está vazio. Vem a correr doida de alegria, intrigada, dizer aos discípulos e eles põem-se a correr ao sepulcro. Hoje é o dia em que os cristãos correm, correm. Porquê? Porque o sepulcro vazio é inacreditável, é inacreditável! O que nós celebramos na Páscoa é inacreditável, é a verdade mais inacreditável. E ao mesmo tempo é a reviravolta, é o levantamento, é a insurreição, é a história como nós não a tínhamos pensado. E isto para cada um de nós, e isto para o destino do mundo.

Por isso, hoje é o dia de celebrar aleluia, de levantar a cabeça. Hoje é o dia de sentir a leveza, sentir a esperança como um sopro que nos refaz, que nos anima, que coloca um sorriso no fundo da nossa alma porque Ele ressuscitou. Aquele que desceu mais fundo do que se pode descer, Aquele que foi até à aniquilação para abraçar toda a minha ferida, toda a minha fragilidade, toda a minha miséria, levantou-Se. E, quando Ele Se levanta, ele leva-nos aos Seus ombros de bom-pastor; quando Ele Se levanta, Ele leva-nos, segura-nos nas suas mãos de misericórdia; quando Ele se levanta também coloca a minha vida de pé.

O verbo “ressuscitar” quer dizer: ficar de pé, levantar-se. Levantemo-nos! Este é o levantamento mais fácil, mas há um profundo dentro de nós, esse é o verbo “ressuscitar”. Podemo-nos sentar. Para compreender a ressurreição é preciso fazer um caminho. Nós perguntamos: quem foram as primeiras testemunhas da ressurreição? E a quem custou mais não acreditar na ressurreição?

As primeiras testemunhas da ressurreição foram as mulheres. Foram as mulheres porque elas não largavam o sepulcro, porque elas choravam, elas precisavam chorar, porque elas levavam perfumes, porque elas cuidavam, elas queriam cuidar na morte e para lá da própria morte, porque elas queriam ficar ali, porque não tinham nada a perder. Não tinham medo que lhes dissessem: “Tu és Dele, tu és Daquele.” Elas não tinham nada a perder. E, ao mesmo tempo, o testemunho das mulheres também não era válido num tribunal judaico. Então, reparem, aquelas que amam, aquelas que não têm medo de correr o risco de amar, aqueles e aquelas que cuidam, aqueles que permanecem são os primeiros a testemunhar o mistério da ressurreição.

Como é que nós vamos tatear a verdade da ressurreição? Se nos colocarmos na fronteira do amor, na fronteira do cuidado, na fronteira do serviço, se permanecermos fiéis à memória do amor e habitarmos esse lugar continuamente, se perdermos o medo de amar então nós vamos ser os primeiros testemunhas da ressurreição. E são elas, como diz o Papa Francisco, Madalena, seguindo a tradição dos Padres da Igreja, “Madalena, a apóstola dos apóstolos”, vai chamar Pedro e João e eles vêm a correr. E eles também têm de fazer o caminho para compreender. Então, há dois verbos. Há o verbo “ver”, e o que é que eles vêm? Veem o sepulcro vazio, vêm as ligaduras caídas, vêm o sudário dobrado. Este é o primeiro verbo, o verbo “ver”.

Os nossos olhos também veem e veem o vazio, veem o silêncio, veem esse lugar refulgente da ausência, veem o invisível, mas esta visão é para podermos acreditar. E o grande trabalho da ressurreição é acreditar, acreditar. Quem ama, quem cuida, quem permanece fiel, quem perfuma a vida dos outros, quem não abandona, quem habita o lugar da vizinhança, o lugar da proximidade acredita, acredita, aprende a acreditar. E é isso, queridos irmãos, que a Páscoa pede de cada um de nós: que aprendamos a acreditar. A acreditar que a vida é maior do que a morte, a acreditar que Deus repara as feridas, que Deus é capaz de salvar o insalvável, que para Deus não há o irrecuperável, que Ele é capaz de fazer e recriar e reconstruir, porque Ele é o Deus da vida. A ressurreição, o sepulcro vazio, é essa irrupção de vida – torna-se fonte, manancial, surto. É dessa fonte que nós temos de nos alimentar para encher a nossa vida de gestos, de olhares, de caminhos, de viagens, de projetos, de pactos. Porque a ressurreição tem de ser vida que nos atravessa.

S. Paulo na Carta aos Colossenses tem uma das mais belas formulações da Igreja antiga, ele diz: “Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus para que ela, com Cristo, se possa manifestar.”

Queridos irmãos, nós celebrámos o Tríduo Pascal e o que é que fizemos? Morremos com Cristo. E nesta Eucaristia nós morremos com Cristo, o homem velho, a mulher velha que subsiste dentro de nós, nós queremos deixar com Cristo o homem da impureza, queremos que morra com Cristo para que possamos renascer com Ele para a vida. Os cristãos sentiram uma coisa quase insolente, pelo menos muito insólita, eles acreditavam que o Espírito do Ressuscitado estava com eles. Nós aqui, não estamos apenas a celebrar um facto de há dois mil anos. Não, nós estamos a estremecer, como a haste de uma flor estremece ao vento. Nós estamos a brilhar, como quando uma luz se acende no interior. Porquê? Porque já não somos só nós, já não contamos apenas com as nossas forças, já não vivemos apenas a nossa pequena história, o Ressuscitado está connosco, o espírito do Ressuscitado hoje desce sobre nós. E Ele também nos transforma, Ele também opera a grande reviravolta, a grande transformação na nossa vida. Hoje, quando nos voltarmos a levantar seremos mulheres e homens novos.
José Tolentino Mendonça, Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor
http://www.capeladorato.org

Páscoa e Missão
da paixão de Cristo à ressurreição do homem

João 20, 1-9

Reflexões
Entramos na Festa com um trecho pascal do Evangelho de João. A chegada de alguns peregrinos gregos a Jerusalém, na iminência da última Páscoa de Jesus, tem o efeito de uma explosão luminosa sobre o mistério que se aproxima. Aqueles peregrinos têm um pedido no coração e nos lábios: «Queremos ver Jesus» (Jo 12,21). Eram pessoas de língua e cultura helénica, convertidos ou simpatizantes do judaísmo. O seu desejo tem um profundo sentido missionário. O pedido vai muito além da curiosidade de conhecer a estrela do momento. Eles pertencem a um outro povo, vêm de longe, a viagem foi cansativa, trazem no coração motivações espirituais… Querem ver Jesus: não para um cumprimento fugaz, mas para conhecer a identidade, captar a sua mensagem de vida. No relato de João, há outros pormenores vocacionais e missionários: para chegar até Jesus, por vezes é preciso guias, acompanhantes. Aqueles peregrinos procuram intermediários da sua cultura, Filipe e André, os únicos de entre os apóstolos com nomes gregos.

Aqueles peregrinos gregos assumem um valor emblemático: juntamente com outras pessoas de origem não hebraica (como o centurião de Cafarnaúm, a mulher cananeia e outros), são as primícias dos povos distantes, chamados também eles a pôr-se a caminho pelas sendas do Senhor. A aspiração a mudar de vida, a conhecer o verdadeiro Deus, e porventura a encontrar Cristo, está inscrita no coração de cada pessoa. É um desejo que perpassa os séculos, atravessa pessoas, povos, culturas; algumas vezes é explícito, outras vezes é implícito, intuitivo, indescritível, por vezes confuso, fragmentário, contraditório, mas é sempre um grito que brota do profundo da vida. São verdadeiros SOS do espírito, pequenos e eloquentes como um sms… Mais do que palavras, por vezes gritam os gestos, as situações, os sofrimentos, as tragédias, os silêncios…

«Queremos ver Jesus!» Ele responde ao pedido dos peregrinos gregos, anunciando que chegou a sua hora, a hora de ser elevado da terra para atrair a si (Jo 12,32), para que todos os povos cheguem à vida em plenitude. A hora do grão de trigo, que morre para dar muito fruto (Jo 12,24). Aqui há um dado autobiográfico: o grão que morre para dar a vida é o próprio Jesus. Ele está a falar de si e mostra o único caminho que conduz à vida: passar pela morte e ressurreição. Só quem percorre este itinerário será depois capaz de anunciar a outros o Cristo morto e ressuscitado. O evangelista João indica quem é capaz de mostrar Jesus aos outros: são os apóstolos, aqueles que, depois de ter encontrado pessoalmente o Ressuscitado, anunciam com alegria pascal: «Vimos o Senhor!» (Jo 20,24). Para o evangelista João todo o arco da Missão está encerrado nestas duas frases: «Queremos ver Jesus!» e «Vimos o Senhor!» O percurso está completo em todas as suas fases: início, encontro, diálogo, crescimento, maturidade, alegria, irradiação…

Quem dará resposta a tantas expectativas? A resposta é confiada a homens e mulheres, que somos nós cristãos, testemunhas do Ressuscitado. Não bastará uma resposta teórica ou a repetição de uma fórmula; a resposta missionária deve partir do conhecimento amoroso, da conversão e adesão a Cristo. Os cristãos, os missionários devem poder afirmar, como os apóstolos depois da ressurreição: «Vimos o Senhor!» (Jo 20,24). «O apóstolo é um enviado, mas é, ainda antes, um conhecedor de Jesus» (Bento XVI). Também ele deve tornar-se um grão de trigo que morre para dar vida. Só assim poderá anunciar o Evangelho com credibilidade e eficácia. (*)

Da experiência de uma vida nova em Cristo nasce o empenho missionário do anúncio e da partilha. Desde que Cristo ressuscitou, há um novo modo de relacionar-se: com Deus, com os seres humanos, com o cosmos, com as forças do bem e com as do mal… Uma vida melhor é possível graças ao empenho daqueles que acreditam em Cristo, morto e ressuscitado, e aceitam empenhar-se pela causa do homem.

Acreditar na ressurreição de Cristo leva a empenhar-se pela ressurreição do homem. O tema da ostensão do Sudário, que tem lugar em Turim (10 de Abril a 23 de Maio de 2010), contém um forte pendor humano e missionário: «Paixão de Cristo – Paixão do homem». Cristo, homem das dores, continua hoje a sua paixão nas dores do homem. De cada pessoa. Pela sua paixão e ressurreição, Cristo torna-se protótipo da nova família humana que nasce da Páscoa: é a família dos ressuscitados. Hoje, para leigos, religiosos e padres, fazer Missão é colaborar com o Espírito do Ressuscitado, para que a ressurreição de Cristo se torne ressurreição do homem. Assim a contemplação da paixão de Cristo não é dirigida só ao passado, mas torna-se empenho para o pressente e para o futuro: desagua necessariamente num renovado empenho missionário!

Palavra do Papa
O silêncio de Jesus na sua Paixão é impressionante. Vence inclusivamente a tentação de responder, de ser «mediático». Nos momentos de escuridão e grande tribulação, é preciso ficar calado, ter a coragem de calar, contanto que seja um calar manso e não rancoroso. A mansidão do silêncio far-nos-á aparecer ainda mais frágeis, mais humilhados, e então o demónio ganha coragem e sai a descoberto. Será necessário resistir-lhe em silêncio, «conservando a posição», mas com a mesma atitude de Jesus. Ele sabe que a guerra é entre Deus e o príncipe deste mundo, e não se trata de empunhar a espada, mas de permanecer calmo, firme na fé. É a hora de Deus… O nosso lugar seguro será sob o manto da Santa Mãe de Deus. E enquanto esperamos que o Senhor venha e acalme a tempestade (cf. Mc 4, 37-41), com o nosso testemunho silencioso e orante, demos a nós mesmos e aos outros a «razão da esperança que está em [nós]» (1 Ped 3, 15). Isto ajudar-nos-á a viver numa santa tensão entre a memória das promessas, a realidade do encarniçamento palpável na cruz e a esperança da ressurreição.
Papa Francisco, Homilia do Domingo de Ramos – 14/09/2019

Boa Páscoa a todos!
P. Romeo Ballan, MCCJ

Primeiro às discípulas, depois a Pedro
Enzo Bianchi

ressuscitou

Há três dias, seguimos Jesus na sua paixão, morte e sepultamento, e agora somos postos diante do indizível, do humanamente impossível, de um evento que parece incrível ao mundo. Um evento diante do qual cada um de nós, na santa noite de Páscoa, sente o coração oscilar entre a adesão ao relato ouvido e a dúvida, entre fé e incredulidade. Mas essa nossa condição não é diferente da dos discípulos e das discípulas naquele terceiro dia após a morte de Jesus. Porque a morte é a morte, é o fim concreto da vida, das relações, dos olhares, dos afetos: quando alguém morre, morre inteiramente, e tudo morre com ele…

O Evangelho segundo Marcos, mais do que os outros, nos coloca diante da morte de Jesus como uma morte falimentar, enigma que até mesmo para Jesus se tornou fatigantemente mistério. A morte de Jesus pareceu a desmentida de tudo aquilo que ele havia dito e feito. Ele pregava a vinda do reino de Deus: e agora onde estava esse reino, onde aparecera? Ele havia curado e libertado algumas pessoas: mas agora doentes, prisioneiros, desafortunados continuavam como antes. Ele tinha amado homens e mulheres, havia-os tornado uma comunidade: e agora todos haviam fugido, e aquela barraca de comunidade parecia ter caído aos pedaços…

O dia depois do sábado foi para aqueles homens e para aquelas mulheres uma aporia, um vazio, um espaço em que não se encontravam mais os fios do sentido e do significado daquilo que tinham vivido. E, para alguns deles – Pedro, o discípulo amado, Maria de Magdala – ocorrera o fim de uma história de adesão, de convivência repleta de amor.

Aquele sábado, que nós chamamos de Sábado Santo, parecia ser para eles um inferno no qual a potência do mal, do daimónion e do diábolos parecia reinar ainda ou, melhor, parecia ter sido capaz de apagar toda esperança. Foi um sábado de silêncio extremo. Nada a dizer; para o evangelista, nada a contar: aquele evento da morte e do sepultamento de Jesus fazia com que uma vida terminasse? Não, a vida autêntica que eles tinham vivido, entre fadigas, contradições e inadimplências, havia sido uma vida compartilhada com Jesus, repleta de sentido: uma vida em que o amor vivido não podia se apagar!

Quando aquele sábado passou, nas horas depois do pôr-do-sol, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e Salomé, algumas mulheres discípulas vão comprar óleos, bálsamo, perfumes para ungir o corpo cadáver de Jesus deposto no túmulo. Maria de Magdala havia acompanhado o corpo morto de Jesus da cruz ao túmulo e havia observado bem aquele antro. Agora, de manhã cedo, as mulheres discípulas voltam ao túmulo quando o sol já se levantou. Que sol se levantou? O sol que havia surgido do alto e havia visitado o seu povo (cf. Lc 1, 78)? É “o sol da justiça” (Ml 3, 20) que já se levantou?

Os pensamentos dessas mulheres vão para a pedra, a grande pedra posta como porta, como proteção do antro, mas, já perto do túmulo, veem a pedra já removida. O túmulo, portanto, está aberto! Como? Por quem? E eis que as mulheres “viram um jovem, sentado do lado direito, vestido de branco. E ficaram muito assustadas” (Mc 16, 5).

Elas pensavam em ver o cadáver e, em vez disso, veem um jovem.

Elas pensavam em ver um lençol que envolvia o morto e, em vez disso, veem um vivente vestido de branco.

Elas pensavam em ver um morto estendido no chão e, em vez disso, veem um homem sentado à direita: à direita de quem? Alguém colocou esse jovem à sua direita, dizendo-lhe: “Senta-te à minha direita” (Sl 110, 1).

As mulheres ficam surpresas, literalmente: “São tomadas de estupor” (exethambéthesan). Marcos conhece um rico vocabulário para falar do susto: em poucos versículos, ele usa pelo menos quatro termos para descrevê-lo. Aqui, precisamente, registra susto-estupor.

Logo depois, o jovem fala às mulheres repetindo o mesmo verbo: “Não fiquem assustadas, assombradas!”. Depois continua: “Vocês estão procurando Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” (Mc 16, 6). Eis a voz do intérprete que apareceu, a voz do mensageiro de Deus, a voz daquele que lê em voz alta aquilo que as mulheres veem sem saber expressar. É uma voz que vem de Deus, é a voz do Senhor sentado à direita de Deus, é a voz de quem já “foi tirado”, como em uma ascensão ao céu, pela mão de Deus que o tomou consigo e o tornou vivo para sempre.

Acima de tudo, a voz convida a não se assustar, a não ter medo. Nós temos medo ou, melhor, somos tentados pelo medo: de fato, a maioria dos medos é inventada por nós e nasce da nossa imaginação, nutrida por nós mesmos. É significativo que o nosso primeiro sentimento, testemunhado e confessado pela Bíblia “no princípio”, é o medo de Deus. À pergunta de Deus: “Adão, onde estás?”, o homem responde: “Ouvi teus passos no jardim e tive medo” (cf. Gn 3, 9-10). Medo de Deus, e pensem em quantos esforços para pregar um Deus que incutisse medo; quantas ações, até mesmo por parte da Igreja, para impor um Deus que desse medo aos homens e às mulheres…

Depois, há o medo uns dos outros, começando pela vida familiar, na qual medos aparecem, nascem e depois crescem, enxertando-se para sempre: às vezes motivados, às vezes criados por nós mesmos para justificar as nossas covardias, as nossas incapacidades de sermos responsáveis. Não nos esqueçamos: o medo é sempre contra a responsabilidade e nasce da falta do exercício da consciência, da vida interior. E, assim, medo da vida, do futuro, da terra…

É preciso lembrar, a esse respeito, uma passagem decisiva da Carta aos Hebreus, aquele em que o autor diz que “por medo da morte, nós, homens e mulheres, somos alienados, sujeitos à escravidão por toda a vida” (cf. Hb 2,15), portanto, induzidos ao mal, ao pecado. E muitas vezes esses medos levam à arrogância que busca apenas escondê-los. Eis porque a voz do intérprete do túmulo vazio diz às mulheres: “Não tenham medo!”. É a condição necessária para viver, para viver com os outros discípulos e discípulas; e assim, vivendo juntos, poder crer e esperar.

Poder crer no indizível: o crucificado na vergonha e na infâmia está à direita do Pai, está vivo, foi levantado novamente da morte! O lugar da deposição, que já é um não lugar, dá testemunho disso. Justamente Maria de Magdala, que, na noite de sexta-feira, “ficou olhando onde Jesus tinha sido colocado” (cf. Mc 15,47), agora vê o vazio. Sim, chegou a hora em que o Noivo foi tirado (cf. Mc 2,20), como Jesus tinha dito. Chegou a hora em que o Nazareno, o Crucificado, foi novamente levantado do túmulo, foi ressuscitado por Deus e já vive em Deus como ressuscitado da morte. Chegou a hora, para Maria e as outras mulheres, de ir ao encontro dos discípulos, especialmente de Pedro, para lhes dizer que Jesus os precede na Galileia; lá, todos o verão, as discípulas e os discípulos, como Jesus havia prometido (cf. Mc 16,7).

Todos devem simplesmente ir atrás de Jesus (opíso mou: Mc 1,17; 8,33.34), todos devem seguir Jesus (cf. Mc 1,18; 2,14-15 etc.), porque ele caminha na frente, abre o caminho. Basta ficar atrás dele: até à cruz, mas também até à direita do Pai!

E eis a conclusão do Evangelho segundo Marcos: um final decepcionante, tanto que, talvez, mais tarde, se pensou em acrescentar pelo menos três finais diferentes, em três manuscritos diferentes (cf. Mc 16,9-20). Mas a conclusão original é a seguinte: as mulheres “saíram do túmulo correndo, porque estavam com medo e assustadas. E não disseram nada a ninguém, porque tinham medo” (ephoboûnto gár)” (Mc 16,8). Medo, tremor, ékstasis, estupor! É difícil explicar esse final e constatar o medo? Sim, podemos dizer pouco…

Mas esse versículo é mais para nós do que para as mulheres discípulas: nós temos medo da ressurreição de Jesus? Estamos estupefatos com ela? Temos temor, o santo temor de Deus, ao anunciá-la? Se temos esse temor, certamente não caímos na arrogância de quem supre a própria fraqueza de fé gritando a ressurreição de Jesus… Pensemos em nós, na nossa Igreja: há quem tem muito medo de não dizer o que é, um discípulo de Jesus; e há quem é arrogante e gostaria de impor aos outros uma fé que ele não sabe carregar.

Interroguemo-nos, portanto, sobre a nossa fé na ressurreição de Jesus e acolhamos a palavra: “Não temam, não tenham medo! Jesus, o Nazareno, o Crucificado, ressuscitou!”
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