Notemos em primeiro lugar que o Reino de Deus, o poder divino sobre todas as coisas, apresenta-se como uma festa: os trabalhos cessam, para se entregar à alegria. Pensemos nas núpcias do Cordeiro, em Apocalipse 21. Núpcias de Deus com a humanidade, para que, com Ele, tornemo-nos uma só carne. Nesta parábola, somos apenas convidados, mas outros textos dirão que fazemos somente um com o Filho. Em todo caso, aqui somos convidados para um banquete.

Convites recusados, convites aceites e convites traídos

“Tudo está pronto, vinde às bodas!”
Mateus 22,1-14

Há cinco domingos que Jesus nos fala por parábolas. A parábola de hoje é a terceira dirigida aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos do povo. De facto, parece que se trata de duas parábolas juntas: a do banquete aberto a todos (vv. 1-10) e a do traje nupcial exigido a todos (vv. 11-14).

Habituámo-nos ao gênero parabólico frequentemente utilizado por Jesus, mas não devemos esquecer que, por detrás da aparente simplicidade da sua mensagem, a parábola exige de nós um duplo esforço: a sua compreensão no contexto cultural-histórico-bíblico do tempo de Jesus e a sua aplicação à nossa vida atual. 

1. Uma parábola estranha e improvável!

Trata-se de uma parábola e, portanto, de um relato simbólico em vista da transmissão de uma mensagem. Mas São Mateus reinterpreta esta parábola de Jesus em função da sua comunidade, tornando-a complexa e improvável. Para o compreender, basta ler a versão de S. Lucas, com uma intenção catequética diferente, onde a mensagem é muito simples e direta (ver Lc 14,15-24, talvez inspirada em algo que aconteceu realmente!).

A nossa parábola de hoje trata de um banquete preparado por um rei para as bodas do seu filho, portanto uma circunstância de festa e de alegria. Ora, são introduzidos na história três elementos anómalos que contrastam com o ambiente festivo: a rejeição e até a reação violenta dos primeiros convidados; o envio do exército para matar os assassinos e incendiar a sua cidade; e, quando a sala está cheia de novos convidados, a intervenção dura do rei ao ver que um dos convidados não trazia a túnica nupcial. Como compreender a parábola?

Mateus apresenta a história da salvação sob forma alegórica, utilizando uma linguagem provocante. Não esqueçamos que Jesus está a falar aos chefes religiosos de Israel. Os dois primeiros grupos de servos da parábola representam os profetas enviados ao povo de Deus (antes e depois do exílio?). A destruição da cidade é uma alusão à destruição de Jerusalém (a cidade “que mata os profetas!” Mateus 23,37), primeiro pelos babilónios, no ano 587 a.C., e depois pelos romanos, no ano 70 d.C. 

O terceiro grupo são os apóstolos enviados ao mundo para convidar todos a entrar na festa do Reino. A adição do homem despojado da sua veste nupcial é um aviso à comunidade cristã.

Qual é a mensagem da parábola? A primeira parte revela o chamamento universal de Deus, agora dirigido a todos os homens, maus e bons, sem excluir ninguém. Já não existe um povo eleito e uma nação privilegiada, mas todos são chamados: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura”. Assim, cumpre-se o que Isaías profetizou: “Sobre este monte, o Senhor do Universo há de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos deliciosos: comida de boa gordura, vinhos puríssimos” (ver primeira leitura, Isaías 25,6-10). A segunda parte, porém, sublinha que não basta aceitar o convite, é preciso converter-se, isto é, sintonizar-se com a alegria das núpcias do Filho do Rei e entrar em convívio com todos os comensais. Concentremos a nossa atenção nesta dupla mensagem.

2. Um convite para o banquete: Vinde às bodas!

Preparei o meu banquete..., tudo está pronto. Vinde às bodas!”
Toda a Sagrada Escritura poderia ser relida à luz do convite: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Carta aos Hebreus 1,1-2). É um convite a celebrar, a alegrar-se, a participar na vida de Deus, nas suas núpcias de amor com a humanidade. Infelizmente, a visão dominante da vida como sofrimento e sacrifício deturpou a nossa relação com Deus e a prática da fé.

Não admira, pois, o triste espetáculo das nossas igrejas vazias, como a sala vazia da parábola. O convite não é entendido como uma chamada para um banquete. A Eucaristia é uma antecipação do banquete celeste das núpcias do Cordeiro. O Pai convida, o Filho celebra, mas onde está o Espírito? Muitas vezes o Espírito é deixado do lado de fora da porta. É por isso que falta a alegria e o entusiasmo. Sem o Espírito não há festa! Sem o Espírito não há convívio. E vê-se quando o Espírito está presente: o rosto fica radiante, a alegria da festa contagia, as pessoas aproximam-se porque a festa une as pessoas! Em vez disso, tem-se muitas vezes a impressão de que a celebração é um “ato de devoção” privado, cada um com o “seu Deus”, consumindo a “refeição” por sua conta. Comunicamos ao corpo de Cristo, mas não comunicamos uns com os outros!

Eis a conversão urgente da Igreja: abrir as portas à novidade, à juventude e à alegria do Espírito Santo. Então, cada convidado tornar-se-á um “anjo”, um enviado, um apóstolo, um missionário, e a sala do banquete encher-se-á! 

3. Onde está o teu traje nupcial?

Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?”
O que é o traje nupcial? Muitos pensam na retidão moral ou no compromisso cristão. Santo Agostinho e São Gregório Magno dizem que é a caridade. Outros, a indumentária de serviço, isto é, despojar-se do seu traje para servir, como Cristo fez para lavar os pés dos apóstolos. De facto, “Cristo despojou-se” e, nu, celebrou as suas bodas com a humanidade na cruz. Para mim, é mais natural pensar na túnica batismal. Parece que, no antigo Oriente, o rei também oferecia a veste nupcial aos seus convidados. No Génesis, é o próprio Deus que cobre a nudez dos nossos antepassados (3,21) e, no Apocalipse, a noiva (a Igreja, ou seja, nós!) recebe “um vestido de linho resplandecente e puro”  (19,8). 

O convidado apanhado sem o traje nupcial pode ser aquele que não acolhe a novidade de Cristo, limitando-se a pôr um remendo de pano novo num vestido velho (Lc 5,36). Em conclusão, o traje nupcial é o próprio Cristo: “Todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo” (Gálatas 3,27). É por isso que São Paulo nos exorta: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Romanos 13,14).

Para a nossa reflexão pessoal

Reflectamos sobre as nossas recusas perante os numerosos convites e apelos de Deus na nossa vida. Como é que participamos no banquete eucarístico, com ou sem o Espírito, com o traje nupcial ou com túnica remendada? Estamos dispostos a ser “anjos” do convite?

P. Manuel João Pereira, Comboniano
Verona, Outubro de 2023

Mateus 22,1-14

O número dos «escolhidos»

Referências bíblicas
  • 1ª leitura: O Senhor dará um banquete, eliminará a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces (Isaías 25,6-9)
  • Salmo: Sl. 22(23) – R/ Na casa do Senhor habitarei eternamente.
  • 2ª leitura: “Tudo posso naquele que me dá força” (Filipenses 4,12-14.19-20)
  • Evangelho: “Convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mateus 22,1-14 ou 1-10)

Convidados para a festa

Notemos em primeiro lugar que o Reino de Deus, o poder divino sobre todas as coisas, apresenta-se como uma festa: os trabalhos cessam, para se entregar à alegria. Pensemos nas núpcias do Cordeiro, em Apocalipse 21. Núpcias de Deus com a humanidade, para que, com Ele, tornemo-nos uma só carne. Nesta parábola, somos apenas convidados, mas outros textos dirão que fazemos somente um com o Filho. Em todo caso, aqui somos convidados para um banquete. Sabemos a importância do alimento na Bíblia.

Este tema é abordado desde o primeiro capítulo de Gênesis, no versículo 29. E continua: logo no capítulo 2, lemos que quem come do fruto da árvore proibida, para fazer a experiência do mal, morrerá. No outro extremo da Bíblia, as coisas se invertem. Temos ali uma nova árvore, na qual se afixa o espetáculo do nosso mal, da nossa loucura homicida, e a revelação do bem absoluto, do amor que leva o Filho a dar a própria vida, para que dela vivamos. Desta vez, ao contrário de Gênesis 2, quem come do fruto desta árvore viverá, e quem se recusa a comer dele, morrerá (reler João 6). Não precisamos retomar todos os textos das Escrituras que colocam o tema do alimento e da refeição em primeiro plano, como o Maná, a mesa preparada no deserto de sede e de fome (Salmo 78,29). Concentremo-nos somente em que a cruz é o leito nupcial das bodas do Filho com a humanidade, e que o banquete de núpcias torna-se Eucaristia, ou seja, Ação de Graças.

Os convites

Acabo de dizer que somos ao mesmo tempo os convidados e os esposados. Quando dizemos

«esposados», queremos insistir em que, no Filho, Deus vem fazer Sua a nossa carne. E quando dizemos «convidados», queremos sublinhar que isto não se produz sem o assentimento da nossa liberdade. É preciso que, de nossa parte, haja um deslocamento em resposta ao «deslocamento» realizado por Deus, que veio juntar-se a nós. É indispensável o nosso «sim», como eco do «sim» de Maria no «relato» da Anunciação. Nesta parábola, nos é dito que os primeiros convidados, os que o Rei havia escolhido, recusaram o convite. Não vamos esquecer que, desde o princípio do capítulo 21, Jesus está se dirigindo aos sumos sacerdotes, aos anciãos do povo e aos fariseus. Temos aí os convidados que se esquivaram. No lugar deles, estarão presentes nas núpcias todos os desconhecidos, recrutados nas “encruzilhadas dos caminhos” das cidades e dos campos. “Todos os que encontrardes”, diz o texto, fazendo questão de precisar, “maus e bons”. O que pode surpreender! Mas, no fundo, a questão não está em ser bom ou ser mau: quem verdadeiramente pode pretender-se bom? De fato, a questão está em responder ou não responder ao convite: convite que é endereçado a todo o mundo. Recusar corresponde a desprezar o dom de Deus: dom de Si mesmo. Os primeiros convidados não se interessaram pelas núpcias propostas. Chegaram até mesmo a matar os que lhes transmitiram o convite. Prelúdio ao homicídio do Filho e de muitos que, mais tarde, irão anunciar o seu Evangelho.

O traje de festa

Surpreendente este Jesus. Poderíamos crer que a parábola terminaria com o convite aos que não têm nenhum título a fazer valer, para participarem do banquete de núpcias. E, no entanto, eis que se abre um novo capítulo; o da expulsão do homem que não se encontra vestido com o traje de festa! Alguns comentaristas falaram em «estado de graça», em retidão moral, etc. Penso que, de novo, é preciso evocar o tema das vestes no conjunto da Bíblia, sem mais inconvenientes que os de omissão e de resumo. É um tema que começa logo no início: em Gênesis 3, fala-se da vergonha de Adão e de Eva quando descobrem estarem nus. Nudez simbólica, com certeza: haviam projetado fazerem-se «como Deus» (versículo 5), e eis que se descobrem como a serpente (o «astuto», do versículo 1, pode também ser traduzido por «nu».) Despojados e sem defesa. É Deus quem finalmente os vestirá com “túnicas de pele” de animal: ei-los assim de volta à imagem desta animalidade que deveriam dominar. No outro extremo do relato bíblico, pregado na cruz, vamos encontrar o homem nu: seus algozes o haviam desnudado e repartiram entre si as suas vestes. A nudez, portanto, é o traje de festa que o Cristo usa em seu leito de núpcias com a humanidade. Penso ser a partir daí que devemos interpretar a imagem do homem excluído do banquete, nesta parábola. Não podemos alcançar a unidade com Deus a não ser se desprovidos de tudo, despojados, sem nenhum título que fazer valer. O dom de Deus não pode ser senão totalmente gratuito.

A reflexão é de Marcel Domergue. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
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