Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e Eu vos darei alívio. Vinde, dar-vos-ei alívio. E não vos vou já apresentar um novo catecismo, regras superiores, mas o conforto do viver. Duas mãos nas quais apoiar a vida cansada e retomar o fôlego da coragem. O meu jugo é suave, e o meu peso é leve: palavras que são música, boa notícia. (...)
Quem é o teu… cônjuge?
Mateus 11,25-30
Depois do discurso missionário (Mateus 10), encontramos agora uma secção narrativa (Mateus 11-12), seguindo o procedimento literário caro a Mateus de alternar discursos e narrações. Esta secção narrativa é caracterizada por uma atmosfera de tensão crescente. Jesus apercebe-se de que a sua mensagem e a sua obra não são compreendidas: João Batista duvida do seu messianismo; o povo revela-se inconstante como as crianças; as cidades junto ao lago, onde tinha feito tantos milagres, não se convertem; escribas e fariseus opõem-se-lhe… Jesus vê-se assim confrontado com o insucesso e a perspetiva do fracasso! É este o contexto trágico do trecho evangélico de hoje.
O texto compõe-se de três parágrafos distintos: no primeiro, a oração de louvor que Jesus dirige ao Pai: Jesus e o Pai; no segundo, a relação estreita entre o Pai e o Filho; no terceiro, a relação entre Jesus e nós, com o convite a ir ter com ele.
A passagem, em grego, começa de forma estranha: “Naquele tempo, Jesus, respondendo, exclamou…”, mas antes não encontramos nenhuma pergunta! Dir-se-ia que Jesus responde à pergunta que esta situação de aparente fracasso da sua missão lhe coloca! E qual é a resposta? “Eu Te bendigo, ó Pai”!
1. Jesus desiludido, mas não desanimado!
Perguntamo-nos: como é que Jesus, neste contexto de oposição e de fracasso, reage com uma oração de louvor, com o seu “magnificat”? Jesus não se deixa abater, não desanima, como nós teríamos feito. Mesmo que tenha ficado desiludido com a falta de fé de tantos dos seus ouvintes e espectadores dos seus milagres. Jesus elabora esta situação na oração, em conversa com o Pai, e descobre que o Pai realiza o seu projeto de amor, não através dos sábios e dos doutores, mas com os pequeninos.
Esta é uma situação muito atual. Assistimos ao abandono de tantos cristãos e à marginalização da fé cristã na cultura ocidental, e perguntamo-nos para que serve o anúncio do Evangelho num tal contexto. Talvez também nós nos sintamos desiludidos com as promessas de Deus que tardam em realizar-se! Envelhecemos com a esperança de uma Igreja renovada… E a tentação da resignação, do desânimo, do pessimismo cínico… é forte. Jesus convida-nos à coragem da oração para discernir de onde e para onde sopra o Espírito!
2. Novo apelo, para todos: Vinde, tomai, aprendei!
Jesus sai do seu encontro com o Pai reconfirmado na sua missão messiânica: “Tudo me foi dado por meu Pai”. E recomeça com os pequeninos: “Vinde a mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”.
Quem é este povo cansado e oprimido? Aqueles que estavam sob o jugo da Lei. Para a tradição rabínica, de facto, o jugo era a imagem da Lei: os 613 preceitos tirados da Escritura e os milhares de prescrições menores. Além disso, o jugo representava a escravatura, pois eram geralmente os escravos que o utilizavam para transportar cargas pesadas (ver Levítico 26,13).
Jesus convida a quebrar esse jugo e a ir ter com ele para encontrar o repouso, isto é, o descanso prometido por Deus ao seu povo (ver carta aos Hebreus cap. 3-4). Depois, porém, convida-nos a tomar o seu jugo e a aprender com ele, “manso e humilde de coração”. Que podemos aprender com ele, um mestre de coração manso e humilde, que não faz como os escribas e fariseus que “atam fardos pesados e difíceis de suportar e os põem aos ombros dos homens” (Mateus 23,4), estamos certos, mas não esperaríamos esta associação entre jugo e descanso.
O que é este jugo de Jesus? O jugo era um instrumento de madeira que unia dois animais, para arar ou puxar uma carroça. O jugo de Jesus é a cruz, aquela que ele carregou por nós, por isso é a nossa cruz, é o nosso jugo! Jesus é o Cireneu que está ao nosso lado. Ele é o nosso companheiro, o nosso… cônjuge! Sim, porque o termo cônjuge vem do latim “cum-iugum”, isto é, carregar o mesmo jugo, partilhar a mesma sorte, “conjugar”! Trata-se, portanto, de uma imagem esponsal!
Jesus afirma: “O meu jugo é suave e a minha carga é leve”. Porque é que é suave? Porque é o jugo do amor! Como é que é leve? Porque ele o carrega connosco!
Perante este convite de Jesus, há duas tentações. A primeira é a de querer quebrar todo o jugo, todo o vínculo, a todo o custo, incluindo o jugo “suave e leve” do amor. Como o falso profeta Ananias, que quebrou o jugo simbólico de madeira de Jeremias, prometendo ao povo liberdade e prosperidade. O que é que pode acontecer neste caso? Encontrar-se com um jugo de ferro! (ver Jeremias 28).
A segunda tentação é confiar no jugo de novas leis para garantir a ordem e o poder, seja no domínio social, eclesiástico, familiar ou de qualquer outro tipo. Com a consequente derrota da liberdade, da solidariedade e do amor!
Exercício de reflexão semanal
– Como é que eu reajo aos fracassos e às desilusões?
– Quem é o meu “cônjuge” no carregar da cruz: Cristo ou o novo ‘messianismo’ actual?
– “Quero agradecer-Te, Senhor, pelo dom da vida. Li algures que os homens são anjos com uma só asa: só podem voar se forem abraçados. Por vezes, em momentos de confiança, atrevo-me a pensar, Senhor, que também tu tens uma só asa. A outra manténs escondida: talvez para me fazeres compreender que não queres voar sem mim”
(Don Tonino Bello)
P. Manuel João Pereira, Comboniano
Castel d’Azzano (Verona), Julho de 2023
Vinde a mim, dar-vos-ei alívio
Referências: 1ª leitura: Zacarias 9,9-10; 2ª leitura: Romanos 8,9.11-13; Evangelho: Mateus 11,25-30
“Vós encontrareis descanso”
A primeira leitura nos convoca à alegria e o evangelho nos promete o descanso. São textos que se inscrevem na longa lista de louvores, ações de graças e exultações que encontramos na Bíblia. Todas as Escrituras são portadoras de uma boa nova, a boa nova do poder do amor que nos faz existir, que nos acompanha em todos os nossos percursos e nos encaminha para a vitória da vida.
Por que repetir isto? Porque há uma parte de nós que tem medo de Deus. Medo das suas exigências, do peso dos fardos que temos dificuldade em achar leves. Medo da sua «justiça». Isto nos impede de dar o passo decisivo para uma confiança total, para nos abrirmos sem reservas ao amor. E, no entanto, o medo é o contrário da fé. O descanso de que Jesus nos fala é, por um lado, o fim da inquietude, da tensão e das preocupações. Nossos projetos, previsões e disposições sem dúvida se mantêm, mas agora vividos na paz. Até mesmo as nossas falhas não podem abalar a certeza fundamental de que Deus está conosco.
Tudo o que a vida nos propicia de sofrimentos, enfermidades, doenças, decepções etc. não é obra de Deus, não mais que a cruz do Cristo que foi erguida pelos homens. Mas bem aí onde a morte queria reinar, Deus acaba de fazer jorrar a vida. E, desde então, todo fardo pode se tornar leve e se torna de fato, se acreditamos verdadeiramente nesta Presença que nos habita e que nos acompanha na travessia de todos os Mares Vermelhos que temos de transpor.
O fardo leve
Jesus, no evangelho, nos convida a tomar sobre nós o seu jugo. Lembremos que jugo é o instrumento que serve para associar dois animais, tendo em vista a tração de um objeto difícil de mover-se. Sendo assim, estamos «conjugados», somos «cônjuges». O convite para carregar o jugo do Cristo pode nos meter medo, mesmo se apenas para carregarmos junto com Ele.
Isto merece reflexão. De início, não esqueçamos que o fardo da vida será carregado de qualquer modo, com Ele ou sem Ele. Além disso, devemos compreender, sobretudo, que o jugo do Cristo é na realidade nosso. Foi Ele que veio até nós para suportar as nossas misérias, fraquezas e sofrimentos. Veio carregar o nosso fardo, um fardo que não veio dele, que não é o seu, mas que nisto se converteu, em virtude do amor que o fez «renunciar à sua condição divina» (reler Filipenses 2,5-11).
A Cruz não acrescenta nada às nossas cruzes; não é um fardo suplementar que Deus viria acrescentar aos nossos males. Ao contrário, Deus é que vem assumir os pesos que nos arrasam e, exatamente por isso, o fardo pode tornar-se leve. «Pode tornar-se leve», não que automaticamente se torne: mas só se, pelo caminho da fé, aceitamos carregar este jugo que era o nosso, e que se tornou o do Cristo. Não seremos mais, então, os únicos a levá-lo. O fardo torna-se Cruz e, por conseguinte, podemos levá-lo mediante a promessa da travessia pascal.
Sob a moção do Espírito
Deus é o ser imperceptível que é o fundamento de tudo o que existe e que nos dá tudo, mais além até dos nossos desejos os mais desmesurados, mas não nos dá nada apesar de nós. É preciso o assentimento da nossa liberdade. Encontra-se aí o fundamento da nossa dignidade, porque, sem o livre acolhimento do dom que nos é feito, dom que somos nós mesmos, não seríamos imagens da sua liberdade soberana.
A recusa do dom pode assumir muitas formas. Primeiro, o desgosto de viver, a solidão em desespero. Mas também a ilusão de viver por si mesmo, a ignorância, aceita ou mesmo até cultivada, do fato de que viemos dum Outro. A recusa do «Outro» que nos permite ser «Eu». Podemos, sem nenhum artifício, assimilar esta maneira de sermos nós à recusa de levar o jugo com o Cristo.
Na segunda leitura, Paulo chama de carne este fechamento em si mesmo que nos deixa na órbita da morte. A carne é fechamento. Já o Espírito, que tem como símbolos o vento e o pássaro, ao contrário, é abertura. Ele vem nos visitar, vem nos habitar, para fazer-nos sair de nós mesmos. É movimento e liberdade. Ele «sopra onde quer», diz Jesus em João 3,8. Abertura e também movimento. Vôo para um lugar outro, que não podemos adivinhar qual seja, porque é participação na natureza divina. Por isso não é absolutamente necessário ser um intelectual de alto nível nem um teólogo formado: basta ser confiante como uma criança em relação à sua mãe, para acolher o Filho em quem o Pai se revela.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 14º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
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Dois braços abertos,
em vez de um dedo acusador
O que me encanta é Jesus que se maravilha com o Pai. Uma coisa belíssima: o Mestre de Nazaré surpreende-se por um Deus sempre mais fantasioso e inventivo aos seus olhos, que surpreende todos, até o seu Filho.
O que aconteceu? O Evangelho tinha acabado de referir um período de insucessos e problemas: João Batista é preso, Jesus é contestado abertamente por representantes do templo, as povoações em redor do largo, após a primeira onda de entusiasmo e de milagres, afastaram-se.
E eis que, naquele ambiente de derrota, abre-se diante de Jesus uma brecha inesperada, uma reviravolta repentina que o enche de alegria (Mateus 11,25-30): Pai, bendigo-te, dou-te graças, agradeço-te, porque te revelaste aos pequenos.
O lugar vazio dos grandes preenchem-no os pequenos: pescadores, pobres, doentes, viúvas, crianças, publicanos, os preferidos de Deus. Jesus não o esperaria, e admira-se com a novidade; a maravilha invade-o, sente-se feliz.
Descobre o agir de Deus, como antes sabia descobrir, na profundidade de cada pessoa, angústias e esperanças, e para elas sabia inventar como resposta palavras e gestos de vida, que o amor nos faz chamar “milagres”.
Revelaste estas coisas aos pequenos… de que coisas se trata? Um pequeno, uma criança, depressa compreende o essencial: se alguém lhe quer bem ou não. No fundo, é este o segredo simples da vida. Não há outro, mais profundo.
Os pequenos, os pecadores, os últimos da fila, as periferias do mundo compreenderam que Jesus veio trazer a revolução da ternura: vós valeis mais do que muitos pássaros, disse-o no outro domingo, tendes o ninho nas suas mãos. Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e Eu vos darei alívio.
Deus não é difícil: está ao lado de quem soçobra, leva aquele pão de amor de que necessita todo o coração humano cansado… E todo o coração está cansado.
Vinde, dar-vos-ei alívio. E não vos vou já apresentar um novo catecismo, regras superiores, mas o conforto do viver. Duas mãos nas quais apoiar a vida cansada e retomar o fôlego da coragem. O meu jugo é suave, e o meu peso é leve: palavras que são música, boa notícia.
Jesus veio para eliminar a velha imagem de Deus. Não mais um dedo acusador apontado contra nós, mas dois braços abertos. Veio para tornar leve e fresca a religião, a tirar-nos pesos das costas e a dar-nos as asas de uma fé que liberta. Jesus é um libertador de energias criativas, e por isso é amado pelos pequenos e oprimidos da Terra.
Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, isto é, aprendei do meu coração, da minha maneira de amar delicada e indómita. Dele aprendemos o alfabeto da vida; na escola do coração, a sabedoria do viver.
Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
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