Em tempo do Advento, em pleno tempo do Advento, nós sentimos este chamamento à alegria. A alegria, que parece uma coisa fácil, parece um mandamento simples de cumprir. Contudo, a alegria é um mandamento exigente. Os judeus diziam mesmo que de todos os Dez Mandamentos aquele mais difícil de cumprir era o mandamento da alegria, que mandava guardar as festas.

CHAMAMENTO À ALEGRIA
José Tolentino Mendonça

Lucas 3, 10-18

Em tempo do Advento, em pleno tempo do Advento, nós sentimos este chamamento à alegria. A alegria, que parece uma coisa fácil, parece um mandamento simples de cumprir. Contudo, a alegria é um mandamento exigente. Os judeus diziam mesmo que de todos os Dez Mandamentos aquele mais difícil de cumprir era o mandamento da alegria, que mandava guardar as festas.

A alegria não é simples. E não é simples porquê? Porque a alegria muitas vezes é fugaz, sentimos que há uma grande preparação mas depois a alegria não permanece. E isso acontece, por exemplo, com o Natal, um certo Natal. Prepara-se tanta coisa, tanto caminho, tanta compra, tanto desejo para o Natal e depois o Natal são aquelas escassas horas que depressa passam, e depois mergulham num contraciclo, numa melancolia, porque afinal tivemos tanta espectativa e depois o Natal não realizou, não se satisfez aqueles desejos mais fundos que estiveram no nosso coração. A alegria é, por isso, uma coisa fugaz.

Depois, muitas vezes a alegria não depende de nós, ou sentimos que não depende só de nós. Podemos querer a alegria mas as situações, às vezes, são marcadas pelo sofrimento ou temos de comungar o sofrimento dos outros e isso não é possível. Ou então pensamos na alegria como um estado de isenção, é porque não nos dói nada que estamos alegres, é porque não nos falta nada que estamos bem, é porque tudo corre conforme imaginamos que nós vivemos a alegria. Ora, isso nunca acontece, ou raramente acontece, porque nós não fazemos uma experiência da vida neutral, é sempre marcada por uma questão, por uma sombra, por uma notícia que chega, por uma contrariedade, por uma contradição e parece que a alegria não é possível.

Contudo, como diz S. Paulo na Carta aos Filipenses, o Senhor pede para celebrarmos a alegria: “Alegrai-vos, de novo vos digo: alegrai-vos.” Então, isto que parece ao mesmo tempo acessível e tão difícil é um mandamento que vem até nós. Porque é que nos havemos de alegrar? Qual é o grande motivo de alegria que nós temos? O grande motivo de alegria é aquele que o profeta Sofonias hoje nos diz, e que também nos é repetido pela boca de João Batista: o motivo da nossa alegria é porque Ele está no meio de nós. É porque Aquele que nasce é o Deus connosco, é Aquele que, de facto, habita já a nossa própria experiência, mesmo na sua fragilidade, mesmo no que ela tem de mais precário, provisório, opaco, exigente, contraditório. Deus está connosco, há uma aliança que o presente já celebra. Nós podemos tocar a presença de Deus.

Um grande teólogo cristão do século XX e um grande mártir da fé cristã, Dietrich Bonhoeffer, dizia isto: “Deus, como é que vem ao encontro do homem? Deus vem ao nosso encontro não apenas num “Tu”. Não é um “tu”, como encontramos na rua, como encontramos uns com os outros. Deus vem não apenas como um “tu” mas Deus vem como um “isto”.” Isto é, Deus vem como esta vida que nós temos para viver, no meio dela o Senhor está. O tempo do Advento é também o tempo de um reconhecimento de que Ele está connosco, de que Ele está presente, de que Ele já está no meio de nós. E essa é a razão profunda da nossa alegria.

Como fazer isso? Penso que com uma disponibilidade para acreditar, com uma capacidade de ver não apenas com os olhos mas também ver com o coração, com uma capacidade de esperar, de esperar e muitas vezes esperar contra todas as evidências, esperar contra toda a esperança como diz S. Paulo. Confiar Nele, descobrindo-O, tateando-O, presente na vida que nós vivemos. E isso faz-nos perceber o repto que também nos é dito pelas leituras de hoje: “Não vos preocupeis, não temais.”

Nós vivemos, muitas vezes, o tempo do Natal como uma sobreocupação: é uma quantidade de tarefas e andamos como formigas, atarefadíssimos a preparar isto, a preparar aquilo, preocupados com isto e com aquilo. E, no fundo, a grande palavra é não preocupar-se. A grande tarefa é, de facto, acolher, desenvolver essa arte de acolhimento no seu coração, essa capacidade de perceber que o dom é mais do que a preocupação, do que o tráfico mecânico que nos empurra para isto e para aquilo num consumismo que nos consome.

O Natal verdadeiro passa por conseguir aquela paz de que nos fala também S. Paulo na Carta aos Filipenses. Como ele diz numa fórmula tão bela: “E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.” O objetivo de um cristão no Natal é precisamente avizinhar-se desta paz. Mais do que todas as preocupações que prendem o nosso coração, que o cristalizam, que o capturam muitas vezes em corridas que não levam a nada. Perdermos o medo para podermos acolher esta paz que vem de Deus e que excede tudo aquilo que podemos desejar, aquilo que podemos querer.

O Natal é assim um tempo de acolhimento, um tempo para a hospitalidade de Deus, um tempo para recebermos a sua alegria. É um tempo interior o Natal, é um tempo espiritual. Por isso, mais importante que todo o resto é este caminho interior que cada um de nós faz, no reconhecimento de que Deus vem no “isto” que é a nossa vida, que é aquilo que vivemos, que é o presente do mundo, que é a hora atual da pequena história de cada um de nós e da grande história da vida.
Mas, ao mesmo tempo, o Natal também se reconhece na pergunta que por três vezes ouvimos hoje ser feita a João Batista: “Que devemos fazer?” Perguntaram as multidões, perguntaram os publicanos, perguntaram os soldados: “Que devemos fazer? Que devemos fazer?” O Natal também é um fazer, mas o que é que devemos fazer? Se calhar já estamos a fazer muitas coisas, já temos um programa de ação que faz o dia transbordar, não cabe no dia tudo o que temos para fazer. E, contudo, fica a pergunta: que devemos fazer?

Será que nós estamos a fazer a coisa certa? Será que nós estamos a fazer aquilo que Deus espera que façamos? Será que nós paramos para escutar o que Deus nos pede que façamos? Será que tudo aquilo que fazemos não é uma desculpa, não é um adiar da única coisa que Deus nos pede, neste Natal, que nós façamos? Que devemos fazer? É uma pergunta que também nos prepara, nos prepara para o Natal.

Queridos irmãs e irmãos, continuemos este caminho com ânimo. Hoje acendemos a terceira vela, vamos rezar na ação de graças a oração de S. José, a figura do presépio que nos acompanha neste domingo em comunidade. Vamos pedir para que, passo a passo, dia a dia, nós sejamos capazes de mergulhar mais profundamente no mistério de Deus. E, assim como somos, pobres, inacabados, mas também inquietos, dispersos, encontremos no Menino que nasce uma possibilidade de unidade interior, uma cura das nossas feridas, das nossas mazelas, uma confiança reaprendida, uma esperança que em nós fica a brilhar como a estrela do presépio.

Pe. José Tolentino Mendonça,
Domingo III do Advento 2015