Comboni, neste dia

Tiene una relazione (1871) al Consiglio centrale dell’Opera del Buon Pastore
A don Bricolo, 1866
Dio mi ha dato una illimitata confidenza in Lui, che non mi allontanerò dall’impresa per verun ostacolo

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N° Escrito
Destinatário
Sinal (*)
Remetente
Data
51
Assinaturas de missas
1
Verona
1860
N.o 51 (50) - ASSINATURAS DAS MISSAS CELEBRADAS

EM S. JOÃO BAPTISTA DE SACCO, VERONA

AMV





52
P.e Francisco Bricolo
0
Alexandrie
2. 1.1861

N.o 52 (50) - A P.e FRANCISCO BRICOLO

ACR, A, c. 14/4

Alexandria, 2 de Janeiro de 1861

Mui rev.do e amat.mo sr. reitor,


 

[496]
Eu tinha a ilusão de que, quando chegasse a Alexandria, encontraria cartas de Verona que me contariam algo sobre o Instituto e sobre o nosso venerável e velho pai, que tem um grande coração e pensa muito, mas escreve bastante pouco. Mas as minhas esperanças foram vãs. Pelo que, como estou em jejum de notícias de Verona, quero afastar-me um pouco do meu estilo lacónico que até agora tenho mantido consigo nas três cartas que lhe escrevi de Nápoles, Palermo e Roma e explicar-lhe de algum modo as circunstâncias que acompanharam a minha viagem de Verona ao Egipto, assegurando-lhe que se anteriormente não lhe contei tudo em pormenor foi porque sempre estive muito ocupado em arranjar tudo do melhor modo e levar a bom termo o importantíssimo assunto que a Providência me tinha confiado.


[497]
O senhor conhece bem o resultado incerto e não demasiado feliz da expedição que fizemos à África Central, quando em número de cinco missionários e um leigo partimos de Verona em 1857; e sabe também as funestas peripécias das várias expedições organizadas pela Propaganda e pela Sociedade de Maria, de Viena, desejosas de fundar nas regiões incógnitas da África Central uma missão católica para fazer brilhar a luz da fé de Cristo naquelas vastas regiões ainda envoltas nas trevas e sombras da morte.


[498]
Pois bem, por estes desfechos vê-se claramente quão sublime e sábio se torna cada vez mais o grande plano imaginado pelo nosso venerável e estimado superior que, em Fevereiro de 1849, decretou a criação de um clero indígena e a educação de rapazes e raparigas africanos ministrada nos nossos colégios da Europa, para que estes indígenas, formados no seio do catolicismo no espírito da nossa santa fé e instruídos na religião e nos conhecimentos da civilização, voltassem depois a suas terras de origem e aí cada um, segundo a sua vocação e profissão, pudesse comunicar e ensinar à sua gente os bens e conhecimentos, tanto religiosos como civis, que adquiriram na Europa e para assim ser possível, pouco a pouco, fazer das tribos dos africanos outras tantas nações civilizadas e cristãs.


[499]
Actuando segundo este plano sublime e sábio, o mais oportuno e adequado que até agora se conhece para a conversão da África e que foi concebido segundo o espírito da Igreja – a qual, não com outro objectivo, fundou na capital do Cristianismo o Colégio Urbano de Propaganda Fide, no qual ingressam jovens escolhidos de todas as partes do mundo, que, depois de receber a sua educação eclesiástica, são devolvidos à sua terra natal, a fim de que implantem e promovam aí a civilização e a religião –, actuando, dizia, segundo este grande plano do nosso querido superior, vim a saber, pelas informações de um missionário de Malabar que voltava da Índia, em meados de Setembro passado, que nas costas da Abissínia tinha sido apresado um barco com jovens escravas e escravos africanos, que os raptores queriam levar através do Mar Vermelho para as costas desertas da Arábia. Os ingleses, autores da captura, levaram esse carregamento de negros para as suas possessões do Oriente para os utilizarem nos trabalhos do café e das especiarias, entregando parte deles aos missionários católicos de Adem.


[500]
Esta operação dos ingleses foi conforme o tratado de 1856 assinado no Congresso de Paris, onde, reunidas as grandes potências da Europa com o objectivo de regulamentar as questões do Oriente, se proclamou a abolição da escravatura e do tráfico de negros. Determinação sábia, caritativa e cristã que proíbe o infame tráfico de carne humana, uma actividade que avilta e degrada a humanidade e que reduz à vil condição de animais criaturas humanas providas, como nós, da luz da inteligência, que é um resplendor da divindade e uma forma émula da Augustíssima Trindade.


[501]
Seria algo horripilante se me pusesse a contar a maneira indigna e desapiedada como arrebatam os pobres negros do seio de suas famílias e os põem à venda nos mercados de Cordofão e da Núbia; porém, nada disto conto. Só direi que a circunstância acidental de um navio inglês apresar no Mar Vermelho um carregamento destes pobres negros e os levar para as possessões britânicas pareceu ao grande servo de Deus, nosso venerável superior, uma favorável disposição da Providência, com a qual lhe oferecia um meio e lhe abria um caminho para levar para os nossos Institutos de Verona raparigas e rapazes negros, coisa sumamente difícil, desde a abolição da escravatura. Por isso ele, como quem se abandona sempre nos braços da divina Providência, sem desanimar devido às graves dificuldades que hoje se encontram para obter generosas e importantes esmolas, decidiu enviar-me a Adem para que fizesse uma boa selecção destas criaturas africanas, dispersas pelas várias possessões britânicas.


[502]
Dando-se, além do mais, a circunstância – dentro das providenciais medidas de quem cuida solícito e com piedosa dedicação dirige o nosso instituto masculino – de que convinha conduzir a Nápoles quatro jovens africanos que não suportavam o rigoroso clima de Verona, era o momento oportuno de levar a cabo o citado projecto.


[503]
Por isso, tendo tido êxito a minha ida a Veneza, onde obtive de Sua Excelência o lugar-tenente das províncias Vénetas, o barão Togenburg, passaporte para os quatro negros, na manhã do dia 26 do passado mês de Novembro, eu deixava o Colégio e Verona e depois de atravessar a fronteira dos Estados Austríacos e a parte que marca o confim do lago de Garda, enviando um profundo suspiro às margens de Limone, onde respirei os primeiros hálitos de vida, detive-me em Bréscia na ilusão de abraçar e de me despedir do meu velho e bom pai, a quem desejava ver e confortar, dado que ia empreender uma viagem um pouco mais comprida que a de Verona a Avesa.

Mas, ai, as minhas esperanças foram defraudadas: tendo-se levantado no dia anterior uma furiosa borrasca no lago de Garda, não foi possível de nenhum modo efectuar o trajecto entre Limone e Gargnano. O Senhor seja sempre bendito!


[504]
Às cinco da tarde, apresentados os meus cumprimentos respeitosos ao bispo de Bréscia, a Mons. Tiboni e ao meu grande amigo, o Dr. Pelizzari, parti para Milão, onde nessa mesma noite fui cordialmente acolhido com os quatro jovens e P.e Luciano no Seminário das Missões Estrangeiras de S. Calocero. Aí o meu coração embriagou-se da mais doce alegria ao conversar com aquela alma santa que é o reitor do seminário e ao encontrar-me entre tantos queridos irmãos, sacerdotes e alunos daquele florescente jardim de caridade evangélica, onde se formam no zelo e nas virtudes dos apóstolos e dos mártires tantas almas desprendidas, que, cortados os vínculos da natureza e do sangue, calcando com pé generoso o fausto da humana prosperidade e da grandeza, que uma posição desafogada e uma mente dotada lhes teriam podido oferecer, abandonando a alegria dos seus lugares de origem, se espalharão pela face da Terra para levantar o estandarte da Cruz em tantos reinos submetidos ao império de Satanás, para sacudir do profundo letargo tanta gente miserável sobre a qual nunca brilhou o luminosíssimo astro da fé e para a levar à adoração da Cruz.


[505]
Produziu em mim, além disso, grande consolação o facto de saber que a um destes jovens missionários aconteceu, como a mim, ter de abandonar o campo aberto das suas apostólicas fadigas na Oceânia; agora, totalmente resignado às adoráveis disposições do Céu, dedica-se com zelo incansável à pregação, em forma de missões, e ao exercício do ministério sacerdotal. Ao amanhecer do dia seguinte, eu já me encontrava em Monza, no colégio dos padres barnabitas, onde saudei alguns deles, os quais me entregaram uma pequena amostra da sua amizade e do seu interesse pela obra a que estou consagrado.


[506]
Às dez estava em amena conversa com o nosso dilecto amigo, o P.e Calcagni, barnabita, vice-reitor do R. Colégio Longoni, o qual me pregou uma partida que não me deu muita graça: pediu-me a carta que mons. Ratisbonne, milagrosamente convertido do judaísmo à fé, me tinha escrito de Jerusalém no passado mês de Agosto; e eu deixei-lha na condição de ma enviar à uma da tarde para o Seminário das Missões Estrangeiras; mas com grande consternação minha, mandou-me não o original da carta, mas uma cópia, acompanhada de uma peça de 20 francos e de uma nota em que me desejava boa viagem.


[507]
Eu já lhe perdoei, mas com a promessa de lhe pregar uma muito maior; às três da tarde, depois de me ter despedido dos missionários, apanhei o comboio e depois de ver passar rapidamente os campos de Magenta e a ponte do Ticino e de deixar para trás Novara e Alexandria, às 10 estava já a jantar com os meus africanos no hotel Cristóvão Colombo, em Génova.


[508]
Na manhã do dia 28, celebrado o Divino Sacrifício na Igreja da Anunciação, a mais bela e magnífica da capital da Ligúria, e deixados os jovens ao cuidado de P.e Luciano, pus-me a percorrer as agências com vapores directos até às duas Sicílias para ver se encontrava algo que me conviesse. E estava a negociar um vantajoso contrato com a companhia marselhesa Fraissenet et Frères, em que conseguia um desconto de quase metade da importância da viagem; mas, perante a incerteza de quando chegaria a Génova o barco que devia levar-nos a Nápoles, decidi-me por fazer um contrato com a companhia Zuccoli que, nessa mesma noite, enviava a Nápoles um vapor-correio e consegui para os seis um abatimento de um terço do preço de cada passagem. Deste modo, às nove da noite, subimos para o Stella d’Italia, excelente vapor italiano, a bordo do qual, à clara luz da lua, contemplámos o maravilhoso espectáculo que oferece a capital da Ligúria vista do mar.


[509]
Defendida por terra e mar por vastas fortificações naturais ou construídas pelo homem, esplêndida pela sua admirável situação e pelos seus formosos edifícios, a cidade é embelezada por um porto de forma circular, bastante extenso e provido de dois grandes molhes, para lá dos quais se ergue um gigantesco farol que serve de guia aos pilotos. Este porto franco, frequentadíssimo, constitui um armazém muito considerável de toda a classe de mercadorias e é um dos grandes centros de comércio da Europa. Despedimo-nos destas amenas costas da Ligúria e ao cabo de três horas deixámos à esquerda as risonhas praias do magnífico golfo de La Spezia. Na manhã seguinte encontrávamo-nos no porto de Livorno. Eu desci a terra e depois de celebrar missa na suja catedral, procurei a Virgem do clássico P.e Giravia (como me disseram os padres seus companheiros); mas a ele não o vi, porque o Governo da Itália o tinha desterrado para Pisa já há alguns meses.


[510]
Ao meio-dia, o Stella d’Italia zarpava do porto de Livorno. Mal tínhamos chegado ao alto mar, levantou-se contra nós um vento que durou mais de 25 horas; de modo que os quatro jovens negros não puderam comer nada e inclusivamente tiveram que lançar ao mar o ordinário tributo. Não foi esse o meu caso, pois, estando já acostumado às viagens do Oriente e a passar meses inteiros sobre as águas, deu-me um tal apetite que comi as rações dos meus indispostos companheiros de viagem. Vimos surgir no horizonte as formosas ilhas de Capraia e Gorgona e passamos perto do Porto Ferraio, na árida e sinistra ilha de Elba que ofereceu uma sórdida e triste hospedagem ao grande Napoleão.


[511]
A umas duas milhas da sombria morada do ilustre prisioneiro encontrámos o Zuavo de Palestro, vapor sardo no qual viajavam mil e duzentos voluntários de Garibaldi, os quais iam reunir-se às suas famílias no Piemonte e na Lombardia para se refazerem da fadiga passada em Calatafimi, em Palermo, em Milazzo e em Cápua. A um oficial de Garibaldi, o duque Salvador Mungo, que se encontrava a bordo connosco e que era um dos que tinham ficado dos mil desembarcados em Marsala, pedi-lhe notícias de Prina, ex-aluno do nosso Instituto e fez-me grandes elogios dele, como sendo um valoroso oficial. Disse-me que não era coronel, mas que se tinha distinguido em Milazzo. Este homem regressava (!!??) da ilha de Caprera, onde tinha estado com o seu duque e assegurou-me que era intenção de Garibaldi ir primeiro à Hungria que a Veneza, a qual só sacudiria o seu jugo ao fim de alguns anos.


[512]
Com esta e muitas outras conversas que mantive com o garibaldino, chegámos ao estreito que separa a famosa ilha de Procida da de Ischia, para lá das quais se abre em forma de maravilhoso anfiteatro o esplêndido golfo de Nápoles. Nós, às cinco da tarde, já tínhamos tratado das questões com a direcção marítima da capital Partenopea; e já com os passaportes visados, fomos recebidos com bastante cordialidade no Instituto da Palma pelo P.e Ludovico de Casoria, fundador do Colégio Africano. Embora eu já o conhecesse desde o ano passado, quando desembarquei em Nápoles, pude, no entanto, agora, nos vários dias que aqui estive, apreciar este bom padre e persuadir-me de que é um desses homens extraordinários que, de vez em quando, a Providência suscita em benefício da humanidade e para a difusão e incremento da glória de Deus.


[513]
Segundo me contou um padre de La Palma, o P.e Ludovico, embora pertencesse à ordem franciscana, não era um perfeito observador das suas regras, porque procurava rodear-se de muitas das comodidades da sua folgada casa paterna, era bastante renitente à subordinação que deve ter um religioso e mantinha amizades mundanas com muitos de elevada condição que viam com maus olhos um dos seus rebaixado à humilde condição de apagado franciscano. Além disso não era nada inclinado ao esforço e dedicação da vida de franciscano e só se deleitava com os estudos filosóficos e com as matemáticas, nas quais havia feito grandes progressos, e das quais durante muitos anos tinha sido professor.

Atingido por uma grave doença, o seu guardião aproveitou a ocasião para lhe fazer ver a sua conduta passada, não muito conforme ao espírito do instituto seráfico, sugerindo-lhe que renegasse a sua antiga maneira de viver em religião e que prometesse a Maria reformar os seus costumes e conduta, segundo o espírito do Instituto no qual, por vocação, se tinha incorporado, no caso de Deus querer devolver-lhe a saúde. Então o P.e Ludovico entrou em si mesmo e na humildade do seu coração ofereceu-se a Deus, disposto a qualquer árdua empresa a que o Senhor o chamasse. Então a graça de Deus derramou-se abundantemente no coração do bom servo de Deus; esvaziando-se do que tinha sido e afastando-se de tudo o que fosse do mundo e não conforme à sua religião, passou uns anos em perfeito retiro. Depois, entre muitas outras obras, levou a cabo as seguintes:


[514]
1.o Instituiu uma reforma da província de Nápoles, algo deteriorada, mais ou menos como fez o B. Leonardo de Porto Maurício, quando criou o retiro de S. Boaventura em Roma.

2.o Fundou o Instituto dos Missionários Indígenas, que acolhe sacerdotes de todas as partes de Itália, os quais se formam na escola das missões e exercícios espirituais e depois se espalham por toda a Itália para dar as missões gratuitamente, dependendo em tudo do Instituto, podendo apenas em nome do Instituto exercer o ministério apostólico.

3.o Criou um grande refúgio para os pobres em Nápoles; depois, outro para instruir os ignorantes.

4.o Criou uma grande enfermaria para todos os franciscanos de Nápoles.

5.o Finalmente, fundou e promoveu os Institutos africanos: um masculino, dirigido pelos franciscanos e outro feminino, ao cuidado das Irmãs Estigmatinas, exclusivamente consagradas à educação das negras.


[515]
As despesas com estas cinco grandes obras estão a cargo do P.e Ludovico, que é tão transparente em todas as suas actuações como o nosso superior e que as mantém pedindo esmolas diariamente, como ele. Uma palavra sobre os colégios africanos.


[516]
Instituído sob a protecção do defunto rei Fernando II e com especial autorização da direcção-geral da ordem seráfica, o Colégio dos Negros, com sede em La Palma, onde reside o prefeito da reforma, tem por finalidade resgatar da escravidão e da miséria em que jazem e educar e instruir na fé, na ciência católica e nas diversas artes civis os jovens negros que se recolherem dos países de África, a fim de que bem educados, instruídos e formados no espírito católico, regressem já adultos a seus países para propagar aí, cada um segundo a sua profissão, a fé de J. C. e a civilização cristã.


[517]
Os jovens negros, que serão instruídos na fé cristã e baptizados conforme forem chegando de África, vestirão todos o hábito franciscano, como jovens alunos e, enquanto tais, observarão o comportamento e a disciplina de jovens religiosos e aplicar-se-ão, com discreta direcção, aos usos da religião seráfica, aos estudos e às artes. Ficará a cargo do padre prefeito de La Palma, após prévio exame e conhecimento da índole e capacidade dos jovens negros, a tarefa de os classificar nos estudos elementares, que, até aos 18 anos, todos deverão frequentar sob a direcção de professores idóneos que o prefeito lhes atribuir, quer sejam religiosos da ordem, quer seculares de comprovada ciência e bondade, ainda que estes últimos tenham de ser habilitados pela província ou pelo ministro geral.


[518]
Completada a instrução elementar aos 18 anos, os jovens negros são distribuídos em três classes, segundo a sua capacidade e vocação, a saber: clérigos para o sacerdócio; leigos professos para artesãos; e seculares da Ordem Terceira (como Tacuso) de S. Francisco, também artesãos e livres de abraçar o estado conjugal. As duas primeiras classes professarão servatis servandis a regra da Ordem dos Menores. Para o noviciado regular destes, sob prévia autorização da S. Sé Apostólica, em lugar apartado, dentro do mesmo colégio, sob a direcção e critério da comunidade religiosa de La Palma, serão adaptados apartamentos como lugares de noviciado, onde receberão a educação religiosa adequada segundo as regras da ordem.

Quanto aos da primeira classe em idade de se ordenarem, serão apresentados ao respectivo ordinário com as promissórias do provincial. Isso é assim, dado que os jovens negros começam como filhos da Ordem dos Menores, destinados especialmente às missões da África, a cujas necessidades proverá o geral da ordem. Finalmente, os da terceira classe que ficarem na Europa, vestidos e professos da Ordem Terceira de S. Francisco, ajudarão nas actividades do colégio e aperfeiçoar-se-ão nas artes.


[519]
Recebidas depois as necessárias instruções e instituições, sacerdotes negros menores, leigos negros menores e terciários de S. Francisco negros – com conhecimento e informação tanto do provincial como do prefeito e em obediência ao ministro geral da ordem – à medida que for necessário irão para as missões de África. Os sacerdotes, como verdadeiros missionários de Cristo, propagadores da fé cristã; os leigos professos, ao serviço dos sacerdotes e também como catequistas e instrutores dos infiéis que se converterem a Cristo; os terciários, espalhando-se mais livremente entre aqueles povos, sob a orientação dos missionários seus irmãos e exercendo as artes e ofícios que tiverem aprendido no colégio para os utilizar à luz da fé.


[520]
Partirão e permanecerão sempre em número de dois, às vezes até em grupos de três – nunca sozinhos. E será segundo esta ordem: um sacerdote e um leigo ou um sacerdote, um leigo e um da Ordem Terceira. Na profissão religiosa, todos farão promessa sob juramento de ir para África, mas da partida efectiva ficarão excluídos os escolhidos e hábeis para professores do colégio de La Palma, os oficiais destinados a prestar serviço no dito colégio e os que não puderem ir por motivos razoáveis e graves reconhecidos como tais pelos superiores. O padre prefeito, pondo todo o seu empenho, cuidará que, pouco a pouco, os jovens negros de qualquer classe realizem bons progressos no conhecimento das ciências ou das artes e sejam capazes eles mesmos de serem professores no colégio, onde se lhes atribuirão as disciplinas que se coadunam com as suas capacidades.


[521]
E deve procurar empregados, como prefeitos, cozinheiros, ajudantes, porteiros, despenseiros, etc., para que o colégio seráfico de La Palma se converta num coro uniforme de negros. E os negros, sejam eles sacerdotes, leigos ou terciários, que tenham ido para as missões de África e tenham por longos anos suportado fadigas por J. C. e não possam continuar a prestação de serviço às missões por velhice, doença ou por outra gravíssima razão, postos ao corrente disso, os superiores da província e do colégio, terão acolhimento e descanso no mesmo colégio de La Palma.


[522]
Este é, em traços largos, o plano do instituto dos negros de La Palma. Agora estes são já 52, incluídos os 4 que eu trouxe. Fiquei muito contente ao ver dez ou doze oficinas de carpintaria, alfaiataria, sapataria, tecelagem, serralharia, agricultura, etc., etc., e uma bela farmácia com dois mestres em medicina e farmácia. Além disso, há junto a La Palma uma ampla horta, dividida em múltiplas parcelas, destinadas a cultivar diferentes produtos do país e coloniais; aí vão os negros todos os dias, divididos em classes para, reunidos em volta do respectivo mestre, aprenderem a trabalhar em cada sector da agricultura.

Com regras adequadas as negras, cujo número chega já a 22, são educadas para as missões de África. Maravilharam-me os seus progressos nos estudos e nos lavores femininos. O ano passado, muitos trabalhos das negras foram admitidos na Exposição Urbana de Nápoles e ganharam prémios. Porém, deste Instituto falarei noutra ocasião.


[523]
Fiquei muito satisfeito com a instrução dos negros de La Palma. Seis deles estudam humanidades e retórica (menos grego), quatro filosofia e o resto a secundária elementar. Mas o que mais me impressionou foi a ordem, o silêncio nos devidos momentos, a total disciplina, a inclinação aos exercícios de piedade e o desejo de se tornarem santos e de sacrificar a sua vida em benefício de seus irmãos, pelos caminhos que a obediência e a vocação lhes mostrarem. «É possível – perguntava um dia o P.e Ludovico –, é possível que os negros de La Palma sejam todos bons? Não creio, porque, pelo que pude ver na breve experiência que tive com os negros, muitos são bons, mas outros não parecem dados à piedade nem à perfeita observância da nossa ssma. religião.»


[524]
«Oh!, escute, meu caro irmão – respondeu-me o padre. Eu fundei o meu colégio para fazer do inferno um paraíso, para que os jovens de maus se tornem bons. Quando os africanos entraram em La Palma, eram diabos e eu quase desesperava por me considerar incapaz de conduzi-los ao bem; mas, graças à paciência, à contínua vigilância diurna e nocturna e ao incansável esforço dos meus educadores, hoje são todos bons. E eu tenho que agradecer a Deus que não há um mau, nem sequer um.»


[525]
Mas não devemos assustar-nos se, ao princípio, os vemos maus: com a graça de Deus e com uma incansável e paternal solicitude, tudo se vence. E, de facto, em cada dormitório há dois prefeitos, um dos quais vigia toda a noite. Quando há um jovem que mostra uma má inclinação, contra ela se dirigem todas as armas da prudência cristã e não se desiste até ver completamente erradicado esse defeito; de modo que por fás ou por nefas, a bem ou a mal, de bom grado ou à força, tem que abandonar esse vício.» Mas deixemos este tema. Foram muitas as coisas que observei sobre a direcção desse Instituto; mas já estará cansado de ler, como eu de escrever, assim que khalás.


[526]
Falemos agora um pouco de coisas profanas. E para lhe dizer algo sobre Nápoles, creio que é impossível que imagine a sua singular e esplêndida situação e o soberbo panorama que oferece de qualquer parte que se contemple. A cidade está situada a sudeste na encosta de uma longa fila de colinas e ao redor de um golfo de mais de cinco léguas de largura e outras tantas de comprimento, tendo ao lado dois promontórios cobertos de verdejante vegetação. A ilha de Capri a um extremo e a de Procida a outro parecem fechar o golfo, embora entre estas ilhas e os dois promontórios se possa divisar uma imensa extensão de mar.


[527]
A cidade é como a coroa deste majestoso golfo. Uma parte dela, para ocidente, ergue-se como um anfiteatro sobre as colinas de Polisippo e de Antignano; a outra estende-se a oriente sobre um terreno mais plano, coberto de formosas vilas e casinos até ao monte Vesúvio que, de noite, é como um sol vivíssimo, cuja luz está concentrada em sete bocas que expelem continuamente lava e betume. No meio destes magníficos montes rochosos, totalmente cobertos de laranjeiras e limoeiros e de toda a espécie de verdura, ergue-se, perto de La Palma, Capodimonte, onde surge o palácio de Verão do rei. Segundo a opinião dos grandes viajantes, este é a mais bela vista do mundo, e não há nada comparável à beleza de tal panorama.


[528]
Se a tudo isto se acrescentar a suavidade do clima, a fertilidade dos campos, a beleza dos arredores, a grandiosidade dos edifícios e a magnificência das suas ruas todas cobertas de grandes lajes de pedra, como a nossa Piazza dei Signori, convencer-se-á de que Nápoles é um dos mais esplêndidos e agradáveis lugares do mundo. A Rua de Toledo, que se estende ao longo de milha e meia em perfeita linha recta; a da Chiaia, que ladeia por um largo trecho a Vila Real – que se estende sobre a praia, onde oferece uma magnífica vista e é flanqueada, do lado da terra, por um elegante gradeamento, interrompido aqui e além por altos e variegados pilares, os quais, formando a noroeste uma grande semielipse, encerram centenas de estátuas de mármore, feitas à imitação dos melhores modelos antigos – figuram entre as mais formosas da Europa.


[529]
As igrejas são, em geral, belíssimas e surpreendentes e revelam ao observador atento a fervorosa piedade do povo napolitano que as frequenta e a daqueles que as construíram. A de S. Francisco de Paulo, de arquitectura moderna, na parte exterior, voltada para o palácio real, é rica em obras de famosos artistas modernos. É flanqueada por dois pórticos sustidos por quarenta e quatro grandes colunas e embelezada com estátuas colossais da religião, S. Francisco e S. Luís, as quais se encontram no vestíbulo, formado por dez grandes colunas e outros tantos pilares. O interior, perfeitamente redondo, é uma imitação do Panteão de Roma.


[530]
Magníficos templos são também o de S. Martinho, no cerro de S. Telmo, ao pé do castelo, que domina a cidade, em situação estupenda; o de Jesus Novo, todo incrustado de mármore, que guarda o sepulcro de S. Francisco de Jerónimo, sobre o qual celebrei missa; o seu corpo está encerrado numa urna de prata e o sepulcro está bordado de pérolas e pedras preciosas; e o de S. Caetano, em cuja cripta se conserva o corpo do santo, sobre o qual também celebrei missa.


[531]
Porém, S. Januário, ou seja, a catedral, é a mais bela igreja de Nápoles. O interior consta de três naves, sustentadas (entre outras) por 18 pilares com colunas que pertenceram a ídolos do paganismo. Deixando de lado as inúmeras obras de arte, limitar-me-ei a mencionar a capela do santo padroeiro da cidade, chamada o tesouro, que tem na parte exterior duas grandes estátuas de S. Pedro e S. Paulo e um belíssimo gradeamento de bronze. O interior é em forma de cruz grega, com as paredes incrustadas de mármores finíssimos e com 42 colunas de brocatelo e 19 de bronze; todos os frescos são de Domenichino. Detrás do altar-mor, de pórfiro, guardam-se em duas capelinhas forradas de prata e com portinhas do mesmo metal, a cabeça de S. Januário e duas ampolas que contêm parte do seu sangue, o qual costuma liquefazer-se de duas a quatro vezes por ano, quando é posto em frente da cabeça do santo, ou seja, nas três festas de Maio, Setembro e Dezembro, que se celebram em honra do santo com as respectivas oitavas.


[532]
Este milagre que é observado por inúmeros protestantes e infiéis, foi causa, e continua a sê-lo até ao dia de hoje, de grande número de conversões à fé de Cristo. Segundo ouvi dizer à minha passagem por Nápoles, a última vez que se deu o milagre – quinze dias antes – como o aparecimento se deu uma meia hora antes do costume, ouviram-se gritos no templo: «Olha, olha que S. Januário gosta da república e não te quer, Vítor Emanuel.» Aqui, a propósito de S. Januário, quero contar-lhe a extravagante cena que tem lugar no dia em que o milagre ocorre. Baseando-se numa vaga e incerta tradição, os napolitanos pretendem saber que tais e tais famílias pobres são descendentes da estirpe do santo padroeiro, por isso é crença entre a plebe que o milagre não se realiza sem a presença de um ou mais indivíduos destes descendentes de S. Januário.


[533]
Os vagabundos são os primeiros a marcar presença na capela taumaturga: proferem inumeráveis impropérios e infâmias antes do milagre. Ouvem-se, entre outras, as seguintes expressões: «S. Januário, não queres fazer o milagre? Claro, como roubaste o título de santo, que não merecias... E porque troças dos que te honram? Não serves para nada. Pareces um caracol... Não vales uma palha. E que fazes aí a enganar a pobre gente? És um impostor que nos andas a intrujar... Olha, olha que caretas que faz! E faz troça de nós e chasqueia! Seria melhor nós troçarmos de ti, que tu de nós! Não és capaz de fazer o milagre, não vales uma palha, desce desse pedestal (virando-se para a estátua). Que fazes aí, seu impostor? Tu nem és santo, nem estás no céu, nem prestas para nada, desce... desce... » e assim sucessivamente.


[534]
Esses patifes proferem outras frases mais estranhas, cuja enumeração seria demasiado comprida e que eu esqueci. Na verdade, a mim, se me contassem tais coisas, não acreditava; mas a quem visitou Nápoles e viu o atraso em que se encontra esse reino, viu a inclinação à piedade, mas um pouco supersticiosa, não lhe custa a crer. Estas e outras coisas semelhantes soube-as de pessoas dignas de crédito.


[535]
Em Nápoles, com P.e Luciano, visitei as coisas mais notáveis, entre elas as catacumbas, mais amplas mas mais curtas que as de Roma, o Museu Nacional, o segundo do mundo, depois do Vaticano, segundo a opinião dos entendidos, e quanto ao oferecer uma perfeita representação material dos costumes dos antigos, o primeiro do mundo. Mas para isso seria preciso um caderno... Estivemos na gruta de Polisippo, um impressionante subterrâneo, onde se encontra o túmulo de Virgílio com as luzes acesas, etc.; visitámos Pompeia e Herculano, etc., mas falarei disto noutra minha, se dispuser de espaço; como também contarei em pormenor a minha viagem a Palermo e a Roma. Agora não tenho tempo, porque acabam de me anunciar que chegou a Suez, procedente de Calcutá, o vapor da Companhia das Índias e partirá novamente dentro desta semana. Eu parto amanhã para o Cairo e para Suez. Escreverei de Adem, mas na condição de não ficar em jejum de cartas suas.


[536]
Mando uma afectuosa saudação a todos os jovens, prefeitos e clérigos do nosso Instituto e encomendo-me às suas orações, pois a minha luta com os ingleses vai ser dura. Porque, para não mencionar o resto, diante da alfândega turca, nos divãs [chancelarias turcas] e nos consulados europeus, está afixado um aviso em que se proíbe aos cônsules e ao governador de Alexandria permitir a passagem de escravos ou negros sem indagar ou conhecer a sua procedência e sem que seja legalizada. Quero transcrevê-lo esta tarde antes de partir de Alexandria. Preciso, pois, ajuda do alto; mas não se deve ter medo. A cabeça de Xto. é mais dura que a de Satanás. E se Deus quer a obra, não há ingleses, nem turcos, nem diabo que se possam opor.


[537]
Apresente os meus respeitosos cumprimentos a P.e Tomba, P.e Fochesato, P.e Fukesneker, P.e Donato, P.e Clerici, P.e Urbani, P.e Lonardoni; a Toffaloni e ao filho e a todos os sacerdotes do Instituto; aos marqueses Carlotti; aos condes Cavvazzoca, Parisi, Morelli; igualmente ao Sr. Bispo, etc., etc. E eleve sempre uma oração aos Ssmos. Corações de J. e M.a por



Seu af.mo amigo Daniel




[538]
Especiais saudações ao meu afilhado Vítor, sobre o qual desejo notícias. As minhas saudações à fam. Patucchi e a Biadego, Fontana, etc. Receba os cumprimentos de J. Scaùi, que está bem e, pelo que me dizem os padres missionários, se porta bastante bem. Três furiosas tempestades enfraqueceram-me um pouco a saúde, mas já estou muito bem.






53
P.e Nicolau Mazza
0
Alexandrie
2. 1.1861

N.o 53 (51) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

Alexandria, 2 de Janeiro de 1861

Mui rev.do e amat.mo sr. superior,


 

[539]
Cheguei felizmente ao Egipto. Antes de mais nada, devo comunicar-lhe que em Roma me esqueci de lhe escrever que S. Em.a o cardeal Barnabó me disse que o mês passado recebeu uma carta do pró-vigário da África Central, na qual, não directamente mas em substância, Kirchner escrevia de uma tal forma que dava a entender que estava disposto a voltar à Europa e abandonar a missão, apenas o cardeal desse indicação; depois disse-me Barnabó que o pró-vigário está muito abatido. Depois, já no Egipto, soube que um dos dois franciscanos destinados à missão se cansou e retrocedeu até Negade, no Alto Egipto, onde se associou à missão dos reformados, dizendo que não queria mais saber da África Central. O P.e João (não sei se o nosso se o franciscano que ficou) partiu de viagem pelo Nilo Branco.


[540]
O P.e Ludovico disse-me em Nápoles que decidiu dar uma volta por toda a Europa com o fim de recolher todos os negros e levá-los para o seu convento de La Palma; e uma vez aquietados os assuntos políticos, quer ir a Paris e apresentar-se a Napoleão para lhe suplicar a graça de que não só favoreça o resgate dos negros, mas que se dirija a todas as potências da Europa a fim de que determinem e ordenem aos respectivos consulados do Egipto que tutelem, favoreçam e ajudem todos os que vão à África e ao Oriente à procura de negros para os trazerem para a Europa com o objectivo de os educar para a missão africana. O rei Francisco II aprovava e favorecia esta ideia e prometeu pôr em campo toda a sua autoridade real para recomendar o projecto ao imperador dos franceses e às potências da Europa.


[541]
No Egipto há agentes expressamente encarregados pelo Governo do Paxá e pelos consulados de vigiar se se leva algum negro para a Europa. Eu li um aviso oficial afixado num divã de Alexandria e nas chancelarias de todos os consulados europeus, no qual se proíbe absolutamente tanto às autoridades turcas como consulares favorecer a saída dos negros. Três negras do P.e Olivieri, quando iam do convento das Filhas da Caridade para a estação ferroviária do Cairo, foram detidas e encarceradas. Não podem sequer ir de Alexandria para o Cairo e vice-versa.


[542]
O pró-vigário apostólico do Egipto, que reside em Alexandria, diz-me que é absolutamente impossível levar negros para a Europa. Mas nós não devemos desanimar. Com a ajuda de Deus e com a protecção de Russel, obtida em Roma, graças a Lorde Pope Hennesy, espero, depois de grandes dificuldades, alcançar a meta desejada. Em Alexandria ninguém conhece o objectivo da minha viagem. Todos crêem que vou para a nova estação de Alexandria. Considerei oportuno confiar o assunto só ao pró-vigário do Egipto, homem prudentíssimo, conhecedor de todos os enredos e segredos do P.e Olivieri e que sabe guardar um segredo (coisa rara entre os frades, em nenhum dos quais me fio). Ele, que me acolhe no seu convento, que me vê ir e vir de Alexandria, que me estima, é bom que o saiba; não pode senão dar-me ideias, favorecer-me e indicar-me as maneiras mais convenientes de iludir os inimigos da obra.


[543]
A pessoa que escolhi como nosso correspondente em Alexandria, para o envio de dinheiro, é o sr. Ângelo Albengo, homem de bom senso, prudente, bom cristão e que desfruta também da absoluta confiança de P.e Beltrame. O sr. superior mandará o dinheiro ao cavalheiro Napoli, de Trieste; este, por meio do Lloyd Austríaco, sem depender do consulado da Áustria, enviá-lo-á directamente ao Sr. Ângelo Albengo, o qual, servindo-se dos vapores da Companhia das Índias, mo fará chegar a Adem.


[544]
Creio oportuno deixar totalmente fora deste assunto o cônsul austríaco de Alexandria, que é contrário à nossa empresa, pelo que me disse o pró-vigário do Egipto. Prova de que partilha das ideias dos outros cônsules do Egipto é o facto de, no caso dos quatro negros do P.e Olivieri, se ter desculpado dizendo não poder favorecer ninguém, dadas as leis egípcias vigentes, apesar de uma carta de recomendação do imperador da Áustria. Isto disse-mo o P.e pró-vigário. Por isso recomendo-me às suas orações e às do Instituto.


[545]
Amanhã parto para o Cairo e três dias depois irei de Suez a Adem. Junto com esta mando-lhe uma carta para o cavalheiro Napoli: depois de a ler, remeta-lha, se quiser. Encontrará o modo de enviar cartas e dinheiro.

Entretanto, apresente os meus respeitosos cumprimentos ao sr. bispo, a mons. Canossa, a P.e Albertini, a P.e César, às professoras Cavattoni e a todos os membros dos institutos masculino e feminino. Receba sentimentos de veneração e afecto de

Seu indigno filho

Daniel Comboni



Peço-lhe que saúde por mim o farmacêutico Caetano Sommacampagna.



Direcção das cartas que me enviem:

To most Reverend Sir Daniel Comboni

Apostololic Missionary in Adem

Dirigida sob registo ao

Cônsul-Geral Austríaco de Alexandria



Direcção para envio do dinheiro:




[546]
Enviará o dinheiro ao ilustríssimo cavalheiro sr. Luís Napoli; o qual, por meio de Lloyd Austríaco, o mandará directamente para Alexandria ao sr. Ângelo Albengo, a fim de que este o faça chegar, segundo as instruções recebidas, a Daniel Comboni, missionário apostólico em Adem.




[547]
N. B. Quando mandar o dinheiro ao cavalheiro Napoli, de Trieste, convirá que escreva imediatamente uma carta para Alexandria ao sr. Ângelo Albengo e outra a mim para Adem, comunicando-nos o envio.

Creio que será bom abster-se de fazer letras de câmbio endossáveis em Alexandria, porque aqui há muitos burlões e não poucas firmas desonestas. O dinheiro é mais seguro. Depois, em Alexandria, convertem-se em guinéus ingleses.

Daniel Comboni






54
P.e Nicolau Mazza
0
barco Candy
6. 1.1861

N.o 54 (52) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

A bordo do Candy, no mar Vermelho

6 de Janeiro de 1861



Mui rev.do sr. superior,


 

[548]
Espero que tenha recebido as minhas cartas de Alexandria e as dos nossos queridos missionários da África Central. Chegado ao Cairo a 4 do corrente, tive a consolação de encontrar o pró-vigário apostólico P.e Mateus Kirchner, com o qual me entretive aquela noite até à hora de partir para Suez. Ele goza de saúde e comunicou-me que P.e Dalbosco está óptimo; P.e Beltrame passa razoavelmente, embora tenha emagrecido consideravelmente e tenha envelhecido de forma que se lhe dariam uns 45 anos. Nós falámos sempre sobre a missão da África Central. Eis as notícias, que o sr. superior terá já lido nos relatos informativos dos nossos missionários.


[549]
P.e Alexandre e P.e João estão grandemente ansiosos por não terem recebido carta de Verona há mais de um ano. Ambos saíram de Cartum no nosso barco, Stella Mattutina, e, depois de passarem todas as cataratas, chegaram, no passado mês de Setembro, a Schellal, onde se encontra a nova estação. Aí está já terminada a casa, que é habitada pelos missionários que aí há actualmente e pelos rapazes da missão, que se exercitam incansavelmente no trabalho e na agricultura.


[550]
Desde o passado mês, encontram-se em viagem pelo Nilo Branco três missionários chefiados pelo P.e Morlan, já director da longínqua estação dos Bari, para lá de S. Cruz. Mas – disse-me o pró-vigário – certamente não chegarão ao fim da sua viagem, devido à guerra dos comerciantes com os negros; guerra atroz que induziu o Governo turco a defender os que não têm razão, ou seja, os comerciantes europeus e muçulmanos, e na qual já foram feitos três mil prisioneiros escravos, que são vendidos nos mercados de Cordofão, Sennar e Dôngola e forçados aos trabalhos mais vis. P.e Beltrame já terminou o trabalho do dicionário, da gramática e do catecismo dinca, mas não o enviou com medo de que se perdesse junto com as cartas. Escrevi-lhe do Cairo para que o mandasse para lá e avisei disso o pró-vigário; eu recolhê-lo-ei à minha passagem.


[551]
O pró-vigário tem pouca fé na conversão da África. «Se eu olho para a Europa – diz –, tudo é bonito; porém, se considero as coisas na África, onde está a realidade, vejo tudo preto, perco a esperança.»


[552]
Além disso, com grande surpresa minha, não vê com muito bons olhos o projecto de educar rapazes e raparigas africanos na Europa, porque lá são educados demasiado delicadamente, estudam demasiado as ciências e pouco a agricultura e os ofícios. Ele pensa, ao invés, levar um bom número desses jovens para a nova estação e fazê-los trabalhar de dia, dando-lhes à noite a instrução religiosa. «Para Nápoles – dizia-me – mando o menor número possível.» Pagou todas as dívidas da missão com dinheiro recebido da sua família, a qual fica como fiadora do sr. pró-vigário. Ele agora permanece no Egipto, esperando o conselho da Propaganda sobre dois pontos, a saber:

1.o Se se deve continuar a construir a estação para acolher outros missionários.

2.o Se se deve estabelecer e consolidar a união da missão com a Ordem Franciscana.


[553]
Esta Ordem mandou três frades: um deles morreu no Cairo; o outro abandonou a missão e retirou-se para junto dos seus na prefeitura apostólica do Alto Egipto; o terceiro continua firme no seu posto em Schellal, mas já está quase cansado. O geral dos franciscanos parece alheado da ideia de se unir à missão da África Central. Por isso temo que a união da missão com a Ordem Franciscana não trará nenhuma vantagem. O pró--vigário está disposto a ir a Roma para acertar tudo, mas por agora espera carta do cardeal. Parece-me ter bastante bom ânimo e não ser tal como Barnabó mo descreveu.


[554]
Tanto em Alexandria como no Cairo inteirei-me de que há um grande número de negros espalhados pelas Índias. A escravidão está em pleno auge na Arábia, onde se fazem numerosos leilões destes pobres negros; e um fulano disse-me que num leilão conseguiu três negras a 60 táleres cada uma. Em Alexandria soube que de Massaua e de Suakin, cidades da Abissínia nas costas do mar Vermelho, saem de noite embarcações com escravos para as costas da Arábia, onde o tráfico de negros não está abolido. E foi em tais circunstâncias que o vapor inglês, que liga Suez a Adem, se apoderou de um desses barcos negreiros. Portanto espero poder fazer em Adem uma escolha conforme as suas intenções. Basta que faça rezar pelo êxito desta empresa.


[555]
Há já um dia e uma noite que me encontro a bordo do Candy aqui no mar Vermelho. Somos cerca de 680 passageiros. Para este trajecto de Suez a Adem consegui, como por favor, uma passagem de segunda, não obtendo dos ingleses nenhum desconto. Assim tive que pagar o preço de tarifa, isto é, 19 libras esterlinas, equivalente a quase 25 napoleões de ouro.


[556]
Dei ordem ao nosso correspondente em Alexandria de cambiar todos os napoleões de ouro por libras inglesas, coisa que talvez devesse ser feita em Trieste. Mas sobre isto hei-de informar-me; porque sucede que no Oriente a libra esterlina vale um quarto por cento mais que a peça de 20 francos; assim, em Adem, de cada mil táleres com os napoleões de ouro perdem-se cerca de quarenta táleres. Portanto há que pensar. O senhor envie ao cavalheiro Napoli, de Trieste, napoleões de ouro e ele fará o que lhe escrever a modo de informação. Eu estou bem. Dentro de 8 dias chegarei a Adem. Peço-lhe a sua bênção, enquanto me subscrevo



Seu obedmo. filho

D. Daniel






55
P.e Francisco Bricolo
0
Adem
13. 1.1861

N.o 55 (53) - A P.e FRANCISCO BRICOLO

ACR, A, c. 14/5

Adem, 13 de Janeiro de 1861

Meu caro P.e Francisco,


 

[557]
Por agora não mando mais que uma simples saudação. Nas seis horas que estive no Cairo, tive oportunidade de ver o pró-vigário, que me deu excelentes notícias dos missionários que estão em Schellal. A mãe de Carré entregou-me dois guinéus turcos e um inglês para os seus filhos de Verona. Fale com o superior ou dê-as o senhor mesmo a Carré, que, quando eu regressar a Verona, acertaremos contas. Às cinco saí de Suez no Candy, vapor da Companhia das Índias, com 680 passageiros, a maior parte ingleses e orientais, sem contar a tripulação. Na noite do dia 10, passado o estreito de Bab-el Mandel, entrámos no oceano Índico e cheguei a Adem ao entardecer do dia 12. Cumprimentos a todos, a quem peço rezem pelo



Seu af.mo D. Daniel






56
P.e Nicolau Mazza
0
Adem
13. 1.1861

N.o 56 (54) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africane»

Adem, 13 de Janeiro de 1861

Amat.mo sr. superior,


 

[558]
Partido de Alexandria na manhã de 4 do corrente mês, cheguei a Suez de comboio na tarde do dia 5. Aqui tomei um vapor da Companhia das Índias, o Candy, junto com outros 680 passageiros, ingleses e orientais e, depois de sete dias de navegação, pelo mar Vermelho, com uma boa tempestade nos últimos três, especialmente ao entrar no oceano Índico, cheguei a Adem, onde agora me encontro em perfeita saúde.


[559]
Que no Cairo vi o pró-vigário, anuncia-o a minha anexa de 6 do corrente, escrita a bordo do Candy. Ao que nela expus devo acrescentar que o pró-vigário levou agora para o Cairo, no Stella Mattutina, algumas jovens negras trazidas de Sta. Cruz por P.e Beltrame. Entre elas está uma tal Zenab, da tribo dos Dincas, que eu conheço muito bem. Como domina o árabe e o dinca, foi ela, depois de um negro chamado Cachual, a pessoa que mais nos ajudou em Sta. Cruz e especialmente a P.e Beltrame, a compor o dicionário e a gramática dinca. Esta negra tem grande talento e bondade. E agora – pensando no plano que o senhor idealizou para a África Central – a jovem Zenab podia ser muito útil para introduzir no nosso Instituto Africano de Verona o conhecimento e a verdadeira pronúncia da língua dinca. Por isso, ainda que o pró-vigário se mostre um pouco renitente em mandar negros para Verona, estou certo que, perante uma carta sua, ele faria espontaneamente tudo o que o senhor quisesse. Pelo que me atreveria a sugerir-lhe, sr. superior, que escrevesse para o Cairo ao pró-vigário, pedindo-lhe que lhe ceda a bondosa Zenab, para o bem do seu Instituto de Verona, com a promessa de que no fim do seu período educativo ficará à disposição da missão. Ela agora encontra-se com as monjas do Bom Pastor, no Cairo. A carta pode endereçá-la assim:



Ao mui rev.do sr. P.e Mateus Kirchner pr.

No domicílio do cavalheiro Fathala Mardrus

Dirigida sob registo ao I. R. cônsul de Áustria

No Cairo (Egipto)




[560]
Em caso de uma resposta afirmativa (do que não tenho a menor dúvida), escreva-me mandando a carta para o Cairo, para o domicílio do cavalheiro Fathalla Mardrus.


[561]
Sobre a minha missão a Adem, eis o que até agora lhe posso dizer. O P.e Juvenal, espanhol, prefeito apostólico de Adem, quando passou por ali o P.e Luís, carmelita, tinha 16 negros de ambos os sexos. Porém, dado que, apesar dos seus reiterados rogos, ninguém na Europa queria tomá-los a seu cargo, distribuiu-os por diversas famílias. Agora só lhe restam três (os mais dóceis e de maior capacidade) que ele tinha pensado confiar a um comerciante; quando lhe chegou às mãos a carta que lhe escrevi de Veneza, reteve-os em sua casa e procurou que lhe devolvessem alguns dos que havia distribuído, mas sem resultado até ao momento.


[562]
Hoje visitei sete dos que estão com as famílias. E embora me reserve até examiná-los dentro de dois meses, durante os quais estudarei a sua índole e inteligência, contudo posso calcular com bastante segurança que levarei comigo pelo menos seis. Porém, tenha a certeza, sr. superior, de que porei o máximo cuidado em escolhê-los segundo as suas intenções, exigindo especialmente a docilidade. Até agora, nada posso dizer-lhe nem das meninas negras nem de algum rapaz ou rapariga já crescidos que possam servir de guia aos outros. Os seis aos quais deitei o olho são todos rapazes.


[563]
Mas parece que a Providência prepara as coisas de modo que possamos conseguir negros e negras para os educar na Europa. Vou explicar-lhe o assunto e o que penso sobre ele, remetendo-me completamente à sua vontade e às suas ordens, qualquer que seja a sua decisão depois do que lhe vou expor. No Egipto tomei conhecimento de que no Madagáscar há um grande número de negros e negras que se venderiam ao preço de 100 francos, ou menos. Sobre isto poderá ler o fascículo de Setembro de 1860 dos Anais da Propagação da Fé, no qual (disseram-me) o P.e Finnaz, prefeito apostólico das missões do Madagáscar, numa carta escrita em Mayotte, no arquipélago das Comores, se dirige à caridade europeia para resgatar.


[564]
Pois bem, entre os muitos viajantes que iam a bordo do Candy, havia bastantes que, segundo as minhas averiguações, eram indígenas da ilha Reunião ou Bourbon, submetida à França, da qual é uma rica colónia. E entre eles havia um excelente católico, o Sr. Emuabal Robert, natural de S. Bennoit, a mais rica província de Reunião, o qual é um negociante muito rico e que, por ter casas de comércio na costa do Madagáscar, na ilha de S. Maurício e de Reunião, possui um exacto conhecimento de todos os países da África Meridional. Depois de tratar uns dias com esta excelente personagem indígena da Reunião a fim de conhecê-lo a fundo, cheguei à conclusão de que é a pessoa mais indicada para me dar a conhecer a situação dos negros do Madagáscar.


[565]
Para isso encarreguei-o de procurar a mais exacta e recente informação sobre o que eu lhe pedia e de levar pessoalmente ao bispo de Reunião, que reside na capital, St. Denis, uma carta na qual, depois de lhe expor em francês o plano da criação em Verona de Institutos de educação femininos e masculinos para africanos negros, me dirigia a ele para obter informação exacta sobre os negros do Madagáscar no respeitante aos seguintes pontos:

1.o Quantos meninos e meninas negros de 6 a 10 anos estariam à minha disposição e a que preço os poderia eu resgatar no caso os encontrar dóceis e dotados de todas as qualidades que o meu Instituto exige (expus-lhas na carta).

2.o Se, uma vez comprados, poderiam ser levados de Madagáscar para a ilha de Reunião.

3.o Se em Reunião se poderia fazê-los declarar súbditos da França por meio do Governo da ilha, a fim de evitar as dificuldades que se encontram para passá-los para a Europa, desde a abolição da escravatura, estabelecida pelo Congresso de Paris.

4.o Que me indicasse os meios para aprender a língua do Madagáscar, no caso de os negros trazidos de lá serem adequados para a missão da África Central.

5.o Que se pusesse em contacto com o corpo de missionários a ele subordinado e dele dependente, encarregado das missões do Madagáscar.


[566]
No caso de todo o exposto resultar conforme as minhas intenções, depois de pedir conselho ao meu superior e de ouvir o seu parecer, eu estaria disposto a viajar até Reunião e, se o bispo o considerasse oportuno, também até Madagáscar, para eu próprio escolher os rapazes e as raparigas, conforme me permitissem o superior e a bolsa. Ora este assunto, sr. superior, merece toda a atenção. Todas as causas pelas quais vim a Adem buscar jovens abissínios estão a favor dos de Madagáscar, sempre que resultem positivas as respostas às três primeiras perguntas feitas ao bispo de Reunião. Além disso, Madagáscar oferece-nos um viveiro de negros, de modo a provermos com abundância os nossos institutos de Verona. Por isso, eu seria de opinião que se fizessem estas duas coisas:

1.o Viajar até Reunião, a fim de observar a índole dos negros de Madagáscar, conhecer as diligências a efectuar perante o despótico governo da rainha malgaxe e perante o governo francês da ilha de Reunião e examinar tudo o que concerne ao sucesso da nossa obra, a respeito dos jovens de Madagáscar. O bispo de Reunião e da Maurícia seriam os meus apoios.

2.o Dentre os negros que nos sejam oferecidos, escolher ou seis ou doze, como o senhor quiser, metade rapazes e metade raparigas e levá-los comigo para Verona, para ver se são aptos para o Plano da Conversão da África.


[567]
Esta é, sr. superior, a minha ideia. Eu submeto-a a si e espero uma rápida decisão. Pelo que vejo, meditando sobre este meu plano, eu não me demoraria nem um dia a pô-lo em prática; porém, isto é um assunto que pertence às altas esferas; por isso, espero ordens suas, em conformidade com as quais actuarei sempre, mas espero-as o mais rápido possível.


[568]
A ilha de Reunião dista de Adem 14 dias de vapor. Fica situada no oceano Índico, um grau e meio antes do Trópico de Capricórnio. Todos os meses parte um vapor de Suez para a ilha e vice-versa. O gasto seria de 300 táleres. Num mês e meio podia fazer tudo. Se empreendesse a viagem a Reunião e Madagáscar, então seria bastante provável que fizesse o regresso à Europa pelo cabo da Boa Esperança. Já me pus em contacto com duas companhias do Oriente para fazer um contrato. No caso de poderem ir pelo menos 18 pessoas, teria duas vantagens ao contratar uma viagem de Reunião a Marselha: a primeira é, espero, um menor custo da passagem; a segunda e mais importante é que evitaria graves problemas que, apesar das recomendações, espero encontrar no Egipto. Em qualquer caso eu pensarei sobre isso e encarregar-me-ei de o resolver. O senhor reze e faça rezar por mim, que só Deus há-de ser meu guia.


[569]
Não receio nenhuma dificuldade, incómodo, sofrimento, clima, quando tenho esperança de agir a favor do seu Plano para a Conversão da África. O senhor encarregue-se de dar-me ordens sobre o referido projecto e em mandar-me rápido o dinheiro que puder, mas que não ultrapasse os 500 napoleões de ouro nem seja menos de 100 dessas moedas. Ordene aos nossos correspondentes de Trieste e de Alexandria que procedam depois ao envio e a este último que o cambie logo em guinéus ingleses. Não lhe digo, por agora, a importância da viagem por pessoa, por não ter decidido por onde farei o regresso. Mas o sr. superior ensinou-me a não ter medo destas coisas. A única coisa que desejo com esta viagem é assegurar ao Plano um meio de ter sempre negros e negras adequados para a missão da África.

Espero que tenha entendido o meu projecto. Eu expu-lo mal, primeiro por falta de capacidade e depois porque tenho que apressar-me, porque hoje sai para Suez o correio das Índias.


[570]
Em Adem, que se encontra nos mesmos graus de latitude norte que os Dincas, faz muito calor e apanham-se valentes febres: hoje, ao meio-dia estávamos com 29 graus Réaumur. Aqui encontram-se o prefeito apostólico e um leigo capuchinho. Outro padre capuchinho, missionário em Adem, voltou à Europa castigado pelas febres. Eu estou bem, alegre e cheio de esperança de obter bons resultados. Não tenho oportunidade de falar em italiano. Aqui em Adem fala-se árabe, inglês, espanhol e português, todas elas línguas que entendo e nas quais terei de tratar os meus assuntos. Entretanto, comecei a interessar-me pelas línguas abexim e malgaxe e espero que no fim da Primavera, quando chegar a Verona, não as ignorar totalmente, pois podem ser úteis para o nosso Instituto e para o seu Plano.


[571]
Apresente os meus respeitosos cumprimentos a todos os sacerdotes e professoras do Instituto, a P.e César, ao bispo, a P.e Albertini, a Mons. Canossa, e muitas, muitas saudações aos sr. tio Paiola. Conceda a sua bênção a



Seu indigmo. filho

Daniel




[572]
Dentro de quarenta dias receberei certamente a resposta que dará à minha carta o bispo de Reunião, mons. Montpoint.






57
P.e Nicolau Mazza
0
Adem
23. 1.1861

N.o 57 (55) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

Adem, 23 de Janeiro de 1861

Rev.mo sr. superior,


 

[573]
A sublime Providência que no governo de todas as coisas procede gradualmente e com ordem sapientíssima e que, jamais actuando inutilmente, dirige todas as coisas para a realização dos seus amorosos desígnios mediante um regular encadeamento de vicissitudes, incitava-o, querido superior, a enviar-me a Adem para procurar um bom número de rapazes e raparigas negros, adequados aos santíssimos fins do seu grande Plano para a conversão da África.


[574]
Aqui, permitindo o Senhor que, de entre bastantes jovens por mim examinados, não me fosse possível escolher senão alguns rapazes Gallas, compraz-se, em troca, por sua divina misericórdia, em abençoar mais generosamente a minha viagem, pondo diante de mim e fazendo-me conhecer claramente um canal eficacíssimo e seguro para fazer chegar aos nossos Institutos Africanos de Verona o número de indivíduos jovens de ambos os sexos que é necessário para a execução do Plano por si sabiamente concebido, segundo o espírito da Igreja, que com tal objectivo fundou há séculos, em Roma, o Colégio Urbano de Propaganda Fide, no qual ingressam jovens escolhidos de todas as partes do mundo, a fim de que, depois de recebida a instrução adequada, regressem a suas terras de origem para comunicar a seus conterrâneos todos os bens da civilização e da religião, com os quais se enriqueceram à sombra do augusto estandarte da cruz no centro do catolicismo.


[575]
Vou contar-lhe brevemente o que, a respeito disso, me indicaram pessoas bem informadas (entre elas o distinto sr. Boaventura Mas, homem rico de negócios, espanhol, excelente católico e grande conhecedor de todos os países da África Oriental, onde possui muitas casas de comércio e de quem se serve o bispo de Reunião, encarregado das missões de Madagáscar e ilhas adjacentes, para manter a necessária correspondência com as mesmas e proporcionar-lhes eventuais ajudas). E vou explicar-lhe este canal, propondo-lhe os meios que me parece descobrir e dos quais nos poderemos servir em benefício da missão da África Central; e o sr. superior, entendido e considerado tudo, decidirá, agirá e fará tudo conforme lhe parecer oportuno.


[576]
Depois do Congresso de 1865, em que as grandes potências da Europa, reunidas em Paris para regular os assuntos do Oriente, aboliram a escravatura e o tráfico de negros, a França e a Inglaterra sempre mantiveram frotas de vapores que percorrem o mar Vermelho e a parte do oceano Índico, com o qual a África austro-oriental confina, para vigiar e proteger o cumprimento dos decretos acordados contra o infame tráfico. Porém, estes dois países, a fim de prover de trabalhadores as colónias que necessitam de braços para cultivar os terrenos, promulgaram uma lei segundo a qual são fixados certos países ou ilhas a eles sujeitas, onde os respectivos governadores europeus estão autorizados a fazer os chamados engagés, quer dizer, a declarar livres todos os escravos negros que lhes são apresentados pelas pessoas munidas de um documento passado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, mediante o qual ficam autorizados a procurar negros para o seu serviço.


[577]
A França estendeu esta lei a todas as suas colónias da África Oriental, porém, devido a enormes abusos por parte de muitos, que, sob a aparência de fazerem engagés, exerciam, de facto, o infame tráfico de negros, teve de ser limitada a apenas três ilhas francesas situadas no oceano Índico, junto a Madagáscar, ou sejam, Mayotte, Nos-beh e Ste. Marie, cuja localização corresponde na longitude sul e na latitude este, segundo o meridiano de Paris, como se segue:



Ilhas submetidas a França Lat. sul Long. este de Paris



Mayotte 12o 30’ 43o

Nos-Beh 13o 46o

St. Marie 17º 48o




[578]
Portanto, no caso de nos ser possível obter do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França esse documento a autorizar-nos a arranjar o número de rapazes e raparigas que actualmente são necessários para os nossos Institutos Africanos de Verona, eu poderia percorrer os mercados públicos do arquipélago das Comores, da ilha de Madagáscar e de outros pontos das costas da África Oriental, escolher esse número de negros e negras que o senhor deseja – mesmo que fossem mil – resgatá-los mediante o preço estabelecido no contrato – que é de 50 a 100 francos por indivíduo – e depois apresentá-los ao governador de uma das três ilhas: Mayotte, Nos-Beh ou St. Marie, a fim de serem declarados livres e súbditos da França. E posteriormente, uma vez providos de passaporte regular francês, conduzi-los à Europa pelo cabo da Boa Esperança, nos barcos que me ofereceu o distinto senhor D. Boaventura Mas, que todos os anos envia oito ou dez navios a Marselha, depois de os ter carregado nas Índias orientais e nas costas de África.


[579]
Depois de examinar e ponderar tudo, vejo com bastante clareza que este canal, que lhe expliquei, é um meio que a Providência nos indica para, no decurso de um ano, obtermos para os nossos Institutos Africanos de Verona o número de rapazes e raparigas que o senhor deseja; deste modo, poderemos recuperar o considerável tempo perdido até agora durante bastantes anos, nos quais não foi possível aos nossos missionários trazer para os nossos colégios de Verona jovens africanos para a execução do seu projecto. His positis:

«Proponho-lhe, rev.mo superior, fazer uma expedição à África Oriental para resgatar 100 ou pelo menos 50 indivíduos entre rapazes e raparigas para os nossos Institutos Africanos de Verona.»


[580]
Para tal fim, penso regressar dentro de pouco tempo à Europa com os jovens que me foi possível recolher em Adem, para tratar e preparar consigo este importantíssimo assunto, obter em Paris a autorização, antes mencionada, do Ministério dos Negócios Estrangeiros de França, e dispor tudo para a futura expedição à África Oriental, no caso de o senhor estar de acordo com a minha ideia.


[581]
Para obter essa autorização – supondo que o senhor não tem outros meios melhores ou mais imediatos e normais –, eu pensaria ser conveniente apresentar-me eu mesmo nas assembleias centrais estabelecidas em Lião e em Paris para a propagação da fé ou algum dos seus membros principais, como seria mons. Coulin, provido das credenciais de missionário apostólico que me outorgou em Roma a Sagrada Congregação de Propaganda Fide e de uma carta sua. Deste modo, ser-me-ia viável obter acesso ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de França, onde, exposto com toda a franqueza o objecto da nossa petição, não duvido de que se satisfariam plenamente os nossos desejos.


[582]
No meu regresso de Paris, eu passaria por Marselha para, na Casa Vidal, da qual é membro principal o sr. Mas, tratar da época e dos meios para transportar os negros para a Europa.

Regressado a Verona, entre outras coisas que trataríamos de viva voz, estaria o dar-me como companheiro um sacerdote do Instituto, para com ele partilhar as fadigas da expedição. E isto é necessário para que, em caso de morte de um dos dois, o sobrevivente possa continuar a obra segundo o mesmo espírito; e também porque se as circunstâncias na África Oriental nos obrigassem a servir-nos de dois barcos para ir para Marselha, em cada um deles haveria um sacerdote para assumir a direcção e responsabilidade do respectivo grupo de jovens africanos.


[583]
De entre os sacerdotes do nosso instituto, o que a mim me parece mais apto para me servir de companheiro na difícil expedição é P.e Bartolomé Clerici, sacerdote muito sensato, de excelente critério e virtudes, dotado de robusta saúde e que sabe algo de árabe e está muito habituado aos africanos, cuja índole e tendências conhece e, portanto, poderia ser de inestimável ajuda ao fazer uma boa escolha; e voltando a Verona, poderia associar-se ao digníssimo reitor dos colégios masculinos, P.e Francisco Bricolo, na direcção do colégio africano, na qualidade de vice-reitor.


[584]
Além deste excelente sacerdote, conviria que o sr. superior, de entre as senhoras dos nossos institutos femininos, escolhesse uma a quem pudesse encarregar da custódia, direcção e necessidades das raparigas eventualmente resgatadas; naturalmente deve ter as seguintes qualidades: costumes inatacáveis, idade canónica, amante da discrição, corajosa, robusta e o mais feia possível (como, por exemplo, a ex-ecónoma Borgato). E isso deveria fazer-se também no caso de eu encontrar aqui uma negra com os requisitos que o senhor exige, segundo o que me pediu antes da minha partida de Verona.


[585]
Quanto aos meios económicos necessários para esta expedição, calcule que os gastos com a viagem dos dois sacerdotes e da tal senhora, mais a compra e transporte dos rapazes e raparigas negros até Verona, ascenderiam a 5000 táleres, no caso de levar 50 indivíduos; e a 8000 táleres no caso de serem 100 indivíduos. Nesta soma incluo também um módico preço que a casa Mas-Vidal me poderia levar pelo transporte dos negros desde Madagáscar até Marselha, embora o P.e Juvenal de Tortosa, prefeito apostólico da missão de Adem, me assegure e me faz esperar que, dada a estima e o afecto que me tem o sr. Mas (não sei por que méritos e qualidades), eu não teria que pagar por toda a viagem até França mais que a comida. Em todo o caso, creio que o senhor, amantíssimo superior, que viu tantos gestos admiráveis da divina providência, não deve preocupar-se muito com os gastos.


[586]
O senhor junte todo o dinheiro que puder. E se Deus não quer que essa importância chegue a ser suficiente para esta grande expedição, não desanimarei, porque não é improvável que a Providência nos abra uma nova via, que agora não lhe comunico por não dispor de tempo para aduzir as razões em que me baseio. Portanto, comece a juntar todo o dinheiro que lhe vier às mãos; e o que não nos puder dar à nossa partida, poderá enviar-no-lo uns meses depois para Marselha, para o Instituto das Irmãs de S. José da Aparição, segundo o que hei-de combinar de Verona com a superiora geral dessa ordem, residente em Roma, à qual estou ligado com laços da mais santa amizade.


[587]
Quanto à língua nativa dos indivíduos que resgatarmos na África Oriental, embora isso seja secundário, durante a nossa estada ali esforçar-nos-emos, com os meios que a Providência nos proporcionar, por chegar ao seu conhecimento e domínio, de maneira que, posteriormente, se for necessário, possamos introduzi-la nos nossos institutos.


[588]
Ora bem, como entre os contratempos que poderiam surgir para dificultar o nosso projecto se poderia contar o caso de a França, contrariada pelos contínuos abusos que ocorrem contra a lei promulgada em favor das suas colónias, eliminar também em Mayotte, Nos-Beh e Ste. Marie o privilégio de fazer engagés, como sucedeu há dois anos na mais florescente das suas colónias, a ilha de Reunião, que antes gozava dos mesmos privilégios que essas outras três ilhas, creio, pois, oportuno realizar o mais rápido possível a mencionada expedição, antes de nos fecharem o caminho de arranjar jovens para formar nos institutos africanos.


[589]
Portanto, eu seria partidário de empreender a expedição dois ou três meses depois de eu chegar à Europa. Segundo os meus cálculos, demorar-se-ia um ano ou dois a levá-la a cabo e durante esse tempo poder-se-iam preparar, tanto em Canterane como em S. Carlos, locais adequados para alojar os jovens que resgatássemos, os quais estariam por completo separados dos outros Institutos, a fim de lhes dar uma educação totalmente própria e adaptada ao plano da missão da África Central.


[590]
Assim, para a Primavera ou quando muito para o Verão do próximo ano de 1862, teríamos ocasião de ver em Verona a serem implantados dois nutridos Colégios africanos, que devemos considerar como o prelúdio da conversão da África. E assim poderíamos esperar, não em vão, a chegada do tempo pelo qual tanto suspiramos, no qual finalmente se verá brilhar um fulgurante raio da divina luz da fé de Cristo nalguma tribo dos vastos países dos míseros negros, que estão curvados sob o jugo de Satanás, sentados ainda nas trevas e sombras da morte.


[591]
Não é óbice para nada disto que nas missões da África Central, que se estendem entre o equador e o trópico de Câncer, nos sirvamos de pessoas procedentes de países compreendidos entre o trópico de Capricórnio e o equador, uma vez que o clima, os costumes, o carácter e a capacidade de assimilar os ensinamentos que têm os indivíduos nascidos entre ambos os trópicos são os mesmos. Igualmente não é obstáculo a diversidade de línguas que existe entre as várias nações dos dois trópicos, dado que esta dificuldade justamente foi até agora desprezada, tratando de arranjar rapazes e raparigas muito jovens, como sabiamente o senhor deseja e ordena, dos quais se pode obter, como sabemos por experiência, óptimo resultado mediante uma sábia e formal educação.


[592]
Finalmente, tão-pouco são obstáculo as severíssimas leis existentes agora no Egipto, que proíbem a exportação de negros e negras; porque para iludir as capciosas e severas indagações das polícias do Governo egípcio e dos consulados de Alexandria, idealizei a árdua e longuíssima viagem através da rota do cabo da Boa Esperança, através do oceano Atlântico, tentando com ela evitar também o perigo de comprometer o futuro das missões da África; pois que poderia ser que sobreviessem tempos favoráveis, em que do Nilo Branco se pudessem mandar para a Europa indígenas dincas ou kich ou indígenas das estações que se fundarem na África Central, e se nós passássemos agora pelo Egipto com uma grande multidão de negros, os governos poderiam promulgar leis ainda mais severas que as agora vigentes, as quais constituiriam um perpétuo obstáculo para a continuação do plano sublime da criação de institutos africanos na Europa.


[593]
Assim pois, amat.mo padre superior, aqui fica sucintamente exposto o eficacíssimo canal que a Providência nos abriu para a criação dos Colégios Africanos em Verona e também, esquematicamente delineados, os meios para utilizá-lo em benefício das missões da África. Mais adiante, conforme as ideias e as circunstâncias que o Senhor sobre o assunto nos for oferecendo, poder-se-ão fazer as modificações oportunas. Segundo vejo as coisas agora, parece-me que Deus, para quem o tempo não existe, permitiu que se protelasse a execução do seu grande plano, porque não necessita da colaboração do homem, apesar dos esforços deste; e do mesmo modo me parece que Deus, sem o nosso concurso, nos traçou o caminho para ressarcir-nos do tempo perdido.


[594]
Por isso, quanto mais medito no projecto que lhe expus, mais vejo nele um obra da qual resultará uma grande glória para Deus e muitas almas ganhas para Cristo. De modo que, da minha parte, estou disposto a fazer qualquer sacrifício e a suportar as mais duras fadigas e incómodos – inclusivamente parecer-me-ia muito leve e suave o sacrifício do meu sangue e da minha vida – para ajudar na realização desta santa obra; na condição, isso sim, de que o sr. superior queira. De maneira que todo o importantíssimo assunto está nas suas benditas mãos.


[595]
Tanto se o aprovar em toda a sua extensão, como se o desaprovar em parte, como se o rejeitar por completo, o sr. superior constituirá sempre o centro dos meus olhares e anseios, a regra pela qual pautarei meus actos; verei como vontade de Deus tudo aquilo dispuser. E se o plano que propus de uma expedição à África Oriental fosse uma ideia estúpida que me veio à mente ou um desvario, um delírio, em tal caso teria a consolação de cometer um gravíssimo erro não à vista do público, com notável prejuízo para o Instituto e a sua reputação, mas perante um pai amantíssimo que, na minha queda, pode estender-me uma mão e levantar-me.


[596]
Suplico-lhe encarecidamente que eleve ao céu fervorosos votos para que só Deus guie os meus passos e dirija as minhas acções, de tal modo que eu corresponda fielmente às inspirações e impulsos divinos, enquanto implorando a sua paternal bênção, com todo o carinho e veneração me declaro nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria



Seu obedmo. e indigmo. filho

Daniel Comboni m. a.






58
P.e Nicolau Mazza
0
Adem
24. 1.1861

N.o 58 (56) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

Adem, 24 de Janeiro de 1861

Amat.mo sr. superior,


 

[597]
Participo-lhe que, de entre bastantes jovens que tenho vindo a examinar, até agora só escolhi cinco, nos quais pude encontrar indícios fiáveis de que possuem as qualidades exigidas pelo nosso Instituto; entre elas, parece-me que o Senhor lhes concedeu tal docilidade que poderemos moldá-los como quisermos. A estes cinco rapazes, depois de terem aprendido o catecismo em inglês, foi-lhes administrado o baptismo, o que vai contra as leis da Igreja, porque da língua inglesa só sabem, e mecanicamente, as palavras do catecismo, tal como lho ensinou um soldado irlandês, sem compreender nada do significado.


[598]
Por isso comecei a estudar a língua dos Gallas e esforço-me por lhes ensinar os mistérios principais e as verdades centrais mais necessárias com a ajuda de um pouco de árabe, galla e indostânico. Creio que os dois jovens gallas do missionário carmelita estarão nas mesmas condições.


[599]
Cheguei a Adem num momento bastante crítico, por causa do antagonismo e do conflito que existe entre o prefeito apostólico de Adem e o Governador. As coisas chegaram a tal ponto que de duas uma: ou se vai embora o Governador ou tem que partir o chefe da missão católica. Eu aproveitei a ausência temporária do Governador para implorar do seu substituto um passaporte para os cinco jovens escolhidos e expus em plena assembleia as razões pelas quais o Governo inglês está obrigado a proteger a liberdade destas pessoas; porém, no substituto e nos assessores não encontrei mais que uma pusilânime frieza. Finalmente, chegou ontem de Bombaim o Governador, acérrimo inimigo do P.e Juvenal, prefeito apostólico de Adem; e exposto o assunto mais sob aspecto civil que religioso, encontrei nele tanta amabilidade, que se ofereceu para dar passaporte aos que eu quisesse.


[600]
Eu, que no princípio só lhe falara de dois para não chamar demasiado a atenção, hoje apresentei-lhe os cinco e ele emitiu os respectivos passaportes para a Europa; mais, pediu-me que lhe deixasse um dos rapazes para lhe tirar uma fotografia, arte de que é grande entusiasta, e, depois, fê-lo acompanhar gentilmente até à missão.


[601]
Os nomes dos cinco até agora escolhidos são: Francisco Amam, Baptista Âmbar, Luís Jéramo, Pedro Bullo e José Eianza, todos da tribo dos Gallas e aptos para as estações do Nilo Branco, onde eu vi muitíssimos desta tribo que se estende entre os 7.o e 13.o de lat. N. A respeito das negras, a verdade é que até agora me foi impossível conseguir alguma. Examinei três, uma das quais serviria; mas ela não quer ir, ainda que os seus patrões portugueses, seduzidos pela santidade da obra, fizessem o sacrifício de ma ceder. Mas, pelo que vejo, não é conveniente forçar as coisas demasiado; assim que será provável que de Adem não leve nenhuma rapariga para Verona.


[602]
Penso ficar aqui até certificar-me se devo levar ou não comigo outros dois jovens. Estou à espera das informações do bispo de Reunião e quanto antes me for daqui, melhor; não vá acontecer que o único missionário e prefeito apostólico de Adem se veja obrigado a partir e me toque a mim a sina de ficar provisoriamente encarregado da missão de Adem até que a Propaganda mande outro.

Ontem expus-lhe o plano de uma expedição à África Oriental. Durante a minha estada em Adem procurarei obter dados o mais exactos possível e sobre o assunto darei as necessárias informações.


[603]
Até agora penso regressar pela rota do Egipto e em tal caso creio que estarei em Verona até meados de Março. Porém, poderia acontecer que se me oferecesse uma favorável ocasião de apanhar um vapor francês que no próximo mês de Fevereiro passa por Adem e se dirige a Marselha pelo cabo da Boa Esperança; nesse caso, se pudesse conseguir um contrato mais vantajoso do que para Trieste, via Egipto, procuraria não desperdiçá-lo, dado que no percurso se tocam alguns lugares onde poderia obter informação e ver com os meus próprios olhos certas ilhas onde haveríamos de conseguir os negros. Em suma, fazendo escala em Reunião, Madagáscar ou Mayotte, poderia até trazer daí algum nativo e, o que é mais importante, empreender algumas diligências oportunas para a nossa futura expedição, caso o senhor decida levá-la a cabo.


[604]
E aqui termino, porque o vapor de Calcutá para o Suez parte imediatamente. Esperava poder descrever ao digmo. sr. reitor P.e Bricolo a dolorosa história da captura dos negros roubados pelos traficantes abissínios; mas fá-lo-ei quando passar o próximo vapor. Estou triste, porque desde a minha partida de Verona até agora não recebi nenhuma notícia de si nem do Instituto. Ainda que P.e Bricolo não me escreva, diga-lhe que eu sou fiel às minhas promessas e sempre o serei.


[605]
Meus respeitosos cumprimentos ao sr. bispo, a P.e Pedro Albertini, a mons. Canossa, a P.e César, ao tio Paiola, a todos os sacerdotes e membros dos institutos masculino e feminino, assim como aos senhores Bertoldi e Beppino, aos srs. Festa, ao pároco de Santa Eufémia, etc., etc., enquanto com todo o respeito me declaro

Seu obedmo. filho Daniel



N. B. Esquecia-me de lhe dizer que tanto os cinco jovens que tenho comigo como os dois que estão em Verona são gallas e não abissínios.






59
P.e Nicolau Mazza
0
Adem
2. 2.1861

N.o 59 (57) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

Adem, 2 de Fevereiro de 1861

Mui rev.do sr. superior,


 

[606]
Esta manhã, às sete, o Senhor concedeu-me a graça de poder baptizar solenemente uma jovem negra adulta da tribo dos Suakin, situada na linha equinocial. Trata-se de uma escrava comprada por uma família espanhola na ilha de Zanzibar. Trazida para Adem, ninguém se ocupava dela, apesar de ter excelentes disposições de espírito e estar ao cuidado de uma família católica. Tendo contactado sobre o assunto o prefeito apostólico de Adem e os patrões da rapariga, eu mesmo fui encarregado de a instruir. Entreguei-me ao trabalho com energia e em dez dias o prefeito encontrou-a apta para o baptismo; eu mesmo, por ordem do dito superior, lho administrei esta manhã, com grande alegria da neófita.


[607]
Hoje, às quatro da tarde, parto de Adem com sete rapazes a bordo de uma fragata francesa procedente da China e que se dirige para Suez. Apesar do antagonismo que existe entre o chefe da missão católica de Adem e o governador inglês, eu fui por este gentilmente tratado, concedendo-me uma carta de alforria também para os dois últimos rapazes. Parece que este prefeito apostólico se dispõe a partir de Adem para se refugiar em Gidá, na Arábia. Para evitar que por acaso me toque ficar em Adem até às calendas gregas, quer dizer, até Roma enviar outros missionários em substituição do actual superior, um tanto injustamente perseguido pelo Governo inglês, eu aproveitei a ocasião propícia da passagem de uma fragata da Armada francesa para me ir embora com os sete rapazes. Já dificilmente teria podido apanhar outro barco.


[608]
Tenho comigo sete bons jovens que, na opinião deste prefeito apostólico são muitíssimo dóceis. Quatro deles têm uma inteligência fora do comum, o quinto tem uma boa capacidade e os outros dois um talento normal. Creio que todos eles são aptos para o seu projecto. Eu esforcei-me por escolhê-los conforme as suas intenções. Deus fará o resto. Assim pois, a bordo do Duchellas, no qual viaja o embaixador francês na China, eu devo chegar no dia 10 a Suez. No Cairo, interpretando a sua vontade, pedirei ao pró-vigário P.e Mateus Kirchner a jovem Zenab, que sabe bem o árabe e o dinca, sobre a qual já lhe escrevei outra vez. Se errar em tal circunstância, como em todas as demais, peço-lhe me dê uma boa lavagem à minha chegada e que seja sempre uma norma para o futuro.


[609]
Quanto ao dinheiro, industriei-me em pedir emprestadas 60 libras esterlinas, correspondentes a 1500 francos, mais a perda de 88 francos sobre os 75 napoleões de ouro. Ao todo pedi emprestados 317 táleres e meio, com a obrigação de os devolver logo que chegue a Verona. Achei conveniente fazer isto também para que os rapazes não ficassem a minhas expensas, dada a pobreza da missão católica de Adem.


[610]
Deter-me-ei em Alexandria até 20 do corrente para solucionar os problemas que vou ter com o Governo turco e com os consulados europeus, até poder fazer valer a poderosa recomendação de Russel, que obtive em Roma de Lorde Hennesy Pope; de maneira que, sem dúvida, no fim do presente mês de Fevereiro estarei em Verona. Apresso a minha partida para começar a preparar de seguida tudo o que for necessário para a expedição à África Oriental, no caso de o senhor aprovar e ordenar a realização do projecto.


[611]
Espero que tenha recebido as minhas cartas, nas quais eu lhe expunha o eficacíssimo meio para criar dois nutridos Institutos Africanos em Verona. Tendo exposto a minha ideia (isto é, o que julguei oportuno para sondar e indagar as suas intenções) a S. E. o visconde Henriot de Langle, almirante da frota francesa de Reunião e da África Oriental, ele não só a aprovou como me ofereceu a sua protecção e ajuda no caso de se realizar. De Adem até Suez viajo com o embaixador francês procedente da China.


[612]
Em razão das circunstâncias e segundo o grau de confiança que me outorgar e as intenções que nele descobrir, poderei indagar sobre a autorização que deveremos obter do Ministro dos Negócios Estrangeiros da França para fazer engagés nas ilhas da África Oriental pertencentes a esse grande Império. Bem entendido que, não conhecendo eu até agora a sua vontade, não posso avançar para obter mais esclarecimentos. Recolha muito dinheiro para esta obra, que poderá produzir grande glória a Deus; do resto ocupar-se-á a Providência.

Na esperança de voltar a vê-lo dentro de um mês, peço-lhe saúde da minha parte P.e Bricolo, todos os sacerdotes e Caetano, boticário em S. Sebastião. Entretanto, pedindo a sua santa bênção, subscrevo-me com todo o afecto e veneração



Seu indigmo. filho

Daniel






60
P.e Nicolau Mazza
0
Cairo
18. 2.1861

N.o 60 (58) - A P.e NICOLAU MAZZA

AMV, Cart. «Missione Africana»

Cairo, 18 de Fevereiro de 1861

Rev.mo sr. superior,


 

[613]
Por causa de uma forte tempestade, que o nosso vapor, o Du Chayla [Duchellas], suportou durante os nove dias seguidos que gastámos de Adem a Suez, eu não cheguei a tempo para combinar todos os meus afazeres no Egipto e partir para Trieste com o actual vapor austríaco; por isso, aconselhado também pelo sr. pró-vigário P.e Mateus, vou esperar a outra carreira do Lloyd. Estes quinze dias de intervalo são-me necessários para resolver todas as dificuldades que irei encontrar em Alexandria. O pró-vigário é de opinião que será difícil que eu consiga fazer sair os negros de Alexandria; e isto, entre outras coisas, pela razão de que a agência do Lloyd recebeu ordem do Ministério de Viena para não receber a bordo nenhum negro. A mesma coisa se diz dos vapores inglês e francês. Eis a grande utilidade da minha recomendação junto do cônsul-geral inglês de Alexandria.


[614]
Os jovens fi-los declarar súbditos ingleses; portanto o consulado inglês deve proteger a liberdade dos seus súbditos. O documento de cidadania inglesa, porém, só o apresentarei à representação inglesa em caso de graves obstáculos; primeiro seguirei os processos ordinários. Em todo o caso, tenho necessidade de uma especial assistência divina. Amanhã, com o senhor pró-vigário, irei de novo ter com o cônsul-geral de Alexandria, que está no Cairo, para obter recomendações para o Lloyd austríaco. Esta sociedade – diz-me P.e Biagio Verri – companheiro do P.e Olivieiri, não concederá a negros nenhum desconto, no caso de o cônsul austríaco dar instruções para a embarcação dos negros, pelo que terei que gastar muito.


[615]
Eu tenho comigo sete negros trazidos de Adem, mais Zenab, a rapariga dinca que ajudou P.e Beltrame a compor o dicionário, catecismo e gramática da língua dos Dincas. O pró-vigário, à minha primeira pergunta, deu um não absoluto; mas, voltando à carga, depois de passada a conturbação e depois de lhe expor o benefício que resulta para o nosso Instituto com a introdução, por meio dela, da verdadeira pronúncia dinca, resolveu-se a ajudar-me. Encontrei um grave obstáculo na superiora das monjas do Cairo, que gostava dela. Mas, no fim de tudo, está agora à minha disposição. Preparem-se, pois, as nossas professoras para o estudo do dinca.


[616]
Para conduzir estes oito indivíduos a Verona, se não me fizerem nenhum desconto, querem-me 500 táleres; eu tenho apenas 300, que pedi emprestados em Adem. No caso de o sr. superior não me ter até agora mandado nenhum dinheiro, rogar-lhe-ia que, se receber esta carta antes do dia 25 do presente mês, mande ao cavalheiro Napoli de Trieste 50 napoleões de ouro, pedindo-lhe que, se ainda houver tempo, mos envie imediatamente para Alexandria no vapor do dia 27 do corrente. No caso de esta carta chegar depois de 25 do corrente, mande os 50 nap. ao cav. Napoli antes do dia 5 de Março, solicitando-lhe que mos entregue à minha chegada a Trieste. Se porém, já tiver mandado dinheiro para Alexandria, então fique tranquilo e espere-me em Verona antes de meados do próximo mês de Março. Em todo o caso existe a Providência; industriar-me-ei.


[617]
O cônsul-geral austríaco de Alexandria, que regressou de Assuão, disse-me esta manhã que P.e Beltrame e P.e Dalbosco estão bem e entregou-me um pacote de cartas dirigidas a si para que lhas leve para Verona. Mas, dado que hoje decidi com o pró-vigário esperar pelo barco seguinte, amanhã devolverei o pacote ao Cônsul para que ele mesmo lho envie para a vice-intendência de Veneza e assim ficará mais certo que lhe chegarão prontamente às mãos.

Até agora, os jovens que escolhi têm-me dado muitos motivos de satisfação. Espero que nisto o próprio Deus me tenha guiado.


[618]
Saúde da minha parte a P.e Bricolo e a todos os sacerdotes e colégios; enquanto imploro a sua bênção, nos Ssmos. Corações de Jesus e de Maria, me declaro com todo o respeito



Seu af.mo e indigmo. filho

Daniel



Receba cumprimentos de P.e Mateus Kirchner, que em breve partirá para Assuão.




[619]
N.B. O cônsul-geral austríaco de Alexandria, S. E. Schreiner, obteve de Sua Alteza o Vice-Rei do Egipto autorização para construir um caminho de ferro entre Suakin e Berber para unir o mar Vermelho com o Nilo e o N. Branco, o que contribuirá muito para a civilização e conversão da África. Deus o queira.