A expressão “Cristo Rei” é um pleonasmo, mas significa que o Cristo de Israel assume um poder universal, sobre a humanidade, e sobre a natureza à qual a humanidade está ligada. Não existe nada mais perturbador do que a possibilidade dada aos homens de se fazer pesar sobre a liberdade de outros homens, de dirigi-los. Com que direito e a que título?

Solenidade de Cristo Rei do Universo
João 18,33-37

Qual poder?

A expressão “Cristo Rei” é um pleonasmo, mas significa que o Cristo de Israel assume um poder universal, sobre a humanidade, e sobre a natureza à qual a humanidade está ligada. Não existe nada mais perturbador do que a possibilidade dada aos homens de se fazer pesar sobre a liberdade de outros homens, de dirigi-los. Com que direito e a que título? Desde sempre, inventaram-se sistemas para designar os detentores da autoridade: herança, eleições… porque a autoridade parece ser indispensável para refrear os riscos de violência nascidos da competição selvagem. Cada um aspira de fato a ter algum poder, pois isto lhe traz, além de outras vantagens, a confirmação da sua importância, do seu valor, e do estar no centro das atenções. Há, portanto, uma busca pelo poder. Um político francês, grande homem, dizia que, depois de se ter experimentado o poder, não se pode mais passar sem ele. É uma droga que faz o homem esquecer a sua fragilidade. A busca pelo poder é em si mesma viciosa, porque o que em princípio justifica o poder é “a desigualdade”, ou seja, a superioridade. E uma superioridade que deve ser real: mais saber, mais inteligência, mais espírito de decisão. Tudo isto pode justificar que se exerça poder sobre os outros, ao menos provisoriamente, e este poder sendo aceito. Na verdade, todos nós exercemos algum poder, em virtude de nossas competências ou de nossas responsabilidades; poderes situados em nosso domínio e conformes à nossa dimensão (familiares, profissionais, etc.). O que dizer, então, do poder do Cristo?

Qual poder?

Jesus diz a Pilatos que sua realeza não é deste mundo. Significa que não lhe foi conferida pelos homens: não a obteve nem de sua nação nem dos Sumos Sacerdotes. Significa também que não a exerce como os demais soberanos: não tem guardas nem exércitos. Não faz “sentir seu poder”. Sua realeza, enfim, não é da mesma natureza que as outras: não visa a conter e reprimir a possível violência das relações humanas, projeto que supõe o exercício de uma violência ainda maior, de coerção. O poder de Cristo se faz exercer suprimindo do universo a raiz mesma da violência. Aqui é preciso entender violência em sentido mais amplo: toda tentativa de fazer a nossa vontade substituir a liberdade dos outros. Mas como se pode reinar sem se impor? É o que Jesus (o) diz a Pilatos: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade”. Mas o que é a verdade? Em sentido mais amplo, é o próprio Deus, mas podemos buscar ser mais precisos: para o homem, verdade é o que faz com que ele realmente exista, o que o põe em sintonia com a sua criação, o que realiza o sentido da sua criação. Já a mentira, pelo contrário, é o que o extravia desta direção, conduzindo-o a uma via sem saída, levando-o a um impasse. Há, portanto, uma concordância implícita entre o homem e o testemunho de Cristo: a verdade se impõe (poder) porque é a vida mesma do homem. Por isso São Paulo diz que “só temos poder em favor da verdade” (2 Cor 13,8). Verdade que supera quem a anuncia. O que justifica o poder de Cristo é que ele convoca o homem à sua perfeição.

A tomada do poder

Por um lado, e é fundamental, Cristo toma o poder por uma demonstração: submetendo-se à violência (submissão que é o contrário do poder), Ele mostra que o verdadeiro poder não é o poder-dominação. Ele manifesta a vaidade e a perversidade das condutas que visam a dispor dos outros. Este aniquilamento de Cristo é apresentado por João como uma “elevação”: o Cristo crucificado foi levantado da terra e neste momento todos os olhares se voltaram para Ele. Ele atrai todos os homens porque a verdade atrai tudo o que existe em nós de verdadeiro. Por que a palavra “demonstração”? Porque Jesus põe diante de nossos olhos, a nu, o pecado do homem, a sua mentira, e a verdade do amor. Ele não nos impõe a verdade, pois seria voltar às atitudes de violência que são o contrário da verdade e, portanto, não teria sentido. Ele nos mostra a verdade e “todos os que são da verdade escutam a sua voz” e se tornam discípulos. Esta é a Realeza de Cristo, que não se assemelha a nenhuma outra, porque se apresenta sob a figura do contrário da realeza. O Senhor é quem se faz servidor, e não pode ser senhor senão quem se faz servidor.
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