Segunda-feira, 30 de Setembro de 2024
No passado dia 27 de Setembro, os ortodoxos e os católicos etíopes celebraram a festa da Exaltação da Santa Cruz. Para a Igreja católica, a comemoração litúrgica é solenidade nacional. A celebração chama-se simplesmente Meskel (cruz em amárico) ou Fanno (em oromo). O padre José da Silva Vieira, missionário comboniano na Etiópia, conta-nos os detalhes de como se prepara e festeja a “Meskel”.
27 de Setembro de 2024
As celebrações começam na tarde da véspera com a preparação de uma meda de lenha arranjada à volta de uma cruz comprida feita com duas varas. Depois de benzida, a lenha é incendiada e enquanto arde as pessoas cantam e dançam à sua volta. Quando a cruz cai, os entendidos observam a sua posição que é prenúncio – bom ou mau – para o ano que começou há apenas 17 dias.
Depois, moços formam pequenos grupos e, de paus na mão, vão para as estradas parar viaturas e cantar na esperança de algum dinheiro em troca. No passado recebiam pão, mas hoje o dinheiro é mais prático para quem dá e para quem recebe. No ano novo a cantoria e o peditório foram feitos por meninas que, em vez de paus, empunham flores.
No dia 27, celebra-se o rito da Exaltação da Santa Cruz. Os ortodoxos fazem-no durante a noite com a Sagrada Liturgia – como chamam à Missa – que começa por volta das duas ou três da manhã e se prolonga até ás sete ou oito. A celebração, muito cantada, é transmitida através de poderosos altifalantes que disturbam o sono dos não ortodoxos.
Os católicos celebramos a Eucaristia a horas mais «católicas» durante a manhã. Eu iniciei a Eucaristia na capela de Gosa, a 35 quilómetros a norte de Qillenso, às sete horas e o meu colega às nove na igreja paroquial.
Depois da liturgia na igreja, que termina com dois ou três hinos cantados por cada faixa etária (adolescentes, jovens, adultos e mulheres), a celebração passa para casa. Da ementa do almoço faz parte o doro wot, frango estufado num molho espeço de piripiri e outras especiarias com alguns ovos, acompanhado por injera, o pão típico da Etiópia, feito com farinha de tief na forma de uma panqueca gigante. Um colega espanhol chama-lhe «manta».
Os gujis, o povo a quem de alguma maneira também pertenço, juntam às celebrações da Cruz uma corrida de cavalos na tarde do dia 27 de setembro.
Pessoas e quadrúpedes juntam-se na colina sobre uma área plana e relvada. As meninas – mais que os rapazes – põem as roupas tradicionais e as tiaras, gargantilhas e brincos de missangas. As montadas são engalanadas com arreios de couro ricamente decorados onde predomina o encarnado. Os ginetes também se vestem de festa. Há grande excitação no ar!
Os anciãos delimitam a pista da corrida no prado verde com ramos de árvores. Os cavaleiros desafiam-se dois a dois para ver quem faz o percurso mais rápido.
Polícias e milicianos mantêm o espaço da corrida desimpedido à força de vergastadas para afastar a pequenada excitada.
Este ano a corrida acabou mal começou. Um cavalo, depois da volta de aquecimento, caiu, esperneou-se e morreu ali à frente de todos.
A culpa, pelo que escutei, foi do ancião que, de manhã, tinha benzido a pista da corrida. Era voz corrente que ele não tinha balli (poder) para o fazer e, por isso, a montada morreu!
Quando deixei o lugar – porque o horizonte negro prometia borrasca a sério, que veio quando cheguei a casa – os mais velhos continuavam a discutir o insólito facto e a ponderar a causa.
Também falavam em coletar dez birr, o equivalente a menos de dez cêntimos do euro na moeda nacional, a cada participante com dinheiro no bolso para compensar o dono pela perda do equídeo.