Estamos no quarto domingo de Páscoa, a meio caminho dos cinquenta dias do Tempo Pascal. Todos os anos, neste domingo, lemos uma passagem do capítulo 10 do Evangelho de João, onde Jesus, através de uma alegoria, se apresenta como o bom pastor. É por isso que este domingo é chamado “Domingo do Bom Pastor”. O Dia Mundial de Oração pelas Vocações, instituído por Paulo VI em 1964, é celebrado hoje. (...)
“Olhai para Aquele por quem fostes feitos formosos”
“O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas”
João 10,11-18
Estamos no quarto domingo de Páscoa, a meio caminho dos cinquenta dias do Tempo Pascal. Todos os anos, neste domingo, lemos uma passagem do capítulo 10 do Evangelho de João, onde Jesus, através de uma alegoria, se apresenta como o bom pastor. É por isso que este domingo é chamado “Domingo do Bom Pastor”. O Dia Mundial de Oração pelas Vocações, instituído por Paulo VI em 1964, é celebrado hoje.
Jesus, o grande pastor das ovelhas, de olhos grandes!
A alegoria do pastor exige, antes de mais, o esforço de identificação com uma realidade de uma época que já não é a nossa, para captar a mensagem de Jesus. A imagem do pastor tem uma tradição bíblica tão longa e rica (sobretudo nos profetas) que não podemos prescindir dela. Em torno dela desenvolveu-se uma espiritualidade (ver Salmo 23: “O Senhor é o meu pastor”).
O Novo Testamento retoma esta tradição fecunda: Jesus é “o grande Pastor das ovelhas” (Hebreus 13,20). Não é, pois, surpreendente que a primeira representação de Jesus nas catacumbas seja a do “bom pastor”, séculos antes do crucifixo. No túmulo de um cristão do final do século II, encontramos esta inscrição: “Sou discípulo de um santo pastor que tem olhos grandes, o seu olhar chega a toda a gente”.
A principal caraterística do bom pastor é o facto de “dar a vida pelas ovelhas”. Dar a vida é o maior amor. “O Bom Pastor é a versão doce do crucificado. Doce apenas a nível figurativo, porque a substância é a mesma. Não é por acaso que, na passagem de João, a expressão “dar a vida” é a que explica o significado de “bom”, e repete-se nada menos que cinco vezes” (D. Pezzini).
Jesus, epifania da bondade e da beleza de Deus
“Eu sou o bom pastor!”. Note-se, porém, que o adjetivo grego utilizado pelo evangelista não é “agathòs” (bom), mas “kalòs”, ou seja, belo. Assim, a tradução literal seria: “Eu sou pastor belo” ou “o pastor formoso“! Isto pode dar-nos uma outra perspetiva da bondade. A bondade torna a pessoa bela e a beleza é a irradiação da bondade (Platão). Jesus é a epifania não só da bondade, mas também da beleza.
“A beleza e a bondade estão entrelaçadas. […] No Antigo Testamento encontramos 741 vezes o adjetivo tôb (também pronunciado tôv), e o seu significado oscila precisamente entre ‘bom’ e ‘belo’, de modo que a bondade e a beleza, a ética e a estética são duas faces da mesma realidade” (Gianfranco Ravasi). Hoje, a Palavra do “Bom/Belo Pastor” poderia traduzir-se num convite: “Provai e vede como o Senhor é bom/belo!” (Salmo 34,9). Ele é, de facto, “o mais formoso entre os filhos dos homens” (Salmo 45,3).
O mundo precisa de beleza
A beleza, a harmonia estética, é um caminho para Deus, que talvez não tenhamos explorado suficientemente e ao qual a humanidade é hoje particularmente sensível. Hoje, quando a beleza estética é tão cultivada, o cristão é chamado a dar testemunho da beleza, reflectindo a beleza do seu Senhor (2 Coríntios 3,18). Santo Agostinho diz: “Olhai para Aquele por quem fostes feitos formosos”.
Poderíamos dizer que cultivar e testemunhar a beleza de Cristo é uma forma de definir a nossa vocação. O Papa exprime-o bem na sua mensagem para este Dia das Vocações: “O Dia Mundial de Oração pelas Vocações convida-nos, todos os anos, a considerar o dom precioso do chamamento que o Senhor dirige a cada um de nós, seu povo fiel em caminho, para que participemos no seu projeto de amor e encarnemos a beleza do Evangelho nos diversos estados de vida”.
Dostoevsky escreveu no seu romance “O Idiota“: “A beleza salvará o mundo”. Carlo Maria Martini retomou esta expressão na sua carta pastoral “Que beleza salvará o mundo?” (1999). Escreveu: “Não basta deplorar e denunciar a fealdade do nosso mundo. Também não basta, para a nossa época desencantada, falar de justiça, de deveres, de bem comum, de programas pastorais, de exigências evangélicas. É preciso falar dela com o coração cheio de amor compassivo, experimentando aquela caridade que dá com alegria e suscita entusiasmo: é preciso irradiar a beleza do que é verdadeiro e justo na vida, porque só esta beleza encanta verdadeiramente os corações e os converte a Deus”. Disse ainda:
“O que nos leva a procurar tão intensamente a beleza de Deus revelada na Páscoa é também o seu contrário, ou seja, a negação da beleza. A verdadeira beleza é negada onde o mal parece triunfar, onde a violência e o ódio tomam o lugar do amor e a opressão o da justiça. Mas a verdadeira beleza é também negada onde já não há alegria, sobretudo onde o coração dos crentes parece ter-se rendido à evidência do mal, onde falta o entusiasmo da vida de fé e já não irradia o fervor dos que acreditam e seguem o Senhor da história”.
Temos aqui matéria para um sério exame de consciência para cada um de nós, para as nossas comunidades e para a Igreja! Queixamo-nos muitas vezes que as pessoas se afastam da fé e que as igrejas se esvaziam. Mas será que a nossa vida, os nossos rostos, as nossas relações reflectem a beleza do “Belo Pastor”?
P. Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, 18 de abril de 2024