Com o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, iniciamos a Semana Santa, também chamada a Grande Semana. Após os quarenta dias de preparação, estamos prestes a celebrar o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus (Tríduo Pascal). Mistério tremendo e inefável, obscuro e luminoso, diante do qual permanecemos estupefactos, atónitos e incrédulos...
Marcos 11,1-10 (bênção dos ramos); Marcos 14,1-15,47 (paixão do Senhor)
Com o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, iniciamos a Semana Santa, também chamada a Grande Semana. Após os quarenta dias de preparação, estamos prestes a celebrar o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus (Tríduo Pascal). Mistério tremendo e inefável, obscuro e luminoso, diante do qual permanecemos estupefactos, atónitos e incrédulos: “Quem teria acreditado na nossa revelação?” (Isaías 53,1). A Igreja e os seus filhos vivem esta semana como um retiro espiritual, em íntima comunhão com o seu Senhor.
Este domingo tem dois rostos, duas partes distintas. A primeira: a bênção dos ramos, seguida da procissão, caracterizada pela alegria e pelo entusiasmo. A segunda: a Eucaristia, com a proclamação da paixão, marcada pela tristeza, pelo fracasso e pela morte.
A) O Domingo de Ramos e a lei do jumentinho
A partir do evangelho da bênção dos ramos (Marcos 11,1-10), gostaria de chamar a atenção para dois protagonistas: a multidão e o jumento. Em primeiro lugar, a multidão que acompanha Jesus à entrada de Jerusalém, aclamando-o como o Messias. Geralmente, identificamos esta multidão, presumivelmente constituída sobretudo por galileus, com a multidão que, dias mais tarde, exigirá a crucificação de Jesus. Esta identificação parece-nos bastante improvável e um pouco injusta. Jerusalém era uma cidade com várias dezenas de milhares de habitantes e, na Páscoa, duplicava a sua população, com a chegada dos peregrinos. Esta multidão de galileus, aliás considerados exaltados, acabaria por se dispersar, talvez até desiludida nas suas expectativas messiânicas em relação a Jesus. A multidão que pedirá a morte de Jesus, pelo contrário, era agitada pelas autoridades religiosas da cidade e era certamente constituída por cidadãos judeus. O risco para o discípulo de Jesus não é ser um cata-vento ou um vira-casacas, mas deixar-se dominar pelas massas; deixar-se condicionar pelo “todos fazem assim” ou pelo “politicamente correto”; ou pecar por cobardia ao declarar-se seguidor de Jesus!
O carácter messiânico de Jesus exige uma profunda mudança de mentalidade. É por isso que Jesus recorre a uma profecia esquecida, que apresenta um messias humilde e manso, que prefere o jumento, um animal de carga , ao cavalo: “Eis que vem o vosso rei, manso, montado numa jumenta e num jumentinho, filho de um animal de carga” (Zacarias 9,9). Jesus é o Messias que carrega os nossos fardos na cruz: “Ele carregou os nossos sofrimentos, tomou sobre si as nossas dores” (Isaías 53,4). Por conseguinte, o cristão também deve fazer o mesmo: “Levai as cargas uns dos outros: assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6,2). “Porque toda a lei de Cristo é a lei do jumento” (Silvano Fausti).
“Quando o cristianismo, a Igreja, cada um de nós, sabendo que o único modo de existência é viver como o jumento, começa a piscar o olho ao “mundo”, aos reis e aos poderosos da terra, desejando viver e ser como eles através do poder, da riqueza e do sucesso, então terá lugar uma espécie de hibridação trágica. Nós, feitos para viver como jumentos, juntar-nos-emos ao cavalo, símbolo do poder mundano, e o resultado será encontrarmo-nos como mulos, animais estúpidos mas sobretudo estéreis.” (Paolo Scquizzato).
B) O carácter sagrado da narrativa da paixão
A narrativa da paixão é a parte mais antiga, mais desenvolvida e mais sagrada dos evangelhos. Acredita-se que a redação essencial, retomada no evangelho de Marcos, tenha ocorrido alguns anos após a morte de Jesus no ano 30, possivelmente antes do ano 36, quando Caifás terminou o seu mandato de sumo sacerdote, uma vez que o seu nome não é mencionado no relato de Marcos, o que sugere que Caifás ainda estava no cargo. Este relato circulava nas comunidades e, presumivelmente, era lido na celebração eucarística.
Os apóstolos eram as “testemunhas da ressurreição”. Por que razão, então, os cristãos da primeira geração davam tanta importância à memória da paixão? Porque viram que o perigo de ignorar a cruz de Cristo era muito grande e que isso teria sido uma traição à mensagem cristã. Este perigo continua a ser uma grande tentação para não poucos cristãos. O querigma, ou seja, o anúncio, é um tríptico que une indissoluvelmente a paixão, a morte e a ressurreição do Senhor!
C) Propostas para interiorizar o relato da paixão
– Uma forma de abordar a longa narrativa pode ser fixar a nossa atenção em cada personagem que intervém neste drama e perguntarmo-nos em quem nos vemos espelhados. Cada um de nós tem o seu papel neste drama. Cada pessoa que intervém desempenha um papel no qual se cumpre a Escritura. Que Palavra se cumpre em mim?
– Uma segunda via poderia ser a de nos determos nalguns elementos característicos do relato de Marcos. Menciono cinco deles.
1) A angústia de Jesus. Uma nota desconcertante do relato é o medo e a angústia de Jesus: “Começou a sentir medo e angústia. Disse-lhes: A minha alma está triste até à morte”. Jesus não é um super-herói, mas um de nós: ama a vida e teme a morte!
2) A solidão. Jesus aparece abandonado por todos, mesmo pelos seus amigos mais próximos e até pelo seu Pai: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”. A solidão faz parte da experiência do cristão. É o tempo da provação e da purificação da fé!
3) Abbá! Nesta hora de provação, Jesus reza com extrema confiança: “Abbá, Pai! Tudo te é possível: afasta de mim este cálice! Mas não o que eu quero, mas o que tu queres”. “Abba” é o nome carinhoso que a criança dá ao seu pai: papá, paizinho. É a única vez em todos os evangelhos que encontramos esta palavra e, por coincidência, no momento mais trágico da sua vida!
4) O silêncio. O silêncio de Jesus, várias vezes sublinhado, surpreende-nos. Este silêncio interpela-nos. Temos tendência para reagir a todo o custo, incapazes de suportar a humilhação!
5) A profissão de fé do centurião romano. Que estranho! Jesus não é reconhecido como Filho de Deus pela obra dos milagres, mas pela forma como sofreu e morreu na cruz! É um pagão a primeira pessoa no evangelho de Marcos que faz a profissão de fé em Jesus como Filho de Deus, para a qual Marcos queria conduzir os seus leitores!
Boa entrada na Semana Santa!
P. Manuel João Pereira Correia, MCCJ
Verona, Março de 2024
A cruz apresenta-nos a lição suprema,
o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe .