A história da cura de um leproso é o núcleo da mensagem do Evangelho de Marcos (1, 40-45) que escutamos na liturgia da palavra deste domingo. Jesus cura o leproso e integra-o de novo na sociedade que o havia marginalizado por causa da doença. É um dos sinais evidentes de que com Jesus entramos numa nova era, se inaugura o Reino de Deus, o tempo messiânico em que o homem não só é curado no seu corpo, mas também se lhe perspectiva um horizonte possível de renovação total.
O domingo das transgressões e o dia da cólera!
“Eu quero, sê purificado!”
Marcos 1,40-45
O protagonista do evangelho deste domingo é um leproso que se atreve a fazer algo impensável para a sua condição: aproximar-se de Jesus para pedir a cura! Estamos ainda nas primeiras narrações do evangelho de Marcos. Depois do dia programático em Cafarnaum, mencionado no domingo passado, Jesus percorre as aldeias da Galileia, "pregando nas sinagogas e expulsando os demónios" (v. 39). Esta cura é introduzida neste contexto. É o primeiro grande milagre narrado nos evangelhos sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas). É um milagre com um profundo significado simbólico. Fala, de facto, de um leproso, sem especificar o nome, as circunstâncias, o tempo e o lugar onde o milagre se realiza. O leitor é veladamente convidado a identificar-se com este homem e, num encontro pessoal com Cristo, professar confiança na sua compaixão e no seu poder salvífico: "Se quiseres, podes purificar-me!". Este leproso é o espelho da nossa própria condição. Um evangelho que já nos prepara para a nossa entrada na Quaresma, na próxima quarta-feira.
1. Um evangelho clamoroso e... arriscado!
Para compreendermos melhor o alcance deste milagre, devemos ter em conta que a lepra era a mais temida das doenças, não só pelos seus terríveis efeitos desfigurantes que tornavam a pessoa irreconhecível, mas sobretudo pela segregação e estigmatização que implicava. Além disso, era considerada um castigo divino. O leproso era considerado "impuro" não só por causa da sua doença, mas também pelo seu alegado pecado. Abandonado por todos e por Deus, era como um morto-vivo. O livro de Job diz: "A lepra é a primogénita da morte". Curar um leproso era como ressuscitar um morto! É por isso que Jesus o admoesta, dizendo: "Vê se não dizes nada a ninguém". Jesus não procura a publicidade. Sabe bem que os milagres são "arriscados": podem criar expectativas que desvirtuam a sua missão. Como de facto vai acontecer! As pessoas procurá-lo-ão, não para ouvir a Palavra do Reino, mas para ver os milagres.
O leproso, ao ter a ousadia de aproximar-se de Jesus, comete um ato muito grave, punível com a lapidação. Por outro lado, Jesus, acolhendo-o e tocando-o, corre o risco de ser contagiado não só pela sua doença, mas também pela sua "impureza". De facto, como o leproso não respeita a recomendação que lhe é feita por Jesus, dá-se uma curiosa inversão da situação: enquanto o leproso, curado, pode regressar à cidade, "Jesus já não podia entrar publicamente numa cidade, mas ficava fora, em lugares desertos". Uma antecipação profética da sua crucificação fora de Jerusalém, por ter tomado sobre si todas as lepras do mundo!
Como não ver aqui um apelo dirigido a nós, para que nos envolvamos na luta contra todas as lepras, ousando aproximarmo-nos e tocar os leprosos de hoje, os marginalizados da nossa sociedade, correndo o risco de sermos "contagiados" e estigmatizados também pelos bem-pensantes!
2. O domingo das transgressões!
No evangelho de hoje, encontramos três transgressões. Em primeiro lugar, o leproso transgride a lei que lhe prescrevia não se aproximar das pessoas e, para evitar o contacto, quando se mexia tinha de gritar: impuro, impuro! (ver a primeira leitura do Levítico). Depois, Jesus também transgrediu a lei que proibia tocar nos doentes. Por fim, o leproso curado não obedeceu à ordem de Jesus de não contar o sucedido a ninguém. Enquanto os demónios obedeceram à ordem de não dizerem que ele era o filho de Deus, este homem desobedece-lhe. A sua alegria era demasiado grande para que ele a pudesse conter. E assim se tornou o primeiro "pregador" do Evangelho!
Também aqui encontramos uma chamada de atenção para o cristão: não há leis que valham quando está em causa o bem da pessoa. É por isso que Jesus criticava tanto uma visão legalista do sábado e de outras prescrições religiosas: "O homem não foi feito para o sábado...". A pessoa que crê é chamada a exercer a sua capacidade crítica e a seguir a voz da sua consciência, cujos ditames contrastam muitas vezes com o pensamento comum. "É preciso obedecer a Deus antes que aos homens...". Isto exige hoje uma grande coragem e uma vigilância constante para não se deixar "contagiar" pela "mentalidade do mundo"!
3. O dia da... raiva!
Espanta-nos que, depois de ter sido movido pela compaixão para com este leproso, Jesus logo a seguir pareça irritado e quase zangado: "E, admoestando-o severamente, logo o expulsou". Esta expressão "expulsou-o" é um pouco surpreendente, porque é a mesma que se usa com os demónios. Mas há mais. Alguns códices antigos, em vez do verbo "teve compaixão" (grego esplankemisteis), empregam o verbo "orghisteis", ou seja, "indignou-se, zangou-se". Segundo os especialistas, este seria o termo original. Perguntamo-nos, então: porque é que Jesus se zangou? Poderíamos especular que Jesus manifestou a sua indignação contra o mal que aflige a humanidade e, sobretudo, contra a marginalização do leproso.
Esta releitura do texto pode chocar-nos. Estamos habituados a uma ideia demasiado "adocicada" de Jesus e temos dificuldade em imaginar um Jesus que, para além de ser "manso e humilde de coração", é por vezes tomado por sentimentos de cólera e de indignação perante situações de fechamento (veja-se a sua invetiva contra os fariseus), de injustiça (veja-se a sua abordagem escandalosa dos publicanos e dos pecadores) e de instrumentalização de Deus (veja-se a expulsão dos vendedores do Templo).
Em relação com este domingo, celebram-se Jornadas que nos convidam a cultivar esta "justa cólera": o Dia Mundial dos Doentes de Lepra, no último domingo de janeiro; o Dia contra o Tráfico de Pessoas, a 8 de fevereiro, memória de Santa Bakhita; o Dia dos Doentes, a 11 de fevereiro, memória de Nossa Senhora de Lourdes..., ocasiões para manter viva a nossa luta contra todas as injustiças, contra todas as lepras que afligem o nosso mundo.
Devemos dizer que muitas vezes nos falta esta "justa cólera" diante de tantas situações de injustiça gritante. Somos muito sensíveis quando os "nossos direitos" são afectados, mas habituamo-nos com demasiada facilidade às situações de injustiça sofridas pelos outros, correndo o risco de cair na indiferença. Temos também de reconhecer que as "vozes proféticas" muitas vezes nos incomodam. Mas se o cristão não exerce a sua "vocação profética", é sal que perdeu o sabor e luz colocada debaixo do alqueire!
Para uma reflexão semanal
Refletir sobre a nossa atitude perante uma determinada injustiça relatada nos meios de comunicação social: sensibilidade acompanhada de uma forma de envolvimento; hábito que que se aproxima da indiferença; não querer ouvir falar do assunto para não ser incomodado.
P. Manuel João Pereira Correia, MCCJ
comboni2000
Um Deus que não exclui ninguém
A liturgia deste VI Domingo do Tempo Comum fala-nos de um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que Se faz pessoa e que desce ao encontro dos seus filhos, que lhes apresenta propostas de vida nova e que os convida a viver em comunhão com Ele e a integrar a sua família. É um Deus que não exclui ninguém e que não aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos. Às vezes há pessoas, quase sempre bem intencionadas, que inventam mecanismos de exclusão, de segregação, de sofrimento, em nome de um Deus severo, intolerante, distante, incapaz de compreender os limites e as suas fragilidades. Trata-se de um atentado contra Deus.
Somos convidados a descobrir, a amar, a testemunhar no mundo, o Deus de Jesus Cristo – isto é, esse Deus que vem ao encontro de cada homem e cada mulher, que Se compadece do seu sofrimento, que lhe estende a mão com ternura, que o purifica, que lhe oferece uma nova vida e que o integra na comunidade do “Reino”, nessa família onde todos têm lugar e onde todos são filhos amados de Deus.
Oração
“Senhor, Tu és a nossa esperança, em Ti pomos a nossa confiança, bendito sejas. O teu Espírito é como a água que torna verdejante a erva e faz crescer a árvore, ele nos irriga com a tua vida e nos faz produzir os frutos que Tu esperas.
Nós Te confiamos os nossos irmãos e irmãs cuja fé secou. Não permitas que os nossos corações se afastem de Ti”.
“Deus de vida, nós proclamamos que Jesus Cristo, teu Filho, ressuscitou de entre os mortos, para ser entre os mortos o primeiro ressuscitado; nós Te damos graças pela firme esperança que nos dás, de ressuscitar contigo.
Nós Te confiamos todos os nossos irmãos que duvidam da vida e ignoram ainda a luz da ressurreição em Jesus”.
“Pai dos pobres, Deus de misericórdia, bendito sejas pela esperança que revelas aos pobres, aos pequenos e a todos os feridos da vida, aqueles que a sociedade despreza e negligencia. Tu ofereces-lhes a felicidade do teu Reino.
Tantos companheiros à nossa volta andam à procura da felicidade e não sabemos como os ajudar. Ilumina-os com o teu Espírito”.
Ámen.
QUARTA-FEIRA DE CINZAS: 14 de fevereiro
No próximo dia 14 de fevereiro iniciamos um tempo de qualidade para a fé que se chama Quaresma e que nos conduz à Páscoa. Um tempo para aumentar a qualidade de vida, para reencontrar o equilíbrio, o entusiasmo e a energia para superar estes dias exigentes de pandemia. Deus, teu Pai, está contigo. Ele ampara-te no teu caminho.