O terceiro domingo do Advento é chamado “Domingo Gaudete”, a partir da primeira palavra que abre a celebração: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos! O Senhor está próximo!” (antífona de entrada, cf. Fl 4,4.5). No ambiente penitencial que caracteriza o tempo de Advento, este domingo traz-nos um convite singular à alegria. [...]
Três características da vocação do cristão - ALEGRIA, LUZ e VOZ
“Endireitai o caminho do Senhor!”
João 1,6-8.19-28
O terceiro domingo do Advento é chamado “Domingo Gaudete”, a partir da primeira palavra que abre a celebração: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos! O Senhor está próximo!” (antífona de entrada, cf. Fl 4,4.5). No ambiente penitencial que caracteriza o tempo de Advento, este domingo traz-nos um convite singular à alegria. Na origem histórica do Advento, encontramos duas tradições diferentes: a da Gália e a de Roma. A primeira acentuava o aspecto penitencial, comparando o período do Advento com a Quaresma e, por isso, era chamado “Quaresma de São Martinho”, porque começava no dia seguinte à sua festa (11 de novembro) e durava 40 dias até ao Natal. A de Roma, pelo contrário, sublinhava o aspecto alegre da espera. Isto levou, com o tempo, à redução do Advento a 4 domingos, e não mais a 40 dias, e a um abrandamento do tom penitencial.
No centro do terceiro domingo, porém, permanece a figura de João Batista, que retoma o grito do profeta Isaías: “Endireitai o caminho do Senhor!”
Gostaria de tecer a minha reflexão em torno de três palavras que captam a mensagem da Palavra deste domingo: Alegria, Luz e Voz.
1. A ALEGRIA da liberdade!
Este terceiro domingo – dizíamos - é um convite forte, convicto e determinado a alegrarmo-nos porque o Senhor está próximo. Na verdade, na primeira leitura, encontramos a voz de um profeta anónimo, que mais tarde Jesus reivindicaria como sua, pregando na sinagoga de Nazaré: “O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres, …a promulgar o ano da graça do Senhor. Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu Deus”.
No salmo, encontramos o “magnificat” de Maria: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. Na segunda leitura, é São Paulo que lança o apelo à alegria: “Vivei sempre alegres!”
Mas o que dizer de João Batista? A austeridade da sua pessoa e a severidade da sua mensagem não parecem fazer dele um mensageiro da alegria, embora tenha sido o primeiro a alegrar-se com a chegada do Messias ainda no ventre da sua mãe. João dirá, no entanto, que é o amigo que “exulta de alegria à voz do noivo”, concluindo: “Agora esta minha alegria é completa” (João 3,29). Sobretudo, João recorda-nos que não há verdadeira alegria sem liberdade e sem despojamento.
Qual é a alegria do cristão? Não é certamente a alegria alienante que atordoa, que anestesia.... Essa é uma falsa alegria que pretende esconder o vazio interior de uma vida sem sentido... e que actua como uma droga que facilmente conduz à dependência. A alegria do cristão provém, pelo contrário, de uma experiência singular: a de acolher “a boa nova”; a de nos sentirmos amados por Deus na nossa pequenez, como Maria; a de “não extinguir o Espírito”, que nos permite “examinar tudo e reter o que é bom”; a de ser livres como João!
O Advento é um tempo propício para redescobrir a fonte da água fresca e jorrante da alegria.
2. Uma luta sem tréguas entre a LUZ e as trevas!
A primeira obra de Deus foi a luz, e desde então a luz é uma prerrogativa do divino. João foi enviado como “testemunha da luz”. Jesus veio como “Luz do mundo”, mas as trevas não o aceitaram. Toda a história da humanidade e toda a nossa existência humana se desenrolam neste contexto dramático, quer estejamos conscientes disso ou não. Todos os nossos dias se desenrolam num confronto entre a Luz e as trevas.
O Advento é um tempo propício para tomar consciência da presença das trevas em nós, nos nossos critérios de avaliação, nas nossas relações familiares, no local de trabalho, na sociedade... Sem discernimento, facilmente nos deixamos dominar, porque as trevas podem disfarçar-se de “anjos de luz”, de luzeiros do progresso, da razão, do iluminismo... O cristão traz dentro de si uma luz ameaçada pelas trevas. A nossa espera exige vigilância e um reabastecimento contínuo das nossas lâmpadas com o óleo da Palavra de Deus!
O Advento é um tempo propício para recuperarmos a nossa vocação de “testemunhas da luz”!
3. Que VOZ ressoa em mim?
Quatro “vozes” ressoam nas leituras de hoje: a do Profeta, a de Maria, a de Paulo e a de João Batista. Todas elas têm uma coisa em comum: nelas ressoa a Palavra do Senhor. Cada um de nós, com tons e timbres diferentes, tem por missão ser como a Voz de João para anunciar o grande “Desconhecido” que está no meio de nós. Anunciá-lo no deserto da indiferença, do escárnio, da hostilidade... Todas as vocações na Igreja são diferentes, únicas, mas no fundo são todas a encarnação da única Voz, a de Cristo. João tem plena consciência da sua identidade. É por isso que recusa rótulos, não quer títulos, não reivindica protagonismo. A sua voz pertence à única Palavra, a do Logos.
O Advento é um tempo propício para tomar consciência de que o cristão é chamado a ter uma voz “diferente” no barulho ensurdecedor da sociedade. Uma voz que não se enquadra nas vozes da opinião de todos. Uma voz fora do coro!
Para uma reflexão pessoal
Comparemos a nossa vocação com a de João:
1. Onde estão as nossas fontes de alegria? Dialoguemos com Cristo ou com Maria sobre as nossas alegrias e tristezas.
2. Que realidades ameaçam “apagar o Espírito” em nós e mergulhar-nos de novo nas trevas? Agradeçamos ao Senhor pela Luz da fé e pelas pessoas que trazem luz à nossa vida.
3. De quem somos porta-vozes no nosso modo de pensar, de falar e de nos comportarmos? Louvemos o Senhor pelas vozes que nos transmitem a sua Palavra.
P. Manuel João Pereira Correia, MCCJ
Verona, Dezembro de 2023