Uma coisa é certa: é a boa semente que o semeador semeou em seu campo, e é a boa semente que ele irá colher. Devemos confiar no responsável pela colheita e devemos ter paciência e esperança.
Mateus 13,24-43:
As parábolas do joio, do grão de mostarda e do fermento
“O Reino dos Céus é como…”. O evangelho deste domingo, depois da parábola do semeador do domingo passado, oferece-nos mais três parábolas de revelação sobre o mistério da presença do Reino de Deus no meio de nós (Mateus 13, do discurso das parábolas). Jesus conclui o seu relato com o convite: “Quem tem ouvidos, ouça!”. Que o Espírito, presente nas profundezas do nosso ser, “que sonda os corações” e “intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8,26-27), nos obtenha ouvidos capazes de escutar esta Palavra, que é de facto uma boa notícia, mas que corre o risco de ofender as nossas sensibilidades e de não corresponder às nossas expectativas!
Jesus continua a falar através da sabedoria das parábolas, acessíveis a todos, porque o Reino de Deus não é uma coisa abstrata encerrada em conceitos filosóficos ou formulações teológicas, mas uma realidade viva, próxima de quem tem “olhos de ver” e “ouvidos de ouvir”.
1. A parábola do trigo e do joio: o escândalo do mal!
Um campo, a sementeira do trigo e a desagradável surpresa do joio! O joio ou zizânia é uma planta semelhante ao trigo, cujos grãos negros são, no entanto, tóxicos e narcóticos. Note-se que o termo zizânia, em hebraico, vem da mesma raiz que Satanás. Além disso, o texto fala de “joios”, no plural, porque são muitos os modos como o mal está presente no campo do mundo!
Também nós conhecemos esta desagradável surpresa do joio na realidade do mundo, da Igreja, da família, da nossa própria existência. A nossa primeira reação é interrogar o Patrão: “Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? De onde veio o joio?” Não és tu o Criador de um mundo bom e belo, de onde vem o mal? Deus é quase sempre o primeiro réu das nossas queixas!
A nossa segunda reação: “Queres que o vamos arrancar?” Queremos um campo limpo de ervas daninhas! Mas a resposta do Patrão é desconcertante: “Não, para que, ao colherdes o joio, não arranqueis com ele o trigo. Deixai crescer juntos um e outro até à ceifa”. Mas como?! Não diz o profeta que “o teu povo será todo de justos” (Isaías 60,21)? Não disse João Batista que o machado já estava pronto na raiz da árvore e que o Messias viria para batizar com fogo, para colher o trigo e queimar a palha com um fogo inextinguível?! (Mateus 3,10-12). E assim os apóstolos pedem uma explicação da parábola, não porque não a tenham compreendido, mas porque não estão de acordo com ela. E nós também não!
O nosso sonho é, de certa forma, o do profeta Elias e de João Batista: incinerar de uma só vez o joio e a palha. De facto, seria até necessário um novo dilúvio universal! Mas será que temos a certeza de que estaríamos entre os oito eleitos refugiados na arca de Noé? Só Deus conhece os seus, diz Santo Agostinho. Na realidade, Deus não pode extirpar o mal porque ele está alojado no coração dos bons: o bem e o mal coexistem em cada um de nós.
Os “zelotes” nunca faltaram na história da Igreja. Quantos “anátemas” fizeram de toda a erva um feixe, com consequências dramáticas! É por isso que Deus reclama para si o papel de juiz. O juízo de Deus justifica e salva, o nosso condena e mata!
2. A parábola do grão de mostarda: o escândalo da pequenez!
Imediatamente a seguir, Jesus acrescenta outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda, … a mais pequena de todas as sementes, mas quando cresce é maior do que as outras plantas do jardim e torna-se uma árvore…”.
A mostarda preta da Palestina pode passar de um arbusto a uma verdadeira árvore, atingindo três ou quatro metros de altura, sobretudo na zona do lago de Tiberíades. Com o contraste entre “a mais pequena de todas as sementes” e “a maior das plantas do jardim”, Jesus quer sublinhar o extraordinário desenvolvimento do Reino de Deus.
Há, no entanto, algo de invulgar nesta comparação. Em primeiro lugar, a mostarda é uma erva daninha: as suas sementes microscópicas, transportadas pelo vento, chegam a todo o lado. Além disso, nunca encontramos uma referência à mostarda na Bíblia, apenas nesta parábola e na frase de Jesus sobre a fé (Mateus 17,20). Por fim, talvez Jesus faça uma referência indireta à profecia de Ezequiel 17,22-23: Deus pega num ramo de cedro e planta-o num alto monte de Israel e ele torna-se um cedro magnífico, debaixo do qual habitam todos os povos (aves). A pequenez da mostarda não pode, no entanto, corresponder às expectativas dos seus ouvintes de um reino messiânico visível e imponente. Esta pequenez escandaliza mesmo aqueles de entre nós que gostariam de ver sinais mais marcantes da presença de Deus.
3. A parábola do fermento: o escândalo da discrição!
Contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e misturou em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado”. Três medidas de farinha, ou seja, 40 quilos, uma quantidade enorme, capaz de alimentar centenas de pessoas, fermentada no entanto por um pouco de fermento, que actua e desaparece no interior da massa! O Reino, escondido na história, está a levitar o mundo! Uma presença discreta, humilde, delicada, misteriosa… que contrasta com o nosso desejo de dar nas vistas, de ser reconhecido, de contar no espaço público! O Reino, pelo contrário, não faz barulho! Isto é Deus! Isto é o amor!
Para a nossa reflexão semanal
Estou verdadeiramente reconciliado com um “Deus bondoso e compassivo, paciente e cheio de misericórdia” (Salmo 85), que “faz chover sobre os bons e os maus” (Mateus 5,45)?
Estou disposto a encarnar a paciência de Deus, a amar a sua pequenez e a aceitar a sua humilde presença na minha vida e na vida dos que me rodeiam, bem como na realidade do mundo e da Igreja?
P. Manuel João Pereira, comboniano
Castel d’Azzano (Verona) Julho de 2023
Primeira leitura: Sb 12,13.16-19; Evangelho: Mt 13,24-43
Depois da longa parábola do Semeador, da semana passada, nós temos hoje a parábola quase tão longa do joio semeado no meio da boa semente, mais aquelas mais curtas da semente de mostarda e do fermento na massa… três novas parábolas, três novas comparações para ilustrar o Reino e seu mistério. Apesar de ter nascido na contradição (o joio e a boa semente) e na pobreza (a semente de mostarda e o fermento na massa), o Reino crescerá contra todas as probabilidades. O tempo presente é o tempo da confiança, da paciência e da esperança. Virá um dia, e esse dia não nos pertence, em que haverá a colheita e a triagem. Que mensagens podemos extrair destas três parábolas?
Esta parábola responde às grandes perguntas que assombram o mundo desde o início dos tempos: por que o mal? De onde ele vem? Por que Deus não intervém para parar com isso? O Cristo do Evangelho de Mateus observa que, nos campos de trigo, crescem ao mesmo tempo o joio e a erva daninha. À pergunta dos servos do senhor, ou seja, quem semeou este joio, Jesus simplesmente respondeu: “Foi algum inimigo que fez isso (Mt 13,28a), “de noite, enquanto todos dormiam” (Mt 13,25). O que quer dizer que o mal no mundo encontra-se muitas vezes ao lado do bem, com o bem. É assim… porque a criação, em sua materialidade, é boa, mas também frágil e limitada; de modo que o bem e o mal andam constantemente juntos.
Por outro lado, à pergunta dos servos: “Queres que vamos arrancar o joio?” (Mt 13,28b), o Mestre responde espontaneamente: “Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo” (Mt 13,29). Mas, por que essa resposta? Por várias razões:
1) O bem e o mal estão juntos; é difícil distingui-los. Trata-se, sem dúvida, daquilo que chamamos de cizânia, que se parece com o trigo a ponto de se confundir com ele. O que significa que não é fácil decidir entre o que é bom e o que é mal; não é possível separá-los com uma faca: de um lado os bons e do outro, os maus.
2) O bem e o mal encontram-se em todos os seres humanos. Ninguém pode pretender dizer: eu sou bom e o outro é mau. Como todos nós somos seres limitados, o bom e o mau está em todos nós. É por isso que querer extirpar o mal em nós é correr o risco de arrancar, ao mesmo tempo, o bem que há em nós. São João Crisóstomo dizia que o joio pode se transformar em trigo. De fato, na história do mundo e da Igreja, há exemplos em que grandes pecadores se tornaram grandes santos: pensemos em Mateus, o publicano, que se tornou um apóstolo, em São Paulo, o perseguidor dos cristãos, em Santo Agostinho, o depravado, em São Francisco de Assis, o libertino, em Charles de Foucault e muitos outros. São Paulo não disse: “Onde o pecado abunda, a graça superabunda” (Rm 5,20)?
3) Não cabe a nós julgar o que é bom ou ruim no campo de trigo; não é nossa responsabilidade fazer a triagem da colheita. Nós somos os servos da colheita e não os donos do campo a colher. Na nossa Igreja e entre os cristãos, há muitos que pensam que são os donos da colheita, e que decidem arrancar o que lhes aparece joio, quando eles próprios são, talvez, ervas daninhas, posto que retardam o crescimento da boa semente, do Reino. Isto é muito verdadeiro, nos diz o exegeta belga Jean-Philippe Kaefer: “Há joio em nosso próprio coração. Este defeito que não consigo corrigir, essa situação da qual não consigo me libertar… É este joio que cresce no coração de todo mundo que está na origem de todo o mal do mundo, da Igreja e das nossas sociedades. E diante disso, o que vemos? Um Deus paciente ao extremo, lento para a cólera e cheio de amor, como diz o Salmo”.
4) Uma coisa é certa: é a boa semente que o semeador semeou em seu campo, e é a boa semente que ele irá colher. Devemos confiar no responsável pela colheita e devemos ter paciência e esperança: “Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!” (Mt 13,30). Podemos ter surpresas em relação ao conteúdo e à qualidade da colheita.
“O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo” (Mt 13,31). Que bela imagem para falar da pobreza do Reino: “É a menor de todas as sementes” (Mt 13,32a), mas, ao mesmo tempo, que bela esperança: “quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos” (Mt 13,32b). Mais uma vez, devemos ter paciência e confiança para esperar que uma semente tão pequena possa tornar-se uma árvore tão grande.
“O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado” (Mt 13,33). Nós, durante muito tempo, acreditávamos que ser fermento na Igreja era impor-se em todas as partes, querer controlar tudo e ser visível, a ponto de desenvolver nas pessoas o anticlericalismo. E, no entanto, é preciso tão pouco fermento para que a massa cresça… Isto significa dizer que quanto mais a Igreja se empobrece, mais ela tem a chance de ser fermento para o mundo de hoje: pensamos na Madre Teresa, em abade Pierre, em Mons. Romero, em Dom Hélder Câmara, em Mons. Adolphe Proulx, no bispo Bernard Hubert, em Jean Vanier e muitos outros… Discretamente, eles eram e ainda são fermento na massa. Precisamos de outros como eles para dar às pessoas o gosto de crer e confiar, de se comprometer a tornar o mundo mais humano, melhor. Já 50 anos antes da era cristã, o autor da Sabedoria tinha compreendido isso: “Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano; e a teus filhos deste a confortadora esperança de que concedes o perdão aos pecadores” (Sb 12,19).
Concluindo, podemos dizer que ser cristãos, discípulos de Jesus, Igreja, é viver na esperança, aconteça o que acontecer… porque é preciso tão pouco para fazer a diferença. Devemos simplesmente ser úteis ao próximo (a expressão é de São João Crisóstomo, no quarto século). E como um cristão pode ser útil ao seu próximo, se não é sendo paciente e tolerante para com os outros e sendo um sinal de esperança para os outros, no Reino de Deus que se constrói agora. E eu termino citando justamente as palavras de São João Crisóstomo sobre o fermento na massa: “Se o fermento não faz levedar a massa, não é verdadeiro fermento. Se um perfume não inebria os que se aproximam, poderemos dizer que é um perfume? Não digas que é impossível exercer boa influência nos outros porque, se és verdadeiramente cristão, é impossível que não aconteça nada. Isso faz parte da própria essência do cristão e seria tão contraditório dizer que um cristão não pode ser útil ao seu próximo como negar ao sol a possibilidade de iluminar”.
Raymond Gravel. A tradução é de André Langer.
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