Maria e José levaram o Menino a Jerusalém, para o apresentar ao Senhor (Lucas 2,22-40). Um casal jovem, com a sua primeira criança, chega levando a pobre oferta dos pobres, duas rolas, e o mais precioso dom do mundo: uma criança. No limiar, dois anciãos à espera, Simeão e Ana. Que aguardavam, diz Lucas, «porque as coisas mais importantes do mundo não são para procurar, mas para esperar» (Simone Weil). Porque quando o discípulo está pronto, o mestre chega. (...)

Lucas 2,22-40
Guardadores do espanto

 

Maria e José levaram o Menino a Jerusalém, para o apresentar ao Senhor (Lucas 2,22-40). Um casal jovem, com a sua primeira criança, chega levando a pobre oferta dos pobres, duas rolas, e o mais precioso dom do mundo: uma criança.

No limiar, dois anciãos à espera, Simeão e Ana. Que aguardavam, diz Lucas, «porque as coisas mais importantes do mundo não são para procurar, mas para esperar» (Simone Weil). Porque quando o discípulo está pronto, o mestre chega.

Não são os sacerdotes a acolher o Menino, mas dois leigos, que não desempenham qualquer papel oficial, mas são dois enamorados de Deus, olhos velados pela velhice, mas ainda acesos de desejo.

Ela, Ana, é a terceira profetiza do Novo Testamento, depois de Isabel e Maria. Porque Jesus não pertence à instituição, não é dos sacerdotes, mas da humanidade. É Deus que se encarna nas criaturas, na vida que acaba e naquela que floresce.

Jesus «é nosso, de todos os homens e de todas as mulheres. Pertence aos sedentos, aos sonhadores, como Simeão; àqueles sabem ver para além, como Ana; àqueles capazes de se encantar diante de um recém-nascido porque sentem Deus como futuro e como vida» (M. Marcolini).

Para Ele ninguém é dado por perdido, ninguém está acabado para sempre, é possível recomeçar e ser novo. Será uma mão que te tomará pela mão, que repetirá a cada aurora aquilo que disse à filha de Jairo: “Talità kum”, menina, levanta-te!

Simeão pronuncia uma profecia de palavras imensas sobre Maria, três palavras que atravessam os séculos e chegam a cada um de nós: o Menino está aqui como queda e ressurreição, como sinal de contradição para que sejam desvelados os corações.

Queda é a primeira palavra. «Cristo, minha doce ruína», canta o P. Turoldo, que arruínas não o homem mas as suas sombras, a vida insuficiente, a vida moribunda, o meu mundo de máscaras e mentiras, que arruínas a vida iludida.

Sinal de contradição, a palavra segunda. Ele que contradiz as nossas vidas com a sua vida, os nossos pensamentos com os seus pensamentos, a falsa imagem que alimentamos de Deus como rosto inédito de um paizinho (“abbà”) de braços grandes e coração de luz, contradição de tudo aquilo que contradiz o amor.

Ele está aqui para a ressurreição, é a terceira palavra: para Ele ninguém é dado por perdido, ninguém está acabado para sempre, é possível recomeçar e ser novo. Será uma mão que te tomará pela mão, que repetirá a cada aurora aquilo que disse à filha de Jairo: “Talità kum”, menina, levanta-te! Jovem vida, levanta-te, ergue-te, aparece, resplandece, retoma a estrada e a luta.

Três palavras que dão respiração à vida. Festa da Apresentação. O Menino Jesus é levado ao templo, perante Deus, porque não é simplesmente o filho de José e Maria: «Os filhos não são nossos» (Kalil Gibran), pertencem a Deus, ao mundo, ao futuro, à sua vocação e aos seus sonhos, são a frescura de uma profecia “biológica”. A nós cabe proteger, como Simeão e Ana, pelo menos o espanto.

Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 30.01.2020

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