Celebramos hoje o Domingo Gaudete, o domingo da alegria, o terceiro domingo do Advento. Os que caminham experimentam a alegria contemplando, mesmo que ao longe, o lugar para onde se dirigem.

Mateus 11,2-11
A alegria é um estremecimento

Queridos irmãos e irmãs,
Celebramos hoje o Domingo 
Gaudete, o domingo da alegria, o terceiro domingo do Advento. Os que caminham experimentam a alegria contemplando, mesmo que ao longe, o lugar para onde se dirigem.

No caminho para Santiago de Compostela há um momento, uma parada, uns 20 Km antes, onde os peregrinos lavavam as suas roupas, robusteciam-se para entrar na cidade de Santiago e dar o abraço a Santiago não como uns mendigos cheios da poeira e do cansaço das estradas, mas renovados e em festa. É essa alegria de uma meta próxima, de um porto, de um abrigo que o nosso coração adivinha que nos faz estar em sobressalto.

E o que é a alegria? (…) A alegria não é uma coisa vaga. A alegria é, e os Evangelhos contam isso de forma concreta, um estremecimento. A alegria é uma emoção que nos percorre, a alegria é alguma coisa que nos toca, que nos transforma.

A alegria neste Domingo Gaudete também não é uma alegria vaga, uma alegria abstrata. Nós sabemos porque é que experimentamos uma alegria. E esse saber vem da pergunta que João Batista manda fazer a Jesus. A situação é impressionante, João Batista está preso e sabe que a sua morte está próxima, mas manda perguntar a Jesus: “És Tu Aquele que há de vir? Ou devemos esperar outro?” É interessante a palavra em grego porque é um particípio presente: o erchómenos, “tu és Aquele que vem?” E este “o erchómenos”, “Aquele que vem”, é uma espécie de senha para falar do Messias escatológico, do profeta do fim dos tempos, Daquele que havia de vir consumar, dar um sentido pleno à história e à vida. Por isso João Batista manda perguntar: “Tu és Aquele que vem ou devemos esperar outro?” A resposta de Jesus é espantosa, porque não é um “sim” ou um “não”, é uma resposta narrativa: “Ide contar o que vedes e ouvis.” E então o que é que se vê? Vê-se o impacto messiânico na vida concreta daquelas pessoas, vê-se o impacto da chegada de Jesus naqueles corações, e de repente esta liberdade, esta libertação: os cegos veem, os coxos andam, os mortos ressuscitam, a Boa Nova é partilhada com os pobres. Isto é, a história está a ser transformada e isso é uma fonte de alegria, e isso confirma que o erchómenos, aquele que está para vir verdadeiramente chegou.

A razão da nossa alegria não é uma ideia vaga, não é uma expectativa sem rosto, sem nome que cada um de nós alimenta um bocadinho às cegas dentro de si. Não, a nossa alegria brota daquilo que somos capazes de contar uns aos outros, das histórias que somos capazes de narrar. Isto é, da vida multiplicada, da vida acontecida, daquilo que em nome de Jesus continua a acontecer nas nossas histórias, daquilo que a fé em Jesus é capaz de despertar, é capaz de fazer irromper como sobressalto, como emoção, como irradiação de vida em cada um de nós. É isto que contamos uns aos outros, e é isto que dizemos àqueles que estão presos, é isto que dizemos àqueles que aguardam com expectativa a vinda de um sentido, a chegada de uma luz, é isso que nós temos a missão de contar. Isto que vemos e ouvimos.

Queridos irmãs e irmãos, o tempo do Advento é um tempo muito comprometedor, porque é o tempo do Messias. Nós vivemos a nossa vida muitas vezes como se não esperássemos nada, como se tudo estivesse realizado, como se tudo estivesse consumado, como se só contássemos apenas com as nossas forças, com aquilo que trazemos para explicar o enigma da história. Muitas vezes nós fechamos a nossa porta e fechamos mesmo, fechamos o nosso coração e trancamo-lo mesmo, e não contamos com mais nada. Acreditamos em Deus mas isso é uma crença, é uma convicção, não é um poder transformador das nossas vidas. Ora, o tempo messiânico é habitar a tensão do Messias que vem, é não contar só com as pedras que temos na mão, não contar só com as nossas forças, mas contar com aquilo que Ele nos traz. Não apenas contar connosco mesmos, com a nossa fragilidade ou o nosso voluntarismo, mas contarmos com a energia salvadora, transformadora do próprio Jesus. É esse rasgão, essa abertura, essa hospitalidade que fazemos ao Deus que vem que nos sobressalta, que nos enche de alegria, que nos dá razões para acreditar, para festejar.

Queridos irmãos, o Natal não está arrumado numa caixa que nós abrimos anualmente e tiramos de lá os ornamentos, as musiquinhas e as luzinhas, e pomos tudo a piscar e a construir como um teatrinho anual que fazemos uns aos outros para nos consolarmos daquilo que não somos. Não, o Natal é um berço, o Natal é uma manjedoura, o Natal é a possibilidade da mulher e do homem que somos nascer verdadeiramente. E nascer porque Deus vem, Ele é o erchómenos, nascer porque Ele nos levanta. Nascer porque Ele nos faz ser, nos faz ser, nos faz ser!

O Natal não é um símbolo, o Natal é alguma coisa que está a acontecer. É como uma gargalhada que nós damos, como um sorriso que nós damos, forte e que altera o nosso corpo. O Natal também nos altera. E altera-nos não na epiderme, não na superfície, altera-nos profundamente porque Ele está connosco, Ele é o Emanuel, Ele passa a ser o companheiro das nossas vidas. Não contamos apenas com aquilo que trazemos, com aquilo que conseguimos, colocamo-nos por inteiro nas mãos Dele. E isto faz toda a diferença.

Queridos irmãs e irmãos, vivamos o Advento nesta profundidade que Ele nos pede. É tão fácil distrairmo-nos nestes dias que são muito curtos para tudo aquilo que são as obrigações sociais, familiares, culturais, profissionais – temos de estar com isto e com aquilo e mais a pensar no outro. É muito fácil pensar em tudo e deixar de lado o essencial. Por isso, há aqui uma sabedoria, há aqui um alerta, há aqui uma chamada profética a dizer: “ Concentra-te, abre os olhos, abre o coração, compromete-te.”

Pe. José Tolentino Mendonça, Domingo III do Advento

José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org