«A árvore é reconhecida pelos seus frutos»: Este dito popular, com pequenas variações, está presente em três das quatro leituras deste domingo. Da mesma forma que a árvore produz bons ou maus frutos, também os homens, se bons, tiram coisas boas “do bom tesouro do seu coração” e, se maus, as tiram más “do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio”.

Lucas 6,39-45 

«A árvore é reconhecida pelos seus frutos»
Marcel Domergue

«A árvore é reconhecida pelos seus frutos»: Este dito popular, com pequenas variações, está presente em três das quatro leituras deste domingo. Da mesma forma que a árvore produz bons ou maus frutos, também os homens, se bons, tiram coisas boas “do bom tesouro do seu coração” e, se maus, as tiram más “do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio”.

A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 8º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

Referências bíblicas:
1ª Leitura: “A palavra mostra o coração do homem” (Eclesiástico 25,5-8)
Salmo: Sl. 91(92) – R/ Como é bom agradecermos ao Senhor.
2ª Leitura: “O morte, onde está tua vitória? Onde está o teu aguilhão?” (1 Coríntios 15,54-58)
Evangelho: “Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos” (Lucas 6,39-45)

Pretensos guias e defensores dos oprimidos

Um cego e outro cego estão ambos em pé de igualdade. Um mestre e seu discípulo, ambos também alcançam a igualdade a partir do momento em que este aprende tudo o que o mestre tinha para lhe comunicar. Igualdade na cegueira e na ignorância; igualdade no saber. Nos dois casos, ninguém está qualificado para guiar o outro. «Guia» e «Mestre» são termos que encontramos em Mateus 23,8-11.16. Quanto ao cego, está também em Mateus 15,14.

Estes temas, em Mateus, são utilizados na controvérsia contra os fariseus que se erigem em guias, doutores e mestres. Ora, em Mateus 23 está dito que ninguém pode instituir-se como guia ou mestre: somente Deus e o Cristo estão habilitados para isto. Saindo do contexto polêmico destes textos, Lucas, que não está falando para os judeus palestinos, lhes dá uma dimensão ainda mais universal. Em lugar nenhum no mundo, pode um homem pretender substituir a sua vontade e seus pontos de vista pela liberdade de outro; ninguém pode obrigar quem quer que seja a passar por caminhos que são os seus. Sequer os pais, a respeito de seus filhos e filhas.

Moral ou Sabedoria?

Aí também poderíamos tomar as palavras de Cristo como se fossem comandos de ação a serem aplicados ao pé da letra. Trata-se, na realidade, de uma inspiração, uma sabedoria. O que nos é pedido é o respeito, que é por onde se inicia a caridade. E isto decorre de sermos todos irmãos (palavra repetida nos versículos 41 e 42).

Ser irmãos é ser iguais; todos cegos, de certa forma, e da mesma cegueira. Irmãos, portanto, também na cegueira. Irmãos também na ciência, uma vez que o trabalho do mestre junto ao discípulo consiste em ajudá-lo a alcançar o mesmo nível que ele.

Mas a palavra irmão implica em algo de mais fundamental: cada homem está ligado a Deus através de um laço direto e este laço, a ligação do filho ao Pai, é que funda o nosso respeito mútuo. Assim, para além de uma moral apequenada, somos conduzidos a uma visão teológica das nossas relações. Lembremos o comentário precedente e compreendamos que pretender dirigir e guiar (“guia” é também a palavra que designa os instrumentos que servem para conduzir os animais) já é julgar os outros, considerá-los incapazes de se dirigirem por si mesmos. Guiar, não; ajudar as pessoas a fazerem seu próprio caminho, sim.

O cisco e a trave

Não estamos mais aqui no mesmo nível de igualdade existente entre dois cegos atingidos por cegueira idêntica. Podemos dizer que quem tem a trave em seu olho é mais cego do que quem somente sofre com o cisco. Numa primeira aproximação, podemos dizer que cada um está convidado a fazer esta limpeza em si mesmo e a ver-se assim como é, antes de sonhar se pôr como um pretenso defensor dos oprimidos.

Para além deste sentido imediato, vejo outro, que decorre do que acabamos de dizer: desde que nos metemos a corrigir alguém, enfiamos nós mesmos a trave em nosso olho, porque nos erigimos em juízes, tomando assim o lugar de Deus. Eis-nos então aqui no pecado fundamental.

Ao lado disto; o que é um mísero cisco no olho do nosso irmão? Ele, portanto, pode ver isto com muito maior clareza do que nós. Uma vez que tivermos renunciado a esta pretensão, veremos então também mais claro à nossa volta. E a ajuda que levarmos ao nosso irmão não será mais estragada pela cegueira que temos para conosco. Este, então, será um serviço humilde. O serviço de um homem bom, que tira coisas boas de seu coração que é bom.

A árvore e os frutos

Tirar algo de si é produzir fruto. A ligação com o que veio antes não aparece à primeira vista. A 1ª leitura, que não chegou ainda ao «não julgueis», permite-nos, no entanto, compreender porque estas sentenças são postas em sequência. A boca fala da abundância do coração (v. 45). É pelo fruto dos lábios, quando um homem exprime-se totalmente, que se pode ver o que ele de fato é. Guardemo-nos, portanto, de intervir durante a maturação do fruto. Deus é quem dá o crescimento (1 Coríntios 3,6).

Em resumo, somos convidados a esperar a hora da colheita. Somente depois do acontecido é que se pode ver o que ele vale. Deixemos nascer, deixemos crescer; não busquemos separar antes do tempo o joio do trigo (Mateus 13,24-31 e Marcos 4,26-29). Ainda aqui o respeito.
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O cisco e a trave
Enzo Bianchi

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 8º Domingo do Tempo Comum, 3 de março (Lucas 6, 39-45). A tradução é de Moisés Sbardelotto. Na última parte do discurso da planície proferido por Jesus depois de descer da montanha com os 12 discípulos por ele tornados apóstolos, Lucas recolheu frases diversas, palavras e imagens que ele define como “parábolas” e que dizem respeito sobretudo à vida dos fiéis nas comunidades. Jesus as havia dirigido para alertar os discípulos sobre os comportamentos de alguns religiosos que estavam em cena na época, escribas e fariseus, mas Lucas as atualiza, atualiza-as para a sua Igreja.

De fato, as mesmas expressões no Evangelho segundo Mateus são utilizadas com maior clareza polêmica em relação às lideranças de Israel (cf. Mt 7, 16-18; 12, 35). Essas breves sentenças são expressadas mediante acoplamentos: dois cegos, discípulo e mestre, tu e o teu irmão, duas árvores, dois homens, duas casas (cf. Lc 6, 46-48). Esse estilo certamente pertencia à técnica retórica oral, voltada a facilitar a impressão das palavras na mente dos ouvintes.

O primeiro ensinamento brota de uma pergunta retórica feita aos ouvintes: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco?”. A advertência é evidente, mas a quem é dirigida? A cada discípulo, tentado a não reconhecer as próprias incapacidades, os próprios erros, mas habitado pela pretensão de querer ensinar os outros. Porém, também são dirigidas aos “guias” da comunidade cristã, aqueles que, em seu interior, detêm a autoridade e ensinam os outros, mas às vezes são afetados pela cegueira: denunciam os pecados alheios, condenam severamente os outros, sem nunca um exame sobre si mesmos e sobre o próprio comportamento.

No Evangelho segundo MateusJesus advertiu esses “cegos guiando cegos” (Mt 15, 14; 23,16), e, no quarto Evangelho, testemunha-se um extenso ensinamento seu sobre a cegueira dos homens religiosos, que não reconhecem que são cegos e, portanto, permanecem em uma condição de pecado, sem possibilidade de conversão (cf. Jo 9, 39-41).

É claro que os homens religiosos e nós também, quando, na comunidade cristã, temos a tarefa de guiar, admoestar e corrigir aqueles que nos são confiados, podemos ser precisamente tentados a ensinar o que não vivemos e talvez a condenar nos outros aqueles que são os nossos pecados: denunciando as falhas alheias, defendemo-nos da consciência que nos condena e nem as reconhecemos também como nossas.

Por isso, é preciso uma grande capacidade de autocrítica, um atento exercício ao exame da própria consciência, saber reconhecer o mal que nos habita, sem expiá-lo morbidamente no outro. Segue-se, depois, uma frase sobre a relação entre discípulo e mestre, um verdadeiro chamado à formação: o discípulo está no seguimento do mestre, aceita ser instruído e formado por ele, dispõe-se a receber com gratidão o que lhe é ensinado. Além disso, de acordo com a tradição rabínica, o discípulo aprende não apenas da boca do seu mestre, mas estando ao lado dele, compartilhando sua vida em uma atitude humilde que não presume e nunca se coloca no espaço de uma autossuficiência que desmentiria a sua qualidade de discípulo.

Um discípulo, portanto, não pode ser mais do que seu mestre e, quando tiver completado a formação, será grato ao mestre pelo caminho percorrido, até poder se tornar também ele mestre. O mestre é autêntico quando faz o discípulo crescer e, com humildade, sabe transmitir o ensinamento que ele mesmo recebeu; o discípulo é um bom discípulo quando reconhece o mestre e tenta se tornar ele também, vivendo todas as exigências do discipulado.

Porém, é preciso dizer também que Jesus não se limita a colocar a relação mestre-discípulo dentro da tradição rabínica, mas a transcende, indicando como o seu seguimento envolve ir aonde quer que ele vá (cf. Ap 14, 4), viver envolvido na sua vida até compartilhar o resultado da sua morte, portanto, a ressurreição. O caminho de Jesus, o da vida-morte-ressurreição, é o caminho do discípulo e só pode ser percorrido mediante a atração da graça de Cristo, sem confiar nas próprias forças.

Eis, depois, uma advertência na segunda pessoa do singular, que merece ser relatada por extenso: “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho? Como podes dizer a teu irmão: irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão”.

Sim, o irmão cristão, na vida cotidiana da comunidade, pode ser chamado a corrigir o irmão, porque essa é uma necessidade da vida comum: caminhar juntos envolve ajudar-se reciprocamente, a ponto de se corrigir. Mas, precisamente em referência à correção, Jesus se torna exigente: esta nunca pode ser uma denúncia das fraquezas do outro; não pode ser uma pretensa manifestação de uma verdade que o humilha; nunca pode sequer parecer um julgamento nem a antessala de uma condenação já pronunciada no coração.

Infelizmente, na vida eclesial, muitas vezes a correção, em vez de causar conversão, perdão e reconciliação, produz divisão e inimizade, acabando por separar em vez de favorecer a comunhão. O pecado dos outros nos escandaliza, perturba-nos, convida-nos à denúncia, e isso também nos impede de ter um olhar autêntico e real sobre nós mesmos. O que vemos nos outros como “trave”, sentimo-lo em nós como cisco; o que condenamos nos outros, desculpamo-lo em nós mesmos.

Então, nós merecemos o julgamento de Jesus: “Hipócrita!”, porque hipócrita é quem é habitado por um espírito de falsidade, que não sabe reconhecer o que é verdadeiro e, de fato, está dividido entre aquilo que aparece e aquilo que está escondido, entre o interior e o exterior.

Nessa exortação, Lucas faz ressoar significativamente várias vezes o termo “irmão”, entendendo-o em sentido cristão e aplicando-o a todas as dimensões da vida eclesial. E se Mateus, para a correção fraterna, exige uma verdadeira práxis, um procedimento a ser adotado na comunidade cristã (correção face a face, correção na presença de uma ou duas testemunhas, apelo à comunidade: cf. Mt 18, 15-17), Lucas delineia um caminho para que a correção seja de acordo com o Evangelho: trata-se de nunca se sentir juiz do irmão, de se reconhecer pecador e solidário com os pecadores, de corrigir com humildade seguindo em tudo o exemplo do mestre, Jesus.

Essa série de sentenças é concluída pela imagem da árvore boa, que é tal porque produz frutos bons, que, ao contrário, não podem ser colhidos se a árvore for ruim. Jesus chama novamente à realidade e convida os ouvintes a discernir o verdadeiro do falso discípulo com base no critério dos frutos trazidos pela sua vida. Não as palavras, as declarações, as confissões, nem mesmo a oração são suficientes para dizer a autenticidade do seguimento de Jesus, mas é preciso olhar para o comportamento, para os frutos das ações realizadas pelo discípulo.

O coração é a fonte do sentir, querer e agir de todo ser humano. Se há amor e bondade no coração, então o comportamento da pessoa também será amor, mas, se o mal domina no coração, as ações que a pessoa realiza também serão mal. O discípulo, por isso, é chamado ao exercício do discernimento!
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