Terça-feira, 16 de Novembro de 2021
Terminou a 26ª Cimeira do Clima, em Glasgow, na qual a ZERO marcou presença. Se o balanço desta COP26 não é consensual para todas as Partes, há uma coisa em que, pelo menos, todos concordamos: a Escócia e os seus habitantes são de uma simpatia invulgar e uns anfitriões muito acolhedores. Mas enquanto Glasgow aquecia os corações, as negociações na COP continuavam a aquecer o planeta.

As expectativas estavam colocadas nos líderes mundiais e na sua coragem para ir mais além e se comprometerem com objetivos e metas concretos e ambiciosos que permitissem limitar o aquecimento global a 1.5ºC. Sabíamos que seria difícil e, aqui, Glasgow não cumpriu mesmo. Continuamos numa trajetória acima dos 2ºC, que nos levará a fenómenos climáticos como furacões, chuvas intensas, inundações, subida do nível médio do mar, secas, incêndios, entre outros, cada vez mais frequentes e com um impacto social e económico maior do que aquele que podemos suportar, nomeadamente o agravamento da pobreza e da fome.

O planeta continua em risco e, por isso, também todos nós. A boa notícia é que nesta COP26 foram firmados acordos importantes e foram feitos progressos que nos dão agora um tempo extra para continuar a lutar pelo 1.5ºC. O texto final reconhece a necessidade de reduzir as emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030. A adaptação foi um dos centros da atenção, saindo da Cimeira com financiamento reforçado, mas ainda insuficiente e carecendo de um equilíbrio justo em relação ao financiamento para a mitigação. Da mesma forma, e pela primeira vez, foi acordado um compromisso para a redução do metano, responsável por 30% do aquecimento global, o que representou um reconhecimento muito significativo do seu contributo para a redução das emissões e um passo importante para a redução. Porém, ficaram de fora países com um peso muito significativo como a China, a Índia e a Rússia.

Também as florestas receberam particular atenção. Mais de 100 países, representando cerca de 85% das florestas mundiais, assinaram um acordo onde se comprometem a acabar com a desflorestação até 2030. Este é um acordo importante, que prevê um financiamento de cerca de 20 mil milhões de dólares, mas não é propriamente uma novidade comparativamente com um acordo já firmado em 2014 e cujos objetivos para 2020 não foram alcançados.

Merece ainda destaque a primeira iniciativa diplomática mundial para a eliminação progressiva da exploração e produção de combustíveis fósseis, a Beyond Oil & Gas Alliance, da qual Portugal é membro associado. Refira-se também o acordo sobre o fim do uso de carvão na produção de eletricidade, que deixa, no entanto, de fora países como a China, a Índia e os Estados Unidos.

Mas esta COP26 soube a muito pouco. Os países mais vulneráveis saem claramente desfavorecidos pela falta de compromissos relativamente às perdas e danos. Na última década, as catástrofes climáticas foram responsáveis pela morte de mais de 410.000 pessoas em todo o mundo e afetaram muitas mais. Em 2020, havia 30 milhões de deslocados devido a eventos relacionados com o clima. As Nações Unidas estimam que 80% dos deslocados pelas alterações climáticas são mulheres e crianças. Até 2030 as perdas e danos terão um custo económico entre 290 e 580 mil milhões de dólares só nos países em desenvolvimento. Foi exigido aos países mais ricos que assumissem a sua responsabilidade histórica nas emissões, garantindo um financiamento concreto, e executado de forma transparente, para as perdas e danos dos países mais afetados pelas alterações climáticas, mas sem sucesso. Lamentavelmente, a justiça climática, que tanto se ouviu nas ruas de Glasgow, não ficou traduzida nos acordos aprovados.

Também os 100 mil milhões de dólares anuais previstos para o financiamento da mitigação e da adaptação continuam por cumprir. Embora tenha havido reforços no financiamento, que são muito bem-vindos, estes continuam aquém do necessário. Estima-se que os compromissos financeiros assumidos na COP26 apenas permitirão atingir a meta dos 100 mil milhões de dólares anuais, na melhor das hipóteses, em 2023.

Se a finalização do artigo 6º sobre os mercados de carbono pode ser entendida por muitos como um passo positivo, a verdade é que falha em vários aspetos, nomeadamente com a possibilidade de transferir créditos de projetos antigos para o novo mecanismo, a falta de garantias de salvaguarda dos direitos humanos e, embora tenha sido definido o mecanismo para evitar a dupla contagem, este carece do escrutínio necessário.

No final, esta COP teve ainda um sabor muito amargo. Depois de uma semana intensa de negociações, na qual se haviam feito avanços importantes, os últimos minutos foram uma desilusão. O início da segunda semana de negociações ficou marcado pela introdução, histórica, da eliminação do uso do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis na proposta para o texto final. Mais tarde, a linguagem foi enfraquecida referindo-se apenas à eliminação progressiva do uso de carvão sem medidas para a redução das emissões, isto é, sem sequestro e captura de carbono. Embora mais fraca, esta referência continuava a ser de grande importância. No entanto, já no último plenário, a Índia propôs uma emenda de última hora para substituir a eliminação progressiva por apenas redução, tendo o texto sido aprovado assim. Esta alteração é lamentável e um retrocesso nos avanços que se haviam conseguido durante as negociações. É assim também ilustrativa da contínua dependência de muitos países deste combustível fóssil.

É importante que se perceba que não é só o futuro do planeta que está em causa, somos nós, as pessoas. E num mundo em que as desigualdades continuam a aumentar, são os mais vulneráveis que mais sofrem os impactos das alterações climáticas, quando para elas pouco ou nada contribuíram. A sociedade civil faz convictamente parte desta luta e deve estar intimamente envolvida no processo de decisão. Sobre esta questão, ressalta-se que a COP26 que se dizia “a mais inclusiva de sempre”, primou por graves entraves ao envolvimento da sociedade civil e pela falta de acessibilidade. Mas estes impedimentos não foram suficientes para desmobilizar a sociedade civil que se manteve empenhada em lutar pela justiça climática.  É assim fundamental continuar a lutar pela melhoria e aumento do envolvimento da sociedade civil no processo de decisão, aliás, promessa essa feita pela responsável da ONU pelo Clima, Patricia Espinosa, no encerramento da sessão.

Por fim, se é verdade que o texto final não agrada inteiramente a ninguém, não deixa de ser uma base importante para progressos futuros. Esta COP não assegurou 1,5°C, mas deixou uma porta entreaberta para tentarmos lá chegar. É agora imperativo utilizar este tempo extra da melhor forma possível.

Ana Campos, Francisco Ferreira e Pedro Nunes são dirigentes da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável e participaram na Cimeira de Glasgow

[Francisco Ferreira, Ana Campos e Pedro Nunes – 7Margens]