Sexta-feira, 28 de Outubro de 2016
Um facto de advocacy com sucesso. Para celebrar o décimo quinto aniversário (Novembro de 2000 – Novembro de 2015) da fundação de VIVAT Internacional, uma ONG da qual fazem parte também os Missionários Combonianos, o comité executivo de New York tomou a iniciativa de recolher algumas histórias eficazes de advocacy, dos seus membros activos no terreno, nas mais diversas partes do mundo. Algumas dessas histórias mais significativas que obtiveram resultados positivos, foram recentemente publicadas por VIVAT Internacional em um pequeno livro intitulado “Que todos tenham vida – em toda a sua plenitude e dignidade” para inspirar e motivar os próprios membros e muitas outras pessoas. Aqui, publicamos a história do padre Dario Bossi, comboniano a trabalhar no Brasil, com o título “A longa caminhada rumo à vida de Piquiá de Baixo”.

A longa caminhada
rumo à vida
de Piquiá de Baixo

Piquiá de Baixo é um bairro de cerca de 320 famílias (aproximadamente 1.000 pessoas), localizado no Município de Açailândia, no estado do Maranhão, nordeste do Brasil. Em meados dos anos 1980, a vida dos moradores transformou-se radicalmente por causa dos investimentos do Programa Grande Carajás, o maior projeto de exploração, escoamento e exportação de minério planejado pelo Estado brasileiro e executado pela então companhia pública Vale do Rio Doce, hoje privatizada com o nome Vale S.A. Foi construída a Estrada de Ferro Carajás, que escoa minério de ferro extraído nas minas do vizinho Estado do Pará e que passa também ao lado de Piquiá de Baixo. O povoado passou a ser circundado por cinco indústrias de ferro-gusa que impactaram profundamente o ambiente habitado e a vida deste povoado.

A convivência entre as indústrias e os assentamentos humanos naquela localidade é inviável, devido à forte poluição atmosférica, das águas e do terreno, bem como à poluição sonora. Doenças agudas e crônicas foram se intensificando na região, obrigando diversas famílias a se separarem de seus parentes para proteger as pessoas mais vulneráveis (crianças, mães gestantes e idosos) e levando à morte diversos moradores (em 2014, no breve período de 14 meses, houve 5 mortes no povoado reconduzíveis aos efeitos da poluição). Ainda hoje, a maior parte das famílias vive ao lado dos alto fornos siderúrgicos por não ter condições econômicas para mudar para outra parte da cidade.

P. Dario Bossi,
comboniano.

Desde o ano de 2005, a comunidade de Piquiá de Baixo está se mobilizando, através da Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP). Em 2007 a ACMP aliou-se aos Missionários Combonianos, ao Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos “Carmen Bascarán” de Açailândia e à recém-criada rede Justiça nos Trilhos, coalizão de entidades, pastorais, movimentos sociais e sindicais, grupos de pesquisa acadêmica que acompanham as comunidades impactadas pelos empreendimentos de mineração e siderurgia ao longo do Corredor de Carajás, nos estados de Pará e Maranhão.

Uma consulta coletiva a todos os habitantes de Piquiá de Baixo, realizada em 2008, chegou a definir, por relevante maioria, que a solução melhor para a comunidade fosse seu reassentamento numa área livre de poluição. Em paralelo, a ACMP e sua assessoria político-jurídica continuariam ações para garantir monitoramento, controle efetivo e redução das emissões, mitigação dos danos, responsabilização dos atores.

Não temos espaço aqui para detalhar a rica história de luta de Piquiá de Baixo, que vem sendo constantemente atualizada e sistematizada através de um hotsite[1] que recolhe o histórico das reivindicações, manifestações populares, ações jurídicas, alianças estratégicas e instrumentos de comunicação popular (vídeos, exposições fotográficas, panfletos, adesivos, peças teatrais...) úteis à afirmação do direito desses moradores vítimas do ciclo de mineração e siderurgia.

Analisamos brevemente a importância das alianças internacionais para o acompanhamento desse caso e, entre elas, concentramo-nos sobre o precioso papel de Vivat International no processo de advocacy para a defesa dos direitos dessas pessoas.

Vivat International é membro do Mining Working Group at the UN e tem aproveitado desse espaço para fazer conhecer os danos provocados pela mineração em diversas partes do mundo. Em abril de 2011, Vivat e a rede Justiça nos Trilhos publicaram uma declaração à ONU[2], solicitando que o Governo Brasileiro fosse interpelado a respeito da aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, especialmente a respeito do consentimento prévio, livre e informado das comunidades tradicionais ao longo do Corredor de Carajás atingidas pelos projetos de duplicação da estrada de ferro para escoamento do minério.

Em Maio de 2013, Vivat International apresentou uma Declaração à 23ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, mostrando preocupação sobre as propostas de modificação do Marco Legal da Mineração no Brasil. A rede Justiça nos Trilhos tem contribuído na redação dessa Declaração, a partir de sua experiência em Piquiá de Baixo e no Corredor de Carajás, ciente que um aumento descontrolado das operações de mineração traria novos impactos para as cerca de cem comunidades afetadas nos Estados de Pará e Maranhão e, em particular, para Piquiá de Baixo. Agir no contexto econômico-político que determina os impactos locais é estratégia importantíssima para atacar as causas das violações e não só amenizar seus sintomas. Depois de dois anos, o debate sobre o novo Marco Legal da Mineração ainda continua no Brasil, com um papel ativo da sociedade civil organizada, mesmo se com perspectivas de afirmação dos interesses das grandes empresas mineradoras acima dos direitos das comunidades e territórios.

A Igreja Católica sempre foi muito próxima à luta de Piquiá de Baixo. O momento mais visível que marcou essa aliança foi a XI Romaria da Terra e das Águas do Maranhão, realizada exatamente no Piquiá, em Setembro de 2011, com a participação de todos os bispos do Maranhão e cerca de dez mil pessoas das comunidades eclesiais de base desse Estado.

A confirmar a preocupação e dedicação da Igreja para com a peleja dos moradores de Piquiá de Baixo, o caso deles foi apresentado em Março de 2015, pela Red Eclesial Panamazónica e uma delegação do Consejo Episcopal Latino-Americano, frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), como um entre outros quatro exemplos de graves impactos que a indústria extrativa provoca sobre as populações do Continente.

A então Relatora Especial da ONU pelo Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, publicou uma declaração em Janeiro de 2014, afirmando: “Considero que essa iniciativa da Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP) tem o potencial de servir como referência para a definição de uma política clara do Estado brasileiro para as hipóteses de remoções forçadas, ou ainda para a composição de estândares internacionais avançados e mais adequados a respeito do tema, que reconheçam o direito das comunidades de serem reassentadas coletivamente e de planejarem elas mesmas o local em que elas e suas gerações futuras passarão a viver”.


QUE TODOS TENHAM VIDA
em toda a sua plenitude e dignidade
”,
VIVAT International 2000 – 2015.

Em Janeiro de 2014, quatro Relatores Especiais das Nações Unidas[3] enviaram uma interpelação ao Governo do Brasil expressando preocupação pelos relatos recebidos, sobre contaminação e envenenamento que continuam acontecendo em Piquiá de Baixo. A comunicação oficial apresentava dez requerimentos de informações específicas, sobre impactos, medidas de mitigação e de reparação. Dez meses depois, em Novembro, o Governo do Brasil respondeu à interpelação, de uma maneira que foi julgada insatisfatória pela ACMP e sua assessoria jurídico-política. A resposta do Governo foi apresentada na 28ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.

Vivat International, que se manteve em permanente contato com os Missionários Combonianos e a rede Justiça nos Trilhos sobre o caso de Piquiá de Baixo, interveio através de uma declaração pública na mesma sessão[4], expressando insatisfação pela resposta e requerendo o reassentamento imediato da comunidade, medidas efetivas de controle da poluição, cuidados para com a saúde da população local, reparações e compensações para as vítimas, bem como garantias de não-repetição e medidas para que as empresas siderúrgicas e mineradoras incorporem efetivamente em suas atividades o respeito dos direitos humanos.

A longa caminhada de Piquiá de Baixo rumo à vida com dignidade ainda não terminou, mas os passos dados até agora e a visibilidade nacional e internacional desse caso nos garantem que um dia essas pessoas alcançarão sua vitória e consolidarão seu testemunho de coragem e resistência, que já é símbolo e inspiração para diversas outras comunidades atingidas. O trabalho de advocacy e, em específico, o papel de Vivat International é ainda muito importante, para apressar esse dia e “forçar a aurora a nascer”.
P. Dario Bossi,
Missionário comboniano


[2] Indigenous Rights, Mining and Development: The Need for Free, Prior and Informed Consent.

[3] The Special Rapporteur on the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health; the Special Rapporteur on the implications for human rights of the environmentally sound management and disposal of hazardous substances and wastes; the Special Rapporteur on the human right to safe drinking water and sanitation and the Working Group on the issue of human rights and transnational corporations and other business enterprises. Reference: AL Health (2002-7) Toxic waste (1995-14) Water (2008-1) Business enterprises (2011) - BRA 6/2013.

[4]https://extranet.ohchr.org/sites/hrc/HRCSessions/RegularSessions/28thSession/OralStatements/76_VIVAT_GD_35.pdf


Índice do livro: “Que todos tenham vida – em toda a sua plenitude e dignidade”.
[15  Brasil – A longa caminhada rumo à vida de Piquiá de Baixo]
[15  Brazil The Long Journey to Life of Lower Piquia.]