As palavras de Jesus, no domingo passado, enfatizavam a necessidade de “dar fruto”: a Igreja, a vinha de Deus, não pode ser simplesmente decorativa, ornamental, e ser vista apenas como objecto de admiração. De facto, quem frequenta a igreja, deve “dar muitos frutos”, na vida real. Neste 6º Domingo da Páscoa, o evangelista João (15, 9-17) explicita em que consiste este “dar frutos”. Refere-se, de modo claro, a frutos como, por exemplo, o amor, a alegria, a amizade, a caridade, a bondade, a justiça, e a paz. Conclusão, quem segue Jesus Cristo e vive da Sua palavra deve dar bons frutos.

A liturgia deste 6º Domingo da Páscoa convida-nos a contemplar o amor de Deus, manifestado na pessoa, nos gestos e nas palavras de Jesus e dia a dia tornado presente na vida de cada um de nós por ação dos discípulos de Jesus. Ele define as coordenadas do “caminho” que os seus discípulos devem percorrer, ao longo da sua marcha pela história... Eles são os “amigos” a quem Jesus revelou o amor do Pai; e a sua missão é testemunhar o amor de Deus. Através desse testemunho, concretiza-se o projeto salvador de Deus e nasce o Homem Novo.

Como um rio em cheia!

Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor
João 15,9-17

O evangelho deste sexto domingo de Páscoa é uma continuação do evangelho do domingo passado ("Eu sou a videira e vós sois os ramos"). Estamos no capítulo 15 do evangelho de João. Este é o segundo de três vagas do discurso de despedida durante a última ceia de Jesus com os seus discípulos (capítulos 13-14; 15-16; 17). No discurso de despedida de Jesus, encontramos todos os temas caros ao evangelista São João. Estes capítulos (13-17) são como que a "magna carta" da vida cristã, à qual deveríamos regressar periodicamente para reler e reavivar a nossa fé.

Gostaria de me concentrar em cinco palavras/realidades que emergem da passagem evangélica de hoje: Amor/amar, Mandamento/mandar, Pai, Amigos e Alegria. São cinco "palavras" que, de certa forma, resumem a vida cristã. Espero que cada um de nós, num segundo momento, seja capaz de se debruçar sobre aquela palavra que, por um toque do Espírito, sentimos no nosso coração como sendo dirigida a nós pessoalmente.

1. O amor de ÁGAPE

"Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor". A palavra de ordem de domingo passado era "permanecer". A de hoje é amor/amar, que encontramos 19 vezes nas leituras (9 no evangelho, 9 na segunda leitura e 1 no salmo) e mais de 30 vezes na boca de Jesus no seu discurso de despedida. Em grego (a língua em que foi escrito o Novo Testamento) encontramos umvocabulário muito rico para exprimir o amor/amar, com uma grande variedade de matizes, mas três termos eram principalmente utilizados: éros, philía e ágape.

Éros (έρως) é, na sua maior parte, o amor sensual, apaixonado, sexual;
Philía (φιλία) é o amor de afeto, de amizade, recíproco entre amigos;
Ágape (αγάπη) é o amor que é gratuito, desinteressado, incondicional, altruísta, oblativo e, portanto, frequentemente associado ao amor espiritual. Em latim, é traduzido como cáritas.

Este termo "ágape", bastante raro no grego clássico, é o adotado pela Sagrada Escritura para designar o amor de Deus e a caridade fraterna. Ágape é a perfeição e a sublimação do amor. No Novo Testamento, a raiz deste termo grego aparece 320 vezes (Gianfranco Ravasi). Ágape tornou-se a expressão caraterística da concepção cristã do amor. 
Todo o cristão sabe que "Deus é amor" ( 1 João 4,7-10, segunda leitura) e que "toda a Lei encontra a sua plenitude num só preceito: Amarás...". (Gálatas 5,14). O amor sem limites a Deus e aos irmãos faz Santo Agostinho dizer: "Feliz aquele que te ama a ti, ao amigo em ti e ao inimigo por ti".

A palavra "amor" é tão usada e abusada, tanto na linguagem comum como na nossa esfera eclesial, que está gasta. Creio que nos faria bem fazer um "jejum" desta palavra para tentar redescobrir o seu sabor genuíno, que se perdeu. Ao falar tanto de amor, podemos iludir-nos de que sabemos amar. "Não nos embebedamos ouvindo falar de vinho" (Isaac, o Sírio). Em vez de falarmos dele, tentemos deixar que esta palavra ressoe em nós, que se torne "verdadeira" para nós, que nos surpreenda, que nos maravilhe, que nos leve até às lágrimas:"Jesus, sabendo que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" (João 13,1, introdução ao discurso de despedida). Aceitemos este amor transbordante, sem resistência, e deixemo-nos arrastar por este rio transbordante!

2. O MANDAMENTO

"É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei"; "O que vos mando é que vos ameis uns aos outros". Por estranho que pareça, a segunda "palavra" que mais se repete na passagem do Evangelho de hoje é mandamento. Mas será que se pode mandar no coração?! Sim e não! O amor é um dom, mas é também um compromisso, uma adesão e uma decisão da vontade. Podemos escolher viver no amor ou no desamor, na indiferença e até no ódio. Esta escolha é muitas vezes feita inconscientemente.
Enquanto o amor éros é espontâneo e instintivo, o amor ágape, pelo contrário, deve ser querido e desejado e, portanto, "comandado" pela razão. Nunca será "natural". É isto que Jesus quer dizer com o seu "mandamento novo"!

3. O PAI

"Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor". O "Pai" aparece aqui quatro vezes e mais de cinquenta vezes nos capítulos 13-17. Jesus fala do Pai com amor e ternura, com a exaltação de um amante, e quer transmitir-nos esta sua paixão. É o Pai que se ajoelha diante de nós, seus filhos, para nos lavar os pés, porque "quem me viu, viu o Pai!". É o Pai que, pela unção do Espírito, torna belos os pés dos seus filhos chamados a anunciar o Evangelho: "Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, o mensageiro da boa nova!" (Isaías 52,7). Todos os dias invocamos Deus como Pai, mas até que ponto a nossa imagem de Deus foi evangelizada? A pior consequência do pecado é desvirtuar a nossa ideia de Deus, que de Pai se torna patrão e juiz!

Oração de Madre Teresa para pedir o dom do amor

Ensina-me a amar

Senhor, ensina-me a não falar
como um bronze que ressoa ou um címbalo que toca,
mas com amor.
Torna-me capaz de compreender
e dá-me a fé que move as montanhas,
mas com amor.
Ensina-me o amor que é sempre paciente e sempre gentil;
nunca ciumento, vaidoso, egoísta ou melindroso;
o amor que sente alegria na verdade,
sempre pronto a perdoar,
a acreditar, a esperar e a suportar.
Finalmente, quando tudo tiver terminado
se dissolverá e tudo ficará claro,
que eu tenha sido o reflexo fraco
mas constante reflexo do teu amor perfeito.
M. Teresa de Calcutá

Padre Manuel João Pereira Correia mccj
Verona, Maio de 2024

Evangelho de João 15, 9-17

«Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.»