Logo a seguir aos pães que trasbordavam das mãos e dos cestos, no Evangelho do passado domingo, Jesus «obrigou os discípulos», que gostariam de ficar ali, na relva, a alegrar-se com o sucesso, a «embarcar e a ir adiante para a outra margem» (Mateus 14,22-33). Tem de os obrigar, não querem ir para o outro lado do mar, é terra pagã, há o risco de serem repelidos, como já tinha acontecido. E, de facto, a barca foi batida pelas ondas, porque o vento era contrário. Um vento que não sopra de fora, mas de dentro dos doze, como resistência àquela viagem rumo aos estrangeiros.

Manda-me! Comanda-me!

Mateus 14, 22-33

O evangelho do 18º Domingo do Tempo Comum contava-nos o milagre da multiplicação dos pães para uma multidão imensa, num lugar deserto, que terminou com a recolha de doze cestos cheios de restos. Segue-se o episódio bem conhecido de hoje: Jesus caminhando sobre o mar. Estes dois milagres – o da multiplicação dos cinco pães e dois peixes e o de Jesus caminhando sobre as águas – são uma nova epifania de Jesus, em que ele se revela como Messias (que, segundo uma tradição, realizaria o milagre do maná!) e como Filho de Deus (caminhar sobre as águas era uma prerrogativa divina!). E, no interlúdio, o evangelho apresenta-nos Jesus a rezar, sozinho, durante a noite, no monte (talvez o das bem-aventuranças!).

1. SAI e permanece no monte à espera do Senhor (Elias, 1.ª leitura)

Perante esta epifania, que o Senhor nos conceda a graça de sairmos das grutas onde nos refugiámos, como o profeta Elias, para acolhermos a novidade da passagem de Deus nas nossas vidas, já não como “uma forte rajada de vento capaz de quebrar os rochedos” – como poderia ser o vento novo de entusiasmo e de alegria juvenil da JMJ de Lisboa – ou como o terramoto ou o fogo dos nossos primeiros anos de compromisso cristão, mas como “uma ligeira brisa”, percetível apenas no silêncio do coração!

2. MANDA-ME ir ter contigo sobre as águas! (S. Pedro, no Evangelho)

a) Empurrados para a outra margem: “Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a subir para o barco e a esperá-lo na outra margem”. Este é o único caso, creio, em que Jesus “obriga” os apóstolos a fazer uma coisa. Imaginamos Jesus a empurrá-los para a barca, no meio dos protestos deles, que observam que é demasiado tarde, que o vento está contra eles, que é imprudente ir para a outra margem do lago, uma terra pagã e inimiga! E porquê deixar Jesus sozinho? Os apóstolos teriam gostado de ficar ali a gozar aquele momento de euforia com a multidão, mas não há nada a fazer! Com relutância, partem para a outra margem, levando com eles os doze cestos de pão. Assim acontece também connosco, a Igreja que Cristo empurra continuamente para “a outra margem”!

b) À mercê do mar e dos fantasmas! “Ao fim da noite, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar” e os discípulos, ao vê-lo, pensam que seja um fantasma. Aos elementos insidiosos do mar, da noite e do vento, junta-se agora um fantasma! Assustados, os doze gritam de medo. Mas imediatamente Jesus lhes diz: “Tende confiança. Sou Eu. Não temais!” O medo é o nosso companheiro permanente e o convite de Deus a não ter medo é o seu antídoto quotidiano. “Não temais” porque “sou eu”, ou melhor, “Eu sou”, que nos evangelhos evoca o nome de Deus!

c) Manda-me! Pedro toma a iniciativa – pela primeira vez, no evangelho de Mateus – e diz a Jesus: “Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas”. “Se és tu…”! Trata-se de uma dúvida e de um pedido de prova? Ou o efeito de uma emoção descontrolada após o pavor? Ou uma reação infantil e entusiasta? Ou um impulso de confiança no Senhor? Talvez nem Pedro saiba exatamente, como nós tantas vezes!
No entanto, chama-me a atenção a forma como Pedro formula o pedido: “Manda-me ir ter contigo sobre as águas”. Ordena-me! Comanda-me! Ele não diz: “deixa-me…” ou “concede-me…”. Não, ele pede para o fazer por ordem de Jesus, e Jesus concede-lho. Será para o testar? Ou será antes uma expressão de afeto para com Pedro? De facto, Pedro é o amigo preferido de Jesus, não João. Pelo menos de acordo com os evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas)!

Manda-me ir ter contigo sobre as águas! Na minha opinião, este é o pedido por excelência do cristão ! A nossa vida dificilmente é uma viagem num confortável navio de cruzeiro. É muitas vezes uma navegação num pequeno barco inseguro, à mercê das ondas. Mas, por vezes, parece-nos que até essa frágil segurança nos falta debaixo dos pés. E então só nos resta a fé nua e crua de caminhar sobre as águas. Não por confiarmos na nossa coragem, mas por acreditarmos no poder do seu comando. Manda-me, e eu caminharei sobre o mar agitado da doença! Ordena-me,e eu enfrentarei as águas ameaçadoras de uma crise matrimonial ou de uma relação infeliz com um filho ou uma filha! Comandai-me, e eu enfrentarei os ventos contrários das minhas paixões.

d) Salva-me! A fé é algo de tremendamente sério! Preciosa e frágil como a vida. Isso o verdadeiro crente sabe e experimenta. Basta um momento de afastamento do olhar de Cristo para nos sentirmos afundar. Pobre Pedro e pobres de nós! Porque é que Pedro duvida no meio do milagre? Talvez esperasse que as ondas do mar se acalmassem para poder caminhar em segurança. Mas assim não aconteceu. As circunstâncias exteriores não mudam. A fé não nos dispensa dos riscos. Por isso, não nos resta outra alternativa senão gritar: “Salva-me, Senhor!”. E o pescador é… pescado! “Pedro, no meio de um milagre, duvida: ‘Senhor, eu afundo-me’; mas, no meio da dúvida, acredita: ‘Senhor, salva-me!’” (Ermes Ronchi).

Hoje, poucos gritam: “Salvai-me!”. Porque Cristo já não é “o Salvador”. Salvar de quê? É muito revelador o que aconteceu a um padre que presidia a uma eucaristia de primeiras comunhões. Tendo sugerido de fazer orações espontâneas, uma menina disse: “Agradeço-te, Jesus, porque me salvaste… embora não me lembre de quê!”. Toda a assembleia se riu à gargalhada, mas quantos saberiam ir mais além da resposta formal aprendida na catequese?

3. A GRANDE DOR (S. Paulo, 2ª leitura)

O crente que tem consciência do que significa ser salvo ou estar perdido não pode deixar de experimentar na sua própria carne o que São Paulo diz hoje: “Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração… por amor dos meus irmãos, que são do mesmo sangue que eu”(Romanos 9,1-5). Ver os concidadãos, a família, os amigos longe de Cristo é para o crente um espinho na carne! Rezar por eles não é uma simples “boa obra”, mas a grave responsabilidade de responder à pergunta de Deus: “Onde está o teu irmão?”
Diz Matta el Meskin, monge cristão egípcio (+2006): “Pela oração, o homem torna-se sacerdote, no sentido em que se torna responsável pela salvação dos outros (…). Assumindo o pecado deles, gemendo do fundo do coração sob o seu peso e fazendo penitência, torna-se capaz, fazendo-se pecador no lugar deles, de pedir perdão por eles e de lho obter”

Para reflectir

  • Como é que eu ajo no momento da provação: com raiva ou com paciência? Com medo ou com confiança? Com desânimo ou com esperança?
  • Estou pronto a estender a mão para agarrar aqueles que se estão a afundar?
  • No meio das tempestades da vida… direi eu também como Pedro: Manda-me! Salva-me!

P. Manuel João Pereira, comboniano
Cidade de Castel d’Azzano (Verona), agosto de 2023

Mateus 14,22-33

«Coragem! Sou eu.»
Marcel Domergue

A solidão de Jesus

Jesus acaba de fazer a multiplicação dos pães, sinal anunciador da Páscoa. Dará aí a sua carne e o seu sangue em alimento, para fazer viver a multidão. Todos comeram e ficaram satisfeitos. E nada mais pediram. O texto não fala sobre a reação dos discípulos. Teriam compreendido o significado deste pão inesgotável? Jesus, em todo caso, despede a todos: manda os discípulos para a outra margem e as multidões às suas aldeias. Como se nada houvesse acontecido. Jesus fica sozinho. Pois, de fato, não é o único a saber, o único a conhecer o segredo do que vai lhe acontecer em Jerusalém? Sua oração solitária faz pensar no que irá ocorrer no Getsêmani. Ali também estará só: os discípulos irão dormir. Nos dois casos, o conteúdo da sua oração deve ser idêntico. Ninguém está com ele para abrir o caminho da Passagem. Mas, enfim, se ninguém está ao seu lado é porque o mundo todo está nele. Alguns traços podem aclarar o conteúdo desta sua oração: parece estar dividido. Deseja a vinda desta hora, que é aquela para a qual veio ao mundo, mas ao seu desejo mistura-se a angústia (Lucas 12,49-50). Chega até a pedir que Deus lhe afaste este «cálice», mas, ao mesmo tempo, escolhe a «vontade do Pai». São aspectos que podem nos ajudar a compreender melhor o que significa a «Encarnação»; Jesus não é nenhum super homem; é o «Filho do homem» e compartilha conosco plenamente os nossos desejos e angústias e a necessidade de escolher, característica da nossa condição.

O vento e a água

No texto, os discípulos estão sozinhos na barca, navegando em águas hostis. Águas que, bem entendido, lembram o «grande abismo» de Gênesis 1. O vento está presente também aqui, neste encontro, mas não mais como um leve sopro, voando como um pássaro. Agora é um vento maléfico, é vento de tempestade que, além do mais, sopra no mau sentido. Navegamos, pois, nas águas da morte e os ventos parecem com freqüência nos serem contrários. Quanto a Deus, tudo leva a crer que esteja ausente: Jesus não está na barca. Assim a nave vai. E tudo se passa à noite, no reino das trevas. Jesus, simbolicamente, vai enfrentar esta figura do lado angustiante da condição humana. Com efeito, tudo o que temos de viver, tudo o que podemos empreender, até mesmo sendo bem sucedidos, é afetado pela marca da insignificância, pela perspectiva da morte, na Bíblia representada pelas águas profundas. Jesus vai ao encontro dos discípulos pisando firme sobre as águas mortíferas, aquelas mesmas que haviam destruído a humanidade, no mito de Noé, ou que haviam feito os Egípcios submergirem, no livro do Êxodo. Esta marcha sobre o «mar» é a figura da vitória do Cristo sobre a morte. Todo este capítulo 14 de Mateus é composto de antecipações pascais que vêm responder ao anúncio da decapitação de João Batista (versículos 9-12, imediatamente antes da nossa leitura). Nem o abismo nem o vento maléfico nem a morte terão a última palavra. A palavra do fim, a Palavra derradeira é ainda o próprio Cristo, vivo para sempre.

A aventura de Pedro e nossa aventura

Notemos que, à primeira vista, o Cristo não é reconhecido; os discípulos o tomam por um fantasma, como em Lucas 24,37, quando Jesus vem encontrá-los depois da Ressurreição. Como aconteceu tantas vezes, Jesus os encoraja: «Sou eu, não tenhais medo.» No fundo, podemos pensar neste medo de Deus que secretamente nos habita. Quanto à reação de Pedro, muitos julgam ser absurda, parece querer de fato tentar a Deus: «Vamos verificar. Se na verdade é ele, então, eu também andarei sobre a água; se não for, afundarei.» Mas penso que este texto vai muito mais longe: também nós, seus discípulos, temos de estar com ele em sua travessia da morte. «Se és tu (e sei que é), manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.» Ali onde está o mestre, ali também deve estar o discípulo. «Aonde vou, tu me seguirás mais tarde…» (João 13,36, no limiar da Paixão). Em nosso relato, Pedro abraça a fé e esta fé o faz dominar as forças da morte. Mas eis que a força da tempestade (pensemos na prisão e na condenação de Jesus) toma posse do seu espírito e o medo substitui a fé. Instala-se a dúvida e Pedro afunda. Exatamente o que se passou no decurso da Paixão. No último momento, Jesus arranca Pedro do influxo das águas mortíferas. Isto tudo está escrito para nos fazer manter a confiança, até mesmo quando constatamos as nossas fraquezas ou mesmo em nossos eclipses de fé. Mais uma vez, o Cristo é que tem a última palavra. «Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus», dizem os discípulos no final da aventura: são as mesmas palavras da profissão de fé pascal.
Tradução de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara
http://www.ihu.unisinos.br

A barca da Igreja não foi feita para a calmaria,
mas para a tempestade

Ermes Ronchi

Logo a seguir aos pães que trasbordavam das mãos e dos cestos, no Evangelho do passado domingo, Jesus «obrigou os discípulos», que gostariam de ficar ali, na relva, a alegrar-se com o sucesso, a «embarcar e a ir adiante para a outra margem» (Mateus 14,22-33). Tem de os obrigar, não querem ir para o outro lado do mar, é terra pagã, há o risco de serem repelidos, como já tinha acontecido. E, de facto, a barca foi batida pelas ondas, porque o vento era contrário. Um vento que não sopra de fora, mas de dentro dos doze, como resistência àquela viagem rumo aos estrangeiros.

«De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar.» Não tem pressa: esperou três dias por causa de Lázaro, espera quase uma noite inteira de tempestade, três dias esperará para ressuscitar. Pelo contrário, apressa-se sempre quando à vista está a exaltação, a ovação. Pressa de se ir embora e de levar os discípulos. Porque o verdadeiro lugar dos crentes não está nos sucessos e nos resultados triunfais, mas numa barca no mar, mar aberto, onde mais cedo ou mais tarde, durante a navegação da vida, virão águas agitadas e vento contrário. Mas não serão deixados sós.

«Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» Ao convite de Jesus, Pedro, corajoso até à insconsciência, abandona todo o abrigo e caminha no vento e sobre as ondas. Sim, mas para onde? Irá verdadeiramente para Jesus quando o seguir, não seduzido por caminhar sobre as ondas, mas pelo seu caminhar rumo ao escândalo e à loucura da cruz.

Pedro irá atrás de Jesus não porque Ele sabe calar o vento, mas porque faz dalar tudo aquilo que em nós não é amor. Irá para o bom Samaritano na poeira dos caminhos do tempo, e não no brilho das águas miraculosas. Irá ao encontro do servo, não do milagreiro.

«Vem – disse-lhe Jesus», relata o Evangelho. Pedro, até ter olhos só para aquele rosto visível mesmo na noite, caminha sobre as águas. Quando volta o olhar para o vento, para as ondas, para o escuro, começa a afundar.

Se olho para o Senhor, se o escuto e vou para onde quer que seja, faço milagres. Olho para mim, para todas as dificuldades, e afundo-me. Se olho ao porque é que estou aqui, a quem me enviou, ninguém me detém. Se olho para a minha história acidentada, a dúvida bloqueia-me.

Pedro, em pleno milagre, duvida. Em pleno duvidar, acredita: «Senhor, salva-me!». Deus salva, aqui está toda a fé: Ele não é um dedo apontado, mas uma mão que te agarra. Um grito no vento. Basta um grito para atravessar o abismo entre Céu e Terra. Até que, no fim de cada nossa noite, o grito de medo se torne abraço entre o seu humano e o seu Deus.
Ermes Ronchi
http://www.snpcultura.org

O Senhor sempre nos diz:
“Não tenham medo!”

Enzo Bianchi

Logo depois de ter saciado a multidão numerosa (cf. Mt 14, 13-21), Jesus ordena que os discípulos o precedam até a outra margem do lago da Galileia, enquanto ele se detém para despedir aqueles que o seguiram. Jesus está atento às relações humanas, e os gestos prodigiosos por ele realizados são sempre acompanhados pelo seu cuidado pelas pessoas com as quais ele se encontra.

Ao mesmo tempo, ele enraíza o seu agir em uma profunda relação de amor e de confiança com o Pai. Por isso, ele procura com determinação espaços e tempos de solidão para estar diante de Deus em absoluta gratuidade e para discernir a sua vontade sobre a sua própria vida: também neste caso, Jesus “subiu ao monte, para orar a sós”.

À noite, ele ainda está sozinho, enquanto o barco dos discípulos está em mar aberto à mercê do vento contrário e das ondas: o evangelista já entrevê o caminho da frágil barca da Igreja na história, jogada entre adversidades e tensões comunitárias… Mas ela não é abandonada pelo Senhor Jesus, que não só reza pela sua comunidade, mas também se faz misericordiosamente presente aos seus discípulos, aquele que “está com eles todos os dias até o fim da história” (cf. Mt 28,20).

De fato, eis que, com a chegada da manhã, “Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar”. Sim, Jesus é o Emanuel, o Deus-conosco, aquele que está sempre ao lado quando as ondas se levantam no meio da tempestade (cf. Sl 46,4), aquele que passa sobre o mar com passos invisíveis para nos guiar (cf. Sl 77,20-21) e nos conduz ao porto suspirado (cf. Sl 107,23-30). Mas nós sabemos reconhecer a sua presença e pôr a nossa fé nele?

Os discípulos estavam com Jesus no meio do mar na noite em que ele aplacara a violenta tempestade com a sua palavra (cf. Mt 8,23-27); mas agora, vendo-o avançando sobre as águas, ficam perturbados e, assolados pelo medo, gritam: “É um fantasma!”. Porém, Jesus imediatamente os tranquiliza com poucas palavras extraordinárias, que querem aplacar a sua perturbação interior e infundir a confiança nos seus corações: “Coragem, Eu sou” – o Nome impronunciável de Deus revelado a Moisés (cf. Ex 3,14) – “não tenhais medo!”.

São numerosos os medos que nos habitam, todos gerados pelo “medo-mãe”, o da morte: mas Deus desde sempre exorta os fiéis a não temerem, a habitarem com segurança nele, como nos testemunham abundantemente as Escrituras, desde o Gênesis (cf. Gn 15,1) até o Apocalipse (cf. Ap 2,10).

E esse convite é particularmente frequente nos lábios de Jesus, até ser dirigido pelo Ressuscitado às mulheres na aurora da ressurreição (cf. Mt 28,10), o evento que marca a vitória definitiva do amor sobre a morte.

A nossa resposta a tal exortação deveria consistir em uma fé sólida, em uma certeza íntima do amor do Senhor por nós, sem necessidade de prova alguma. Contudo, muitas vezes cedemos à tentação de exigir de Jesus um sinal tangível, como Pedro faz aqui: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Na sua condescendência, Jesus lhe diz: “Vem!”, e eis que o impossível se torna possível graças à sua palavra que nos faz manter o olhar fixo nele, meta do nosso caminho.

Mas, assim que Pedro volta a dirigir a sua atenção para o vento impetuoso e cai vítima do medo, inevitavelmente começa a afundar. Então, só lhe resta a invocação sincera: “Senhor, salva-me!”, à qual Jesus responde prontamente agarrando-o pela mão.

Ao fazer isso, porém, não pode deixar de repreendê-lo: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?”. É uma pergunta que força Pedro a fazer as contas com a incredulidade que o habita, uma pergunta que somos chamados a deixar ressoar também no nosso coração.

Afinal, pouco antes, Jesus havia dirigido a todos os discípulos uma interrogação semelhante: “Por que tendes medo, homens de pouca fé?” (Mt 8,26).

Enfim, quando Jesus sobe no barco, o vento se aplaca. Então, os discípulos se prostram diante dele, acompanhando o seu gesto de adoração com uma solene confissão de fé: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”. Jesus se cala por enquanto, mas, mais adiante, esclarecerá o que significa e o que envolve o fato de ele ser Filho de Deus (cf. Mt 16,16.21).

Aqui, o seu silêncio é para nós uma pergunta: estamos dispostos a aderir a ele sem medo, crendo no seu amor (cf. 1 Jo 4,16)? Essa sólida confiança é a verdade de toda confissão de fé feita de palavras…
Tradução de Moisés Sbardelotto
http://www.ihu.unisinos.br