A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo Lucas 12, 49-53, que corresponde ao 20° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. No Brasil, tal como noutros países do mundo, celebra-se, neste domingo, a Solenidade da Assunção da Virgem Maria.

Lucas  12,49-53

Sem fogo não é possível

Num estilo claramente profético, Jesus resume toda sua vida com umas palavras insólitas: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!”. De que está a falar Jesus? O caráter enigmático da sua linguagem leva os exegetas a procurar a resposta em diferentes direções. De qualquer caso, a imagem do “fogo” convida-nos a nos aproximarmos do Seu mistério de forma mais ardente e apaixonada.

O fogo que arde no seu interior é a paixão por Deus e a compaixão pelos que sofrem. Jamais poderá ser revelado esse amor insondável que anima toda sua vida. Seu mistério nunca ficará encerrado em fórmulas dogmáticas nem em livros de sábios. Ninguém escreverá um livro definitivo sobre ele. Jesus atrai e queima, perturba e purifica. Ninguém poderá segui-lo com o coração apagado ou com piedade entediada.

Sua palavra faz arder os corações. Oferece-se amistosamente aos mais excluídos, desperta a esperança nas prostitutas e confia nos pecadores mais desprezados, luta contra tudo o que faz mal ao ser humano. Combate os formalismos religiosos, os rigores desumanos e as interpretações estreitas da lei. Nada nem ninguém podem acorrentar a sua liberdade para fazer o bem. Nunca poderemos segui-Lo, vivendo na rotina religiosa ou no convencionalismo “do correto”.

Jesus inflama conflitos, não os apaga. Não veio trazer falsa tranquilidade, mas tensões, confrontos e divisões. Na verdade, introduz o conflito no nosso próprio coração. Não podemos defender-nos da sua chamada por detrás do escudo dos ritos religiosos ou das práticas sociais. Nenhuma religião nos protegerá do seu olhar. Nenhum agnosticismo nos libertará de seu desafio. Jesus está a chamar-nos para viver em verdade e amar sem egoísmo.

Seu fogo não se extinguiu após mergulhar nas águas profundas da morte. Ressuscitado para uma vida nova, seu Espírito continua a arder ao longo da história. Os discípulos de Emaús sentem arder nos seus corações quando ouvem suas palavras enquanto caminham junto a eles.

Onde é possível sentir hoje esse fogo de Jesus? Onde podemos experimentar a força de sua liberdade criadora? Quando ardem os nossos corações ao acolher o seu Evangelho? Onde se vive de forma apaixonada seguindo seus passos? Embora a fé cristã parecesse extinguir-se hoje entre nós, o fogo trazido por Jesus ao mundo continua a arder sob as cinzas. Não podemos deixar que se apague. Sem fogo no coração, não é possível seguir Jesus.
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