O Espírito Santo nos recorda e nos faz compreender o Cristo e tudo o que ele fez e disse. Ele nos concede também ter para com o Pai atitudes filiais: os “modos” do Filho. Conforma-nos, por aí, à Sua imagem… Desde que O deixemos fazer, que Lhe abramos as nossas portas. Nada há no Espírito que não esteja no Filho, nada há no Filho que não esteja no Pai. E tudo isto nos é comunicado.
João 14,23-29
Após a fala de despedida, do domingo passado, temos hoje algumas das últimas palavras de Jesus, antes da sua Paixão. Promete aos seus amigos o Espírito Santo e a paz, a sua paz! A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 6º Domingo da Páscoa, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Jesus que parte e que vem!
Vive Jesus os últimos momentos entre os seus amigos, segundo, ao menos, o modo de presença habitual que conhecemos em nossas relações mútuas. Daí para frente, nada será mais como antes. Jesus parte e, no entanto, não se ausenta: um paradoxo! “Vou, mas voltarei a vós.” Virá com o Pai, fazer sua morada nos que o amam. Mas o que é amar a Cristo? É permanecer fiel à sua palavra. Jesus habita, portanto, todos os que guardam a sua palavra. Que palavra? O “novo mandamento” que ele nos deixou. Aquele mandamento que substitui todos os outros, porque contém todos eles: amar-nos uns aos outros.
O nosso amor a Cristo se materializa, se podemos dizer assim, em nosso amor ao “próximo”. E ficamos sabendo que fazemos alguém ser um próximo nosso na medida em que nos aproximamos dele (Lucas 10,29 e 36-37). Transformar o outro em nosso próximo é a mesma conduta assumida pelo Verbo quando se fez carne, só que num grau e num sentido inimagináveis.
Desde então, a humanidade toda é presença do Cristo. Fazer-nos próximos uns dos outros é tornar-nos próximos de Cristo, para uma habitação mútua. Deste modo é que Deus, os outros e cada um de nós entramos na mais estreita união de um corpo único. O Deus Uno realiza a unidade. Ele une porque é n’Ele mesmo União, como diz Santo Inácio de Antioquia em sua carta aos Tralianos. Está bem, mas de nós se requer a nossa liberdade, para que esta união se faça.
“O Pai é maior do que eu”
“Maior do que eu”, diz Jesus. Uma fórmula que não é muito considerada pelos teólogos. Parece dizer que o Filho é inferior ao Pai, o que vai contra o que a Igreja sempre disse a respeito da Trindade. Às vezes se quer escapar, dizendo que Cristo fala aqui “enquanto homem” e não enquanto Deus. Ambos “enquanto” nada satisfatórios: deixam crer que o Verbo teria assumido a natureza humana mais do que a natureza divina, num tipo de justaposição que faria de Jesus uma espécie de híbrido.
João 1 diz que “o Verbo se fez carne”: toda a divindade se passou a esta humanidade aí, à humanidade de Jesus. Como diz Santo Irineu, “o que era invisível no Filho era o Pai e o que no Pai era visível, era o Filho” (Cristo). João 1 diz que “o Verbo se fez carne”: toda a divindade se passou a esta humanidade aí, à humanidade de Jesus. Como diz Santo Irineu, “o que era invisível no Filho era o Pai e o que no Pai era visível, era o Filho” (Cristo).
Jesus, agora, vai deixar este visível, para reunir-se ao “invisível”. E encontrará aí toda a sua grandiosidade, exatamente Ele, que “não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas se despojou, tomando a forma de escravo” (Filipenses 2,5…). “Nascido de mulher, nascido sob a Lei” (Gálatas 4,4). Ora, precisamente este homem, que vai se reunir à incomensurável grandiosidade do Pai, é portador da nossa humanidade: estaremos assim, todos, destinados a esta grandiosidade do “maior do que eu”.
“E quando for e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também” (João 14,3). É preciso ousar crer nisto para “permanecer na palavra” do Cristo.
O dom do Espírito
O texto não fala somente do Pai e do Cristo, mas também do Espírito, que será enviado como o Filho foi enviado. Para o evangelho de João, o dom do Espírito é o fruto da Paixão do Filho. Em 7,39, está escrito: “não havia ainda Espírito porque Jesus não fora ainda glorificado”. É uma frase surpreendente, posto que a ação do Espírito é mencionada em toda a Bíblia.
Digamos que o Espírito visitava, inspirava, mas não habitava ainda de modo permanente a humanidade: ainda não éramos “templo do Espírito”. À frase de 7,39, é preciso juntar a fórmula polivalente que João usa para expressar a morte de Jesus: “entregou o Espírito”. O seu Espírito, que é também o do Pai e que pode ser chamado de “Amor”. Perfeitamente normal que o seu Espírito tivesse sido entregue, transmitido, na hora em que Cristo havia completado o ato insuperável de amor que pôs Deus no mundo.
O Espírito nos recorda e nos faz compreender o Cristo e tudo o que ele fez e disse. Ele nos concede também ter para com o Pai atitudes filiais: os “modos” do Filho. Conforma-nos, por aí, à Sua imagem… Desde que O deixemos fazer, que Lhe abramos as nossas portas. Nada há no Espírito que não esteja no Filho, nada há no Filho que não esteja no Pai. E tudo isto nos é comunicado.
Nada há, então, em Deus que não acabe por estar também no homem. Temos aí uma fórmula que também convém à Encarnação. O fato de que tenhamos de viver toda esta plenitude em meio a turbulências e tragédias não deve nos transtornar nem atemorizar: a cruz está sempre aí, mas tornou-se fonte de vida.
http://www.ihu.unisinos.br