Terça-feira, 2 de Fevereiro de 2022
Em Tumaco, Colômbia, nasceu há uma década o Centro Afro Juvenil, uma iniciativa que permite aos jovens apostar na paz e na transformação social mediante a arte, a cultura, o trabalho em equipa e a vivência comunitária da fé. [Ulrike Purrer, jornalista – Além-Mar]
Tumaco está localizada no extremo sudoeste da Colômbia, na região do Pacífico que faz fronteira com o Equador, longe dos centros políticos e económicos do país. O município regista níveis de desenvolvimento muito baixos no respeitante à saúde, educação e qualidade de vida, e ao mesmo tempo tem ocupado uma das primeiras posições nas estatísticas nacionais em relação à violência e tráfico de droga. A taxa de homicídios é altíssima e as principais vítimas são jovens, pois mais de metade das pessoas assassinadas na cidade têm entre 15 e 29 anos (Fundación Paz y Reconciliación, 2018).
Dos 217 mil habitantes do município de Tumaco, 45% têm menos de 20 anos. Mas as oportunidades académicas e laborais são escassas. Só seis em cada dez jovens terminam o ensino secundário (Save the Children, 2019) e destes, são poucos os que conseguem entrar na universidade ou obter um emprego decente (o desemprego da população economicamente activa era no ano de 2019 de 88%, de acordo com a Câmara de Comércio de Tumaco). É esta falta de oportunidades, juntamente com o enorme desejo de auto-superação, que marca a vida da juventude de Tumaco.
Neste contexto, os Missionários Combonianos optaram por um ministério pastoral que acompanha, fortalece e confia nas novas gerações. No início, foram alguns jovens do bairro Nuevo Milenio que se encontraram nas suas próprias casas, reunindo-se para discutir questões sociais, organizar acções para o bairro e partilhar a vida comunitária. Mais tarde, a dinâmica ganhou ímpeto, cada vez mais jovens aderiram, até que em 2011 foi construído o Centro Afro Juvenil, uma sala simples com paredes coloridas e equipada de forma descomplicada, o que facilita todo o tipo de actividades.
Projectos de vida
Desde a sua fundação, o Centro Afro tem assistido ao nascimento e crescimento de vários grupos infantis e juvenis, artísticos e desportivos. Alguns fecharam o seu ciclo de vida após alguns anos, devido à necessidade dos seus membros de procurarem estudos universitários ou trabalho fora de Tumaco. Saíram com um profundo sentido de pertença à sua comunidade e o desejo de regressar ao território como profissionais bem formados. Outras iniciativas do Centro Afro continuam a crescer, envolvendo sempre crianças e jovens.
Uma vez por semana, o grupo de jovens Descuádrate reúne-se para discutir diferentes tópicos e compromissos sociais. A partir de uma fé encarnada e com um espírito aberto e crítico, os seus membros analisam a realidade do município e do país e organizam dias de limpeza, ajuda aos necessitados, actos simbólicos de resistência, bem como actividades lúdicas com outros jovens. Em contraste com a média municipal, o elevado nível académico dos membros deste grupo é impressionante. Este é o resultado de um processo formativo cujo objectivo é um projecto de vida consciente e fortalecido com um forte sentido de comunidade.
Realidades transformadoras
Além dos seus grupos de jovens, o Centro Afro promove a arte como um instrumento de transformação social. Mais de 40 raparigas formam o grupo Naidí, que se dedica tanto à dança tradicional como contemporânea. Graças a uma formação muito disciplinada, alcançaram uma elevada qualidade artística, mas também um profundo sentido de pertença às suas raízes afro-colombianas. Além disso, o seu trabalho corporal colectivo tem um belo poder curativo, que fortalece as jovens para muitas realidades dolorosas das suas vidas.
Há seis anos, nasceu o grupo AfroMiTu, do género musical rap, que impressiona com o sentido crítico e o vigor das suas canções. Os jovens compõem as suas próprias músicas e escrevem as letras num processo colectivo baseado nas suas experiências de vida e realidades. Sob o lema «Gerar consciência», as suas canções são dedicadas à defesa dos direitos humanos, à promoção da não-violência e da paz, ao respeito pela mulher, ao cuidado da Natureza e, inclusive, à promoção do legado de São Daniel Comboni. No ano passado, os músicos aproveitaram a quarentena por causa da covid-19 para construir o seu próprio estúdio de gravação, que atrai novos jovens e é usado para produzir podcasts e programas radiofónicos sobre pedagogias da paz.
O Centro Afro também utiliza as diferentes artes circenses como estratégia pedagógica para os adolescentes aproveitarem a sua energia e tempo livre para um entretenimento criativo e no trabalho em equipa. O grupo Talento Renaciente começou sobre andas, exigindo coragem, agilidade e resistência física às crianças. Hoje em dia, não há nenhuma marcha pela paz em Tumaco que não seja encabeçada pelos caminhantes do Centro Afro. Depois aprenderam malabarismo, técnicas acrobáticas básicas, a andar de monociclos e, inclusive, espectáculos de fogo. É emocionante ver a alegria nos olhos dos jovens artistas quando o público os recompensa com um imenso aplauso, não por carregarem uma arma ou por serem os rapazes mais temidos da vizinhança, mas pelas suas habilidades artísticas.
Casa aberta
Além dos diferentes grupos de crianças e jovens, o Centro Afro é um espaço de portas abertas para toda a comunidade. Há muitas crianças que ainda não pertencem a nenhum dos grupos, mas que vêm para procurar ajuda com os trabalhos de casa, para pedir conselhos ou, simplesmente, para passar algum tempo num ambiente protegido, feliz e amoroso. Assim nasceu, por exemplo, o espaço ludoteca, com jogos e brinquedos para crianças pequenas e mais crescidas; a biblioteca, com a sua sala de internet, está também à disposição de quem dela necessita. Além disso, um grupo de mulheres reúne-se semanalmente no Centro Afro para partilhar um tempo agradável tecendo sacos, bolsas, brincos e, claro, laços de confiança.
Na ausência de um salão comunitário no bairro, o Centro Afro acolhe também muitas reuniões da Junta de Acção Comunal, do comité de saúde do bairro, das mães comunitárias e outras iniciativas.
É por causa desta abertura, mas também pelo seu compromisso permanente com a paz e a sua neutralidade para com todos os actores armados e políticos no território que o Centro Afro ganhou a confiança de muitas organizações.
Sentido de pertença
Todo o trabalho do Centro Afro é baseado nas capacidades e recursos humanos das próprias crianças e jovens. São eles que mantêm o espaço limpo, apanham o lixo, pintam as paredes e ajudam na manutenção do equipamento. A casa é deles e, portanto, eles têm de tomar conta dela. Não é uma instituição que presta um serviço, mas sim uma grande família cujos membros caminham de mãos dadas.
Esta forma de trabalhar torna o processo um pouco mais lento do que outros projectos mais apetrechados, mas ao mesmo tempo está a dar passos firmes e duradouros. Cada membro contribui com o seu tempo, conhecimento e recursos e, desse modo, constrói-se um processo verdadeiramente comunitário.
Um esforço particularmente interessante em vista da sustentabilidade do espaço, é uma pequena empresa organizada pelos próprios jovens sob o nome de Piqueteadero Centro Afro. Todas as tardes, os jovens preparam empadas, cachorros-quentes, espetadas e sandes que são vendidos a preços acessíveis para o bairro, mas que geram fundos para as despesas básicas do centro juvenil. Embora a iniciativa não seja muito lucrativa, é um sinal do forte sentimento de pertença dos jovens ao Centro Afro.
Espaço comunitário de fé
Finalmente, o que liga e sustenta todo este belo processo colectivo é uma profunda espiritualidade missionária. O lema de São Daniel Comboni «Salvar a África com África» tornou-se um compromisso vital tanto para a equipa coordenadora como para todas as crianças e jovens do Centro Afro. «Salvar Tumaco com o povo de Tumaco» significa caminhar de forma organizada, partilhar sonhos e dores, reconhecendo as capacidades uns dos outros e aprendendo uns com os outros, perdoando-se uns aos outros e construindo uma verdadeira comunidade de fé.
Com tudo isto, o Centro Afro é a expressão de uma presença comboniana muito especial nesta zona muito vulnerável, que inclui também as actividades paroquiais do bairro. Durante a semana, reúnem-se os jovens da catequese de confirmação e o grande grupo da Infância Missionária e, aos domingos, o centro juvenil transforma-se numa capela, tanto para a catequese da Primeira Comunhão como para a celebração da Eucaristia comunitária.
O Centro Afro é um espaço de partilha de uma fé libertadora que valoriza o protagonismo de um laicado empoderado e permite aos jovens serem construtores de uma pastoral encarnada e transformadora, ou seja, comprometida com o Ressuscitado cujas feridas são precisamente a maior prova do seu amor.
Ulrike Purrer, jornalista – Além-Mar