De volta da missão a que o Senhor os enviara, os apóstolos estavam cansados. Jesus então convidou-os a irem para um lugar deserto, afastado da multidão. Mas esta, ao vê-los embarcar, correu a pé e chegou antes deles! Jesus, então, encheu-se de piedade daquela gente, “porque eram como ovelhas sem pastor”. (...)

«Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco» (Mc 6,31)! É Cristo, o Bom Pastor, que Se compadece de nós, Seus discípulos missionários, e nos leva a descansar, nos conduz e nos prepara a mesa da abundância. Aqui reconforta a nossa alma. Vamos, na escuta da Sua Palavra e ao abrigo da Sua presença, celebrar o domingo do nosso repouso, da nossa paz e da nossa alegria no Senhor! (Newsletter da Paróquia de Freamunde)

Como ovelhas sem pastor

Marcos  6,30-34

De volta da missão a que o Senhor os enviara, os apóstolos estavam cansados. Jesus então convidou-os a irem para um lugar deserto, afastado da multidão. Mas esta, ao vê-los embarcar, correu a pé e chegou antes deles! Jesus, então, encheu-se de piedade daquela gente, “porque eram como ovelhas sem pastor”.

A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 16º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B (22 de julho de 2018), correspondente ao trecho de Marcos 6, 30-34. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

«Para um lugar deserto»

Vamos encontrar esta mesma formulação, palavra por palavra, em Mateus 14; após ficar sabendo da morte de João Batista, Jesus deseja um pouco de solidão. Aqui, em Marcos, o esquema é idêntico, mesmo se o contexto é um pouco diferente: buscando fugir da multidão, foram sozinhos, de barco, «para um lugar deserto». Mas em vão! Eis que, ao desembarcarem, muita gente havia chegado antes deles, a pé: era uma multidão em estado de carência, privados de saúde e de certezas. Assim como em Mateus, também aqui Jesus é “tomado de compaixão”. Mas, que decepção: ao invés das curas e da multiplicação dos pães (Mateus), Jesus “começou a ensinar-lhes muitas coisas”. A menos que se considere curar, alimentar e ensinar como equivalentes. Por exemplo, quando lemos um bom livro, não dizemos : “isto nos alimenta”; ou então, “agora vejo mais claro” (os cegos curados); ou ainda, “isto faz bem”, “isto muda tudo”? Seriam simples metáforas? Talvez, mas nem sempre a verdade está ausente das metáforas. Pensemos nesta do bom pastor que cuida das suas ovelhas e as alimenta, e comparemos com o versículo 34 do evangelho. Há uma analogia entre este texto e Mateus 14. Não quero dizer que se possa reduzir a multiplicação dos pães a um ensinamento, mas sabemos que nem só de pão vive o homem, mas também da palavra que sai da boca de Deus. Palavra terapêutica e nutritiva: é o pão verdadeiro, de João 6. O pão das nossas mesas, se bem que necessário, é somente uma figura daquele Pão «que dá vida ao mundo»(João 6,33).

O pastor está aí: ouçamos sua voz

A figura do pastor remonta aos grandes pastores nômades do Gênesis; Abraão, Isaac, Jacó. Através deles, Deus é o pastor que conduz seu povo. Em João 10, esta figura encontra a sua realização, a sua última verdade. Guiar, alimentar, curar, é certo que sim; mas como? “Dando a vida por suas ovelhas”. Quando lemos “pastor”, devemos pensar imediatamente no gesto pascal. Em João 21, Pedro foi declarado pastor das ovelhas, ao mesmo tempo que convidado a seguir o Cristo até “aonde não queria ir”. Neste evangelho, as ovelhas estão sem pastor: ninguém ainda deu a vida por elas. Pastores é o que não falta, com certeza, mas não são “bons pastores”. A estes, Jeremias (1ª leitura) opõe o “germe justo” de Davi, antevendo o Cristo no futuro. E hoje? Neste caos de ideias e projetos em que vivemos, em meio a tantos ‘gurus’ e tantos ‘líderes’, onde estará o Cristo? Para muitos, Jesus de Nazaré e seu Evangelho já estão gastos, superados. O mundo já fez a experiência do “cristianismo” e não deu em nada: o mal e a desgraça estão sempre aí. Na realidade, da mesma forma que para Jeremias, o Cristo está sempre por vir. E nós estamos somente no início da evangelização, que, aliás, é sempre a ser refeita. Como ovelhas sempre errantes, não sabemos para onde ir! Nossos caminhos são privados de sentido. Ovelhas dispersas, temos necessidade de sermos reunidos. Pois o pastor está aí: saibamos ouvir a sua voz, que nos ensina muitas coisas.

Iguais ao mestre

Mas será que o Cristo se contenta tão somente com nos comunicar um saber? Lembremos, além disso, tudo o que está dito sobre a vinda do Reino, sobre o chamado à conversão, quer dizer, a inversão do curso em nossa vida, que nos faz passar da “sabedoria deste mundo” ao caminhar na via que o próprio Cristo é quem nos abre. É a escolha da nossa verdade, da verdade de nossas vidas, a escolha da “nossa justiça”, conforme diz Jeremias. As ovelhas errantes, perturbadas por “todo vento de doutrina” (Efésios 4,14), encontram uma estrada segura que é o próprio Cristo: o que Ele oferece em seu “ensinamento” é sua própria pessoa. Longa é a estrada que nos leva a fazermo-nos Um só com o Ele. Jesus é quem nos ensina, nos forma e nos transforma, fazendo isto longamente, durante todo o percurso. Este caminho abre para nós sem cessar sempre novas paisagens, conforme as diversas e imprevistas situações que temos de viver. Mas a palavra, “ensinamento”, diz também outra coisa: é uma palavra que se refere a algo que se propõe, que se mostra, mas que deixa o destinatário em sua plena liberdade. É a palavra que expressa uma ajuda para se ver claro; é como a luz, mas a decisão permanece sempre com quem a recebe. Ensinar é pôr o outro em condição de poder exercer a sua liberdade; é também elevar o discípulo ao nível do mestre. De fato, em Cristo, somos feitos Cristos, filhos no Filho, o que compreende que adotamos “a sabedoria da cruz” (1 Coríntios 1,18-25).
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