Sábado, 8 de Maio de 2021
O Ciranda, um acrônimo para Centro de Inovação Rural e de Desenvolvimento Agroecológico, dá formação teórica e técnica em agroecologia para 70 famílias da cidade de Açailândia, como alternativa econômica à cadeia de mineração e ao agronegócio da região, que se encontra bem no meio do percurso da Estrada de Ferro Carajás (EFC). Segundo o coordenador Xoán Couto, o projeto brasileiro se inspira na Laudato si’, já que percorre o mesmo caminho que une a fé e a ciência, em “resposta às necessidades das comunidades, valorizando também os conhecimentos tradicionais.”
A “ciranda” faz parte do patrimônio cultural da maioria das crianças brasileiras. Uma música, com dança de roda, que lembra as mulheres de pescadores do nordeste do país que cantavam esperando os maridos chegarem do mar. Uma dança comunitária, sempre à espera de mais um, assim como acontece com um projeto desenvolvido na cidade de Açailândia, no Estado do Maranhão, em plena Amazônia.
Uma brincadeira levada a sério desde 2018. O Ciranda, um acrônimo para Centro de Inovação Rural e de Desenvolvimento Agroecológico, resolveu apostar na agroecologia como alternativa econômica à cadeia de mineração e ao agronegócio da região, que se encontra bem no meio do percurso da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que liga a maior mina de minério de ferro a céu aberto no mundo, em Carajás, no sudeste do Pará, ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão.
A ecologia integral, assim, surge como uma possibilidade real para que as famílias não dependam somente da mineração, mas que consigam resgatar a economia local, gerando renda pra dentro de casa, com menos impacto ao meio ambiente. O coordenador do Ciranda, Xoán Carlos Sanches Couto, leigo missionário comboniano, é quem explica essa nova relação com a Casa Comum que consegue ser adaptada à realidade de cada um: “O Ciranda promove tecnologias apropriadas para agricultores familiares e os camponeses. Aqui testamos e aplicamos tecnologias e formas de produção que são bem adaptadas à escala de tamanho das propriedades dos agricultores familiares aos seus conhecimentos, à força de trabalho que eles têm nas suas famílias, e ao meio ambiente que temos aqui nesta região.”
O engenheiro agrônomo é espanhol, há 20 anos no Brasil, trabalhando junto às famílias da Amazônia do Maranhão. No início, Xoán criou a Casa Família Rural, um tipo de escola agrícola comunitária para melhorar a vida e a educação dos jovens do campo. Hoje, junto com o Ciranda, os dois projetos ajudam na formação teórica e técnica de 70 famílias da região.
Nos cursos, os filhos de agricultores aprendem a se familiarizar com as formas de produzir as culturas agroecológicas, podendo reproduzir nas suas propriedades. São tecnologias apropriadas para a agricultura familiar que, uma vez aprendidas na escola, são repassadas para as famílias e comunidades num fluxo permanente de incentivo para permanecer no meio rural. Esse é um dos bons exemplos que vêm do Brasil, uma ação que não resolve os problemas globais, mas confirma “que o ser humano ainda é capaz de intervir de forma positiva” para melhorar o meio ambiente (Papa Francisco, Laudato si’, p. 40).
“Esta ideia do trabalho com agroecologia se inspira muito na Encíclica Laudato si’, assim como a encíclica que é uma junção da ciência e da fé – o Papa para dar essas exortações que ele dá na encíclica e a sua equipe buscaram o melhor que a ciência tem produzido para explicar a crise ambiental, para dar uma resposta desde a fé, mas também com base científica. Então, o Centro Ciranda também faz esse mesmo caminho. A gente usa o conhecimento científico, nós temos parceria com instituições de pesquisa, com universidades, mas, ao mesmo tempo, a nossa resposta é desde as necessidades das comunidades, valorizando também os conhecimentos tradicionais.”
Xoán dá exemplos das técnicas ensinadas, que vão desde a bioconstrução, uma forma de construção tradicional muito praticada na região com barro e telhas de material reciclado, até a fabricação de biogás e captação da água da chuva com cisternas. Mas também é praticada a avicultura caipira, a minhocultura, a piscicultura e a apicultura; os suínos são criados ao ar livre e os sistemas agroflorestais são incentivados através do plantio de árvores madeireiras e frutíferas, e também de culturas anuais que são a base alimentar dos moradores: “como milho, feijão, mandioca e etc. Tudo isso é plantado junto na forma chamada policultivo, onde não existe monocultura e uma espécie ajuda a outra de forma que temos um ambiente equilibrado e muito difícil de acontecer uma praga, algum inseto vir atacar e dar algum prejuízo econômico. Então, na forma de se inspirar na natureza – que tem a sua base científica também".
Apesar dos bons resultados, os desafios existem: é o caso das queimadas que chegam de outras propriedades. Xoán conta que geralmente conseguem salvar as culturas permanentes, mas as outras áreas, com experiências de pastagem ecológica e reserva de mata, são muito castigadas pelo fogo, como aconteceu nos dois últimos anos consecutivos.
“Isso é um desafio que nos leva a pensar como, para os próximos anos, a gente pode fazer barreiras florestais que sejam menos suscetíveis ao fogo e que a gente consiga vencer esse problema. Mesmo assim, os resultados são promissores: a gente vê nas famílias essa empolgação e vontade de permanecer trabalhando na terra, sabendo que tem essa missão de fornecer alimento para humanidade e que isso pode ser feito preservando a nossa Casa Comum, sem degradar o meio ambiente.”
A aliança com a natureza já está muito presente na vida da maioria dos camponeses. Porém, não são todos que têm essa consciência, pois o agronegócio está muito presente localmente, “transformando economias, paisagens e mentes”. Como confirma o Papa, na Laudato si’ (p. 38), “com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum” e “qualquer tentativa das organizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos”. Xoán tem plena consciência de que o Ciranda é uma experiência que “contraria profundamente as bases do mercado capitalista, onde mais vale quem mais tem e quem mais ganha dinheiro”.
“Por isso, muitas vezes, as famílias tendem ser ridicularizadas, a ser minimizadas, a dizer que isso não dá certo, que isso não consegue alimentar a humanidade, quando nós temos já várias pesquisas que dizem que, por exemplo: 1 hectare de agrofloresta – que é o método que nós trabalhamos, de sistema agroflorestal – se for considerar todos os serviços ambientais prestados, ele é mais produtivo que 1 hectare de monocultura de soja. Isso em termos monetários, mas também em termos ecológicos. Então, desmontar essa racionalidade monetarista é um dos desafios que nós temos e nisso iremos trabalhar nos próximos anos.”
[Andressa Collet – Vatican News]