Terça-feira, 16 de Setembro de 2020
Começando agora a reflexão sobre o 19º Capítulo Geral e a sua preparação, é bom voltar à Regra de Vida e ao que ela diz sobre a natureza e o objectivo dos Capítulos Gerais. "O Capítulo Geral", diz a RV no número 146, "é a autoridade suprema do Instituto, exercida de forma extraordinária e colegial, e expressa a participação de todos os missionários na vida do próprio Instituto. O Capítulo deve preservar fielmente o património do Instituto: o carisma do Fundador, a finalidade, o espírito, o carácter e as sãs tradições do Instituto". (…)

PREPARAR E REALIZAR O CAPÍTULO
COM S. DANIELE COMBONI

Introdução

Começando agora a reflexão sobre o 19º Capítulo Geral e a sua preparação, é bom voltar à Regra de Vida e ao que ela diz sobre a natureza e o objectivo dos Capítulos Gerais. "O Capítulo Geral", diz a RV no número 146, "é a autoridade suprema do Instituto, exercida de forma extraordinária e colegial, e expressa a participação de todos os missionários na vida do próprio Instituto. O Capítulo deve preservar fielmente o património do Instituto: o carisma do Fundador, a finalidade, o espírito, o carácter e as sãs tradições do Instituto". E depois, no número 153, especifica as competências do Capítulo, sublinhando que "o Capítulo Geral tem antes de mais a responsabilidade de promover a fidelidade do Instituto à sua missão específica na Igreja".

Afundar raízes no Vaticano II

Esta abordagem da Regra de Vida ecoa a visão do Concílio Vaticano II e o que o Concílio pede aos institutos e congregações: “A renovação da vida consagrada implica um retorno contínuo às fontes de todas as formas de vida cristã e à inspiração primigénia dos institutos, e ao mesmo tempo a adaptação dos institutos às condições mutáveis dos tempos” (1). E o Concílio afirma ainda: “portanto, procure-se conhecer e observar fielmente o espírito e os objectivos próprios dos fundadores, bem como as sólidas tradições, uma vez que tudo isto constitui o património de cada instituto" (2).

E acrescenta uma declaração, que é importante sublinhar numa altura em que precisamos de pensar na preparação do Capítulo Geral e no discernimento dos seus métodos de trabalho. "A renovação efectiva" diz o Concílio, "e a verdadeira adaptação não é possível sem a colaboração de todos os membros do Instituto". E conclui: "os superiores, então, em tudo o que diz respeito ao destino de todo o instituto, devem consultar e ouvir, de forma conveniente, os membros” (3).

O objectivo da renovação do Instituto, a ser perseguido em cada Capítulo Geral, é colocado pelo Concílio entre duas margens: o regresso ao Fundador e às sãs tradições do Instituto, por um lado; e a atenção aos sinais dos tempos e dos lugares, por outro. Como vimos acima, o Concílio apela a "uma atenção contínua às condições de mudança dos tempos" e fala em adaptar "a forma de viver, rezar e agir (...) às condições de hoje (...) em todo o lado, mas especialmente nos lugares de missão" (4).

Também no decreto Ad Gentes, o Concílio sublinha a dimensão da contínua renovação dos missionários, assegurada e supervisionada pelos Capítulos Gerais: “Os mensageiros do Evangelho, a fim de não negligenciar a graça que neles existe, devem renovar-se dia após dia inteiramente no seu espírito” (5). E conclui: "Portanto, todos os missionários (...) devem estar preparados individualmente (...) de modo a estarem à altura da tarefa que terão de desempenhar" (6). Assim, cada Capítulo Geral deve ajudar os membros do Instituto a estar à altura da tarefa missionária no contexto de cada momento do nosso percurso histórico.

Capítulo como Encontro

Como categoria básica da nossa reflexão proponho o conceito de encontro, que é hoje frequentemente utilizado para indicar a dimensão mais relevante do seguimento de Cristo e da missão cristã, e que podemos adoptar para tentar ver o Capítulo Geral não só como um facto canónico mas sobretudo como um acontecimento carismático e espiritual, que leva os membros do Instituto a um encontro com o Fundador, o intermediário do encontro com Cristo; a um encontro entre eles, ajudando-os a redescobrir a sua fraternidade e comunhão na missão comum; a um encontro com a Igreja, exortando-os a viver o seu carisma particular na construção da Igreja, semper reformanda, e na proclamação do Evangelho aos povos para a chegada da plenitude dos tempos; a um encontro com as sociedades em que vivem e trabalham, colocando o seu carisma ao serviço da transformação da sociedade segundo os valores do Evangelho.

1.- O Capítulo Geral como um encontro com o Fundador

Na dinâmica de preparação para o Capítulo Geral de 1969, o Padre Pietro Chiocchetta tinha preparado e oferecido uma reflexão aos membros da Comissão Central que estavam encarregados de preparar o Capítulo (7). Foi a partir desta reflexão que me inspirei para a preparação deste primeiro ponto.

Antes de mais, devemos tentar responder à questão do que “o regresso ao Fundador,” solicitado pelo Concílio e, portanto, por cada Capítulo Geral, pode significar e a relevância que o seu carisma pessoal e histórico tem para nós hoje.

O P. Chiocchetta sugere a imagem da semente: Comboni, a cada geração comboniana, é-nos dado como semente para transformar, com o dinamismo do Evangelho, a nossa vida e missão. Preparar um Capítulo Geral significa, portanto, preparar o terreno, que é o Instituto, para receber esta semente, de modo a que possa dar frutos.

A vida de Comboni adquiriu o potencial da semente do Evangelho no momento da sua morte (10 de Outubro de 1881, em Khartoum). Aceitá-lo como uma semente significa entrar na dinâmica da sua Páscoa, na entrega da sua vida a Cristo ("Sou feliz na cruz que, carregada de boa vontade por amor de Deus, gera o triunfo e a vida eterna").

Voltar ao carisma do Fundador significa apreender os elementos interiores e pessoais da espiritualidade de São Daniel, exemplificados nos últimos meses da sua vida. Primeiro, a humildade e a confiança em Deus.

Segundo, a paciência, ou seja, a pôr-se de lado para dar lugar a Deus e aos seus planos: saber esperar pelo tempo de Deus, sintonizar-se com a hora de Deus. A leitura das cartas do último ano da sua vida testemunha a paciência e a magnanimidade de Comboni em lidar com questões de pessoas, problemas do Instituto, situações em que foi humilhado e não foi tomado em consideração...

Terceiro, o zelo por Deus e pela regeneração da Nigrícia; isto é, deixar-se acender pelo fogo do amor, "por aquela caridade acesa com chama divina na encosta do Gólgota, e saindo do lado do Crucifixo, para abraçar toda a família humana", nas palavras do próprio Comboni.

“Daniel Comboni é uma semente. E poucas coisas, na natureza, são mais frágeis do que "uma semente". Mas talvez nenhuma seja mais tenaz e cheia de esperança do que ela. Mesmo que caia na rocha nua, tentará sempre encontrar uma fenda onde afundar a sua raiz. E é por causa desta sua fé tenaz que a terra é verde e nós estamos vivos" (8).

Na hora da renovação, que cada capítulo procura, "Comboni é a semente da nossa esperança". Como ele se ofereceu na sua agonia, dizendo aos seus missionários: "Coragem para o presente... E, acima de tudo, para o futuro" (9). O desafio é, na preparação e realização do Capítulo, deixar-se guiar por estes princípios seminais e sapienciais originais, e não pelos protagonistas de ideologias ou personalidades.

2.- O Capítulo Geral como um encontro com o Instituto hoje

Olhar o Capítulo como um encontro com o Instituto hoje ajuda a considerá-lo como evento, como um acontecimento convocador de todos os membros, na busca de uma consciência mais profunda da identidade e missão comuns. Também ajuda a compreender e enfatizar a tarefa e a responsabilidade dos membros do Capítulo, dos superiores provinciais (de direito) e dos membros eleitos.

A primeira coisa a emergir na fase de preparação é, portanto, a responsabilidade de todos, de cada Comboniano, no destino do Capítulo, da sua preparação e realização. Um momento saliente desta responsabilidade é a escolha dos capitulares. Mas não é o único: é importante sublinhar a responsabilidade de todos e de cada um nos encontros comunitários e provinciais, tendo em vista a preparação do Capítulo, a começar pela leitura da carta do Superior Geral e do seu Conselho e pela discussão dos temas e questões por eles propostos para o discernimento do Capítulo.

Neste contexto, é também bom sublinhar a importância do método de trabalho, tanto nas assembleias como nas reuniões preparatórias e na condução do próprio Capítulo: a importância do “ver, julgar e agir”. Acima de tudo, do ver: da consciência que os membros e todo o Instituto têm de si próprios e da sua missão. O Capítulo oferece a oportunidade de nos olharmos nos olhos e reconhecermos as nossas fraquezas e os nossos pontos fortes. Cada Capítulo oferece a possibilidade deste olhar profundo sobre o estado do Instituto e dos seus membros, e é uma oportunidade para promover essa reflexão sobre a nossa experiência, sobre o que estamos a viver. Reflexão que, temos que o reconhecer, nos falta, uma vez que entre nós a acção tende a prevalecer sobre a reflexão e corremos de um plano para outro, de um projecto para outro.

O Capítulo é a autoridade suprema (RV 146), mas esta autoridade deve ser exercida em "colegialidade", ao serviço da "participação de todos os membros na vida do Instituto", diz o mesmo número de RV, como vimos acima. Isto significa que os membros do Capítulo são soberanos na medida em que representam os membros do Instituto. Os membros do Capítulo são depositários do "ver, julgar e agir" dos membros, ou seja, do discernimento de todos os membros do Instituto. Esta consciência deve ser vivificada na condução dos trabalhos e deve levar o Capítulo a procurar formas de permanecer o mais ligado possível aos membros do Instituto, despertando a consciência comum, abertura ao discernimento em curso e aceitação das decisões do Capítulo por todos.

Tanto no processo de preparação como no decurso do evento do Capítulo "é necessário libertar-se da desorientação do individualismo e da clientela; porque, como se diz no Perfectae Caritatis"n. 4 (e já mencionámos anteriormente): "Não é possível proceder a uma renovação efectiva e a uma verdadeira adaptação sem a colaboração de todos os membros do Instituto" (10) .

Este compromisso de "encontrar todo o Instituto" no evento do Capítulo e de promover no Instituto uma renovação inclusiva que não deixe ninguém para trás (para usar duas expressões que estão na moda hoje em dia) ajudará a evitar duas armadilhas. Por um lado, a emergência de uma certa mentalidade que actua como um "bastião contrário" e elemento de bloqueio, que conhece uma certa ordem de coisas e tende a resistir à renovação (no Capítulo de 1969, o grupo de personalidades habituadas a dirigir o Instituto e a perpetuar-se no exercício da autoridade). Por outro lado, a afirmação de uma mentalidade ideológica, da moda eclesial do momento, da mudança a todo o custo e rapidamente (no capítulo de 1969, por exemplo, o grupo dos "profetas menores", os "iluminados" que mais tarde... deixaram o Instituto).

Manter esta visão do acontecimento do Capítulo como uma convocação de todos os membros do Instituto ajuda a encontrar o caminho de síntese que leva à renovação inclusiva (no Capítulo de 1969, o envolvimento de todos no acontecimento capitular e o sentido de responsabilidade dos capitulares ajudou a tomar o caminho de síntese e a levar a cabo a reconfiguração apostólica do Instituto tal como o conhecemos hoje).

O Capítulo, cada Capítulo, não é uma reunião de membros eminentes chamados a exercer uma tarefa através de "uma representatividade infundida" ou "clarividência ideológica" pessoal. É, ao invés, uma assembleia de pessoas que receberam uma missão dos membros do Instituto e devem trazê-la de volta a eles a cada momento. Portanto, em cada Capítulo, devem ser evitadas "soluções impostas" e "respostas fechadas" que deixam sempre fendas e divisões; e devem ser preferidas "respostas abertas", de acordo com a personalidade aberta de São Daniel Comboni (11).

Incluindo, nos temas propostos para o discernimento, a questão da visitação e revisão da Regra de Vida, o 19º Capítulo Geral reunirá o trabalho de reflexão realizado até agora e oferecerá ao Instituto um momento único de encontro consigo mesmo. 

3.- O Capítulo Geral como um encontro com a Igreja hoje

A leitura atenta das cartas escritas por Daniele Comboni a Propaganda Fide (ao Cardeal Giovanni Simeoni, num total de 20 longas cartas) durante o último ano da sua vida (Janeiro-Outubro de 1881) revela um missionário apaixonado pela Igreja, mesmo (e acima de tudo!) quando se sente maltratado por ela (na relação com Lavigerie e na questão dos limites do Vicariato).

Este zelo pela Igreja missionária do seu tempo, este sentido de comunhão e devoção cresce na hora do sofrimento, quando a semente está prestes a ser lançada, e na sinceridade e parresia. Comboni, de facto, não se abstém de criticar as decisões tomadas e os métodos seguidos nem de fazer sugestões, unindo a liberdade de espírito e de consciência com a fidelidade e devoção.

Esta referência eclesial, o apelo à Igreja como Povo de Deus, no qual o nosso discernimento deve ser inserido, está presente nos Capítulos Gerais mais recentes (12). Nos documentos do último capítulo, porém, esta referência é bastante fraca, reduzida a uma referência passageira (ver n. 6, que afirma a comunhão com a Igreja, e n. 46.2, que afirma que a Igreja local é o sujeito da missão). Em geral, nestes Capítulos limitamo-nos a citar o Magistério sem aprofundar a questão da nossa inserção na Igreja e, consequentemente, nas Igrejas locais. Estas declarações procuram ajudar os membros do Instituto a estar em sintonia com a Igreja do nosso tempo e lugares.

É o que fazemos também com o Magistério do Papa Francisco, que nos oferece tantas ideias para uma reflexão fundamental: citamos o Papa todos os dias para o nosso uso e consumo, passando de uma citação para outra sem promover uma reflexão integral para compreender, no que o Papa diz a toda a Igreja (ele, de facto, fala a toda a Igreja, com o seu apelo a uma reforma missionária), quais são os elementos que devemos apropriar para operar a nossa reconfiguração missionária, segundo o nosso carisma e as nossas possibilidades concretas (de pessoas e meios).

Ver o Capítulo como um encontro com a Igreja do nosso tempo, e com as Igrejas dos lugares em que nos encontramos, e situar a nossa renovação na esfera eclesial, não significa simplesmente procurar alargar o nosso "círculo de conhecimento" (as pessoas têm hoje várias maneiras de alargar o seu conhecimento da Igreja e do seu caminho). Trata-se, em vez disso, de ajudar os nossos confrades a alargar "o seu círculo de influência" (13); ou seja, assumir as suas responsabilidades como membros de uma Igreja que quer ser missionária (de saída ou nas fronteiras, para usar as conhecidas expressões do Papa Francisco). Para nós, é uma questão de reacender esse zelo pela Igreja e pela Nigrícia do qual São Daniel viveu: o zelo, originalmente, tem a ver com um fogo ardente no coração, aquela chama de amor que sai do Coração trespassado.

O facto de o 19º Capítulo Geral incluir na sua agenda o tema dos ministérios ajudar-nos-á a vivê-lo como um momento intenso de encontro com a Igreja do nosso tempo e estimular-nos-á a assumir, na nossa vida e missão, a visão de uma Igreja rica em ministérios e carismas; e a renovar, promovendo uma Igreja carismática, a consciência do carisma que, pela graça de Deus e pela mediação de São Daniel, é nosso.

4. - O Capítulo Geral como um encontro com a humanidade hoje

Nas cartas dos últimos meses, Daniel Comboni aparece como um missionário cercado pelas dificuldades mas apaixonado na sua doação, enraizado na fé e atento às necessidades da sociedade à sua volta; missionário que toma iniciativas para combater a escravatura (com a sua viagem a Kordofan e às montanhas Nuba) e planeia uma nova abertura missionária naquela região.

Ele juntou, podemos dizer, paixão por Deus e paixão pela regeneração da Nigrícia. Estes últimos meses constituem um fragmento precioso que revela toda a sua vida e o seu compromisso missionário; que combina, numa única gramática de amor e compromisso, a paixão por Deus e pela Humanidade.

No seu olhar para a sociedade que o rodeia, São Daniel parte da e chega à Cruz de Cristo. Entre ele e a sociedade, colocou Cristo e ergueu a Cruz como fonte da eficácia que procurava: "Sou feliz na Cruz, que carrego de bom grado por amor de Deus e que gera o triunfo e a vida eterna.”

Estas palavras, escritas ao P. Sembianti no último período da sua vida, encerram num momento crucial o estado de espírito de toda a sua vida como missionário. Este regresso ao pé da Cruz, à contemplação do Coração trespassado, onde tudo começou, enche de luz e coragem o seu tempo que agora se aproxima do fim. E este é o olhar sobre a sociedade que nos deixa como herança carismática, como uma semente destinada a transformar o nosso olhar e a nossa acção.

A atenção à transformação das sociedades e povos no meio dos quais vivemos cresceu nos últimos Capítulos Gerais. Entre as várias dimensões da sociedade (cultural, social, política, económica...) tem prevalecido o interesse pela justiça e pela paz (14), seguido do interesse pela cultura e pelo diálogo (15). O nosso olhar mais actualizado sobre a humanidade de hoje pode ser encontrado nos Actas do Capítulo 2015 (especialmente nos números 7-14); indo para além da abordagem tradicional, que centrou o olhar comboniano em África e nas Américas, o Capítulo 2015 também trata da Europa (nos. 46, 1-5).

Normalmente o nosso olhar sobre a sociedade e o nosso encontro com os povos à espera do Evangelho tendem a ser proféticos e denunciantes. Estamos inclinados a pensar que a nossa visão, a nossa postura faz a diferença e tem influência nos processos... pelo menos ao nível dos membros do Instituto.

Olhando para Comboni, precisamos de ir além da profecia e da denúncia - o que também ele foi capaz de fazer no seu tempo e circunstâncias - e chegar à Cruz, a esta capacidade de olhar a sociedade com os olhos de Cristo, e de colocar o Senhor e o seu Evangelho entre nós e a sociedade, tirando as consequências para a denúncia que se impõe e, acima de tudo, para a acção com que nos comprometemos. Só assim o nosso discernimento dos tempos e lugares, aos quais a Igreja nos chama em cada Capítulo, como o momento único da nossa renovação, estará em consonância com a inspiração e o carisma do Fundador.

5.- O capítulo geral como um evento multifacetado, com vários momentos

Há uma percepção que percorre a vida de São Daniel e dá consistência à sua visão e acção, como um fio condutor: a certeza do plano de Deus, o significado e a expectativa da hora de Deus. Deus escreve uma história com tempos e prioridades que nos escapam e nem sempre somos capazes de discernir. Os acontecimentos, no plano de Deus, fluem de acordo com os seus próprios tempos e prazos, que temos de descobrir e compreender. Daniel Comboni mantém esta perspectiva da hora de Deus também e sobretudo no meio das dificuldades a ultrapassar e das decisões difíceis a tomar: "A hora da redenção da nigrizia soou, e um dos sinais de que esta hora foi desencadeada é a actual tribulação que oprime o Vicariato" (Escritos, 5153).

Nesta perspectiva, a atenção do Capítulo centra-se nos tempos de Deus e nos Seus planos para o Instituto e a sua missão, no meio das dificuldades que encontramos no nosso percurso. Cada Capítulo Geral, neste sentido, é uma teofania à espera; e o discernimento do Capítulo ajuda-nos a compreender e a ver como a luz de Deus ilumina o diamante de mil rostos que é o Instituto na variedade dos seus membros, de novo esplendor e beleza.

A procura desta perspectiva de Deus ajuda a neutralizar a influência dos personalismos e dos elementos psicológicos e emocionais que, em cada capítulo, criam ondas desestabilizadoras que correm o risco de se desconcentrarem no exercício do discernimento. É, portanto, necessário encontrar uma síntese renovada entre a reflexão e a contemplação, entre o aprofundamento profissional e a abertura à graça divina na escuta da Palavra de Deus e na leitura dos sinais dos tempos e dos lugares, à luz da Palavra.

Esta perspectiva deve ser procurada nas três fases do acontecimento do Capítulo, que devem ser vistas em conjunto: a preparação; a condução do capítulo; e a transmissão do discernimento do Capítulo a todos os membros do Instituto. O capítulo deve ser visto como um evento com vários prazos e dinâmicas: a fase de preparação é a fase que permite uma maior variedade de abordagens tendo em vista a participação e interesse de todos; a fase de desenvolvimento é mais condicionada pelo seu próprio calendário e dinâmica (apenas os delegados ao capítulo, um tempo limitado, um estatuto e regras a seguir, etc.); a fase de transmissão é a mais aberta e longa, uma vez que tem um período de seis anos à sua frente e requer mais perseverança e empenho.

No nosso passado, temos estado interessados sobretudo na fase de preparação e na fase de desenvolvimento; e temos negligenciado a fase da transmissão. É necessário encontrar formas de envolver os delegados do Capítulo na transmissão do acontecimento capitular e de contrariar o sentimento de muitos deles, que consideram a sua tarefa concluída no dia do encerramento do Capítulo, deixando aos membros da nova Direcção-Geral a tarefa de transmitir o discernimento do Capítulo. Para ser eficaz, o acontecimento capitular necessita de dinamismo na transmissão, implementação e verificação, a ser estabelecido pelo próprio capítulo ou pelas Direcções-Gerais e/ou Provinciais. É uma questão de trazer a experiência carismática do capítulo à vida dos indivíduos e comunidades.

A consideração do capítulo como um evento multifacetado, um diamante com tantas faces quantos os membros do Instituto, permite-nos olhar para a riqueza que constitui a variedade de participantes, que está a aumentar nos últimos capítulos. O aumento do número de capitulares, por si só, pode aumentar a representatividade, mas não assegura o discernimento; pelo contrário, corre o risco de o tornar mais difícil, se considerarmos a falta de preparação e de conhecimento da situação do Instituto e das questões a serem tratadas por parte de não poucos capitulares. Olhando para os Capitulares, deve-se procurar um maior equilíbrio numérico entre aqueles que, por cargo, têm conhecimento do Instituto e das questões a serem discernidas (membros da Direcção Geral e superiores provinciais...) e aqueles que são eleitos sem terem necessariamente esse conhecimento prévio. Uma forma de solução seria encontrar uma forma de garantir a presença em capítulo, durante um período de tempo específico, de peritos e pessoas preparadas nos assuntos a serem discernidos, de modo a ajudar os capitulares na sua reflexão e decisão.

6.- Conclusão: a parábola da semente para recomeçar a partir das nossas fragilidades

Uma observação final, em conclusão, inspirada pela imagem da semente, e na mensagem do Conselho Geral para o 153º aniversário do Instituto, que cito livremente.

A convocação do 19º Capítulo Geral encontra-nos num momento completamente inesperado; vivemos e estamos a emergir de uma época de revelação surpreendente, uma época que nos obrigou a rever critérios e prioridades, a confrontar o nosso sentido de liberdade e responsabilidade, a questionar a nossa segurança e a revelar as nossas fraquezas. Uma época que fez muitas pessoas dizerem que, no momento da recuperação, "nada será como antes;" e que nos faz suspeitar (sem a pretensão de sermos profetas!) que mesmo "o próximo Capítulo não será como os anteriores".

O próximo Capítulo Geral apresenta-nos o desafio de parar um pouco para avaliar a nossa vida, a nossa missão, para nos olharmos nos olhos; oferece-nos a oportunidade de recomeçar a partir daquela descoberta que todos fizemos durante o "confinamento" causado pela pandemia da Covid-19 (a começar pelo Papa Francisco, a 27 de Março de 2020, em oração na Praça de São Pedro): a nossa fraqueza e fragilidade comuns. O vírus fez evaporar as nossas certezas ideológicas, fragmentou as nossas certezas, reduziu as nossas reivindicações a pó, perturbou os nossos projectos.

Do Evangelho (ver Mt 13, em particular 31-33), da parábola do grão de mostarda e do fermento, do nosso Fundador, da Igreja, da sociedade e da época em que vivemos, vem-nos este convite a ter a coragem de começar de novo a partir das nossas fraquezas, deixando a Deus a iniciativa, o primado; um convite a viver "este tempo de provação como um tempo de escolha" (16), para "reorientar o curso da nossa vida e missão para o Senhor, e para os outros (17)," para os que aguardam o Evangelho. São Daniel é-nos dado como uma semente de esperança e empurra-nos nesta direcção, convidando-nos a "ter coragem para o presente e especialmente para o futuro" (18).
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira, mccj

Notas:

(1) Perfectae Caritatis, Sobre a Renovação da Vida Consagrada", nº 2.

(2) Perfectae Caritatis, nº 2b. O itálico é nosso.

(3) Perfectae Caritatis, no. 4. O itálico é nosso.

(4) Perfectae Caritatis, no. 3.

(5) Em Ad Gentes, nº 24.

(6) Em Ad Gentes, nº 26.

(7) Pietro Chiocchetta, Danilo Castello e Stefano Santandrea: Daniele Comboni, indicações e sugestões para a nossa hora pós-conciliar. Organizado pela Comissão Central dos Missionários Combonianos, Roma 1968.

(8) P. Chiocchetta, op. cit., p. 24.

(9) P. Chiocchetta, op. cit., p. 113.

(10) P. Chiocchetta, op. cit., p. 81.

(11) P. Chiocchetta, no texto citado, fala das "soluções de crise" que marcaram o caminho do Instituto e que "deixaram fendas".

(12) Documentos Capitulares de 1991, nn. 1-4; Documentos Capitulares de 2003, nn. 10-14 e 24-27; Documentos Capitulares de 2009, nn. 49-52.

(13) As expressões "círculo de conhecimento" e "círculo de influência", creio eu, são de M. MacLuhan. Para ele, hoje em dia, numa sociedade globalizada, as pessoas têm um círculo de conhecimento que se expande infinitamente, porque têm a oportunidade (televisão, meios de comunicação social, redes sociais, etc.) de saber tudo o que passa no preciso momento em que isso acontece. Mas vêem o seu círculo de influência tornar-se cada vez mais estreito porque a sua capacidade e possibilidade de intervir nos acontecimentos diminui. Esta situação está na origem do sentimento generalizado de frustração e saturação de informação que hoje sentimos nas pessoas e também entre nós.

(14) Documentos Capitulares de 1997 (nn. 107-118); de 2003 (nn. 46-48); de 2009 (nn. 66-67).

(15) Documentos Capitulares de 1997 (nos. 32-52); 2003 (nos. 109-112); 2009 (n. 65).

(16) Papa Francisco, Momento Extraordinário de Oração, Adro da Basílica de São Pedro, 27 de Março de 2020.

(17) Papa Francisco, pátio da Basílica de São Pedro, 27 de Março de 2020. Citação adaptada...

(18) In Annals of the Good Shepherd 27, Janeiro de 1882, p. 55.