Segunda-feira, 8 de Julho de 1989
Do mesmo modo como pediram a alguns confrades combonianos, que se encontram a trabalhar na Europa, para contarem uma sua experiência pessoal no âmbito do tema da interculturalidade, pediram também a mim. Aceitei o pedido, sobretudo porque me disseram que deveria contar tudo em cerca de 500 palavras. Enfim, estavam a pedir-me poucas linhas e sobre a minha experiência pessoal. Não podia negar. Na foto: P. Arlindo Pinto à entrada da catedral de Nampula (Moçambique), em 2017.

TODOS DIFERENTES, TODOS IGUAIS
Testemunho sobre a interculturalidade

P. Arlindo Ferreira Pinto e P. Jerónimo Alberto Vieira da Costa em 1989, em Iapala (Moçambique).

Um dos slogans que, de há alguns anos a esta parte, mais me tem feito pensar é precisamente este: “Todos diferentes todos iguais”. Cheguei mesmo a escrever sobre este tema, nos anos 90, na nossa revista comboniana “Além-Mar”.

Parece que, hoje, é mais moderno falar de culturas e de interculturalidade. E não é por acaso que os Missionários Combonianos estão a dedicar todo este ano de 2019 à reflexão sobre a interculturalidade.

A interculturalidade é mais do que um tema teórico e abstracto para a reflexão, a meu ver, é um estilo de vida. Em poucas palavras: é um enriquecer-se com o outro e enriquecer o outro.

De 1997 a 2010, foi essa a minha experiência de pároco na Paróquia de Santa Cruz, na cidade de Nampula, em Moçambique, e de capelão e docente nas Faculdades de Direito e de Educação e Comunicação da Universidade Católica de Moçambique. Treze anos de vida intercultural, de muito diálogo e de enriquecimento mútuo.

De 1997 a 2010, P. Arlindo foi pároco da Paróquia de Santa Cruz, na cidade de Nampula, em Moçambique.

Na Paróquia de Santa Cruz, tive de me deixar confrontar com Macuas e Macondes – duas etnias moçambicanas, duas culturas com histórias bem diferentes –, com brancos, negros e mestiços, com as culturas urbana e rural, com as mais ancestrais tradições africanas e com as mentalidades ocidentais pós-modernas. Uma vida pastoral intercultural, de diálogo continuo. Dura, porque de sucessos e fracassos, mas de diálogo. Aprendi que o pároco não é quem manda, mas quem escuta. Não é quem decide, mas quem sabe procurar consensos na complexidade das relações pessoais e das distintas realidades sócio-culturais. Na verdade, os outros são diferentes de mim, mas são iguais a mim. Na Economia da salvação, os outros fazem parte da minha mesma Família, da mesma Fraternidade universal. Este é o Plano de Deus.

De 1998 a 2010, P. Arlindo foi capelão e docente nas Faculdades de Direito e de Educação e Comunicação da Universidade Católica de Moçambique.

Na pastoral e na docência universitária, enfrentei as diferentes cosmovisões culturais dos estudantes e dos colegas professores, as diferenças de fé e de culto – dos cristãos, dos muçulmanos, dos budistas, e das religiões tradicionais africanas –, a diversidade dos valores familiares e sociais, as diferenças na concepção do tempo e do espaço. A Universidade é um dos areópagos mais privilegiados para a interculturalidade, porque é na Universidade que se realiza o verdadeiro processo de ‘ensinagem’, isto é, o processo de ensino e de aprendizagem. A Universidade é um autêntico laboratório de interculturalidade: na universalidade do saber e dos saberes, do saber fazer e, também, do saber estar na sociedade e no mundo.

Comunidade missionária, em 1985, em Iapala (Moçambique): P. Vincenzo Capra, Ir. Cristina, Ir. Adelgunde, P. Arlindo Pinto e P. Jeremias dos Santos Martins.

Portanto, a interculturalidade vive-se, experimenta-se na ‘con-vivência’, no saber estar com o outro, muito diferente de mim – no modo de vestir, de comer, de raciocinar, de agir, de celebrar os momentos decisivos da vida humana, desde o nascer ao morrer, desde os ritos de iniciação ao matrimónio e ao funeral –, no saber escutar e dialogar, no deixar-se interpelar, no deixar-se transformar na própria maneira de ser e de viver. A interculturalidade é deixar-se encontrar pelo outro e encontrar-se com o outro ou com a outra pessoa, que tem hábitos muito diversos dos meus.

Hoje, sinto-me e vejo-me outro, um outro. Não sou culturalmente a mesma pessoa, não sou o mesmo Arlindo que era antes de partir para Moçambique.

Assim, à laia de conclusão, a interculturalidade é um estilo de vida que só nos enriquece.
Arlindo Pinto

P. Arlindo Ferreira Pinto e P. Jerónimo Alberto Vieira da Costa, em 1989, em Iapala (Moçambique).
De 1998 a 2010, P. Arlindo foi capelão e docente nas Faculdades de Direito e de Educação e Comunicação da Universidade Católica de Moçambique.