Domingo, 22 de Julho de 2018
No aniversário do assassinato do padre Ezequiel realizar-se-á uma "Romaria de terra e águas" (caminhada popular, procissão), em todo o Estado de Rondónia. Espera-se a participação de milhares de pessoas e dos bispos do Estado. O município onde o missionário Ezequiel foi assassinado declarou o dia 24 de Julho como feriado municipal, em comemoração à grande figura deste testemunho da fé. Esse é o depoimento do padre Cirineu Kuhn, missionário do Verbo Divino, citado no vídeo biográfico do P. Ezequiel Ramin, mártir da opção pelos pobres.
P. Ezequiel Ramin, comboniano: a vida pela Amazónia
“Aquela foto do Ezequiel caído no chão, todo perfurado de balas, aquilo me impactou muito. E… aquele sentimento misturado com muita indignação é que me levou a compor o Pai Nosso dos Mártires”.
Para começar a entender o Pe. Ezequiel são necessárias duas premissas: a sua família e formação, e a situação da Rondónia nos anos 80.
Nascido na Itália, em 1953, Ezequiel Ramin aprendeu desde cedo a viver a fé com autenticidade e engajamento. Estudou, cresceu e viveu sua juventude sonhando com soluções para alguns problemas dos países mais pobres. Não se contentou com teorias mas se envolveu directamente no movimento “Mãos estendidas”, até assumir a liderança. A maneira de ser de Ezequiel associava grande sensibilidade pelos pobres junto a uma personalidade forte. Pouco a pouco amadureceu sua vocação missionária. Entendeu que não era suficiente dedicar algumas horas por semana em benefício dos excluídos. Seu coração lhe pedia algo mais. Sentia que Deus o chamava a ir em missão além fronteiras, e por isso, decidiu ser missionário.
O Pe. Ezequiel tinha um belo sonho: amar sem fronteiras. Seu sonho não incluía somente a si mesmo, mas nele estavam muitas pessoas. Em 1984, chegou para ele a oportunidade de viver esse sonho missionário. Com 31 anos de idade, o Pe. Ezequiel foi enviado para o Brasil.
O Governo Federal havia iniciado naquela região um processo de colonização em grande escala. As pessoas vinham aos milhares dos quatro cantos do país, carregando suas coisas e tentando deixar para trás seus sofrimentos. Mas os lotes preparados pelo Governo não eram suficientes para tamanha quantidade de famílias que chegavam constantemente. Grande parte delas acabavam vivendo de favores ou trabalhando na terra de outros, porém sob a condição de dar parte da produção ao proprietário do lote, como agricultores “meeiros”. Desse modo, em Cacoal, como em toda Rondónia, havia muitíssimas famílias sem terra. Conflitos de terra eram, e ainda hoje são, resolvidos a preço de bala. A pistolagem era muito comum naquele tempo. Matar gente, para alguns, era uma profissão que rendia.
Ao chegar em Cacoal, no meio do ano de 1984, Pe. Ezequiel abraçou com garra e espírito de comunhão o projecto eclesial da diocese de Ji-Paraná e o trabalho pastoral realizado na Paróquia
de Cacoal pelos Combonianos. Encontrou comunidades eclesiais no interior e na cidade que contavam com lideranças com um bom grau de comprometimento e maturidade. Não teve dificuldade de se inserir. Suas constantes visitas lhe permitiram ver e experimentar o sofrimento vivido pelas famílias pobres e pelos indígenas. A dura realidade que encontrou o tocava profundamente. Sofria com o sofrimento do povo: “A cada cinco dias, um líder das Comunidades Eclesiais de Base é assassinado. Aqui as pessoas tinham terra, mas foi vendida. Tinham casas mas foram destruídas. Tinham filhos mas foram mortos. Tinham aberto estradas mas foram fechadas. Eu já dei a minha resposta a estas pessoas: um abraço!”
Diante disso tudo, o Pe. Ezequiel não foi omisso. Colocou-se corajosamente em defesa dos indígenas e dos agricultores pobres, na luta pelo direito à terra e à vida digna. Fez causa comum com os pobres da Amazónia. Compreendeu que ser missionário era servir aos que mais sofriam: “O meu trabalho aqui é de anúncio e denúncia. Não poderia ser diferente considerando a situação do povo. Precisamos apoiar bastante os movimentos populares e as associações sindicais. A fé precisa caminhar junto com a vida…”
Não demoraram a chegar-lhe ameaças de morte. Havia quem se sentia incomodado por sua solidariedade com as famílias pobres sem terra. Para alguns, sua amizade e apoio aos índios Suruí havia se tornado uma ameaça.
Em uma de suas últimas homilias declarou: “O padre que está lhes falando recebeu ameaças de morte. Querido irmão, se a minha vida lhe pertence, também lhe pertence minha morte”.
Mas se quisermos encontrar a verdadeira razão para sua actuação como missionário e sua entrega, aqui a temos em primeira pessoa: “Libertemos as pessoas da fome, das doenças, façamos delas pessoas livres, testemunhando deste modo o Cristo que está dentro de nós. A este ponto, amigos, se não fizermos parte da solução, faremos parte do problema. Pensem nisso e façam as contas!”