Sábado, 5 de Novembro de 2016
A Élia Maria Cabrita Gomes nasceu a 29 de Janeiro de 1955 e é natural de Paderne (Albufeira/Portugal). É enfermeira, aposentada. Em 2006, teve o seu primeiro contacto com a África num projecto de sete meses com a Assistência Médica Internacional (AMI), na República Democrática do Congo. Em 2011, agora como leiga missionária comboniana (LMC) partiu, por dois anos, para a República Centro-Africana. Acabou por ficar cinco anos nesta missão. Uma história de amor aos outros, contada pela Catherine Anthony.
Quando tinha apenas 16 anos surgiu uma oportunidade de fazer uma experiência de dois meses em Angola que considera ter sido “o clic para realizar um sonho”.
Infelizmente o seu pai não estava de acordo e não partiu. Ainda enquanto estudante de enfermagem pensava partir mas em 1976 ao terminar o seu curso começa a trabalhar no Hospital de Faro onde ficou até à data da sua aposentação, casa e tem uma filha.
Em 2006 tem finalmente a sua primeira experiência e parte por sete meses para a República Democrática do Congo com a AMI. “Foi uma experiência de apenas sete meses que serviu de estímulo e aumentou o meu desejo de voltar a África, de sair do meu comodismo e ir ao encontro de outros povos”, partilha. Começou a fazer voluntariado no Lar do Centro Paroquial de Paderne, a sua paróquia de origem, e descobre os LMC através da revista Além-mar que encontrou nos seus primeiros dias de trabalho. “Fiz a formação com os LMC (2008 – 2010), conheci Comboni, o seu lema “Salvar África com África” fazia todo o sentido, assim como sair, ir ao encontro dos mais pobres e abandonados, contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida e favorecer a promoção humana”, diz-nos.
Foi por dois anos e ficou cinco!
Em Fevereiro de 2011 chegou a Bangui (capital da República Centro Africana – RCA, a Mongoumba, por um período de dois anos, “sem expectativas preparada para aceitar e dar o que a missão me pedir”. Acabou por ficar cinco anos “com experiências de vida muito intensas. Os primeiros tempos foram de aprendizagem: ver e ouvir, aprender a estar, aceitar e respeitar, enfim dar os primeiros passos numa cultura e hábitos tão diferentes dos nossos”, diz-nos. Sobre o seu destino Mongoumba diz-nos que é a sede de um dos dez concelhos do distrito de Mbaiki: “é uma vila com cerca de 8.000 habitantes, situada a 190 km de Bangui, em plena floresta equatorial. Faz fronteira com a República Democrática do Congo e o Congo Brazaville. O concelho de Mongoumba tem uma população de 25.000 habitantes de várias etnias contando entre elas o povo pigmeu Aka. Os pigmeus são descriminados pelo resto da população que os utiliza como mão-de-obra barata, são os mais desfavorecidos da sociedade, vivem em vários acampamentos dispersos na floresta, quase todos habitam em casas de folhas, são poucos os que fazem casas de barro e de tijolo ainda menos, alimentam-se do que recolhem da floresta. Os seus bens resumem-se ao que podem transportar quando deixam o acampamento e partem, mais para o interior da floresta, para as campanhas de pesca, recolha de mel, lagartas… Produtos que vendem ou trocam por sal, panos para se cobrirem e pequenos adornos. Raramente têm dinheiro e o pouco que têm nunca é suficiente para pagar os cuidados de saúde.
A missão de Mongoumba tem como prioridade a evangelização do povo pigmeu e grande parte das nossas actividades têm em vista a melhoria das condições de vida deste povo e a sua integração social. Numa pastoral de proximidade e trabalhando na sensibilização e promoção da saúde visitei muitos acampamentos, visitei doentes, desparasitei crianças e nos dois primeiros anos, com a colaboração do exército francês, fizemos várias campanhas de tratamento do pian (doença contagiosa e incapacitante). Fiz muitos quilómetros a pé na floresta… Numa realidade dura que não é possível mudar, apenas retocar com um pouco de criatividade e ter esperança que as sementes lançadas deem fruto. Após vários anos de trabalho, em que a Missão serviu de ponte entre este povo e o Centro de Saúde público, o resultado começa a ser visível e gratificante, os pigmeus ainda são os últimos a ser atendidos nas consultas, mas são consultados e quando necessitam de internamento ficam nas mesmas enfermarias que o resto da população. Durante cinco anos uma das minhas actividades foi de vigilância para com os pigmeus internados, para que não fossem esquecidos, porque é muito fácil esquecer o tratamento ou dar a injeção a quem não tem voz! A ajudar-me nesse trabalho sempre contei com a preciosa colaboração dos dois agentes de saúde que trabalham no Centro de Reabilitação física da Missão. Muito do nosso trabalho é despertar consciências porque toda a gente é pessoa, em Sango “Zo kwe Zo” e como tal deve ser tratada e respeitada.”
Conta-nos que após o golpe de estado em março de 2013 “o país mergulhou no caos vivendo sob o domínio das armas durante três anos. A pobreza e o sofrimento da população atingiram níveis nunca antes imagináveis. Apesar das muitas ONG’s no terreno, a Missão Católica é quase a única instituição que continua, de forma constante, a trabalhar na defesa e promoção da dignidade deste povo tão sofrido, desenvolvendo actividades nas áreas da educação, saúde, promoção humana, pastoral, justiça e paz… Nos últimos dois anos o meu grande investimento foi na despistagem e tratamento das crianças mal nutridas, na sensibilização e formação dos pais sobre higiene e nutrição. Um trabalho desgastante tanto física como psicologicamente, mas tendo a compensação em cada criança que recuperou e voltou a sorrir. Tive a possibilidade de ter a trabalhar comigo uma boa equipa, gente da terra, disponível e interessada”.
Partir sem expetativas, regressar cheia de sonhos
Termina dizendo que apesar de ter chegado em 2011 sem expetativas, regressa em 2016 com o sonho de um dia regressar à missão da RCA e encontrar “casas que não são arrastadas pela chuva, com telhados que não são levados pelo vento; crianças saudáveis, bem alimentadas que têm livros e vão a escola; estradas sem buracos (mesmo as estradas de terra) e meios de transporte que aproximem aldeias, vilas e cidades; pigmeus que conhecem os seus deveres e são capazes de lutar pelos seus direitos; uma legislação nova em que as “bruxas” não vão a tribunal, mas sim os que as denunciam e atacam; centros de saúde e hospitais a funcionar com médicos e enfermeiros com formação, onde se fazem operações, análises e exames, onde há nome e causa para as doenças, deixando de haver doenças místicas; sonho que vou encontrar um país onde os pilares da educação, os professores, vão a escola e têm mais do que o 6º ou 9º ano de escolaridade; e, porque “Deus ama o seu povo”, tenho fé que o ódio que ainda existe vai dar lugar a uma paz duradoura num clima de amor e tolerância. É um sonho e uma esperança que as riquezas do país não vão só para os bolsos de alguns, mas passem a servir para melhorar a qualidade de vida de todos.
A missão não se faz sem amor! Gosto do país e gosto das pessoas, um povo que sofre, mas continua a rir, cantar e dançar. É o meu povo! Os mais pequenos são os que guardo com mais carinho no meu coração, recordar as crianças, os seus sorrisos puros e sinceros vai ser calor para as noites frias de inverno”.
Texto por Catherine Anthony, FEC – Fundação Fé e Cooperação