Segunda-feira, 7 de Dezembro de 2015
O Bernardino Dias Frutuoso, director da revista comboniana portuguesa “Além-Mar”, faz uma reflexão, no Editorial da edição deste mês de Dezembro, sobre “os tempos sombrios da Humanidade” que estamos a viver, para depois concluir com uma mensagem de esperança. Daqui, o título do seu texto “Renascer da esperança”, no qual sublinha que “as guerras não se combatem com guerras” e que “para isolar e eliminar o autoproclamado Estado Islâmico, a comunidade internacional deve começar por chamar à responsabilidade os países que financiam as suas actividades, facilitam e proporcionam o seu rearmamento, permitem a comercialização do petróleo que alimenta essa máquina de terror”. Enfim, na opinião do Bernardino, irmão missionário comboniano, “será necessário constituir uma coligação pluralista de nações e de meios diplomáticos para criar as condições para o diálogo e a paz”. Publicamos, de seguida, o texto completo do editorial.



Não à guerra,
outro mundo
é possível.

 

Renascer
da esperança

A filósofa Hannah Arendt reflecte numa das suas obras – Homens em Tempos Sombrios (1986) – sobre a humanidade que vive tempos caracterizados por chacinas, fomes, guerras fratricidas, injustiças.

Os vis atentados no coração de Paris, que todos condenamos, recordaram-nos que esses tempos sombrios também se vivem dentro das nossas fronteiras e não só nos países longínquos. Nesses dias, cresceu a intolerância, filha do ódio. Despertaram-se sentimentos de vingança e xenofobia. Procuraram-se culpados entre os refugiados que no Velho Continente desejam, precisamente, uma vida melhor longe da guerra. Para isso muito contribuíram, certamente, os órgãos de comunicação social, que mediatizaram o horror e deram «tempo de antena» ao Daesh; vimos nas televisões, uma e outra vez, as mesmas imagens, que propagaram a ideia de que vivemos numa aldeia global do terror. Faltou, quase sempre, a análise da situação geopolítica global.

Na França, o presidente François Hollande proclamou o estado de «guerra» e pediu ajuda aos aliados para as ofensivas militares. Os governos e a sociedade civil devem dar, obviamente, respostas contundentes a esses actos nefastos. No entanto, é necessário superar a lógica bélica. Esse é o pior dos caminhos, como comentou o pensador Edgar Morin, pois as guerras não se combatem com guerras. O Papa Francisco tem mencionado que vivemos uma III Guerra Mundial «aos bocados» e interpela sobre os negócios das armas. Para isolar e eliminar o autoproclamado Estado Islâmico, a comunidade internacional deve começar por chamar à responsabilidade os países que financiam as suas actividades, facilitam e proporcionam o seu rearmamento, permitem a comercialização do petróleo que alimenta essa máquina de terror. Todavia, será necessário constituir uma coligação pluralista de nações e de meios diplomáticos para criar as condições para o diálogo e a paz.

A mencionada obra de Arendt apresenta testemunhos díspares e «luminosos» de homens e mulheres da primeira metade do século xx que souberam nas suas vidas e obras ser luz, ainda que «bruxuleante e frequentemente fraca». Perante as chacinas de Paris também houve respostas edificantes e luminosas. Emocionou-me o texto de Antoine Leiris, jornalista que perdeu a esposa nos atentados e ficou com uma filha de apenas 17 meses. Escreveu: «Dor, sim. Ódio, jamais.» Explica que «responder ao ódio com raiva seria cair na mesma ignorância» dos autores dos ataques. Antoine experimenta a dor, mas não sente medo nem desconfiança, como pretendiam os sicários do Daesh. «Por isso perderam», garante.

Jesus Cristo, rosto visível da misericórdia e do amor de Deus, de quem celebramos o nascimento no Natal, encarnou para que todos tenhamos vida em abundância. Ao voltar a Deus e às raízes cristãs – como defendeu há dias a chanceler alemã, Angela Merkel, ao falar do acolhimento aos emigrantes – e ao orientar a nossa existência pelos valores do Reino que Jesus anunciou, a esperança renasce cada dia; assim, podemos sonhar e trabalhar para que os tempos sombrios da Humanidade se transformem em jornadas resplandecentes.


O Irmão Bernardino Dias Frutuoso (na foto, à direita) trabalhou na Rádio “Sin Fronteras”,
na Colômbia, antes de ser destinado à revista “Além-Mar”.