Domingo, 7 de Agosto de 2016
O Fórum Social Mundial (FSM) realizar-se-á este ano de 9 a 14 de Agosto, em Montreal (Quebec, Canadá). O FSM 2016 reunirá dezenas de milhares de pessoas, provenientes da sociedade civil de 120 países, das organizações e dos movimentos sociais que querem construir um mundo sustentável e inclusivo, no qual cada pessoa e cada povo tenha o seu lugar e possa fazer ouvir a sua voz. Estão já programadas mais de mil e duzentas actividades, apresentadas por cerca de mil organizações. O FSM é “um lugar de encontro aberto à reflexão, ao debate democrático de ideias, à formulação de propostas, ao livre intercâmbio de experiências e à coordenação de acções eficazes, por parte dos grupos e dos movimentos da sociedade civil”. Treze missionários combonianos e duas irmãs combonianas participarão no evento como “Comboni Network” e apresentarão alguns workshops sobre temas relacionados com questões de justiça social e ambiental. [Comboni Jipic Network].
Carminda Mac Lorin,
co-facilitadora de relações
do FSM 2016.
A maior parte dos participantes opõe-se a todas as formas de neoliberalismo e ao domínio do mundo por parte do capitalismo financeiro ou de qualquer outro imperialismo e sente-se comprometida com a construção de uma sociedade planetária orientada para relações justas e fraternas entre as pessoas e entre estas e o planeta Terra.
O slogan “Um outro mundo é possível” tem-se vindo a repetir desde quando se começou com o primeiro FSM em 2001, em Porto Alegre, no Brasil, passando depois por Venezuela, Mali, Paquistão, Quénia e Tunísia. Para esta edição do FSM em Montreal, alterou-se ligeiramente o slogan para: “Um outro mundo é necessário, junt@s torna-se possível”.
Este FSM de Montreal, organizado por movimentos sociais como contraponto ao Fórum Económico de Davos, é o 12° e o primeiro que se realiza num dos considerados “países desenvolvidos e ocidentais”. Para saber mais sobre o FSM, pode-se consultar o portal oficial da organização [clique aqui] ou também a rede canadiana CED (em inglês e francês).
O Canadá defendeu durante três anos a proposta de receber um Fórum junto ao Conselho até ser aprovada. Carminda MacLorin, música e co-facilitadora de relações do FSM 2016, que esteve em Porto Alegre em Julho passado, explica a candidatura da América do Norte.
“O que queremos é reafirmar que o paradigma norte e sul está mudando e não se pode considerar da mesma maneira. Há norte no sul e há sul no norte. Temos um sistema que é transversal, neoliberal, capitalista, que tem efeitos nefastos tanto no norte, quanto no sul”, diz.
A Comissão organizadora do FSM 2016 já conta com o envolvimento de 150 movimentos sociais canadenses, mas pretende chegar a ainda mais grupos.
A preocupação dos organizadores é que todos consigam espaço igual de participação e visibilidade durante o evento, independente de tamanho ou articulação. A questão de concessão de vistos, uma das críticas à candidatura de Montreal, está sendo trabalhada junto ao governo, mas não haverá vistos especiais para participantes.
Para Carminda, há ainda outro ponto que foi catalisador para a candidatura canadense e que pode ser um diferencial na edição em Montreal: o factor da juventude.
Em Abril de 2012, Québec viveu sua própria versão de Primavera. Milhares de estudantes, aproveitando a tradicional Marcha do Dia da Terra, saíram às ruas para protestar contra acordos que aumentavam os custos de educação no país. “Houve uma convergência de lutas, os cartazes dos estudantes andavam junto com os cartazes de meio-ambiente”, lembra Carminda que também participou das manifestações. O governo local respondeu à movimentação com repressão policial. Segundo a Amnistia Internacional, que denunciou as violações aos direitos humanos em campanha, em 40 dias, duas mil pessoas foram presas. Junto à população, no entanto, a repressão teve efeito contrário: pais e outros cidadãos se juntaram aos protestos em apoio aos estudantes, contra o governo da província.
Segundo Carminda, a jornada da Primavera do Québec ajudou a despertar consciência política numa geração que estava adormecida e criou a tradição de lutas recentes na parte francesa do país, que se tornou terreno para o Fórum. Antes de começar a trabalhar com a ideia da edição mundial, pessoas ligadas ao Colectivo responsável pelo evento, participaram de outros fóruns e chegaram a organizar dois fóruns regionais em Québec.
Povos indígenas e crise ecológica no centro da aldeia global
Embora o Fórum abra espaço para diversas temáticas – desde educação, saúde e pobreza até questões de género e economia social – em 2016 o foco vai estar nas questões ambientais e nos direitos dos povos indígenas.
Segundo Carminda, enquanto o Canadá apresenta uma imagem internacional de tranquilidade e desenvolvimento, a realidade nem sempre é assim. O país hospeda as maiores mineradoras do planeta e está presente em 80% dos projectos de mineração, além de explorar o fracking – processo de retirada de gás natural através de fracturação hidráulica, contestado pelos danos ao meio-ambiente. “São consequências que se sentem por todos os lados, mas também dentro do próprio país”, analisa Carminda. A questão de violações de direitos de povos originários do Canadá está mais visível e voltou a superfície dos debates nos últimos anos. Especialmente com iniciativas como a Idle no more – que defende soberania dos povos e direitos da água – e campanhas como No More Stolen Sisters (Sem mais irmãs roubadas) – que denuncia os desaparecimentos de mulheres indígenas, ignorados pelo governo canadense. Carminda MacLorin, filha de mãe salvadorenha e pai francês, explica ainda que como a História da colonização faz parte do passado recente, o trauma e estigma ainda são sentidos. “Nos anos 1950, crianças de comunidades autóctones eram retirados dos pais, deixando comunidades inteiras sem filhos”, diz ela. Em Montreal, assim como é parte da realidade brasileira, sem ter suas terras demarcadas, é comum encontrar indígenas em situação de rua, enfrentando problemas de alcoolismo, drogas e jogos.
Esses temas se somarão às novidades da política internacional como o governo do Syriza, na Grécia, e a ascensão do Podemos, na Espanha. O slogan oficial ganhou uma actualização. Ao invés do tradicional “Um outro mundo é possível” passa para: “Outro mundo é necessário, juntos é possível”.