Sábado, 1 de Abril de 2017
Encontramo-nos num tempo favorável – escreve o P. José Luis Rodríguez López [na foto], superior da Província comboniana de Moçambique de 2010 a 2016 – para avaliar a nossa vida consagrada, sobretudo como apóstolos de Cristo e seguidores de São Daniel Comboni. Um ano jubilar, para renovar as nossas forças e a nossa identidade comboniana, que nos convida a “viver a alegria do Evangelho no mundo de hoje”, celebrando os 150 anos da fundação do nosso Instituto. Enfatizo que é um tempo favorável para reflectir sobre muitos aspectos das nossas atitudes em relação à nossa espiritualidade, ao nosso carisma e à nossa missão. E não só reflectir, mas também avaliar e renovar a nossa vida, a nossa consagração e a nossa entrega à missão e à vida comunitária, pois podemos correr o perigo de passar este aniversário apenas celebrando e reflectindo, mas não avaliando e muito menos renovando o nosso agir missionário.


P. Filomeno Ceja Ceja,
comboniano mexicano,
no Guatemala.

Nas fotos em baixo:
missionários combonianos,
em Moçambique.

 

O conceito de Daniel Comboni “verdadeiros apóstolos” (E. 6297) parece muito comum no quotidiano da nossa vida consagrada, porém foi uma expressão viva e experimentada pelo nosso fundador, que nos convida a viver a radicalidade do zelo apostólico da nossa missão.

Comboni estava consciente de que esta obra (o nosso Instituto) era uma obra de Deus, constituída por pessoas humanas de diversas culturas e costumes, e sabia que a missão exige empenho e paixão diante das “dificuldades” e “desgraças”. Por isso, nos pedia não apenas de viver como “apóstolos”, mas sim como “verdadeiros apóstolos” do Senhor, “que adquire a sua força do alto dos Céus e ao pé da cruz” [E. 6297]. Da mesma maneira, as suas expressões de “cenáculo de apóstolos” e “santos e capazes” ajudam-nos a compreender que a missão está impregnada de um grande compromisso e exigência pessoal e comunitária para viver totalmente apaixonados pelo povo, dando testemunho credível de esperança, amor e justiça. Assim, compreendeu Comboni que é na cruz onde nasce a santidade do apóstolo. Os nossos mártires são o testemunho de esta entrega total.

Desta maneira, podemos compreender também nós, hoje, que celebrar os 150 anos da fundação do nosso Instituto requer muita humildade para podermos avaliar o nosso caminho missionário, ver os aspectos positivos e negativos dos nossos compromissos missionários e dos nossos relacionamentos intercomunitários, tendo como base os dois elementos que dão sentido à nossa identidade comboniana: a nossa vocação e o nosso carisma.

O primeiro amor

São Daniel Comboni viveu uma espiritualidade baseada em princípios de amor, de credibilidade e de crescimento pessoal.

O princípio do amor em Comboni é muito claro na sua evangelização, é um amor que dignifica a vida dos mais pobres e abandonados. Ele fixa o seu olhar e o seu objectivo missionário para esta parte da humanidade que vive esquecida por muitos motivos históricos e por diversas situações sociais.

Estou muito contente de finalmente me encontrar de novo entre vós, depois de tantas vicissitudes penosas e de tantos ansiosos suspiros. O primeiro amor da minha juventude foi para a infeliz Nigrícia e, deixando tudo o que me era mais querido no mundo...” [E. 3156] O primeiro amor de Comboni está contextualizado numa realidade muito clara que não podemos ignorar nem muito menos esquecer. É um amor não tanto geográfico, mas concretizado em pessoas e situações de sofrimento que lhe ajudaram a viver plenamente na e para a missão.

As diversas experiências que Comboni viveu (muitas delas entre fortes provações) não foram um impedimento ou um motivo para desviar os seus objectivos missionários. A sua entrega total aos mais desfavorecidos desta história foi coerente. Desta maneira, Daniel Comboni amava a sua vocação porque ela nasceu de um amor claro e definido, por isso, o amor de Comboni foi transmitido com muita serenidade e liberdade e sem criar apegos ou afeições que impedissem realizar o plano de salvação.

Na nossa vida quotidiana, passamos por diversas experiências que, muitas delas, nos desestabilizam e nos abalam, e às vezes não sabemos encontrar uma porta ou uma janela aberta para sair de essas situações, porque perdemos a capacidade de falar e de confiar. No meu ponto de vista, tal incapacidade surge da falta de olhar e de fixar a nossa atenção no primeiro amor: a nossa vocação. Não podemos amar os mais desfavorecidos desta terra se não amamos a nossa vocação e não nos identificamos com a nossa missão. Precisamos de voltar às nossas raízes e a viver as razões do nosso primeiro amor para podermos realizar a missão com amor pleno e livre, para sermos capazes de dignificar e valorizar a vida dos mais pobres e abandonados.

Um Instituto católico

Desde os primórdios do Instituto, Comboni sensibilizou e animou quase toda Europa para abrir os olhos do coração às necessidades dos pobres e dos desfavorecidos das terras de África. Como consequência, hoje podemos afirmá-lo, Deus foi abençoando o Instituto com muitas vocações, provenientes de diversos países. O que significa que a Europa se sentiu interpelada por este chamamento e enviou muitos missionários para a missão. Nesta perspectiva, Comboni intuiu o futuro do nosso Instituto como um Instituto formado por membros de muitas nações e culturas diversas, expressão universal de uma Igreja sensível e atenta às necessidades das populações mais carenciadas do mundo.

Contextualizando a visão de Comboni, hoje, apercebemo-nos de que esta continua a ser a realidade do nosso Instituto. Ou melhor, é uma verdadeira bênção o facto de Deus continuar a chamar homens de diversas latitudes para viver a missão com entrega e paixão. Por isso, Comboni desejava que todos tivessem “um espírito eminentemente católico e totalmente isento desse egoísmo de nacionalidade, cujas marcas se encontram em algumas obras de carácter similar...” [E. 1354] “Não todos italianos de nacionalidade, mas todos católicos de coração...” [E. 1875], abertos e dispostos a entregar a vida pelo Evangelho e por amor à missão. Isto porque só um coração católico está sempre aberto para sair e para acolher; para partilhar e para solidarizar-se com as pessoas mais vulneráveis e esquecidas desta terra e, sobretudo, para viver a alegria de ser consagrado, no meio das adversidades, e para dar testemunho da unidade – através da vida comunitária –, da solidariedade e da comunhão fraterna.

Os vírus que nos invadem

Sabemos que os vírus enfraquecem e destroem as pessoas e as comunidades. Falando da vida comunitária, em distintas ocasiões, deixamos entrar o vírus ideológico do continentalismo e dos nacionalismos e, pior ainda, dos provincialismos que acabam por romper com todos os esquemas possíveis de relacionamento humano, por dificultar a integração do outro diferente de mim, por minimizar o objectivo do nosso carisma e da nossa missão, e até por criar muros de indiferença e de ego-provincialismo, que só geram comunidades e circunscrições combonianas fechadas, infecundas e impotentes para sair e viver a missão com serenidade e alegria.

Daí a importância e a urgência de todos estarmos conscientes e convencidos de que, antes de mais, o nosso Instituto é católico. E que foi por isso que aceitamos entrar neste Instituto comboniano, o qual nos configura em Cristo e nos ajuda a encarnar, na vida pessoal e comunitária, as diferentes realidades – as alegrias e os sofrimentos – da missão onde quer que nos encontremos a trabalhar. Uma missão que – hoje é assim – não se reduz a um continente, a uma nação ou a um lugar geográfico, mas que prescinde das fronteiras e está onde estão as pessoas mais vulneráveis da humanidade.

Acolhimento comunitário

Referindo-se à nossa espiritualidade, o XVIII Capítulo Geral do Instituto comboniano abordou o tema do acolhimento, baseando-se na Exortação Apostólica do Papa Francisco, Evangelii gaudium. Aqui, retomamos algumas vozes dos nossos capitulares, eco de todo o Instituto, que nos interpelam a viver esta dimensão do acolhimento comunitário com uma atitude alegre e espiritual.

Somos todos convidados a abandonar complexos e preconceitos, a suspeição e o medo da diferença que o outro encarna. Pelo contrário, somos chamados a abrir-nos à confiança recíproca, ao conhecimento da cultura do outro, ao respeito e à valorização das diferenças. A tomada de consciência e a partilha das nossas riquezas e a relativização das visões culturais, religiosas e metodológicas ajudar-nos-ão a enfrentar as inevitáveis tensões” (DC nº 47.4).

Isto será possível se as nossas comunidades se tornarem testemunhas da unidade e do diálogo; se viverem a experiência do encontro fraterno, recuperando o método da correcção fraterna, sincera e amorosa para renovar a vida; se souberem acolher as diferenças, que só vêm enriquecer a nossa vida e fazer das nossas comunidades verdadeiras comunidades em “saída” e abertas à valorização e ao respeito pelas culturas que nos acolhem.

As comunidades acolhedoras assumem, com coerência, os quatro pilares que os capitulares apresentaram como os valores do nosso carisma: “Os valores do nosso carisma sejam expressos na linguagem nova inspirada pela Evangelii gaudium: ternura, misericórdia, simplicidade, humildade...” (DC nº 48.4). Estes valores libertam-nos de muitos preconceitos e prejuízos, e ajudam a tornarmo-nos autênticos consagrados e missionários disponíveis para sair ao encontro dos outros nossos irmãos e irmãs.

Sem dúvida que há muitos outros elementos sobre os quais devemos reflectir e avaliar, mas teremos ainda mais ocasiões para que a graça de Deus nos ajude a viver intensamente este 150° aniversário do Instituto com vontade de convertermos os nossos corações e de nos tornarmos “verdadeiros apóstolos”, a exemplo do nosso Fundador.
P. José Luis Rodríguez López, missionário comboniano.


P. José Luis Mejía González, em Moçambique.