Domingo, 12 de Junho de 2022
“O testemunho cristão, que está à raiz da missão, da evocação que torna presente o que se recorda; e torna-se profecia, isto é, antecipação do futuro e da plenitude que esperamos.” (Testo publicado na revista Além-Mar de Junho de 2022. Na foto: P. Manuel Augusto, falando aos missionários combonianos reunidos em Capítulo Geral, a decorrer de 1 a 30 de Junho, em Roma. À sua direita, o secretário geral do Instituto, Ir. Daniele Giusti).
Na celebração da Vigília Pascal deste ano, o Papa Francisco enriqueceu o vocabulário da missão com termos pascais e reconduziu a missão cristã ao seu contexto pascal. São palavras que ele tem usado noutras ocasiões, mas que aqui adquirem um significado particular. E que vale a pena evocar, neste tempo de Pentecostes. Na sua reflexão, o papa explorou três palavras, a partir da experiência das mulheres que foram ao túmulo na madrugada do primeiro dia da semana e o encontraram vazio.
A primeira palavra é ver. Isto é, viram, observaram atentamente o que encontraram. Não se trata de um ver externo ou distraído, mas de um ver para entender, perceber o sentido do que se vê e do que se encontra na vida, no caminho da nossa procura. Trata-se, como o papa diz noutras ocasiões, de um ver que procura o sentido, que leva ao discernimento; o primeiro passo do método de observação da vida que Francisco sugere (ver, julgar e agir). Num mundo vazio da presença de Deus, importa saber ver para entender esta ausência e nos abrirmos aos sinais da Sua Presença e à linguagem da sua Revelação.
A segunda palavra é escutar. Escutaram o que lhes disseram os anjos, que soou como um desafio, um convite a ver mais longe, a procurar noutro horizonte: «Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo?» Nas narrativas dos encontros dos discípulos com o Ressuscitado, que os evangelhos nos oferecem, é Jesus quem toma a iniciativa, se revela e fala; e é na escuta da Sua Palavra que os discípulos se reencontram e entendem o sentido da vida e da Páscoa de Cristo. Fala-se da graça de um novo entendimento da Escritura, de uma consolação da mente e do coração, que reconduz os discípulos à alegria e à capacidade de testemunhar o Senhor. A missão cristã nasce assim de um mandato, uma Palavra que sai da boca do Ressuscitado e que os discípulos acolhem.
A terceira palavra é anunciar. As mulheres regressam ao Cenáculo e anunciam aos outros discípulos a ressurreição do Senhor. Os discípulos saem do Cenáculo, impelidos pelo Espírito, dom do Senhor ressuscitado; assumem-se como «testemunhas do que viram e ouviram» e anunciam a salvação em Cristo. Anunciar é uma modalidade do testemunhar. É um testemunhar com a Palavra, juntamente com o encontro e a presença; é um partilhar de dons que abre ao diálogo de vida e de fé.
Estas palavras conferem à missão cristã a alegria pascal; e reconduzem-na ao encontro com o Senhor ressuscitado que está na sua origem. E que é a única garantia da sua fecundidade. Por isso, Francisco não se cansa de as conjugar na sua proposta de uma configuração missionária da Igreja e de as propor para renovarmos o nosso vocabulário da missão e a abraçarmos numa variedade de caminhos. Não se trata simplesmente de actualizarmos o vocabulário ou a narrativa; mas sim de nos empenharmos na vivência de modelos novos de missão, na fidelidade à consigna do Senhor ressuscitado: «Vós sereis testemunhas … Eu estarei convosco até ao fim dos tempos!» O testemunho cristão, que está na raiz da missão, vive da memória, melhor, da evocação que torna presente o que se recorda; e torna-se profecia, isto é, antecipação do futuro e da plenitude que esperamos.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Além-Mar de Junho